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Merleau-Ponty
Resumo: O grande interesse de Maurice Merleau-Ponty, tanto pela filosofia moderna como
pelas novas teorias da psicologia (e da psicanálise) de sua época, e claro, por seu diálogo com os
filósofos contemporâneos, mostra como este fenomenólogo entendia a filosofia, esta sendo
sempre algo inacabado e em constante transformação. Merleau-Ponty propõe pensar novas
teorias que pudessem unir a filosofia com as novas descobertas da psicologia, além de encontrar
nova resposta a antigos problemas postos pela filosofia, como por exemplo, a dualidade
cartesiana. Através de um estudo do capítulo intitulado “O cogito” do livro Fenomenologia da
Percepção de autoria de Merleau-Ponty, buscaremos entender os argumentos usados e também
mostrar o caminho percorrido pelo filósofo até a construção de seu cogito tácito. Ao mostrarmos
essa argumentação e explicar o que seja o cogito tácito, buscaremos encontrar a fundamentação
de uma teoria do conhecimento de Merleau-Ponty, sendo este o objetivo deste trabalho.
Acreditamos que entenderemos mais claramente essa teoria de conhecimento quando
estudarmos o exemplo dado pelo fenomenólogo no capítulo base deste trabalho, a saber, o
exemplo mais complexo, e que melhor pode nos ajudar a entender essa teoria do conhecimento,
o exemplo da fala.
Abstract: The great interest of Maurice Merleau-Ponty, both by modern philosophy as the new
theories of psychology (and psychoanalysis) of his time, of course, for his dialogue with
contemporary philosophers, like this shows phenomenologist understand the philosophy, as
something always unfinished and constantly changing. Merleau-Ponty's thinking suggests new
theories that could unite philosophy with the new discoveries in psychology, and find a new
answer to old problems posed by philosophy, such as Cartesian duality. Through a study of the
chapter entitled "The cogito" the book authored Phenomenology of Perception Merleau-Ponty
seeks to understand the arguments used and also show the path taken by the philosopher to the
construction of its tacit cogito. By showing arguments and explaining what is the tacit cogito,
we will seek to find the reasons for a theory of knowledge of Merleau-Ponty, this is objective of
this work. We believe that will more clearly understand the theory of knowledge when we study
the example set by the phenomenologist based chapter of this work, namely the more complex
example, and that can help us better understand this theory of knowledge, the example of
speech.
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Graduando em Filosofia pela Universidade Federal de São Carlos – UFSCar. Bolsista FAPESP.
Orientador: Franklin Leopoldo e Silva. Email: gutiscavalcante@gmail.com
Vol. 4, nº 1, 2011.
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caminho de meditação sobre o cogito cartesiano e a fundamentação do cogito tácito é o
que tentaremos mostrar e explicar neste trabalho, para isto retomaremos o exemplo da
fala.
Merleau-Ponty define a fala como sendo o ato pelo qual o pensamento
espontâneo, que é aquele que se ultrapassa a si mesmo, é eternizado em verdade. A fala
também é uma operação paradoxal, ou seja, tentamos alcançar por meio de palavras
cujo sentido já temos e de significados já dados, uma intenção que fixa ela mesma o
sentido das palavras pelas quais ela se traduz, a linguagem constituída desempenha
apenas o papel na operação de expressão. Ou seja, a linguagem é transcendente ao
pensamento que lhe funda e é transcendente ao pensamento que tenta entendê-la. Nas
palavras de Merleau-Ponty (2006, p. 521):
E o que chamamos de ideia está em relação direta com um ato de expressão, é este que
lhe dá uma vestimenta de autonomia.
Como nos esclarece Müller, a fala pode ser explicada com o que ocorre com o
cogito, a saber, o cogito lido e compreendido não abrange, por ocasião da leitura e
compreensão do texto, o contato pré-reflexivo de mim comigo mesmo. Como diz
Müller (2001, p. 292-295):
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linguagem por meio de sua intemporalidade que nos dá o adquirido, ou seja, o que é
chamado de intemporalidade no pensamento é aquilo que, por unir o passado ao futuro,
é presuntivamente (pressuposto, presumível) de todos os tempos e, portanto não é
transcendente ao tempo. Essa intemporalidade é o que o filósofo chama de adquirido.
Para tentar explicar essa ambiguidade característica da linguagem Merleau-
Ponty (2006, p. 527) retoma um conceito de Husserl, qual seja:
Portanto, para o filósofo há uma relação de dupla fundação entre a harmonia e a fala e a
fala sobre a harmonia, ou seja, a fala depende, para se efetivar, da harmonia e a
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harmonia depende da fala para se manifestar como fundamento.
