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Dossiê Lacan

1.1 O Grande Outro e O Pequeno Outro


O sujeito se constitui a partir do outro. Porém, há o outro que pouco impacta na vida do sujeito, e há o
Outro, aquele cujo significante se impõe sobre o sujeito como uma força de determinação do mesmo. “São
significantes que se etiquetam ao sujeito e com as quais ele se identifica”. No entanto, nem sempre o
sujeito é aquilo que o Outro aponta para ele, e quando o sujeito se identifica com uma falsa caracterização
pelo Outro, há uma alienação, pois o sujeito se encontra alienado a esses significantes. O ego do sujeito
não é determinante do mundo, mas pelo contrário, é através dos significantes do Outro que o sujeito se
constitui, no plano inconsciente. O Outro equivale ao código dos significantes do sujeito. O Outro só é
acessível através do inconsciente. A linguagem vai dar significantes ao sujeito, que se diferencia dos outros
por meio destes significantes, e assim vai se caracterizar. O pequeno outro é aquele em que se deseja ter
semelhanças, identificações, no grande Outro, há a diferenciação. É do Outro que nascem as
determinações simbólicas do sujeito. O pequeno outro se refere aos outros de fato, num conceito geral.
Seria o outro real, o semelhante com os quais nos relacionamos.
1.2 O Objeto a
É o objeto que causa o desejo, sendo responsável também pela angústia, localizado numa intersecção
entre o real, o simbólico e o imaginário. A objeto a é proveniente do Outro, que elege uma pessoa para
contê-lo. Qualquer objeto deste mundo que satisfaça a pulsão, provoque desejo ou cause angústia exerce
a função deste objeto. O Objeto a representa o seio em Freud, ou seja, uma satisfação máxima de
completude que um dia tivemos, antes da consciência, e que hoje entendemos como falta e buscamos
incessantemente, sem nunca se completar. É ao mesmo tempo o objeto perdido e o objeto de satisfação
pulsional. O imaginário (dimensão das imagens, percepções, emoções, etc) se unem ao simbólico para
formar a realidade para o sujeito, mas a realidade de fato pertence a dimensão do Real. O Objeto a causa
uma ilusão de completude no sujeito em relação ao outro, e quando o sujeito chega perto de se sentir
completo, ele se distancia por força do Objeto a, que mantém esse desencontro e essa falta. É uma relação
de proximidade e distanciamento.
1.3 O Gozo
Em Lacan, é uma compulsão a repetição relacionadas a manifestações e interpretações de sofrimento.
Quando bebê, o sujeito vive a primeira experiência de atendimento das necessidades, havendo um prazer
associado, prazer esse que é intenso e internalizado. À medida que o sujeito vai se desenvolvendo, ele vai
se estruturando na linguagem, que não é capaz de expressar todo esse desejo, deixando uma quantidade
parcial fixada na compulsão a repetição. Para conseguir expressar esse desejo que está em inércia,
buscando repetir a experiência suprema que fora perdida, deve-se elaborar os significantes do sujeito afim
de dar novos significados ao gozo. A perda é a causa do desejo, que vai se direcionar aos objetos afim de
haver uma satisfação total. O movimento tenta ultrapassar o princípio do prazer, porém isso iria gerar
angústia, sofrimento pelo excesso, então o sujeito busca formas de resistir ao gozo e manter o equilíbrio.
Excessos, traumas, vícios, repetições, coisas que indicam um ponto de fixação. Há um sofrimento, mas há
uma satisfação pulsional.
