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Metáfora e singularidade

Argus Setembrino

Esse é um daqueles pequenos textos que a gente começa querendo dizer alguma
coisa, mas não sabe bem como vai terminar. É um daqueles que a gente acaba enquanto
escreve e/ou termina pelas metades. Começo querendo dizer algo sobre as metáforas, ou mais
precisamente contra o “reino das metáforas”.
Outro dia lembrei de uma metáfora para explicar o que seria “campo de coerência” na
Análise Institucional. Diz que as teorias são como uma rede que lançamos na realidade e o que
captamos é o que a teoria dá a perceber. Os conceitos, por sua vez, são como os nós que
compõem esta rede. Tudo bem certinho: as teorias estão para a rede assim como os conceitos
estão para os nós.
As metáforas – aqui sinônimas de analogia – têm disso: são ótimas para evocar um
sentido conhecido para algo desconhecido, de modo que quem já conheceu uma rede de
pesca pode começar a entender o que seja um “campo de coerência”. O problema é parar por
aí, no já conhecido.
Paramos no conhecido o tempo todo: os homens estão para as mulheres, como os bois
para as vacas, como os machos para as fêmeas; Deus está para os cristãos como Ifá para os
iorubas, como o sol para não-sei-quem; eu estou para minha namorada assim como eu criança
estava para minha mãe...
Quando as metáforas ou analogias comandam o pensamento, a consequência é a re-
cognição e um fechamento para qualquer novidade. Assimilamos os outros povos ao meu, as
outras deidades à minha: todos os outros povos “medidos pela régua” do povo a que
pertenço; entendemos o que nos acontece agora ao modo do que aconteceu antes: todo o
presente “medido pela régua” do passado. E por aí vai.
Abandonar a facilidade das metáforas é um primeiro passo para perceber qualquer
diferença, qualquer devir1. O mundo se torna razoável se as relações já estão dadas e
correspondentes, bastando substituir os termos mas sem analisar as relações. Razoável e
incompreendido, já que entender é também desorganizar-se.
Trazendo para a Psicoterapia, essa moleza das metáforas está expressa não só quando
interpretamos o paciente fazendo corresponder presente e passado, por exemplo, ou
integrando a arquétipos e modelos; mas também quando as relações terapêuticas possíveis já
estão dadas. Quando “o enredo é o mesmo, só mudam os atores”.

1
Cf. “Lembranças de um naturalista”, no texto “Devir-intenso, devir-animal, devir-imperceptível...”, no
volume 4 de Mil Platôs.
Não se trata de abolir as metáforas e analogias, as correspondências e as semelhanças.
Seja na relação com aquilo que um paciente traz, seja na relação com o próprio paciente. Mas
sim de abdicar do seu comando e predominância e talvez também de lembrar que só é
semelhante aquilo que difere 2. Aí estaremos em melhores condições de fazer uma análise
singularizada e produzir com cada qual uma singularização.

2
Cf. “Identidade e Diferença: impertinências”, de Tomaz Tadeu Silva

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