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O QUE SIGNIFICAM AS METÁFORAS

Donald Davidson*

Tradução de PEDRO SERRA

[Inédito]

A metáfora é o sonho da linguagem e, como em todo o sonho, a sua


interpretação reflecte tanto o intérprete como quem a origina. A
interpretação dos sonhos requer colaboração entre alguém que sonha e
alguém em estado de vigília, ainda que sejam a mesma pessoa; e o acto de
interpretação é, ele próprio, um acto da imaginação. Tal como fazer uma
metáfora, a sua compreensão é um esforço criativo, e muito pouco orientado
por regras.
Estas advertências não distinguem a metáfora, a não ser em termos de
grau, de outro intercâmbio linguístico mais rotineiro: toda a comunicação
discursiva supõe a interacção da construção inventiva e da interpretação
inventiva. O que a metáfora acrescenta ao discurso comum é uma realização
que não utiliza recursos semânticos para além dos recursos de que depende o
discurso comum. Não existem instruções para inventar metáforas; não existe
manual para determinar o que uma metáfora «significa» ou «diz»; não existe

© Donald Davidson, 1978. Reservados todos os direitos.


*
Donald Davidson é catedrático de filosofia na Universidade de Chicago. É autor de muitos
ensaios importantes, que incluem «Actions, Reasons and Causes», «Causal Relations» e
«Truth and Meaning»; é co-autor de Decision-Making: An Experimental Approach, e co-
editor de Words and Objections, Semantics of Natural Language e, ainda, de The Logic of
Grammar.
teste para a metáfora que não peça o contributo do gosto.1 Uma metáfora
implica um tipo e um grau de êxito artístico; não existem metáforas mal
sucedidas, tal como não existem anedotas sem graça. Existem metáforas sem
gosto, mas são desvios que, não obstante, realizaram algo com êxito, mesmo
que o êxito conseguido não valha a pena, ou mesmo que tal realização
pudesse ter sido melhor sucedida.
Este ensaio interessa-se pelo que as metáforas significam, e a tese que
expõe é a de que as metáforas significam aquilo que as palavras, na sua
interpretação mais literal, significam, e nada mais do que isso. Uma vez que
esta tese está em completo desacordo com as visões contemporâneas que me
são familiares, muito do que tenho para dizer é crítico. Todavia, penso que o
quadro da metáfora que emerge quando o erro e a confusão são dissipados,
torna a metáfora um fenómeno mais, e não menos, interessante.
O erro central contra o qual vou dirigir as minhas invectivas é a ideia
de que a metáfora tem, em acréscimo ao seu sentido ou significado literal,
um outro sentido ou significado. Esta ideia é comum a muitas pessoas que
escreveram sobre a metáfora: encontra-se nos trabalhos de críticos literários
como Richards, Empson e Winters; em filósofos de Aristóteles até Max
Black; em psicólogos de Freud, e anteriores, até Skinner, e posteriores; em
linguistas de Platão até Uriel Weinreich e George Lakoff. A ideia adquire
muitas formas, da forma relativamente simples de Aristóteles até à forma
relativamente complexa de Black. A ideia surge em escritos que
argumentam que a paráfrase literal de uma metáfora pode ser feita, mas é
também partilhada por aqueles que defendem que tipicamente nenhuma