1.4 Significante Mestre e Cadeia Significante
Um significante jamais existe sozinho, ele sempre depende de outro significante para formar significado,
ou seja, sempre existe em uma cadeia significante. A menor quantidade que o significante necessita para
produzir sentido é um par, ou seja, dois significantes já produzem significado. É, em essência, a cadeia de
linguagem que faz o laço com o outro. O significante mestre é tomado como ideal de eu, um valor a ser
seguido e que gera uma série de outros sub-valores (sociais e pessoais), sendo estes sub-valores a cadeia
significante. O S1 é o significante mestre, e a partir dele se encadeia os outros significantes (s1 ->s2->3,
etc). Os significantes recalcados se articulam na estrutura inconsciente como significantes mestres,
buscando outros significantes afim de produzir sentido nas ações da pessoa. O significante mestre é o
conceito maior que abrange os conceitos menores, e ao mesmo tempo modifica mesmo que apenas em
parte o seu significado. Para apreender isso claramente, basta simplesmente nos lembrarmos do
funcionamento do baseamento ideológico: num espaço ideológico flutuam significantes como “liberdade”,
“Estado”, “justiça” “paz” etc., e depois sua cadeia é suplantada por um significante-mestre (“comunismo”,
por exemplo) que lhes determina retroativamente a significação [...] (o basteamento democrático e liberal
produziria, evidentemente, uma articulação de significantes totalmente diferente, e o basteamento
conservador, uma significação oposta aos dois campos precedentes). Os significantes existem previamente
na linguagem, mas estão dispersos, desorganizados, o significante mestre irá agir retroamente e organizá-
los de forma a conferir um novo significado a eles. A forma como esse significante será interpretado
depende da formação discursiva (conjunto de significantes e significados) com a qual o sujeito lê
(interpreta) o significante.
1.5 Memória Discursiva

A memória é criada socialmente, construída a partir de discursos e internalizada pelos sujeitos, preenchida
pelo imaginário e por vivências comuns forjadas. Novos discursos reconstroem essas memórias,
preenchendo algumas lacunas mas sempre deixando vazios a serem completados por outros discursos. As
memórias, obviamente, são interpretadas a partir dos significados já estabelecidos anteriormente aos
significantes. A memória discursiva busca símbolos e imagens para produzir um sentido comum. Assim, a
memória discursiva se encontra numa dialética de mutabilidade e estabilidade, desbocando em
materialidades. Portanto, toda formação discursiva se encontra dentro de uma memória discursiva. Isso
implica que, a medida que um novo discurso se forma, há o esquecimento de um antigo discurso, agora
rememorado a depender da necessidade do agente produtor de memória, e o sujeito que reproduz essa
nova memória sempre se percebe como na origem do discurso, como se ela fosse completa, o que
constitui uma ilusão.
1.6 Os 4 Discursos de Lacan
O discurso é formado por quatro posições; o agente/a verdade, e o outro/a produção. Todas essas
posições se relacionam de forma a construir o discurso, os significados. “todo e qualquer discurso
apresenta uma verdade que o move, sua mola propulsora, sobre a qual está assentado um agente, o qual
se dirige a um outro, produtor, a fim de obter deste uma produção”. O Agente do discurso é o significante
mestre do mesmo, e em cada tipo de discurso (do mestre, da histérica, do analista e da universidade) há
um agente dominante, o S1. A partir do discurso do mestre (discurso do inconsciente, da linguagem), os
outros discursos serão deduzidos, interpretados. No analista, o s1 é o Objeto a, na histérica, o s1 é o
sintoma, na produção, o S1 é o Outro. No discurso universitário, é o objeto. O Objeto a, o analista, é um
suporte para as fantasias do paciente, e o Outro se torna um sujeito, o paciente, e os significantes que
estão gerando sintomas nele. Há os discursos da impotência (d. da histeria e da universidade) e os
discursos da impossibilidade (d. do mestre e do psicanalista), sendo estes os caminhos impossíveis ou
barrados, impotentes de serem feitos, a partir da vinculação das posições discursivas. Esse estudo foi
publicado no seminário 17, onde também foi formalizado, produzido em 1969/70, logo após a Revolução
de 68 na França, a qual Lacan sobreviveu enfim.

1.7 Significante Nome do Pai


É o pai enquanto função simbólica, que constitui o sujeito do desejo, sendo parte da estruturação do
sujeito a partir do complexo de édipo lacaniano. Ele ocupa o lugar que até então era o lugar da mãe
simbólica. É o conceito de que o significante depende do entendimento do Outro e sua interpretação do
significado que expressamos, e também que esse significante depende de limites, leis, de forma mais geral
(social, intra-familiar) e linguística. O pai representa a lei no campo do simbólico. É por meio desse signo de
autoridade que se estabelece na criança a noção de ordem simbólica, e o respeito por figuras de
autoridade, e na noção de que cada um tem seu papel social. O complexo de édipo é uma representação
da ordem simbólica. O pai, a partir do significante do complexo de édipo, é quem tem a função de agente
da proibição do acesso ao objeto causa-de-desejo. Essencialmente, é a função paterna. A ordem simbólica
significa também a ordem correta das coisas no mundo.
