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Julio Pinto
Deve ficar claro, ab initio, que é-me inconcebível pensar a comunicação, tal
lugar organizacional como uma empiria definida, de onde seria possível extrair ilações
movimento contrário, que é o que vem tradicionalmente sendo adotado pela área, tem
quase um bordão da teoria semiótica, que tenta corrigir um viés interpretativo que é
linguagem como instância da produção de sentidos, mas muita vez a noção de sentido
que preside falas como essa vem como sinônima de significado. É bom desfazer esse
que nos veio de U. Eco, em sua discussão da semântica: o significado estaria para o
pode coletar essas acepções depois que elas se manifestaram na comunidade da fala,
ou daquele signo. Um dicionário tenta, por isso, uma espécie de taquigrafia. Ele tenta
resumir, na maioria das vezes sem especificar onde ocorrem tais significados, as
como essa que, certamente, ouvimos em muitas organizações: “Aqui, X quer dizer Y.”
futura interpretação dos signos. Então, a enciclopédia funciona como uma instrução
interpretativa. E o processo interpretativo tem, por força, que levar em conta onde (em
que contexto) o sentido vai se produzir, porque o sentido é um ser do futuro, um vir-a-
ser, Sentido é isso, portanto: futuro significado em contexto. O sentido é uma direção
que a significação pode tomar dependendo das escolhas que o receptor fizer,
dependendo daquilo que o atinge ou que ele quer atingir. O sentido é aquilo que a
escolha do receptor vai, de certa forma, fazer para que os sentidos ou as significâncias
uma ação e, portanto, linear. É lógico que um precisa do outro. Aí começa um calvário
palavras, uma semiótica do sentido tem, como plano de expressão, uma semiótica do
significado. Muitas vezes há até a aparente contradição de um pelo outro, mas isso,
todo, até o reforça (ECO, 1991). O que não se pode fazer é privilegiar um (o do
filmes feitos pelos irmãos Lumière, O Lanche do Bebê, tem uma estrutura bem
simples. Colocou-se uma câmera fixa focando uma mesa no jardim. A câmera fixa, é
bom lembrar, funciona como um significado: ela nos obriga a olhar para onde ela olha
espectador não olhou para onde a câmera estava obrigando a olhar. Ele olhou para a
periferia do quadro e produziu uma observação estética que não coincidia com o olhar
geral do filme, mas que era não menos verdadeira. Essa fratura da autoridade da
câmera é um sentido em que o contexto periférico teve mais poder que o mandato
pode muito bem ser um sentido mais importante do que aquilo que tinha sido
previamente planejado.
próprio arrazoado nos parágrafos anteriores mostra que isso não é bem verdade. O
papel do semioticista não é aquilo que o Saussure definiu ao fazer a distinção entre
langue e parole. A lingüística se atribuiu o papel de estudar a língua, mas a fala ficou à
deriva. A semiótica, como uma pragmática, tem o papel de pensar a linguagem (mais
outras palavras, não nos ocupamos tanto da imanência da linguagem, mas muito mais
errâncias, de suas hesitações. É bom esclarecer que essa pragmática não significa um
aspecto prático. A pragmática tem um sentido filosófico , que pensa a linguagem para
do plano da imanência dessa linguagem em si, estou pensando nos meios de alcance
que ela nos põe à disposição. Mais que qualquer coisa, a linguagem é ponte (tentando
dar à ponte uma acepção que vai muito além da noção tradicional de mediação). Aliás,
conceito por mim derivado da teoria semiótica que acaba sendo muito parecido com a
maioria das noções de midiatização que atualmente circulam por nosso meio. A
centra nos sentidos, e não nos significados, e ela está para as folhas da periferia do
quadro, mais que está para o bebê no centro dele. O que a permediatividade do signo
de nomear os seres, por exemplo, está longe de estar isento de erro. Digamos que
Adão tenha dado o nome “leão” a um grande felino de juba alourada. Esse chute inicial
não contava com a existência de leões de juba negra, mas obviamente, o nome
designador teve que sofrer algumas adaptações de sentido para receber e acomodar
Só à guisa de exemplo: quando uso algo, uma palavra, para nomear um objeto,
esse algo é algo mais do que é. Não é apenas um nomeador. É também, no mínimo,