Para poder falar de harmonia ou reciprocidade entre corpos, e considerar essa
harmonia um termo base para a fala, esta reciprocidade se deve a algo que se exprime
no próprio ato da fala sobre a harmonia, ao cogito de si e de outrem como poder de
retomada do já instituído. Como explicita Müller (2001, p. 305):
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Neste trecho, Merleau-Ponty aponta um acerto de Descartes, pois este percebeu
que a dúvida não cessou perante a própria dúvida. Este percebeu que a dúvida é certa,
mas como pensamento de duvidar, ou seja, “nenhum pensamento particular nos atinge
no interior de nosso pensamento, ele não é concebível sem um outro pensamento
possível que seja seu testemunho”. Afirma ainda o fenomenólogo que isto não é um
defeito da nossa consciência, mas por ter que existir consciência, e por ter que aparecer
algo a alguém, é necessário que por trás de todos os nossos pensamentos particulares
haja um não-ser, um Si, para saber que pensamos, em primeiro lugar é preciso que
efetivamente pensemos.
Esclarece-nos Ferraz (2006, p. 186) o que seja o Si, a saber:
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O poder do cogito é um poder de transcendência, doutra maneira, é uma potência
de arrebatamento, a partir da qual nos projetamos em direção àquilo que não está dado
em nossa experiência perceptiva e simbólica.
Transcendendo o limite espacial em que o corpo anônimo e o mundo aparecem,
ultrapassando a imagem que os símbolos encerram enquanto ocorrências gestuais, eu
deflagro a minha própria retomada no tempo, inserindo a mim mesmo e ao mundo
numa totalidade, que não é senão a minha vida ou significação temporal. Como nos diz
Müller, o cogito tácito é esse poder anônimo de transcendência, por cujo meio instituo,
para cada dado de minha experiência no espaço, um horizonte temporal. Ele é aquilo
que viabiliza minha apreensão como subjetividade ou totalidade temporal, a expressão
do ser-próprio e do ser-outro. O cogito tácito é o poder de transcendência, por cujo meio
abro o tempo em minha espacialidade, viabilizando a expressão de mim mesmo como
subjetividade, a expressão do outro como interlocutor, a expressão do mundo como
meio de minha existência. Ou seja, o cogito tácito é um poder que se constitui por meio
de cada um de meus dispositivos anatômicos, o cogito tácito é a condição, sem a qual
eu não poderia projetar em torno dos dados de minha experiência espacial um horizonte
temporal, instituindo uma orientação específica para minha motricidade e para meu
simbolismo. Não fosse por esse cogito, eu não poderia almejar, em cada dado de minha
atualidade, a totalidade a qual integra. Não fosse por esse cogito, eu não poderia repetir,
menos ainda reformular meus movimentos e gestos já estabelecidos.
Merleau-Ponty (2006, p. 539-540) nos diz o que entende por linguagem, após
este seu caminho de estudo. O filósofo começa nos dizendo que:
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aponta que:
Dependente, porque ela se faz no mundo, porque é ser no mundo e indeclinável, porque
o ser no mundo a pressupõe.
Enfim, o cogito tácito é o fundo da fixação verbal. As palavras remetem a uma
consciência não tética (sem um conjunto de doutrinas) de si, a uma significação pré
linguagem. A consciência, portanto, não é produto da linguagem, pois esta não a esgota,
mas a pressupõe, como fundo que escapa a fixação verbal e nem a linguagem é produto
da consciência, pois a primeira traz significações novas.
O sujeito é um campo, uma experiência, uma única experiência inseparável de si
mesmo, uma única coesão de vida, uma única temporalidade, uma generalidade que só
se confirma no mundo, que é, portanto inerente ao mundo, que é para si estando no
mundo, um sujeito em situação, que só realiza sua ipseidade (individualidade) em
situação, e assim não é um sujeito absoluto, mas sendo efetivamente corpo e entrando
através desse corpo no mundo, é um estar em situação no mundo. (MOUTINHO, 2006,
p. 240).
O que tentamos mostrar aqui, é que para Merleau-Ponty o pensamento é
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autônomo, ou seja, se posso conhecer (reconhecer) algo, isto se dá porque tenho o
contato efetivo com este algo e este desperta em mim um conhecimento anterior das
coisas. Doutra maneira, minhas percepções finitas e determinadas são as manifestações
parciais de um poder de conhecimento que é coextensivo ao mundo e que o desdobra de
um lado a outro. O que afirma Merleau-Ponty é que as relações que o sujeito tem com o
mundo só são possíveis se ele próprio faz existir este mundo para si e o coloca ao seu
redor.
Referências
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