1.8 Os Quatro Conceitos Fundamentais da Psicanálise
Inconsciente, repetição, transferência e pulsão. Sobre a transferência em Lacan, tem-se o seguinte: Nem
toda pulsão pode ser significada, portanto há um resto que é impossível de se conhecer, e o sujeito
concebe ao Outro esse conhecimento, esse Saber, fruto da resistência do recalcamento. A transferência
transmite uma mensagem inconsciente, mas se algo não foi assimilado, ocorrerá a repetição. A
transferência é uma mensagem interrompida pela repetição. A transferência é também um meio pelo qual
se interrompe a comunicação do inconsciente, se tornando seu fechamento.
1.9 O Falo em Lacan
O falo é a significação do objeto de desejo, é algo funcional que estrutura como a pessoa vai se colocar em
relação ao seu sexo. O falo é o significante que define como homens e mulheres se posicionam na relação
entre os sexos. Frente a castração, a mulher vai tentar ser o falo, ou seja, o significante do desejo no Outro,
e o homem vai tentar possuir este falo. Num outro momento da obra lacaniana, o falo irá aparecer como
uma forma do Objeto a, integrando-se este conceito ao anterior. Num primeiro estágio, a criança é um
assujeito pois é totalmente definida a partir do Outro, principalmente da mãe, e a partir dos significantes
do Outro que seu ego será constituído. A criança tenta satisfazer os desejos da mãe, ou seja, ser o falo
dela. Porém a criança nunca se sentirá completa nessa relação, e dessa incompletude surgirá o Objeto a,
que se integra ao falo. A pessoa se identifica com o falo e se faz de objeto para a mãe, pois ela projeta essa
falta na mãe e pensa que sua mãe se sente incompleta. A mulher, na visão psicanalítica, possui uma falta
essencial, a falta de falo, que gera um sentimento de vazio e a faz buscar compensações no Outro, o que
ocorre principalmente por meio do ato de ter um filho. Porém o desejo da pessoa mãe deve ser distribuída
entre o filho (falo materno) e o pai (desejo libidinal), para haver uma correta configuração do édipo, pois
quando a mãe possui apenas o filho como objeto, ele é aprisionado na posição de falo. A criança encontra-
se, nesse momento inicial, numa relação de assujeitamento ao desejo materno, identificada ao seu objeto
de desejo. Como vimos, a criança é colocada na posição de falo imaginário da mãe e identifica-se com esse
lugar com o intuito de preencher o desejo materno, na posição de se fazer objeto do que é suposto faltar à
mãe. Para Lacan, a metáfora é um significante que ocupa o lugar de outro, e o pai é o significante que
ocupa o lugar da proibição do incesto e da lei de uma forma geral. A significação fálica parte do pai e vem
como uma lei que estrutura o desejo na criança. Ao se identificar com o esse pai, a criança formará o ideal
do eu. Ou seja, o modelo do que ela deve ser. Lembrando, o eu ideal significa aquilo que fingimos ser, um
teatro endereçado a alguém, que é diferente do ideal de eu.

2.0 O Estágio do Espelho


Antes desta etapa, a criança possui uma visão fragmentada de sí, pois ela não reconhece os limites entre sí
e o Outro, mas a partir da identificação com esse Outro ela começa a constituir a sua imagem. Essa
unificação ocorre no campo do imaginário, através de uma imagem unificada de sí, e do simbólico, através
de uma significação unificada do ego. A partir de seis meses, a criança começa a reconhecer a realidade ao
imitar expressões do Outro, reconhecer essas emoções. Ela deixa de ser uma extensão do mundo e passa a
usar o referencial visual do Outro para formar a sua motricidade. É válido notar que o primeiro o bebê
possui uma dependência biológica do Outro, que dará origem ao sentimento de falta essencial. Lacan vai
destacar o investimento libidinal, ou seja, o júbilo do Ah! do reconhecimento. Nesse sentido, a imagem
tem "efeito morfogênico", ou seja, não se trata de reflexo passivo, mas de geração do eu da criança. Então
a sensação de corpo unificado vem do reconhecimento que o outro oferece à criança. O estágio do
espelho, após isso, se tornará o processo pelo qual se desenvolve a relação imaginário com o semelhante.