1
Penso que Max Black se engana quando diz que «As regras da nossa linguagem
determinam que certas expressões devam valer como metáforas». Admite, contudo,
que o que uma metáfora «significa» depende de muito mais factores: a intenção do
falante, o tom de voz, o contexto verbal, etc. «Metaphor», no seu Models and
Metaphors (Ithaca, N.Y., 1962), p. 29.
paráfrase literal pode ser encontrada. Alguns enfatizam a especial
compreensão que a metáfora pode inspirar e frisam que a linguagem
corrente, no seu funcionamento habitual, não produz semelhante
compreensão. Todavia, também esta perspectiva vê a metáfora como uma
forma de comunicação a par da comunicação comum; veicula verdades ou
falsidades sobre o mundo tal como a linguagem mais simples, ainda que a
mensagem possa ser considerada mais exótica, profunda ou astutamente
enroupada.
A concepção da metáfora como sendo originariamente um meio para
veicular ideias, ainda que ideias pouco usuais, parece-me tão errado como a
ideia, da mesma família, de que a metáfora tem um significado especial.
Concordo com a perspectiva de que as metáforas não podem ser
parafraseadas, mas não penso que isto seja assim porque as metáforas digam
algo demasiado novo para a expressão literal, mas sim porque não há nelas
nada para parafrasear. A paráfrase, possível ou não, é apropriada àquilo que
é dito: tentamos, na paráfrase, dizê-lo de outro modo. Contudo, se a minha
perspectiva está correcta, uma metáfora não diz nada para além do seu
sentido literal (nem aquele que a faz diz mais, ao usar a metáfora, do que
esse sentido literal). Isto não significa negar, claro está, que a metáfora diga
algo, ou que não seja possível tornar evidente esse algo que diz usando
palavras adicionais.
No passado, aqueles que negaram que a metáfora tem um conteúdo
cognitivo em acréscimo ao conteúdo literal, frequentemente se empenharam
em mostrar que a metáfora é confusa, meramente emotiva, imprópria para o
discurso sério, científico ou filosófico. As minhas perspectivas não devem
ser associadas a esta tradição. A metáfora é um dispositivo legítimo não
apenas na literatura como também na ciência, na filosofia e no direito; é
efectiva no elogio e no insulto, na oração e na promoção, na descrição e na
prescrição. Em grande medida, não discordo de Max Black, Paul Henle,
Nelson Goodman, Monroe Beardsley, e outros, no que se refere às suas
explicações sobre o que a metáfora realiza, exceptuando o facto de que
penso que realiza mais, e que aquilo que nela é acréscimo é de natureza
diferente.
O meu desacordo prende-se com a explicação de como a metáfora
opera as suas maravilhas. Antecipando o argumento: dependo da distinção
entre aquilo que as palavras significam e aquilo para que são usadas. Penso
que a metáfora pertence exclusivamente ao domínio do uso. É algo
efectuado pelo emprego imaginativo das palavras e das frases e depende
inteiramente do sentido comum dessas palavras, e por conseguinte do
sentido comum das frases que as abrangem.
Postular significados metafóricos ou figurados não ajuda a explicar
como as palavras funcionam na metáfora, nem tão-pouco o fazem quaisquer
formas especiais de verdade metafórica ou poética. Estas ideias não
explicam a metáfora, é a metáfora que as explica. Uma vez que entendemos
uma metáfora podemos chamar àquilo que compreendemos a «verdade
metafórica» e (até certo ponto) dizer o que o «significado metafórico» é.
Mas alojar simplesmente este significado na metáfora é como explicar a
razão pela qual um comprimido nos faz dormir dizendo que tem poderes
soporíferos. As condições de sentido literal e de verdade literal podem ser
atribuídas a palavras e frases independentemente dos seus contextos
particulares de uso. É esta a razão pela qual fazer referência a eles possui
poder explicativo genuino.
Vou tentar estabelecer as minhas perspectivas negativas sobre o que
as metáforas significam, e apresentar as minhas limitadas pretensões
positivas, examinando algumas teorias falsas sobre a natureza da metáfora.
Uma metáfora obriga-nos a prestar atenção para alguma semelhança,
por vezes uma semelhança original ou surpreendente, entre duas ou mais
coisas. Esta observação trivial e verdadeira conduz, ou parece conduzir, a
uma conclusão a respeito do sentido das metáforas. Consideremos a
semelhança, ou similitude, comum: duas rosas são semelhantes porque
partilham a propriedade de serem rosas: duas crianças são semelhantes em
virtude da infância que as conjuga. Ou, de modo mais simples, as rosas são
semelhantes porque cada uma delas é uma rosa, e as crianças são
semelhantes porque cada uma delas é criança.
Suponhamos que alguém diz que «Tolstoy foi em tempos criança». De
que modo é a criança Tolstoy como outra criança? A resposta acorre
oportunamente: em virtude de exibir a propriedade da infância, isto é,
deixando de lado algum enleio, em virtude de ser uma criança. Se
esgotarmos a expressão «em virtude de», podemos, segundo parece, ser
ainda mais explícitos dizendo que a criança Tolstoy partilha com outras
crianças o facto de o predicado «é uma criança» lhe ser aplicado; dada a
palavra «criança», não temos qualquer problema para dizer como,
exactamente, a criança Tolstoy se parece a outras crianças. Podíamos fazê-lo
sem a palavra «criança»; tudo o que precisamos é de outras palavras que
signifiquem o mesmo. O resultado final é o mesmo. A semelhança comum
depende de agrupamentos estabelecidos pelos sentidos comuns das palavras.
Esta semelhança é natural e não nos surpreende na medida em que formas
familiares de agrupar objectos estão ligadas aos significados usuais de
palavras usuais.
Um crítico famoso afirmou que Tolstoy era «uma grande criança
moralizadora». O Tolstoy que aqui é referido não é, obviamente, a criança
Tolstoy mas o escritor adulto; isto é uma metáfora. Ora, em que sentido é o
Tolstoy escritor semelhante a uma criança? O que devemos fazer, talvez, é
pensar na classe de objectos que inclui todas as crianças comuns e, em
acréscimo, o Tolstoy adulto e, posteriormente, perguntarmo-nos que
propriedade especial e surpreendente têm em comum os membros desta
classe. O pensamento atractivo é o de que com paciência poderíamos
aproximar-nos tanto quanto fosse necessário da especificação da pertinente
propriedade. De qualquer forma, poderíamos perfeitamente fazê-lo se
encontrássemos as palavras que significam exactamente o mesmo que a
palavra metafórica «criança» significa. O ponto importante, segundo a
minha perspectiva, não é se podemos ou não encontrar essas outras palavras
perfeitas, mas a suposição de que há algo a ser tentado, a suposição de que
existe um sentido metafórico condizente. Até agora apenas tenho estado a
esboçar de que modo o conceito de significado pode ter-se deslizado
furtivamente para a análise da metáfora, e a resposta que sugeri é a de que,
uma vez que o que pensamos como sendo um jardim de variedade de
semelhanças vai a par do que pensamos ser como um jardim de variedade de
significados, é natural postular significados metafóricos ou pouco usuais
como ajuda para explicar as semelhanças que as metáforas promovem.
A ideia, então, é a de que na metáfora certas palavras assumem
significados novos, ou significados frequentemente designados como
significados «ampliados». Quando lemos, por exemplo, «o Espírito de Deus
moveu-se sobre a face das águas», devemos considerar a palavra «face»
como tendo um significado ampliado (não tomo em consideração outras
metáforas nesta passagem). A ampliação aplica-se, como é o caso, àquilo
que os filósofos chamam a extensão da palavra, isto é, a classe de entidades
a que a palavra se refere. Aqui, a palavra «face» aplica-se a faces comuns, e
por acréscimo a águas.
Esta descrição não pode, seja como for, estar completa uma vez que,
se nestes contextos as palavras «face» e «criança» se aplicam correctamente
a águas e ao Tolstoy adulto, então as águas efectivamente têm faces e
Tolstoy literalmente foi uma criança, e todo o sentido de metáfora se
evapora. Se nos dispomos a pensar sobre as palavras nas metáforas como
desempenhado directamente a sua função de se referir àquilo que com
propriedade se referem, então não há diferença entre a metáfora e a
introdução de um novo termo no nosso vocabulário: fazer uma metáfora é
assassiná-la.
O que ficou de fora foi qualquer apelo ao sentido original da palavra.
Se a metáfora depende, ou não, de novos ou sentidos ampliados, certamente
depende, de algum modo, de sentidos originais; uma descrição adequada da
metáfora deve permitir que os sentidos originais ou primários das palavras
permaneçam activos no seu enquadramento metafórico.
Talvez possamos, então, explicar a metáfora como um tipo de
ambiguidade: no contexto de uma metáfora, certas palavras têm ou um
significado novo ou um significado original, e a força da metáfora depende
da nossa indecisão enquanto hesitamos entre os dois significados. Assim,
quando Melville escreve que «Cristo foi um cronómetro», o efeito
metafórico é produzido pelo facto de tomarmos «cronómetro» primeiro no
seu sentido comum e, depois, num sentido extraordinário ou metafórico.
É difícil ver de que modo esta teoria possa estar correcta. Pois a
ambiguidade na palavra, se existe, é devida ao facto de que em contextos
comuns significa uma coisa e no contexto metafórico significa algo
diferente; mas no contexto metafórico não hesitamos necessariamente a
respeito do seu significado. Quando hesitamos é habitualmente para decidir
qual interpretação, de um número de interpretações, devemos aceitar;
raramente duvidamos de que aquilo que temos é uma metáfora. Seja como
for, a efectividade da metáfora facilmente excede em duração o fim da
hesitação a propósito da interpretação da passagem metafórica. A metáfora
não pode, por conseguinte, dever o seu efeito à ambiguidade deste tipo.2

