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DE PORTO ALEGRE
CONSIDERAÇÕES EPISTEMOLÓGICAS
SOBRE A INTERPRETAÇÃO PSICANALÍTICA
Porto Alegre,
Abril de 1999.
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CONSIDERAÇÕES EPISTEMOLÓGICAS
SOBRE A INTERPRETAÇÃO PSICANALÍTICA
Levando em conta que nós psicanalistas não podemos esperar que nosso
desempenho se torne criticamente pobre de resultados para que venhamos a nos
tornar mais conscientes das exigências da tarefa analítica resolvemos discutir o
problema dos limites da intervenção interpretativa – matéria técnica de estatura
pouco concreta – a chamada interpretação, esta fala do analista que deve, acima
de tudo, reportar-se sempre e prioritariamente ao material associativo produzido
pelo analisando. Esta deverá ser, grosso modo, também a manifestação mais
absolutamente respeitosa que se possa desenvolver num contrato de trabalho
desta natureza. Não há lugar neste projeto (o analítico) para o que Eco (p. 15)
chama de “semiótica ilimitada” que admite interpretações arbitrárias, continente
quase sempre do ideário projetado do interlocutor analista, ainda que se possa
estar de acordo com a idéia de que o contexto todo (psicodinâmico) é, em si
mesmo, ilimitado.
A bem da verdade, temos que sugerir uma outra razão pela qual a fala do
psicanalista levanta suspeita, apesar do invólucro provisório de verdade com que
vai avalizada: é que ela nasce na suspeita, tira sua verdade daí. Ao dizer nas
interpretações que conteúdo latente, símbolo, fantasia ou conflito não são
exatamente o que conteúdo manifesto quer dizer, a Psicanálise estriba-se
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Embora a linguagem, como diz Paul Ricoeur (p. 123), não possa ser
encarada como um mundo em si mesmo, como pretendia Popper, ela é
manifestação do mundo interno que está sendo investigado (não esquecer que
aqui entra o mundo imaginário do interlocutor psicanalista pela
contratransferência). Mas não só investigado, formado, se admitirmos uma
espécie de função organizadora da linguagem que vai criar algo que passa a ser
uma característica essencial, um traço, identificador a partir daquele momento e
até então inexistente porque não havia sido posto em linguagem, tanto no sentido
estritamente técnico (interpretativo), âmbito da pequena sociedade bipessoal dos
consultórios, quanto no sentido das características essenciais do grupo maior que
cria a linguagem e a utiliza. Kuhn (p. 257) é quem vai lembrar que “o
conhecimento científico, como a linguagem, é intrinsecamente a propriedade
comum de um grupo, ou então não é nada”. Chamamos a atenção para o que
denominamos de peculiar agrupamento essencial da Psicanálise, microsociedade,
cuja origem está na realidade do pequeno agrupamento da relação mãe-bebê.
Pierre Fédida (p. 49/50) lembra que a fala interpretativa não se nutre
apenas da temporalidade complexa da regressão, em si mesma empobrecedora
da linguagem, mas comporta este recurso mais elaborado da formação poética,
portanto, recurso metafórico da linguagem, verdadeiro canal enriquecedor da
comunicação. A idéia desenvolvida por Fédida é a de que uma interpretação, a
fala que nomeia, não serve a uma representação, mas traz à luz uma imagem
singular (“que condensa em um tom a atmosfera de todas as sensações
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particulares desse encontro com as coisas que o fenômeno é”). Não é uma cópia
que descreve e representa a coisa e, sim, uma imitação que permite que a coisa
apareça singularmente, sem familiaridade. Neste sentido, opõe-se até ao
“unheimlich” freudiano.
Fazendo uma analogia com o verbo e a escrita, Nicolaídes (p. 125) formula
a hipótese de que o hieróglifo (escrita próxima à linguagem) assim como a fala
proveniente dessa escrita, são meios de comunicação delirante-alucinantes,
comparadas à escrita e à língua alfabética, meios de comunicação simbólicos por
natureza. Esta hipótese traz consigo outra, ou seja, que a língua materna
começaria de forma hieroglífica devido ao fato de que a fala é apenas um meio de
comunicação evoluído, substituto dos gestos, das posturas, das mímicas, através
dos quais efetuava-se, até então, a relação mãe-criança.
BIBLIOGRAFIA