A experiência do espelho representa a relação libidinal com a imagem corporal e ilustra o aspecto de
conflito presente na relação dual. Ou seja, para além de uma fase, trata-se da relação consigo mesmo e
com o outro.
2.1 O Trabalho na Clínica Lacaniana
Enquanto que em Freud busca-se o que está por traz do discurso, num caminho que parte do consciente
para o inconsciente, numa noção de profundidade, em Lacan busca-se intervir no discurso em sí,
caminhando junto com o discurso (fala) e nele intervindo. Trata-se de destacar termos, palavras,
elementos, e dar novos significados para estes significantes, que faz parte de uma cadeia significante. É
muito mais sobre a reatribuição de significados para antigos significantes causadores de neurose. Em
Freud, o Édipo diz respeito aos problemas de relacionamento com os pais. Para Lacan, não há no
inconsciente afeto, representação, recalque, função, apenas há as leis estruturais dos significantes. O
corpo, em Lacan, faz parte do imaginário, e o real se trata daquilo que não é simbolizado. É aquilo que a
gente tenta falar, mas não consegue, e sentimos angústia, e essa angústia é a expressão do real. Em Freud,
sempre se parte do manifesto para o latente, até que em algum momento se esbarra na resistência. A
transferência em Lacan funciona assim: O simbólico interpreta a outra pessoa como um sujeito (conjunto
de significantes) que conseguiria estruturar algo em quem interpreta. Ou seja, o meu imaginário supõe que
o Outro possui um Saber que pode estruturar algo em mim.
Quando tentamos compreender alguém, nós entramos no campo do simbólico e atribuímos sentidos a
enunciado do outro, estes sentidos são originados das nossas vivências e significantes, portanto
interrompemos a transferência. Deve-se entender o enunciado como ainda vazio de sentido e, a partir de
questionamentos, entender os significados estruturados no inconsciente do analisado. Na prática
lacaniana, presta-se muita atenção na fala, ou seja, na entonação, ritmo, deslizes, interrupções e
metáforas. Precisamos entender o que aquele significante significa para o paciente. Deve-se buscar esta
escuta, a escuta simbólica, e não a escuta imaginária. De preferência, as perguntas devem ser breves e
concisas. As perguntas devem se basear nos termos que o analisando utiliza para se expressar. A
intervenção se dá em fazer perguntas ao analisando, e esclarecer esses fenômenos psíquicos. A pontuação
do analista deve visar a que o analisando vislumbre outros sentidos em sua fala. Pontuar, intervir, destacar
uma fala em específico. Também não se pode dizer o que o analisando deve fazer / pensar, pois nesse ato
nos colocaríamos como aquele Outro que sabe, o que interromperia o tratamento. A interpretação auxilia
a simbolização, o que pode gerar emoções negativas, mas sinaliza que a análise esteja no caminho certo.
Se a interpretação funciona, ela nos encaminha para o inconsciente.

Tudo o que foge do controle do neurótico gera nele grande angústia. Deve-se preocupar com o que a
pessoa de fato diz, e não com o que ela quis dizer. É uma técnica optativa. Portanto, tem-se, na
interpretação analítica:
Escutar, Perguntar, Pontuar, Interpretar e Cortar.

2.2 O Corte
Quando ocorre uma manifestação do inconsciente muito forte, faz-se o corte, ou seja, o
encerramento da interpretação, de forma que o analisando coloque aquele conteúdo inconsciente
expresso na fala à trabalho. Essa manifestação do inconsciente se dá por meio da análise, da interpretação.
Deve-se dar muita atenção para o manejo da transferência. Faz-se um corte na cadeia significante
(sequência de significantes), e isso mostra muito do sujeito inconsciente.
A psicanálise se interessa mais pela história inconsciente do que pela história consciente do sujeito. O
sujeito neurótico possui, em essência, uma divisão interna. Às vezes, esse corte será intolerável para o
analisando, portanto, por via das dúvidas, não se deve fazer o corte. Ademais, uma angústia também pode
ser mobilizadora de insights.
