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ESCOLA DE TEATRO
DRAMATURGIA DO ATOR
O CORPO QUE CRIA
DRAMATURGIA DO ATOR
O CORPO QUE CRIA
Trabalho de Pesquisa Teatral do curso
Técnico em Teatro da Fundação das Artes de
São Caetano do Sul.
Orientação: Profª. Alessandra Fioravanti
AGRADECIMENTOS:
RESUMO
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
COMO CHEGUEI ATÉ AQUI ----------------------------------------------------------------------------------- p. 07
CAPÍTULO 1
O QUE É DRAMATURGIA DO ATOR? --------------------------------------------------------------------- p. 09
CAPÍTULO 2
O ESTUDO DO CORPO DO ATOR -------------------------------------------------------------------------- p. 12
A GESTUALIDADE VOCAL ------------------------------------------------------------------------------------ p. 13
A GESTUALIDADE CORPORAL------------------------------------------------------------------------------ p. 15
CAPÍTULO 3
BIOMECÂNICA: UM ESTUDO PARA O ATOR------------------------------------------------------ p. 17
CAPITULO 4
DIÁRIO DE BORDO I – RELATOS ATÉ A ESTREIA ---------------------------------------------------- p. 22
DIÁRIO DE BORDO II – RELATOS APÓS A ESTREIA ------------------------------------------------ p. 37
REFERÊNCIAS -------------------------------------------------------------------------------------------------------------- p. 65
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INTRODUÇÃO
Do quarto período para frente foi que me decidi por pesquisar a Dramaturgia do
Ator. Mas o que é a dramaturgia do ator? O ator precisa mesmo de uma
dramaturgia? Como isso funciona?
CAPITULO 1
Creio que os mecanismos mais relevantes e que compõe e definem de fato essa
dramaturgia do ator são: a expressividade corporal e vocal. Apenas o ator é
detentor da arte da expressividade, da criação em cena. Ainda que o encenador
lhe dê indicações de movimentação, intenções e gestos, tanto físicos quanto
vocais etc. Porém para que o ator possa, de fato, ter esse poder de criação ele
deve conhecer, e muito bem, o seu próprio corpo, suas habilidades, seus limites
e potencialidades expressivas e deve buscar sempre um aperfeiçoamento dessa
expressividade. Podendo assim, com propriedade e segurança, se apossar de
sua dramaturgia e exercê-la com excelência.
Podemos constatar essa importância de forma muito fácil. Posso dar como
exemplo o curso profissionalizante em teatro da própria Fundação das Artes.
Temos no decorrer do curso, que tem duração de 7 semestres, 6 semestres
onde trabalhamos o preparo corporal de forma intensa e muito eficiente. No
primeiro período (primeiro semestre do curso), temos uma introdução à
expressão corporal com movimentações que visam levar o aluno ao
entendimento e descoberta do próprio corpo. E no decorrer do curso vamos
adentrando ainda mais nesse universo da linguagem corporal: conhecendo as
dinâmicas dos movimentos, aprendendo a explorar os níveis (alto, médio e
baixo), as velocidades, as qualidades de movimentos através do Sistema Laban,
as técnicas dos movimentos etc. Todo esse processo nos leva – ou deveria nos
levar – ao entendimento do nosso corpo e do potencial expressivo que temos.
Posso dar ainda outro exemplo que irá confirmar a importância da preparação
corporal, assim como o estudo da movimentação expressiva – da expressividade
extra-cotidiana – que é: grandes companhias de teatro buscam, em seu
processo de criação ou de preparação artística, apoio na preparação corporal
visando manter os atores com um corpo atento à cena. Isso quando não se
utilizam da expressão corporal para criarem. Posso citar duas companhias de
teatro que trabalham dessa forma e que tem em seu processo de criação espaço
garantindo para a preparação corporal: A Cia Artehúmus de Teatro e a Cia de
Teatro do Heliópolis.
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Por fim. Volto a dizer que o ator só exerce a totalidade da sua dramaturgia,
quando passa a conhecer e utilizar de forma madura os mecanismos dos quais
dispõe para criar.
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CAPÍTULO 2
O teatro é a arte do ator e não do texto. Meyerhold dizia que “a palavra não é
mais do que um bordado sobre o tecido do movimento”. Grotowski disse algo
parecido com isso, porém relacionado à gestualidade vocal:
“Sabemos que o texto em si não é teatro, que só
se torna teatro quando usado pelo ator, isto é,
graças às inflexões, à associação de sons, à
musicalidade da linguagem.” Jerzy Grotowski –
Em busca de um teatro pobre – [1992] pg. 19
A GESTUALIDADE VOCAL.
ANTONIN ARTAUD1
Artaud foi um dos importantes pesquisadores sobre a gestualidade vocal no
teatro. Em seu “teatro da crueldade” ele defendia o resgate de uma linguagem
teatral única que rompesse com a sujeição do teatro ao texto. Esse resgate se
daria por meio do gesto tanto corporal, mas principalmente vocal; da
expressividade dinâmica da palavra opondo-se à simples expressão do diálogo.
Artaud condena o fazer teatral simplesmente narrativo, que dá ao diálogo (sem
expressividade) a maior importância, ignorando todas as expressividades que
não estão contidas nos diálogos (considerando os diálogos por suas
possibilidades de sonorização em cena).
Em seus espetáculos ele buscou envolver o espectador com signos expressivos.
O espetáculo acontece em volta do espectador. Nesses espetáculos a
sonorização: os sons, ruídos e gritos são buscados por sua qualidade vibratória
e são constantes.