2
Nelson Goodman afirma que a metáfora e a ambiguidade diferem sobretudo «em que
os diferentes usos de um termo meramente ambíguo são coevos e independentes»,
enquanto que na metáfora «um termo com uma extensão estabelecida pelo hábito é
aplicado noutro lugar sob a influência desse hábito»; sugere que à medida que o nosso
sentido da história dos «dois usos» na metáfora se desvanece, a palavra metafórica se
torna meramente ambígua (Languages of Art [Indianapolis, Ind., 1968], p. 71). De
facto, em muitos casos de ambiguidade, um uso brota do outro (como afirma
Goodman) e, por conseguinte, não podem ser coevos. Mas o erro básico, que
Goodman partilha com outros, é a ideia de que dois «usos» se encontram envolvidos
na metáfora da forma como o fazem na ambiguidade.
Outra forma de ambiguidade pode parecer oferecer melhor sugestão.
Por vezes uma palavra, num único contexto, transporta dois significados,
supondo-se que lembremos e usemos ambos. Ou, se pensarmos que o ser
palavra implica identidade de significado, então podemos descrever a
situação de tal modo que o que nos surge como uma palavra são, de facto,
duas. Quando dão as boas-vindas, de modo obsceno, à personagem Cressida
de Shakespeare, no momento em que chega ao campo grego, diz Nestor,
«Our general doth salute you with a kiss» [«O nosso general saúda-vos com
um beijo»]. Devemos aqui entender «general» de duas maneiras: uma delas
aplicada a Agamemnon, que é o general; e, uma vez que está a beijar toda a
gente, como não sendo aplicada a ninguém em particular, mas a todos em
geral. Temos, de facto, a conjunção de duas frases: o nosso general,
Agamemnon, saúda-vos com um beijo; e, todos em geral vos saúdam com
um beijo.
Este dispositivo, um trocadilho, é legítimo, mas não é o mesmo
dispositivo que a metáfora. Pois na metáfora não existe necessidade
essencial de reiteração; quaisquer que sejam os significados que atribuímos
às palavras, eles mantêm-se através de qualquer leitura correcta da
passagem.
Uma modificação plausível da última sugestão seria a de considerar a
palavra chave (ou palavras chave) de uma metáfora como tendo dois tipos
diferentes de significado em simultâneo, um sentido literal e um sentido
figurado. Imaginemos o sentido literal como sendo latente, algo de que
somos conscientes, algo que pode ter um efeito em nós sem ter efeito no
contexto, enquanto que o sentido figurado transporta o peso directo. E, por
último, deve haver uma regra que liga os dois significados, pois de outro
modo a explicação recai numa forma da teoria da ambiguidade. A regra, pelo
menos para muitos casos típicos de metáfora, diz que no seu papel
metafórico a palavra se aplica a tudo aquilo a que se aplica no seu papel
literal, e depois a algo.3
Esta teoria pode parecer complexa, mas é extraordinariamente
semelhante ao que Frege propôs como descrição do comportamento de
referir termos em frases modais e frases sobre atitudes proposicionais como
a crença e o desejo. Segundo Frege, cada termo de referência tem dois (ou
mais) significados, um que fixa a sua referência em contextos comuns, e
outro que fixa a sua referência em contextos especiais criados por
operadores modais ou verbos psicológicos. A regra que liga os dois
significados pode ser colocada assim: o significado da palavra nos contextos
especiais faz a referência nesses contextos ser idêntica à do significado em
contextos comuns.
Temos aqui o quadro completo, colocando Frege a par de uma
perspectiva fregeana da metáfora: devemos pensar numa palavra como
tendo, em acréscimo ao seu campo mundano de aplicação ou referência, dois
campos de aplicação especiais ou supra-mundanos, um para a metáfora e
outro para contextos modais e afins. Em ambos os casos, o significado
original permanece actuante em virtude de uma regra que relaciona os vários
significados.
Tendo enfatizado a analogia possível entre significado metafórico e os
significados fregeanos para contextos oblíquos, volto-me para uma
dificuldade imponente de manter a analogia. Estamos a entreter um visitante
de Saturno tentando ensiná-lo como usar a palavra «chão». Percorremos os
subterfúgios familiares, conduzindo-do de chão a chão, apontando, calcando
e repetindo a palavra. Incitamo-lo a fazer experiências, tocando levemente os
objectos a título experimental com os seus tentáculos ao mesmo tempo que
recompensamos as suas tentativas certas e erradas. Queremos que acabe por

3
A teoria descrita é essencialmente a de Paul Henle, «Metaphor», in Language,
Thought, and Culture, ed. Henle (Ann Arbor, Mich., 1958).
ficar a saber não apenas que estes objectos ou superfícies particulares são
chãos, mas também como reconhecer um chão quando avistamos ou
tocamos um. O tom burlesco com o que o fazes não lhe diz o que precisa de
saber, mas com sorte ajuda-o a aprender.
Devemos chamar a este processo aprender algo sobre o mundo, ou
aprender algo sobre a linguagem? Uma questão estranha, pois o que se
aprende é que um pedaço de linguagem se refere a um pedaço do mundo.
Ainda assim, é fácil distinguir entre a aprendizagem do significado de uma
palavra e o uso da palavra uma vez que o significado foi aprendido.
Comparando estas duas actividades, é natural dizer que a primeira concerne
a aprendizagem de algo sobre a linguagem, enquanto que a segunda é
tipicamente a aprendizagem de algo sobre o mundo. Se o nosso habitante de
Saturno aprendeu a usar a palavra «chão», podemos tentar dizer-lhe algo
novo: que aqui é um chão. Se ele dominou o truque das palavras, dissemos-
lhe algo sobre o mundo.
O nosso amigo de Saturno transporta-nos agora através do espaço para
a esfera da sua casa, e olhando remotamente para a terra deixada atrás,
dizemos-lhe, acenando para a Terra, «chão». Talvez ele pense que isto se
trata ainda parte da lição e suponha que a palavra «chão» se aplica
correctamente à terra, pelo menos vista de Saturno. Mas, e se pensámos que
ele sabia já o significado de «chão» e nos estávamos a lembrar do modo
como Dante, de um lugar semelhante no orbe celeste, via a terra habitada
como «o pequeno chão redondo que nos torna passionais»? O nosso
propósito era a metáfora, e não treinar o uso da linguagem. Que diferença
faria para o nosso amigo de que modo o entendia? Com a teoria da metáfora
que estamos a considerar, muito pouca diferença, pois de acordo com essa
teoria uma palavra tem um significado novo num contexto metafórico; a
ocasião da metáfora seria, por conseguinte, a ocasião para aprender o novo
significado. Devemos concordar que, em certo sentido, faz relativamente
pouca diferença se, num determinado contexto, pensamos que a palavra está
a ser usada metaforicamente ou está a ser usada de um modo prévio
desconhecido, mas literal. Empson, em Some Versions of Pastoral, cita estes
versos de Donne: «As our blood labours to beget / Spirits, as like souls as it
can, [...] / So must pure lover’s soules descend [...]» O leitor moderno, realça
Empson, quase de certeza entenderá metaforicamente a palavra «espíritos»
nesta passagem, considerando-a aplicar-se apenas por extensão a algo
espiritual. Mas para Donne não havia metáfora. Escreve nos seus Sermons:
«The spirits [...] are the thin and active part of the blood, and are a kind of
middle nature, between soul and body». Saber isto não faz muita diferença;
Empson tem razão quando afirma que «É curioso como a mudança da
palavra [isto é, daquilo que pensamos que significa] não afecta a poesia».4
A mudança pode ser, pelo menos em certos casos, difícil de apreciar,
mas a não ser que haja mudança, perde-se a maior parte do que pensamos ser
interessante sobre a metáfora. Tenho estado a provar a minha posição
contrastando a aprendizagem de um novo significado de uma velha palavra
com o uso de uma palavra já compreendida; num caso, argumentei, a nossa
atenção dirige-se para a linguagem, no outro, para aquilo sobre que trata a
linguagem. A metáfora, sugeri, pertence à segunda categoria. Isto pode
também ser visto se considerarmos metáforas mortas. Em tempos, segundo
suponho, rios e garrafas não tinham literalmente, como acontece hoje, bocas.
Pensando no uso presente, não interessa se consideramos a palavra «boca»
de modo ambíguo porque se aplica a entradas de rios e aberturas de garrafas
bem como a aberturas animais; nem interessa se pensamos que existe um
único campo de aplicação que os abrange a ambos. O que importa é que
quando «boca» se aplicava apenas metaforicamente a garrafas, a aplicação
fazia o ouvinte aperceber-se de uma semelhança entre aberturas de animais
e de garrafas. (Considere-se a referência de Homero a feridas como bocas).
Uma vez que temos o uso presente da palavra, com aplicação literal a