uma seqüência de sons que, em si, não significam nada, mas que têm sonoridade e
presença fenomenal no mundo. Ora, tais sons podem, muito bem, ter um certo efeito
perturbador de sentidos, que é mais ou menos o que acontece quando nos deparamos
com uma palavra que não conhecemos e tentamos produzir algum sentido a partir de
certas relações de analogia com significados que já conhecemos, que não têm nada a
Os signos são entidades imprevisíveis. Nenhum signo fala tudo sobre seu
própria noção de signo (PINTO, 2002). Significar significa não dizer tudo. Não existe
todo por vivermos em um paradigma cultural que tende a pensar a vida através do
Tal modelo deveria, em tese, ser capaz de assegurar que “posso dizer aqui com a
certeza de que serei totalmente entendido lá” se conseguir eliminar os ruídos que
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podem interferir na mediação. Ora, sabemos que os signos não só mediam, eles
comunicativo. Não existe nada sem ruído. Essa é uma questão imanente ao signo,
Num ambiente como o das organizações, que vem sendo dominado cada vez
mais pela idéia de gestão -- e gestão talvez seja só outro nome mais açucarado para
panóptico e para vigilãncia – existe a ilusão de que se possui a forma de bem conduzir
as coisas, de maneira que as coisas atinjam seus objetivos. Essa gestão está
mundo seria bem mais simples, mas bem menos fascinante assim. Essa tendência
rígida, do tipo necessário (Se A, então necessariamente B), é uma peça de ficção
tendo em vista que A é opaco e, portanto, B também o será. Talvez B nem seja B, mas
C ou D ou Z.
Mas a preocupação não deve ser com os significados, e sim com os sentidos,
que incluem as errâncias e os tropeços. Obviamente, não é nos significados que está
processo comunicativo é teleológico, sim, porque ele tende para algum lugar.
Entretanto, esse processo comunicativo não é rígido e não é necessário. Ele é quase-
necessário e aí reside toda a diferença. Por isso, não se trata, na comunicação real,
de “Se A, então B”, mas sim de “Se A, então quem sabe B”, mas sabendo que pode
das mensagens, mas também há intenção nas instâncias receptoras dessas mesmas
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mensagens, na medida em que somos vítimas de nosso próprio discurso, já que meus
signos fazem parte de um repertório que vou adquirindo ao longo da vida. Esses são
signos que me constituem e não são os mesmos que constituem meus colegas de
negativo que tenho dado a essa palavra aqui neste texto), gestão controladora, radar
talvez o ambiente não seja de todo desfavorável a uma mudança de atitude por parte
dos comunicadores. Há gente no mundo empresarial lendo Prigogine, por incrível que
pareça. Há gente interessada nas Estruturas Dissipativas, uma teoria das incertezas,
muito mais que das certezas, uma teoria em que fica claro que o chamado real é só
o paradigma é o erro. E a linguagem é o que nos constitui. Aquilo que constitui meu
de acordo comigo mesmo, porque de uma certa forma estou preparado para ver o
furo, da ausência, da lacuna. Não posso, por isso, pensar uma comunicação que seja
o lugar liso, monolítico, sem fissuras. Mas esse é o trabalho que pedem de nós: as
coisas devem ser ditas de forma que todos entendam tudo. É angustiante, porque o
através dele.
Se existe uma frase verdadeira, ela é “Man is a sign” (PEIRCE, circa 1870), o
homem é um signo. Muito mais que ser humanos, somos signos, lidos e interpretados
das formas mais erradas possíveis. Outra frase de Peirce é que “o universo é uma
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perfusão de signos”. O mundo físico é uma perfusão de signos. Se, como diz
essencialmente uma tensão entre a forma e sua dissolução), nós ficamos literalmente
Seja como for, tal como colocado no início, talvez valha a pena caminhar no
contexto das organizações que não seja serviçal, como tem sido até hoje, mas que
possa contribuir para defasar a razão instrumental utilitária e introduzir, em vez dela, o
homo comunicans.
Referências.
ECO, Umberto. Semiotics and the Philosophy of Language. Bloomington, IN: Indiana
PRIGOGINE, Illya. The end of certainty. New York: Free Press, 1997.