2.3 O Entendimento Acerca da Estruturação – Um Resumo
Os afetos pré-adolescentes são muito marcantes na estruturação dos significantes e na formação do
sujeito enquanto fruto da relação com o Outro. A pessoa por quem se apega localiza-se justamente no
campo do Outro. O que fica no consciente é a memória explícita dos fatos, ou seja, a formação imaginária
que engloba as imagens, o simbólico, que engloba os pensamentos, crenças, signos e discursos, e o campo
do real, que engloba os conteúdos angustiantes da memória implícita, do inconsciente.
Mas o que significa estruturar, afinal? O que significa dizer que o Outro estruturou algo em mim?
Numa primeira perspectiva, o Outro me diz quem sou, seus discursos constroem em mim o meu próprio
significado, a minha visão de mim mesmo, dos pequenos outros e do mundo. A pessoa se identifica com o
Outro que ela imagina que o Objeto A deseja, e dessa relação nasce a caracterização do ego ou enquanto
ontologia de mais-valia ou de menos-valia.
Retomando a questão, o Outro irá formar em nós novos significados para os significantes simbólicos
e imaginários com que nos comunicamos, reestruturando a nossa cadeia simbólica, as proposições que
temos de nós e do mundo. O Outro irá originar em n ós também a formação imaginária, ou seja, irá
provocar em nós sentimentos que, reunidos em torno de um significante, vão formar uma imagem acerca
de determinado objeto. Importante ressaltar que numa análise, deve se considerar todo o contexto
histórico pessoal de determinada experiência. Também de ser considerado que interpretamos os
significantes do Outro a partir dos significados previamente aprendidos a partir das nossas vivências,
portanto estamos sempre numa dialética de influência e transferência.
2.4 Transferência e Sujeito Suposto Saber
O inconsciente é um Saber, entendido nesta doutrina como a linguagem, o simbó lico. O Saber,
Inconsciente, é constituído de significantes e tem em seu nú cleo uma falta impossível de ser
preenchida, o Objeto a. Para Lacan, a transferência se alicerça nas três paixõ es fundamentais, que se
formam a partir dos três tipos de registros psíquicos: O amor, que se situa na junçã o entre o simbó lico
e o imaginá rio; O ó dio, que se situa na junçã o entre o imaginá rio e o real; E a ignorâ ncia, que se situa
na junçã o do simbó lico com o real. Quando o amor é centralizado no imaginá rio, o sujeito se apaixona
pela forma, pela beleza estética, e quando centralizado no simbó lico, ele se apaixona pelo ser, pelo
outro em sí.
O ó dio elide o simbó lico e se alicerça somente no imaginá rio (que se compõ e de um sentido para
as coisas, a vida, etc) e o real (que exclui o sentido), entrando em conflito direto sem a mediaçã o da
palavra (do simbó lico), o ó dio surge e se mantém e quer do outro o “seu rebaixamento, sua
desorientaçã o, seu desvio, seu delírio, sua negaçã o detalhada, sua subversã o”.
A ignorâ ncia surge como uma terceira característica da transferência, para além da dictomia
amor/ó dio, e se caracteriza pela suposiçã o do sujeito de que o Outro possui o Saber, o saber do
inconsciente, do que se deseja, de como satisfazer o Objeto a. Na relaçã o analisando / analista, porém,
o Outro é também um ignorante douto, ou seja, um ignorante aprendido, no sentido socrá tico de
sempre se colocar como ignorante e buscar aprender. Quando essa busca pelo saber substitui a
ignorâ ncia pura, começa a haver insights sobre o inconsciente.
2.5 Transferência e Interpretação
Lacan estabelece que a interpretaçã o requer a transferência, “Pois é na medida em que o
analisando se perceba escutado, enquanto sujeito, que a dimensã o do sujeito suposto saber, destacada
por Lacan como a mola essencial da transferência - conectada à paixã o da ignorâ ncia, para além das
dimensõ es de resistência do amor e do ó dio -, poderá se consolidar na relaçã o analítica”. É através da
forma como o analista acolhe a fala e as demandas do analisando sobre o sofrimento que se inicia a
transferência, e o manejo da transferência apenas a mantém. Há , portanto, dois momentos de
transferência.