4
William Empson, Some Versions of Pastoral (London, 1935), p. 133.
garrafas, não existe mais nada de que apercebermo-nos. Não há semelhança
que procurar porque consiste simplesmente em ser referida pela mesma
palavra.
A novidade não é a questão. No seu contexto uma palavra uma vez
tomada como metáfora permanece metáfora na centésima vez que a
ouvimos, enquanto uma palavra pode facilmente ser apreciada num novo
papel literal logo num primeiro encontro. Aquilo a que chamamos elemento
de novidade ou surpresa numa metáfora é uma parte integrante estética que
podemos experimentar uma e outra vez, como a surpresa na Sinfonia nº 94
de Haydn, ou uma cadência familiar deceptiva.
Se a metáfora implicasse um segundo significado, como acontece
com a ambiguidade, poderíamos contar ser capazes de especificar o
significado especial de uma palavra num quadro metafórico esperando que a
metáfora morresse. O sentido figurado da metáfora viva seria imortalizado
no sentido literal da metáfora morta. Mas embora alguns filósofos tenham
sugerido esta ideia, parece ser manifestamente errada. «He was burned up» é
um enunciado genuinamente ambíguo (uma vez que pode ser verdade num
sentido e falso noutro), mas ainda que a expressão idiomática seja sem
dúdiva o cadáver de uma metáfora, «He was burned up» hoje apenas sugere
que estava muito zangado. Quando a metáfora estava activa, teríamos
imaginado fogo nos olhos e fumo saindo das orelhas.
Podemos aprender muito sobre o que significam as metáforas
comparando-as com os símiles, pois um símile diz-nos, em parte, aquilo que
uma metáfora mera e levemente nos anima a notarmos. Suponhamos que
Goneril tivesse dito, pensando em Lear, «Old fools are like babes again»;
então ela teria utilizado as palavras para afirmar a semelhança entre velhos
loucos e bébés. O que disse de facto, claro, foi «Old fools are babes again»,
usando deste modo as palavras para dar a entender o que o símile declarava.
Pensando em função destes exemplos pode inspirar outra teoria do sentido
figurativo ou especial das metáforas: o sentido figurativo de uma metáfora é
o sentido literal do símile correspondente. Assim, «Cristo era um
cronómetro» no seu sentido figurado é sinónimo de «Cristo era como um
cronómetro», e o significado metafórico um dia encerrado em «Ele estava
queimado» é libertado em «Ele estava como alguém queimado» (ou talvez,
«Ele estava como queimado»).
Existe, é inegável, a dificuldade em identificar o símile que
corresponde a uma determinada metáfora. Virginia Wolf disse que um
intelectual é «a man or woman of thoroughbred intelligence who rides his
mind at a gallop across country in pursuit of an idea». Que símile
corresponde? Algo assim, talvez: «A highbrow is a man or woman whose
thoroughbred intelligence is like a thoroughbred horse who persists in
thinking about an idea like a rider at galloping across country in pursuit of...
well something».
A perspectiva de que o significado especial de uma metáfora é
idêntico ao significado literal de um símile correspondente (como quer que
«correspondente» seja soletrado) não deve ser confundida com a teoria
comum de que uma metáfora é um símile elíptico.5 Esta teoria não
estabelece distinção de sentido entre uma metáfora e um símile relacionado e
não fornece nenhuma base para falar de significados figurativos, metafóricos
ou especiais. É uma teoria que ganha a partida no que concerne a
simplicidade, mas também parece demasiado simples para funcionar. Pois se
tornamos o sentido literal da metáfora o sentido literal de um símile
correspondente, negamos acesso ao que originalmente tomámos como sendo
o sentido literal da metáfora, e concordámos quase desde o início que este

5
J. Middleton Murray diz que uma metáfora é um «símile comprimido», Countries of
the Mind, 2ª. série (Oxford, 1931), p. 3. Max Black atribui uma perspectiva
semelhante a Alexander Bain, English Composition and Rethoric, ed. aum. (London,
1887).
significado era essencial para o funcionamento da metáfora, fosse o que
fosse necessário acrescentar ainda de um significado não literal.
Tanto a teoria do símile elíptico da metáfora como a sua variante
mais sofisticada, que equaciona o sentido figurativo da metáfora com o
sentido literal de um símile, partilham um erro fatal. Tornam o sentido
oculto da metáfora demasiado óbvio e acessível. Em cada caso, o sentido
oculto é encontrado simplesmente olhando para o sentido literal daquilo que
é habitualmente um símile dolorosamente trivial. Isto é como aquilo –
Tolstoy é como uma criança, a terra é como um chão. É trivial porque tudo é
como tudo, e de formas intermináveis. As metáforas são frequentemente
muito difíceis de interpretar e, como se costuma dizer, impossíveis de
parafrasear. Mas com esta teoria, interpretação e paráfrase
caracteristicamente estão prontas para ser usadas pelo mais inexperiente.
Estas teorias do símile têm sido consideradas aceitáveis, penso, apenas
porque têm sido confundidas com uma teoria bastante diferente. Considere-
se esta advertência de Max Black:

Quando Schopenhauer chamou à prova geométrica uma ratoeira, estava, segundo esta
perspectiva, a dizer (ainda que não explicitamente): «Uma prova geométrica é como
uma ratoeira, uma vez que ambas proporcionam uma recompensa falaciosa, atraem as
suas vítimas progressivamente, conduzem a supresas desagradáveis, etc.» Esta é uma
perspectiva da metáfora como um símile elíptico ou condensado.6

Posso discernir aqui duas confusões. Primeiro, se as metáforas são símiles


elípticos, dizem explicitamente o que os símiles dizem, pois a elipse é uma
forma de abreviatura, e não de paráfrase ou de informação indirecta. Mas, e
esta é a questão mais importante, a afirmação de Black sobre aquilo que a
metáfora diz vai mais além daquilo que é proporcionado pelo símile
correspondente. O símile diz apenas que uma prova geométrica é como uma

6
Black, p. 35.
ratoeira. Não nos diz mais do que a metáfora sobre que semelhanças
devemos observar. Black menciona três semelhanças, e claro podíamos
acrescentar a lista indefinidamente. Mas supõe-se que esta lista, quando
revista e suplementada de modo correcto, proporciona o sentido literal do
símile? Sem dúvida que não, uma vez que o símile apenas declara a
semelhança. Se a lista se supõe que proporciona o sentido figurado do
símile, então não aprendemos nada sobre a metáfora da comparação com o
símile – apenas que ambos possuem o mesmo significado figurativo. Nelson
Goodman efectivamente defende que «a diferença entre símile e metáfora é
negligenciável», e prossegue, «quer a locução se trate de ‘é como’ ou se trate
de ‘é’, a figura assemelha quadro a pessoa separando certas características
comuns [...]»7 Goodman está a considerar a diferença entre dizer que um
quadro é triste e dizer que ele é como uma pessoa triste. É claramente
verdade que ambos enunciados assemelham quadro e pessoa, mas parece-me
ser um erro pretender que os dois modos de dizer «separam» uma
característica comum. O símile diz que existe uma semelhança e deixa-nos a
tarefa de separar alguma ou algumas características comuns; a metáfora não
declara explicitamente uma semelhança, mas se aceitamos que é uma
metáfora, somos levados uma vez mais a procurar características comuns
(não necessariamente as mesmas características que o símile associado
sugere; mas esta é outra questão).
Justamente porque um símile tem uma declaração de similitude na
manga, é menos plausível, penso, do que no caso da metáfora, sustentar que
existe um segundo sentido escondido. No caso do símile, verificamos o que
literalmente diz: que duas coisas se parecem; examinamos, então, os
objectos e consideramos que similitude seria, em contexto, apropriada.
Tendo decidido, poderíamos então dizer que o autor do símile pretendia que
nós – isto é, queria que nós – prestássemos atenção nessa semelhança. Mas

7
Goodman, pp. 77-78.
tendo estimado a diferença entre o que as palavras pretendiam e o que o
autor conseguiu realizar usando essas palavras, seríamos pouco tentados a
explicar o que aconteceu dotando as próprias palavras com um segundo
sentido figurado. O objectivo do conceito de significado linguístico é o de
explicar o que pode ser feito com palavras. Mas o suposto sentido figurado
de um símile não explica nada; não é uma característica da palavra que a
palavra possua a priori e independetemente do contexto de uso, e não
repousa sobre nenhuns hábitos linguísticos que não sejam aqueles que
governam o sentido comum.
O que as palavras fazem com o seu significado literal no símile deve
ser possível que o façam na metáfora. Uma metáfora chama a atenção para o
mesmo tipo de semelhança, ou até para as mesmas semelhanças, que o
correspondente símile. Mas então os subtis e inesperados paralelos e
analogias que a metáfora promove não precisam de depender, para a sua
promoção, de nada mais do que o sentido literal das palavras.
A metáfora e o símile são apenas dois entre intermináveis dispositivos
que servem para alertar-nos sobre aspectos do mundo convidando-nos a
fazer comparações. Cito algumas estrofes de «The Hippopotamus» de T. S.
Eliot:

The broad-backed hippopotamus


Rests on his belly in the mud;
Although he seems so firm to us
He is merely flesh and blood.

Flesh and blood is weak and frail,


Susceptible to nervous shock;
While the True Church can never fail
For it is based upon a rock.

The hippo’s feeble steps may err


In compassing material ends,
While the True Church need never stir
To gather in it its dividends.

The ‘potamus can never reach


The mango or the mango-tree;
But fruits of pomegranate and peach
Refresh th Church from over sea.

Aqui não se nos diz nem que a Igreja se parece a um hipopótamo (como num
símile), nem somos pressionados a fazer a comparação (como numa
metáfora), mas não há dúvida que as palavras estão a ser usadas para dirigir
a nossa atenção para semelhanças entre ambos. Nem pode haver, neste caso,
muita tendência para supor sentidos figurados, pois em que palavras os
alojaríamos? O hipopótamo efectivamente descansa sobre a pança no barro;
a Igreja Verdadeira, diz-nos o poema literalmente, não pode falhar. O poema
implica, é claro, muita coisa que vai mais além do sentido literal das
palavras. Mas implicar não é significar.
O argumento, até ao momento, conduziu à conclusão de que aquilo
que na metáfora pode ser explicado em termos de significado pode, e na
verdade, deve, ser explicado apelando para o sentido literal das palavras.
Uma consequência é a de que as frases em que ocorrem as metáforas são
verdadeiras ou falsas de um modo normal ou literal, pois se as palavras nelas
não têm significados especiais, as frases não têm uma verdade especial. Isto
não significa negar que existe algo como a verdade metafórica, apenas
significa negá-lo nas frases. A metáfora conduz-nos a prestar atenção ao que,
de outro modo, poderia não ser advertido, e não há nenhuma razão, suponho,
para não dizer que estas perspectivas, pensamentos e sentimentos inspirados
pela metáfora, sejam verdadeiros ou falsos.
Se uma frase usada metaforicamente é verdadeira ou falsa no sentido
frequente, então está claro que é habitualmente falsa. A diferença semântica
mais óbvia entre símile e metáfora é a de que todos os símiles são
verdadeiros e a maioria das metáforas são falsas. A terra é como um chão, o
Assírio lançou-se como um lobo sobre o rebanho, porque tudo é como tudo.
Mas transformar estas frases em metáforas é torná-las falsas; a terra é como
um chão mas não é um chão; Tolstoy, adulto, era como uma criança, mas
não era uma criança. Usamos um símile frequentemente apenas quando
sabemos que a metáfora correspondente é falsa. Dizemos que o Sr. S é como
um porco porque sabemos que não é um porco. Se tivéssemos utilizado uma
metáfora e disséssemos que era um porco, não seria porque tivéssemos
mudado de ideia sobre os factos mas porque escolhemos apresentar a ideia
de modo diferente.
O que importa não é a efectiva falsidade mas que a frase seja
considerada falsa. Note-se o que acontece quando uma frase que usamos
como metáfora, acreditando que é falsa, chega a ser verdade por causa de
uma mudança naquilo que pensamos sobre o mundo. Quando foi dada a
notícia de que o avião de Hemingway tinha sido visto, destruído, em África,
o novaiorquino Mirror lançou um cabeçalho que dizia «Hemingway Perdido
em África», a palavra «perdido» tendo sido utilizada para sugerir que estava
morto. Quando se soube que afinal estava vivo, o Mirror deixou que o
cabeçalho fosse lido literalmente. Considere-se, ainda, o seguinte caso: uma
mulher vê-se com um belo vestido e diz, «Que sonho de vestido!» - e depois
acorda. A questão está em que o vestido é como um vestido com que
sonharíamos e por conseguinte não é um vestido de sonho. Henle fornece
um bom exemplo extraído de Anthony and Cleopatra (2. 2):

