A ESTRATÉGIA DA COMUNICAÇÃO NÃO-VIOLENTA DE MARSHALL
BERTRAM ROSENBERG PARA O COMBATE DA VIOLÊNCIA
Marshall Bertram Rosenberg, psicólogo americano, (Ohio, 6 de
outubro de 1934; Albuquerque - 7 de fevereiro de 2015). Em 1961 obteve seu PHD em psicologia clínica pela Universidade de Wisconsin - Madison. No começo dos anos sessenta, em sintonia com o movimento americano dos direitos civis, Rosenberg começou a trabalhar como orientador educacional em escolas e universidades que abandonavam a segregação racial, processo este que não pôde ser chamado de transição pacífica. Durante este período tenso, porém frutífero, Rosenberg providenciava arbitragem e treinamento em técnicas comunicativas. Foi neste pano de fundo que, em 1963, desenvolveu um método comunicativo chamado Comunicação Não-Violenta (CNV), tendo-o aplicado e aprimorado desde então. Esta metodologia foi transcrita por seu autor na obra Comunicação Não-Violenta: Técnicas para aprimorar relacionamentos pessoais e profissionais, publicada no Brasil pela Ágora em 2006. De acordo com a página da organização sem fins lucrativos fundada por Marshall, Center for Nonviolent Comunication (CNVC), seu método de comunicação, que visa a resolução dos mais variados conflitos que se apresentam diuturnamente, tanto em núcleos familiares quanto em organizações de diversos setores, já foi objeto de treinamento e aplicação em mais de sessenta (60) países. No Brasil, nos últimos tempos, virou moda: cursos, oficinas, treinamentos on line pretendem ensinar os fundamentos da CNV. Antes de adentrar no conteúdo da obra e em seu significado, importa referir que o tema CNV é tão essencial que, assim como ler, escrever e fazer as quatro operações matemáticas, deveria ser ensinado a todas as pessoas. Mais do que uma técnica de resolução de conflitos como acima referido, constitui-se em um modo de viver, de pensar e de ser. Nas palavras do próprio Marshall, a Comunicação Não- Violenta “nos ensina a expressar o que está vivo em nós e a enxergar o que está vivo nos outros. Assim podemos descobrir o que fazer para enriquecer essa vida”. Em outras palavras, a Comunicação Não-Violenta vai além da ideia que tenhamos de não gritar, não brigar, ela engloba o melhor entendimento do que o outro está comunicando e das formas mais esclarecedoras que podemos transmitir o que queremos. O livro trata disso, das vantagens de ter uma melhor comunicação com todos ao redor e o que isso pode ocasionar de positivo em nossa vida. O autor conta das suas experiências como mediador de conflitos e separa os capítulos em assuntos: Podemos dar um jeito: como resolver conflitos de forma pacífica e eficaz; Amar sendo eu mesmo: como criar relações amorosas sem abrir mão de nossos valores e integridade; Superando a dor entre nós: como alcançar a reconciliação e a cura sem fazer concessões; O propósito surpreendente da raiva: para além do gerenciamento da raiva, como encontrar sua virtude; Criando filhos com compaixão: como educar de acordo com a CNV; Espiritualidade prática: reflexões sobre a base espiritual da CNV. Em relação propriamente ao processo que compõe a CNV, seu criador diz que ela se fundamenta em quatro componentes: a) observação; b) sentimento; c) necessidades; e d) pedido. De forma sintética, primeiramente, sem nenhum julgamento prévio, devemos observar o que está ocorrendo. Em seguida, identificamos como estamos nos sentindo em relação àquela situação. Ato contínuo, buscamos identificar a quais de nossas necessidades estes sentimentos estão conectados e, por fim, formulamos um pedido específico visando atender a estas necessidades. O autor, ao longo de sua obra, detalha cada uma destas etapas, exemplificando situações e sugerindo possíveis cursos de ação para colocar em prática a CNV. De forma direta, eficaz e simples, Marshall demonstra todo o potencial desta abordagem para restauração e/ou construção das relações em quaisquer esferas da vida. Muito embora ter sido criada há quase seis décadas, consoante já explicitado no introito, a CNV é extremamente pertinente e atual. Em um mundo cada vez mais intolerante, polarizado e individualista, encontrar mecanismos para promover uma verdadeira conexão entre os seres humanos, independentemente de suas culturas, crenças ou hábitos individuais, e criar relações empáticas é absolutamente fundamental. Sem isso, corremos o sério risco de sermos os responsáveis por nossa própria extinção. Para tanto, o autor apresenta uma metodologia extremamente simples, onde é possível, a qualquer pessoa, desenvolver uma Comunicação Não-Violenta, desde que, obviamente, seja capaz de desenvolver a empatia, com relação a si mesmo e aos outros. Dessa forma, poderíamos recuperar, mesmo que lentamente, a nossa natureza compassiva, substituída gradualmente por um comportamento violento e de submissão dos outros a si próprio, que Rosenberg denomina de “comunicação alienante, bloqueadora da