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A memória é criada socialmente, construída a partir de discursos e internalizada pelos sujeitos, preenchida
pelo imaginário e por vivências comuns forjadas. Novos discursos reconstroem essas memórias,
preenchendo algumas lacunas mas sempre deixando vazios a serem completados por outros discursos. As
memórias, obviamente, são interpretadas a partir dos significados já estabelecidos anteriormente aos
significantes. A memória discursiva busca símbolos e imagens para produzir um sentido comum. Assim, a
memória discursiva se encontra numa dialética de mutabilidade e estabilidade, desbocando em
materialidades. Portanto, toda formação discursiva se encontra dentro de uma memória discursiva. Isso
implica que, a medida que um novo discurso se forma, há o esquecimento de um antigo discurso, agora
rememorado a depender da necessidade do agente produtor de memória, e o sujeito que reproduz essa
nova memória sempre se percebe como na origem do discurso, como se ela fosse completa, o que
constitui uma ilusão.
1.6 Os 4 Discursos de Lacan
O discurso é formado por quatro posições; o agente/a verdade, e o outro/a produção. Todas essas
posições se relacionam de forma a construir o discurso, os significados. “todo e qualquer discurso
apresenta uma verdade que o move, sua mola propulsora, sobre a qual está assentado um agente, o qual
se dirige a um outro, produtor, a fim de obter deste uma produção”. O Agente do discurso é o significante
mestre do mesmo, e em cada tipo de discurso (do mestre, da histérica, do analista e da universidade) há
um agente dominante, o S1. A partir do discurso do mestre (discurso do inconsciente, da linguagem), os
outros discursos serão deduzidos, interpretados. No analista, o s1 é o Objeto a, na histérica, o s1 é o
sintoma, na produção, o S1 é o Outro. No discurso universitário, é o objeto. O Objeto a, o analista, é um
suporte para as fantasias do paciente, e o Outro se torna um sujeito, o paciente, e os significantes que
estão gerando sintomas nele. Há os discursos da impotência (d. da histeria e da universidade) e os
discursos da impossibilidade (d. do mestre e do psicanalista), sendo estes os caminhos impossíveis ou
barrados, impotentes de serem feitos, a partir da vinculação das posições discursivas. Esse estudo foi
publicado no seminário 17, onde também foi formalizado, produzido em 1969/70, logo após a Revolução
de 68 na França, a qual Lacan sobreviveu enfim.
Tudo o que foge do controle do neurótico gera nele grande angústia. Deve-se preocupar com o que a
pessoa de fato diz, e não com o que ela quis dizer. É uma técnica optativa. Portanto, tem-se, na
interpretação analítica:
Escutar, Perguntar, Pontuar, Interpretar e Cortar.
2.2 O Corte
Quando ocorre uma manifestação do inconsciente muito forte, faz-se o corte, ou seja, o
encerramento da interpretação, de forma que o analisando coloque aquele conteúdo inconsciente
expresso na fala à trabalho. Essa manifestação do inconsciente se dá por meio da análise, da interpretação.
Deve-se dar muita atenção para o manejo da transferência. Faz-se um corte na cadeia significante
(sequência de significantes), e isso mostra muito do sujeito inconsciente.
A psicanálise se interessa mais pela história inconsciente do que pela história consciente do sujeito. O
sujeito neurótico possui, em essência, uma divisão interna. Às vezes, esse corte será intolerável para o
analisando, portanto, por via das dúvidas, não se deve fazer o corte. Ademais, uma angústia também pode
ser mobilizadora de insights.
2.3 O Entendimento Acerca da Estruturação – Um Resumo
Os afetos pré-adolescentes são muito marcantes na estruturação dos significantes e na formação do
sujeito enquanto fruto da relação com o Outro. A pessoa por quem se apega localiza-se justamente no
campo do Outro. O que fica no consciente é a memória explícita dos fatos, ou seja, a formação imaginária
que engloba as imagens, o simbólico, que engloba os pensamentos, crenças, signos e discursos, e o campo
do real, que engloba os conteúdos angustiantes da memória implícita, do inconsciente.
Mas o que significa estruturar, afinal? O que significa dizer que o Outro estruturou algo em mim?
Numa primeira perspectiva, o Outro me diz quem sou, seus discursos constroem em mim o meu próprio
significado, a minha visão de mim mesmo, dos pequenos outros e do mundo. A pessoa se identifica com o
Outro que ela imagina que o Objeto A deseja, e dessa relação nasce a caracterização do ego ou enquanto
ontologia de mais-valia ou de menos-valia.
Retomando a questão, o Outro irá formar em nós novos significados para os significantes simbólicos
e imaginários com que nos comunicamos, reestruturando a nossa cadeia simbólica, as proposições que
temos de nós e do mundo. O Outro irá originar em n ós também a formação imaginária, ou seja, irá
provocar em nós sentimentos que, reunidos em torno de um significante, vão formar uma imagem acerca
de determinado objeto. Importante ressaltar que numa análise, deve se considerar todo o contexto
histórico pessoal de determinada experiência. Também de ser considerado que interpretamos os
significantes do Outro a partir dos significados previamente aprendidos a partir das nossas vivências,
portanto estamos sempre numa dialética de influência e transferência.