The barge she sat in, like a burnish’d throne


Burn’d on the water

Aqui símile e metáfora interagem de modo estranho, mas a metáfora


desapareceria se um incêndio fosse imaginado. De modo muito semelhante,
o efeito habitual de um símile pode ser sabotado levando demasiado longe a
comparação. Woody Allen escreve: «O julgamento, que teve lugar durante
as semanas seguintes, foi como um circo, ainda que tivesse sido algo difícil
meter os elefantes na sala do tribunal».8
Geralmente, apenas quando consideramos que uma frase é falsa a
aceitamos como metáfora e começamos à caça das implicações ocultas. É
provavelmente por esta razão que a maioria das frases metafóricas são
manifestamente falsas, assim como as todos os símiles são trivialmente
verdade. O absurdo e a contradição numa frase metafórica garante que não
acreditemos nela e convida-nos, em condições apropriadas, a tomar a frase
metaforicamente.
Falsidade patente é o caso habitual da metáfora, mas por vezes a
verdade patente serve também. «Negócio é negócio» é demasiado óbvio no
seu sentido literal de forma a ter sido pronunciado para veicular informação,
por conseguinte procuramos outro uso; Ted Cohen lembra-nos, na mesma
linha, que nenhum homem é uma ilha.9 A questão é a mesma. O sentido
comum no contexto de uso é bastante estranho para nos induzir a descurar a
questão da verdade literal.
Seja-me permitido, agora, colocar uma questão um tanto platónica,
comparando a elaboração de uma metáfora com o dizer uma mentira. A
comparação é adequada porque mentir, como fazer uma metáfora, concerne
não o sentido das palavras mas o seu uso. Diz-se por vezes que dizer uma
mentira acarreta dizer o que é falso; mas isto está errado. Dizer uma mentira
não requer que o que dizemos seja falso mas que pensemos que é falso. Uma
vez que habitualmente acreditamos nas frases verdadeiras e não acreditamos

8
Woody Allen, New Yorker, 21 de Novembro de 1977, p. 59.
9
Ted Cohen, «Figurative Speech and Figurative Acts», Journal of Philosophy 72
(1975): 671. Uma vez que a negação de uma metáfora parece ser sempre uma
metáfora potencial, pode haver tantas trivialidades entre as metáforas potenciais como
há absurdos entre as metáforas efectivas.
nas falsas, a maioria das mentiras são falsidades; mas em cada caso
individualmente considerado isto é um acidente. O paralelo entre elaborar
uma metáfora e dizer uma mentira é enfatizado pelo facto de que a mesma
frase pode ser usada, sem mudar o significado, para ambos os propósitos.
Assim, uma mulher que acreditou em bruxas mas que não pensou que a sua
vizinha é uma bruxa, podia dizer «Ela é uma bruxa», querendo dizê-lo
metaforicamente; a mesma mulher, ainda acreditando em bruxas e pensando
o mesmo da vizinha, poderia usar essas mesmas palavras para um efeito
muito diferente. Uma vez que frase e significado são os mesmos em ambos
os casos, é por vezes difícil provar qual a intenção que subjaz ao dizê-lo;
deste modo, um homem que diz «Lattimore é um Comunista» e quer mentir
sempre pode declinar tê-lo feito alegando ser uma metáfora.
O que faz a diferença entre uma mentira e uma metáfora não é uma
diferença das palavras usadas ou do que significam (em qualquer sentido
estrito do significado) mas como as palavras são usadas. Usar uma frase para
dizer uma mentira e usá-la para fazer uma metáfora são, é claro, usos
totalmente diferentes, tão diferentes que não interferem um com o outro, tal
como acontece, digamos, com o actuar e o mentir. Ao mentir devemos fazer
uma asserção de modo a representar-nos como acreditando naquilo que não
acreditamos; ao actuar, essa asserção é excluída. A metáfora é indiferente à
distinção. Pode ser um insulto, e deste modo ser uma asserção, dizer a um
homem, «És um porco». Mas nenhuma metáfora estava em causa quando
(suponhamos) Ulisses dirigiu as mesmas palavras aos seus companheiros no
palácio de Circe; uma história, é inegável, e portanto não havendo asserção –
mas a palavra, pelo menos neste caso, foi usada literalmente aplicada a
homens.
Nenhuma teoria do significado metafórico ou da verdade metafórica
pode ajudar a explicar como a metáfora funciona. A metáfora segue pelo
mesmo caminho linguístico familiar que as frases mais simples; vimo-lo ao
considerar o símile. O que distingue a metáfora não é o sentido mas o uso –
neste aspecto é como asseverar, insinuar, mentir, prometer ou criticar. E o
uso especial que fazemos da linguagem na metáfora não é – não pode ser –
«dizer algo especial», por mais indirectamente que o façamos. Pois uma
metáfora diz apenas o que mostra facialmente – habitualmente uma falsidade
evidente ou uma verdade absurda. E esta verdade ou falsidade manifestas
não precisa de paráfrase – é dada no sentido literal das palavras.
O que dizer, pois, da energia interminável que foi gasta, e continua a
ser gasta, em elaborar métodos e dispositivos para esclarecer com
propriedade o conteúdo de uma metáfora? Os psicólogos Robert Verbrugge
e Nancy McCarrell dizem-nos que:

Muitas metáforas chamam a atenção para sistemas de relações comuns ou


transformações comuns, em que a identidade dos participantes é secundária. Por
exemplo, considerem-se as frases: Um carro é como um animal, Os troncos das
árvores são palhas para ramos e folhas sedentas. A primeira frase chama a atenção
para sistemas de relações entre consumo energético, respiração, auto-locomoção,
sistemas sensoriais e, possivelmente, um homúnculo. Na segunda frase, a semelhança
é um tipo de transformação mais constrangido: sucção de fluído através de um espaço
cilíndrico orientado verticalemente, de uma fonte de fluído até um destino.10

Verbrugge e McCarrell não acreditam que exista uma linha divisória entre o
uso literal e o uso metafórico das palavras; pensam que muitas palavras têm
um significado «nebuloso» que é fixado, se for fixado, por um contexto. Mas
certamente esta nebulosidade, como quer que seja ilustrada e explicada, não
pode apagar a linha entre o que uma frase significa literalmente (dado o seu
contexto) e aquilo «para que chama a nossa atenção» (dado o seu sentido
literal fixado pelo contexto). A passagem que acabo de citar não emprega
esta distinção: aquilo que diz que os exemplos de frases chamam a nossa

10
Robert R. Verbrugge e Nancy S. McCarrell, «Metaphoric Comprehension: Studies in
Reminding and Resembling», Cognitive Psychology 9 (1977): 499.
atenção para, são factos expressos por paráfrases de frases. Verbrugge e
McCarrell apenas pretendem insistir que uma correcta paráfrase pode
enfatizar «sistemas de relações» em vez de semelhanças entre objectos.
Segundo a teoria da interacção de Black, uma metáfora obriga-nos a
aplicar um «sistema de lugares comuns», associado à palavra metafórica, ao
tema da metáfora: em «O homem é um lobo» aplicamos atributos tópicos
(estereótipos) do lobo ao homem. Assim, a metáfora, afirma Black,
«selecciona, enfatiza, suprime e organiza características do termo principal
implicando enunciado sobre ele que normalmente se aplicam ao termo
subsidiário».11 Se a paráfrase falha, segundo Black, não é porque a metáfora
não tenha um conteúdo cognitivo especial, mas porque a paráfrase «não terá
o mesmo poder de informar e iluminar que o original [...] Uma das questões
que desejo sublinhar é a de que a perda nestes casos é uma perda de
conteúdo cognitivo; a fraqueza relevante da paráfrase literal não é a de que
pode ser cansativamente prolixa ou tediosamente explícita; falha em ser uma
tradução porque falha em dar a compreensão que a metáfora
proporcionava».12
Como pode isto estar certo? Se uma metáfora tem um conteúdo
cognitivo especial por que razão seria tão difícil ou impossível mostrá-lo?
Se, como Owen Barfield reivindica, uma metáfora «diz uma coisa e quer
dizer outra», porque razão quando tentamos tornar explícito o que significa,
o efeito é muito mais fraco - «coloque-se desse modo», diz Barfield, «e
quase todo o lustro, e com ele metade da poesia, se perde»?13 Porque pensa
Black que uma paráfrase literal «diz inevitavelmente demasiado – e com a

11
Black, pp. 44-45.
12
Ibid., p. 46.
13
Owen Barfield, «Poetic Diction and Legal Fiction», in The Importance of Language,
ed. Max Black (Englewood Cliffs, N.J., 1962), p. 55.
ênfase errada»? Porquê inevitavelmente? Não podemos, se somos
suficientemente espertos, aproximar-nos tanto quanto nos apetecer?
A este respeito, como explicar que um símile viva harmoniosamente
sem um significado intermédio? Em geral, os críticos não sugerem que um
símile diga uma coisa e signifique outra – não supõem que signifique nada
mais do que repousa na superfície das palavras. Pode fazer-nos pensar
pensamentos profundos, tal como a metáfora; então, por que razão ninguém
apela para o «sentido cognitivo especial» do símile? Lembremo-nos do
hipopótamo de Eliot; aí não há nem símile nem metáfora, para o que parecia
ser feito é exactamente o que é feito por símiles e metáforas. Alguém sugere
que as palavras no poema de Eliot tenham significados especiais?
Por último, se as palavras na metáfora transportam um significado
codificado, como pode esse significado diferir do significado que essas
mesmas palavras transportam no caso de a metáfora morrer – isto é, quando
se torna parte da linguagem? Porque não significa «Ele estava queimado»,
como hoje é usada e significa esta frase, exactamente o mesmo que a
metáfora viva significou em tempos? Todavia, tudo o que a metáfora morta
significa é que ele estava muito zangado – uma noção não muito difícil de
tornar explícita.
Existe, pois, uma tensão na perspectiva habitual da metáfora. Isto
porque, por um lado, a perspectiva habitual pretende defender que a
metáfora faz algo que a simples prosa não consegue fazer, e, por outro lado,
quer explicar o que a metáfora faz apelando para um conteúdo cognitivo –
justamente o tipo de coisa que a simples prosa tem a intenção de expressar.
Enquanto estivermos inseridos neste quadro mental, devemos albergar a
suspeita de poder ser feito, pelo menos até certo ponto.
Existe uma forma simples para sair deste impasse. Devemos
abandonar a ideia de que a metáfora transporta uma mensagem, de que tem
um conteúdo ou significado (excepto, é claro, o seu sentido literal). As
diferentes teorias que temos estado a considerar enganam-se no seu
objectivo. Onde pensam que proporcionam um método para decifrar um
conteúdo codificado, na verdade dizem-nos (ou tentam dizer-nos) algo sobre
o efeito que as metáforas têm em nós. O erro comum é o de aferrar-se a estes
conteúdos dos pensamentos que uma metáfora provoca e ler esses conteúdos
na própria metáfora. Não há dúvida que as metáforas frequentemente nos
fazem notar aspectos das coisas de não nos tínhamos apercebido; não há
dúvida que chamam a atenção para surpreendentes analogias e semelhanças;
proporcinam de facto uma espécie de lente ou janela, como diz Black,
através dos quais vemos os fenómenos relevantes. A questão não reside aqui,
mas sim na questão de como a metáfora se relaciona com o que nos faz ver.
Pode ser observado com justiça que pretender que uma metáfora
provoca ou convoca uma certa perspectiva sobre o seu tema, mais do que o
enunciá-lo directamente, é um lugar-comum; assim é. Assim, Aristóteles
afirma que a metáfora conduz a uma «percepção de semelhanças». Black,
seguindo Richards, diz que uma metáfora «evoca» uma certa reacção: «um
ouvinte adquado será conduzido por uma metáfora a construir [...] um
sistema».14 Esta perspectiva é primorosamente sumariada por aquilo que
Heráclito disse do Oráculo de Delfos: «Não diz nem esconde, insinua».15
Não discuto estas descrições dos efeitos da metáfora, apenas contesto
as perspectivas associadas sobre o modo como se supõe que a metáfora os
provoca. O que nego é que a metáfora funcione por ter um sentido especial,
um conteúdo cognitivo específico. Não penso, como Richards, que a
metáfora produza o seu resultado por ter um significado que resulta da
interacção de duas ideias; está errado, do meu ponto de vista, dizer, como
Owen Barfield, que a metáfora «diz uma coisa e significa outra»; ou, como
Black, que a metáfora afirma ou implica certas coisas complexas por força