compaixão, e que impede uma vida enriquecida pelo contato humano”. Sendo um processo centrado em que dois corações que se tocam, a comunicação será sempre de alguma forma violenta se ela ficar restrita ao mundo externo (entre o que eu digo e o que você faz). Assim, torna-se imprescindível converter nosso processo usual de comunicação em um diálogo mais profundo, que se estrutura a partir de quatro perguntas: O que eu observo? Que sentimento isso causa em mim? Qual é minha necessidade? O que eu espero que o outro faça para que eu tenha minha necessidade suprida? Por trás desses questionamentos, há algumas interessantes ideias. Primeiramente, tudo começa pela observação do outro, sem usar adjetivos, sem comparações, sem julgamentos, que tenta descobrir o que aquela pessoa faz que nos agride sem tentar inferir os sentimentos dela. Os julgamentos que fazemos dos outros geralmente são generalizações apressadas de sua personalidade a partir de comportamentos específicos, e essa generalização apressada geralmente é falsa. Julgamentos tendem a produzir resistência e, portanto, violência na comunicação humana. Julgamentos revelam mais nossos próprios preconceitos do que a realidade de fato. Precisamos começar a CNV informando ao outro que compreendemos o que ele fez (e o motivo pelo qual ele fez isso). Isso pode ser conseguido de várias maneiras, mas uma usual consiste em parafrasear o que a outra pessoa disse para verificar se realmente compreendemos seu ponto de vista. De outro lado, é preciso entender como o que acontece interfere em meus sentimentos, e mais especificamente que sentimento meu está sendo afetado. Nem sempre isso é claro. Geralmente dizemos “você me irrita”, quando o que se passa em nós é algo muito diferente. É preciso desenvolver um vocabulário emocional que nos permita expressar claramente nosso sentimento. O que os outros fazem é apenas um estímulo para o que sentimos (o sentimento é uma reação nossa). Outrossim, só podemos compreender nosso sentimento se entendermos nossa necessidade que está sendo frustrada por aquele ato, e é preciso identificar que necessidade minha não está sendo atingida cuja frustração gera aquele sentimento. Por fim, é necessário fazer um pedido específico (não um pedido vago) para que a pessoa possa colaborar. Esse processo geralmente implica um diálogo longo em que sentimentos e necessidades de ambas as partes são verbalizados (muitas vezes eram desconhecidos por elas mesmas) para então se atingir a cooperação. Esse processo não ocorre apenas na interação com o outro, mas também internamente, conosco mesmos. É preciso conectar-se compassivamente consigo próprio para poder me conectar compassivamente com os outros, aprender a se observar e compreender os estímulos que estão por trás de meus sentimentos, como eles afetam minhas necessidades e o que pode ser feito para mudar uma situação. A CNV não elimina a possibilidade de ser necessário recorrer à força física, mas é preciso distinguir um uso punitivo do uso protetor da força. Punir alguém pressupõe que essa pessoa seja intrinsecamente má, e que ela precisa se arrepender do que fez para mudar seu caráter, e que isso pode ser conseguindo impondo-se sofrimento a ela. Há vários dados da psicologia comportamental que invalidam esses três pressupostos, e o livro acaba abraçando a ideia de não-violência de Gandhi (aliás, o prefácio ao livro foi escrito por um neto de Gandhi, Arun, presidente do Instituto M. K. Gandhi para a não-violência). O pensamento do psicólogo Marshall Rosenberg utilizado para desenvolver o conceito de CNV foi centrado na crença de que boa parcela dos conflitos que temos com outras pessoas podem ser causados mais pela forma como expomos nossas ideias do que propriamente pelas diferenças de opinião. Para solucioná-los, há necessidade de estimular a compaixão e a empatia (também por isso chamada de Comunicação Empática). Nas palavras do psicólogo, a CNV “começa por assumir que somos todos compassivos por natureza e que estratégias violentas – se verbais ou físicas – são aprendidas, ensinadas e apoiadas pela cultura dominante”. Ou seja, em um ambiente que estimule a dominação, a agressividade e a competitividade, tendemos a nos comportar violentamente. Ao contrário, em ambientes cooperativos e acolhedores, tendemos a agir com generosidade. Desse modo, cada pessoa que esteja disposta a atentar para a sua forma de comunicação pode promover mudanças ao seu redor, em seu círculo familiar, profissional ou social, através de atos de acolhimento das necessidades do outro, da percepção do que ele está comunicando com a agressividade, o cinismo, a indiferença. Usar o princípio da comunicação não violenta por vezes não é uma tarefa fácil, depende de vontade, disposição e de um desejo de melhorar a si mesmo e as relações que desenvolvemos em nossa vida diariamente. É um exercício, um aprendizado consigo mesmo e com os outros.