2.6 Trauma e Duplicidade / Dualidade Lacaniana
"A aná lise parte da premissa de que, para o neuró tico, o tempo parou com o sintoma, fixando-o
num gozo recalcado do passado, e ela visa o relançamento da flecha do tempo na direçã o do futuro". A
entrada na associaçã o livre permite a passagem do discurso histérico para o discurso analítico, ou
seja, o discurso cujos significantes se originam do inconsciente. Este ú ltimo, por sua vez, nã o possui
uma linha temporal cronoló gica, mas sim uma ló gica temporal do inconsciente, em que há uma
sequência de eventos e uma lacuna deixada pelo trauma. Em Lacan, a perspectiva da passagem do
sujeito para objeto, ou seja, de subjetividade para objeto, gera um estranhamento, que vem associado
à angú stia. "o duplo causa o sentimento de estranheza precisamente porque ele presentifica o sujeito
separado de sua pró pria subjetividade e tornado objeto do desejo do Outro, e isso é intolerá vel."
Existem diversas passagens, uma delas sendo a divisã o, na feminilidade, de mulher para mã e.
Portanto o filho serve nã o apenas como substituto fá lico, mas também como divisor da subjetividade
da mã e. Se ele preenche mais do que divide, a mã e se angustia mais e deseja pouco. A angú stia da
castraçã o é a angú stia gerada pelo medo da castraçã o, significante este que adquire na obra de Freud
o significado de “separaçã o do objeto”. O trauma constitui-se daquilo que o sujeito nã o consegue lidar
por nã o constituir uma representaçã o simbó lica para fazê-lo. O trauma introduz um nã o-sentido, uma
falta de sentido que é, pelo sujeito inassimilá vel. É a invasã o de um Real no Imaginá rio, gerando
angú stia quando revivida ou ameaçada de ser revivida.
2Muitos conceitos na obra lacaniana possuem uma dupla-dimensã o dialética, sendo um bom
exemplo o Objeto a, que é ao mesmo tempo busca que se origina no desejo e força de afastamento do
objeto desejado. Há uma dimensã o dialética em alguns conceitos de Lacan. O conceito de Gozo se
constitui do conceito de pulsã o de morte em Freud, e as pulsõ es sexuais sã o uma barreira ao gozo,
exercendo força na direçã o oposta, ou seja, na direçã o do Objeto a. Lembrando que objetos sexuais sã o
os objetos investidos libidinalmente, como o trabalho, estudo, esporte, etc...

2.7 Demanda e Desejo


A Demanda é a necessidade de cooperaçã o que um sujeito demanda do outro, ao
mesmo tempo em que se prova que o atendimento desta demanda é impossível. Se o
que o sujeito quer é impossível de ser realizado por ele, e se trata de uma tentativa de
impor essa impossibilidade ao Outro, se trata de uma demanda. Nã o há como satisfazer
a Demanda de alguém, apenas o Desejo. O Desejo é a falta e a busca por satisfazer essa
falta, uma libido, que se expressa na via do simbó lico. Portanto, ao se estruturar na
linguagem, o desejo do sujeito pertence aos significantes, que pertencem a todos que
produzem a linguagem, portanto o nosso Desejo é moldado pelo Desejo do Outro. A
Demanda sempre se direciona para o Outro, como uma afirmaçã o de que esse Outro
nã o é capaz de satisfazê-lo, e quando há essa tentativa, há , por parte de quem demanda,
uma frustraçã o, que gera uma atitude de oposiçã o, se diferenciar do que o outro quer,
ser rebelde.
2.8 Afetos, Emoções em Análise
Quando as pessoas reportam emoçõ es, o simbó lico efetua falsas conexõ es que
buscam desviar o ego do conhecimento d real desejo que gerou determinada emoçã o.
Tentar interpretar algo tã o subjetivo quanto as emoçõ es de outra pessoa coloca o
analista na posiçã o de sujeito suposto-saber, encaminhando a aná lise para o discurso
do mestre, o que se conecta com a transferência e as neuroses do analisando.