2.4 Transferência e Sujeito Suposto Saber
O inconsciente é um Saber, entendido nesta doutrina como a linguagem, o simbó lico. O Saber,
Inconsciente, é constituído de significantes e tem em seu nú cleo uma falta impossível de ser
preenchida, o Objeto a. Para Lacan, a transferência se alicerça nas três paixõ es fundamentais, que se
formam a partir dos três tipos de registros psíquicos: O amor, que se situa na junçã o entre o simbó lico
e o imaginá rio; O ó dio, que se situa na junçã o entre o imaginá rio e o real; E a ignorâ ncia, que se situa
na junçã o do simbó lico com o real. Quando o amor é centralizado no imaginá rio, o sujeito se apaixona
pela forma, pela beleza estética, e quando centralizado no simbó lico, ele se apaixona pelo ser, pelo
outro em sí.
O ó dio elide o simbó lico e se alicerça somente no imaginá rio (que se compõ e de um sentido para
as coisas, a vida, etc) e o real (que exclui o sentido), entrando em conflito direto sem a mediaçã o da
palavra (do simbó lico), o ó dio surge e se mantém e quer do outro o “seu rebaixamento, sua
desorientaçã o, seu desvio, seu delírio, sua negaçã o detalhada, sua subversã o”.
A ignorâ ncia surge como uma terceira característica da transferência, para além da dictomia
amor/ó dio, e se caracteriza pela suposiçã o do sujeito de que o Outro possui o Saber, o saber do
inconsciente, do que se deseja, de como satisfazer o Objeto a. Na relaçã o analisando / analista, porém,
o Outro é também um ignorante douto, ou seja, um ignorante aprendido, no sentido socrá tico de
sempre se colocar como ignorante e buscar aprender. Quando essa busca pelo saber substitui a
ignorâ ncia pura, começa a haver insights sobre o inconsciente.
2.5 Transferência e Interpretação
Lacan estabelece que a interpretaçã o requer a transferência, “Pois é na medida em que o
analisando se perceba escutado, enquanto sujeito, que a dimensã o do sujeito suposto saber, destacada
por Lacan como a mola essencial da transferência - conectada à paixã o da ignorâ ncia, para além das
dimensõ es de resistência do amor e do ó dio -, poderá se consolidar na relaçã o analítica”. É através da
forma como o analista acolhe a fala e as demandas do analisando sobre o sofrimento que se inicia a
transferência, e o manejo da transferência apenas a mantém. Há , portanto, dois momentos de
transferência.
2.6 Trauma e Duplicidade / Dualidade Lacaniana
"A aná lise parte da premissa de que, para o neuró tico, o tempo parou com o sintoma, fixando-o
num gozo recalcado do passado, e ela visa o relançamento da flecha do tempo na direçã o do futuro". A
entrada na associaçã o livre permite a passagem do discurso histérico para o discurso analítico, ou
seja, o discurso cujos significantes se originam do inconsciente. Este ú ltimo, por sua vez, nã o possui
uma linha temporal cronoló gica, mas sim uma ló gica temporal do inconsciente, em que há uma
sequência de eventos e uma lacuna deixada pelo trauma. Em Lacan, a perspectiva da passagem do
sujeito para objeto, ou seja, de subjetividade para objeto, gera um estranhamento, que vem associado
à angú stia. "o duplo causa o sentimento de estranheza precisamente porque ele presentifica o sujeito
separado de sua pró pria subjetividade e tornado objeto do desejo do Outro, e isso é intolerá vel."
Existem diversas passagens, uma delas sendo a divisã o, na feminilidade, de mulher para mã e.
Portanto o filho serve nã o apenas como substituto fá lico, mas também como divisor da subjetividade
da mã e. Se ele preenche mais do que divide, a mã e se angustia mais e deseja pouco. A angú stia da
castraçã o é a angú stia gerada pelo medo da castraçã o, significante este que adquire na obra de Freud
o significado de “separaçã o do objeto”. O trauma constitui-se daquilo que o sujeito nã o consegue lidar
por nã o constituir uma representaçã o simbó lica para fazê-lo. O trauma introduz um nã o-sentido, uma
falta de sentido que é, pelo sujeito inassimilá vel. É a invasã o de um Real no Imaginá rio, gerando
angú stia quando revivida ou ameaçada de ser revivida.
2Muitos conceitos na obra lacaniana possuem uma dupla-dimensã o dialética, sendo um bom
exemplo o Objeto a, que é ao mesmo tempo busca que se origina no desejo e força de afastamento do
objeto desejado. Há uma dimensã o dialética em alguns conceitos de Lacan. O conceito de Gozo se
constitui do conceito de pulsã o de morte em Freud, e as pulsõ es sexuais sã o uma barreira ao gozo,
exercendo força na direçã o oposta, ou seja, na direçã o do Objeto a. Lembrando que objetos sexuais sã o
os objetos investidos libidinalmente, como o trabalho, estudo, esporte, etc...