14
Black, p. 41.
15
Utilizo a atractiva tradução de Hannah Arendt de «σηµαινει»; manifestamente não
deve, neste contexto, ser traduzido por «significa».
de um significado especial e, assim, realiza o objectivo de veicular uma
«compreensão». Uma metáfora cumpre-se através de outros intermediários –
supor que pode apenas ser efectiva por veicular uma mensagem codificada é
como pensar que uma anedota ou um sonho fazem uma qualquer afirmação
que um intérprete inteligente pode reafirmar em prosa simples. Anedota,
sonho ou metáfora podem, como um quadro ou um galo na cabeça, fazer-nos
tomar atenção para um facto – mas não por substituir, ou expressar, o facto.
Se isto for correcto, o que tentamos fazer quando «parafraseamos»
uma metáfora não pode ser proporcionar o seu sentido, pois ele permanece
na superfície; antes, tentamos evocar aquilo para que a metáfora nos chama a
atenção. Posso imaginar uma pessoa concedendo isto, e depois encolher o
ombros e dizer que não se trata mais do que uma insistência em restringir o
uso da palavra «significado». Isto seria um erro. O erro central a propósito
da metáfora é mais fácil de abordar quando toma a forma de uma teoria do
significado metafórico, mas por detrás dessa teoria, independente e estável,
encontra-se a tese que associa a metáfora a um conteúdo cognitivo que o seu
autor deseja veicular e que o intérprete deve captar se quer perceber a
mensagem. Esta teoria é falsa, chamemos ou não ao conteúdo cognitivo
implicado um significado.
Deveria fazer-nos suspeitar a teoria de que é muito difícil de decidir,
mesmo no caso das metáforas mais simples, exactamente que conteúdo se
supõe ser. A razão pela qual é tantas vezes difícil de decidir é porque,
segundo penso, imaginamos que há um conteúdo a ser capturado quando, na
verdade, estamos a todo o momento focando aquilo para que a metáfora nos
chama a atenção. Se aquilo para que a metáfora nos chama a atenção fosse
finito no seu alcance e de natureza proposicional, não constituiria um
problema; apenas teríamos de projectar o conteúdo da metáfora, trazido ao
pensamento, sobre a metáfora. Mas, na verdade, não há limite para o que a
metáfora nos chama a atenção, e muito daquilo para que atentamos não é de
carácter proposicional. Quando tentamos dizer o que uma metáfora
«significa», depressa nos damos conta de que não há limite para aquilo que
queremos mencionar.16 Se alguém percorre com o dedo uma linha costeira
de um mapa, ou menciona a beleza e a destreza de um traço de Picasso,
quantas coisas nos chamam a atenção? Poderíamos fazer uma lista com
muitas dessas coisas, mas não poderíamos acabar, uma vez que a ideia de
acabar não teria uma aplicação clara. Quantos factos e proposições são
veiculados por uma fotografia? Nenhum, um número infinito, ou um grande
e instável facto? Uma má pergunta. Uma imagem não vale mil palavras, ou
um outro qualquer número delas. As palavras são uma moeda errada para
trocar por uma imagem.
Não se trata apenas de não conseguirmos proporcionar um catálogo
exaustivo daquilo para que atentamos quando somos levados a ver algo sob
uma luz nova; a dificuldade é mais fundamental. Aquilo de que nos
apercebemos ou vemos não é, regra geral, de carácter proposicional. Claro
que pode sê-lo, e quando o é pode ser habitualmente enunciado com palavras
bastante simples. Mas se vos mostro o pato-coelho de Wittgenstein, e vos
digo, «É um pato», então com um pouco de sorte vêem-no como um pato; se
digo, «É um coelho», vêem-no como um coelho. Contudo, nenhuma
proposição exprime o que vos levei a ver. Talvez acabem por dar conta de
que o desenho pode ser visto ou como um pato ou como um coelho. ‘Ver
como’ não é ‘ver que’. A metáfora faz-nos ver uma coisa como outra através

16
Stanley Cavell menciona o facto de que a maioria das tentativas de fazer uma
paráfrase acabam com um «e assim sucessivamente», e refere-se à advertência de
Empson de que as metáforas estão «grávidas» (Must We Mean What We Say? [New
York, 1969], p. 79). Mas Cavell não explica o carácter interminável da paráfrase como
eu faço, como se pode ver no facto de ele pensar que isso distingue a metáfora de
algum («mas se calhar não todo») discurso literal. Eu mantenho que o carácter
interminável daquilo a que chamamos paráfrase de uma metáfora nasce do facto de
que tenta revelar aquilo para que a metáfora nos chama a atenção, e para isto não há
um fim claro. Diria o mesmo para qualquer uso da linguagem.
de um enunciado literal que inspira ou sugere a percepção. Dado que a maior
parte das vezes aquilo que a metáfora sugere ou inspira não é inteiramente,
ou mesmo sequer, o reconhecimento de uma verdade ou facto, a tentativa de
dar expressão literal ao conteúdo da metáfora é simplesmente extraviado.
O teórico que tenta explicar uma metáfora apelando para uma
mensagem oculta, como o crítico que tenta expressar a mensagem, está então
fundamentalmente confundido. Nenhuma explicação ou enunciado deste teor
podem chegar a comparecer porque semelhante mensagem não existe.
Não se trata, claro está, de que a interpretação e explicação de uma
metáfora não se justifiquem. Muitos de nós precisamos de ajuda para
podermos ver o que o autor de uma metáfora quis que víssemos, e que um
leitor mais sensível ou educado capta. A função legítima da chamada
paráfrase é a de fazer com que o leitor preguiçoso ou ignorante tenha uma
visão como aquela que tem o crítico hábil. O crítico, por assim dizer, está a
competir de forma benigna com a pessoa que fez a metáfora. O crítico tenta
fazer a sua própria arte mais fácil e transparente, nalguns aspectos, em
relação ao original, mas ao mesmo tempo tenta reproduzir noutras pessoas
alguns dos efeitos que o original lhe produziu. Ao fazê-lo, o crítico chama a
atenção, talvez através do melhor método que tem à sua disposição, para a
beleza ou adequação, o poder oculto, da própria metáfora.

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