2.9 Interpretação na Prática, A Verdade em Cena
A transferência ocorre no imaginá rio, e a comunicaçã o, no simbó lico, portanto
analisar a transferência do analisando é um processo difícil. Analisar as pró prias
transferências, ou seja, as crenças sobre sí mesmo, também é muito difícil, pois estamos
sujeitos a mecanismos de defesa tanto ao pensarmos o Outro quanto ao pensarmos nó s
mesmos. Analisar o que a transferência do outro gera na minha transferência é ainda
mais difícil, e pouco confiá vel. As interpretaçõ es ou devem ser verdadeiras ou devem
ser questionamentos ao analisando, nã o havendo espaço para dú vidas ou conjecturas.
Uma interpretaçã o verdadeira sobre os desejos inconscientes ocorre quando o
analisando se permite falar a verdade e desligar suas defesas.
O entendimento [understanding] é algo que pertence ao discurso universitá rio,
pois se trata de uma formulaçã o consciente sobre determinado evento, coerente com
teorias conhecidas, e que pode ser repetida e explicada para os ouros. É o caso de você
conhecer algo sobre sí de forma que possa descrever claramente para os outros. Lacan
concebe o discurso do inconsciente como algo nã o-familiar [unfamiliar] ao sujeito,
portanto este discurso universitá rio nã o corresponde ao conhecimento sobre o
consciente. O inconsciente opera independentemente do entendimento, o que significa
que quando o ego é desestabilizado por uma operaçã o consciente, ele fica confuso, a
pessoa fica confusa, mas a mudança inconsciente ocorreu.
A interpretaçã o depende essencialmente do simbó lico utilizado durante a
transferência, portanto é impossível estabelecer leis gerais da interpretaçã o. É
importante lembrar que a livre-associaçã o é necessá ria e nã o exclui nenhum assunto,
quando o analisando está livre-associando, ele perde o medo de falar sobre assuntos
tabus. É importante fazer hipó tese, mas também é importante nã o fingir que sabe mais
sobre o paciente do que ele mesmo, num cená rio ético.
3.0 Discurso do Escravo e Do Mestre
Durante a tenra idade, a criança fica sujeita aos cuidados da mã e. A criança, que
nã o consegue falar, apenas escuta a língua materna, a quem tenta agradar através da
satisfaçã o do que a criança concebe como o desejo de sua mã e, como aquilo que ela
deseja. A criança busca entender os desejos e demandas da mã e e satisfazê-los, se
tornando assim seu phallus. A posiçã o do escravo é a posiçã o de subserviência, de
quem serve aos desejos e demanda do Outro, com o seu oposto sendo a posiçã o do
mestre. Aquele que ocupa a posiçã o do escravo enxerga quem ocupa a posiçã o de
mestre como um sujeito-suposto saber. As pessoas transicionam entre as duas
posiçõ es, ambas estã o emaranhadas.
O escravo sempre acha que o mestre tem um desigual acesso ao jouissance,
enquanto que o mestre sempre acha que o escravo também tem em demasiada
quantidade, o jouissance. É uma luta para ver quem tira jouissance de quem, e o quanto.
Este discurso é também uma estrutura, com todos os conceitos psicanalíticos
lacanianos se aplicando ao sujeito enquanto ele também é estruturado por este
discurso. O discurso se faz presente em relaçã o a figuras de autoridade também, e na
forma como o poder se estabelece entre as pessoas.
3.1 Autoestima Na Clínica Lacaniana
A imagem de sí é construída conscientemente pelo ego, portanto se trata de uma
auto-enganaçã o, uma vez que o ego efetua falsas conexõ es entre o imaginá rio e o
simbó lico. Portanto, ao invés de questionar a autoestima diretamente, deve-se
perguntar “por quem a pessoa deseja ser vista nesta posiçã o de baixa ou autoestima?”.
Ou seja, a autoestima é um significante direcionado para o Outro, como forma de
declarar as suas Demandas.
A imagem ou significante com que a pessoa se identifica se trata, na verdade, da
imagem ou significante que a pessoa acredita que o Outro tem dela. A auto-imagem se
constró i na sua relaçã o com o Outro. Se o cliente se identifica como um fracassado,
deve-se perguntar “para quem ele é um fracasso?”, “para quem essa auto-imagem é
direcionada?”.
“O significante representa o significado para outro significante” – Lacan.

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