“É a fim de apanhar a sensibilidade do
espectador por todos os lados que preconizamos
um espetáculo giratório e que, ao invés de fazer
da cena e da sala dois mundos fechados, sem
comunicação possível, difunde seus relâmpagos
visuais e sonoros sobre toda a massa dos
espectadores”. – Antonin Artaud – O teatro e seu
duplo [1987] pg. 110
1
Antoine Marie Joseph Artaud, conhecido como Antonin Artaud nasceu em Marselha, no dia 4
de setembro de 1896 foi um poeta, ator, escritor, dramaturgo, roteirista e diretor de
teatro francês de aspirações anarquistas. Ligado fortemente ao surrealismo, foi expulso do
movimento por ser contrário a filiação ao partido comunista. Sua obra O Teatro e seu Duplo é um
dos principais escritos sobre a arte do teatro no século XX, referência de grandes diretores
como Peter Brook, Jerzy Grotowski e Eugenio Barba.
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2
Jerzy Grotowski nasceu em Rzeszów, na Polônia em 11 de agosto de 1933. Ele foi diretor de
teatro e figura central no teatro do século XX, principalmente no teatro experimental ou
de vanguarda. Seu trabalho mais conhecido em português é "Em Busca de um Teatro Pobre",
onde postula um teatro praticamente sem vestimentas, baseado no trabalho psicofísico do ator. A
melhor tradução de "teatro pobre" seria teatro santo ou teatro ritual. Nele Grotowski leva às
últimas consequências as ações físicas elaboradas por Constantin Stanislavski, buscando um
teatro mais ritualístico, para poucas pessoas.
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A GESTUALIDADE CORPORAL
CAPITULO 3
13. O peso do corpo é transferido para o pé direito. Ainda agarrado pela mão
esquerda, o braço direito é puxado abruptamente para trás, e é balançado
em um arco, cuja base é o ombro. O ator solta a mão esquerda,
permitindo que o braço direito forme um círculo amplo e completo;
14. Interrompendo o movimento circular, o braço direito é mantido à frente,
enquanto o ator procura por um alvo imaginário;
CAPITULO 4
Escrevi nesse diário tudo o que eu fui descobrindo sobre o meu personagem de
acordo com a minha pesquisa de construção.
19 de junho
No começo foi um pouco confuso, eu não sabia muito bem por onde começar.
Tinha em minhas mãos dois personagens a serem descobertos: O Doutor
Diaforus (um velho muito agitado, fanho e gago, de corpo levemente arqueado
para trás, com uma barriga saliente e pernas curvadas), e o expansivo Dom
Jean (Dom Juan no texto original. Mulherengo, conquistador, sedutor,
persuasivo, inescrupuloso, um homem que não pensa nas consequências de
seus atos e que só quer tirar vantagem de tudo e de todos). A construção desse
personagem particularmente está dando mais trabalho. Talvez seja natural, por
ele ter mais aparições na peça e por se responsável pelos maiores conflitos em
cena.
Estou buscando para os meus personagens, mais para o Dom Jean do que para
o Doutor Diaforus (pois acho que para esse eu já encontrei os gestos corporais e
vocais que o identificam), características que se distanciam de mim: uma voz
mais grossa e empostada, um corpo mais aberto que aparenta estar sempre em
expansão, um caminhar mais languido, suave e sustentado que lembra bastante
um deslizar.
Como disse, as aulas de expressão corporal estão sendo muito importante e tem
me ajudando nessa descoberta.
Hoje, para ser mais preciso, senti esse personagem tomar o espaço com sua
expressividade corporal, descobri que ele carrega essa sensualidade para os
outros sentimentos e sensações, pois essa sensualidade esse poder de
conquista, lhe servirá em muitas situações e não somente para conquistar
mulheres.
Mesmo com tudo o que já sei sobre Dom Jean, há muito mais a ser descoberto
sobre ele. Acredito que essas descobertas surgirão quando estiver trabalhando
essas intenções dentro do texto dramatúrgico, pois até agora não temos.
23 de junho
Hoje o dia foi dedicado à leitura de mesa. Temos parte do texto escrito
finalmente.
Enquanto líamos, pude pensar mais no gesto vocal de Dom Jean – que é a
personagem que mais estou trabalhando. Pensei em entonações e intenções
diferentes e na impostação da voz para diferenciar a gestualidade vocal do
personagem da minha.
O engraçado é que toda vez que pensava na voz do personagem, vinha à mente
a expressividade do corpo dele na situação da cena que estávamos lendo. Um
corpo que em nada lembra o meu, diga-se de passagem.
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Dom Jean é expansivo, caminha de corpo aberto querendo que todos o vejam,
querendo ocupar todo o espaço a sua volta. Eu sou mais retraído corporalmente
e trabalhar essa diferença de corpos será um desafio muito prazeroso.
Com certeza eu levarei para a vida muitas das descobertas corporais que farei
sobre esse personagem.
23 de junho
Tive que pensar na idade do personagem e me veio à mente que talvez ele
tenha uns 40 ou 45 anos. A partir disso, novas gestualidades corporais e vocais
surgiram: mais maduro e mais experiente, Dom Jean tem uma voz mais mansa,
cheia de malandragem, onde cada palavra soa com segundas intenções; o corpo
ainda é vigoroso e com uma gestualidade mais sustentada.
28 de junho
languido, meio que gingado, um andar de quem busca tatear o chão com os pés
para saber onde pisa.
Até aqui estou gostando muito do que estou descobrindo desse corpo e isso me
faz querer explorá-lo ainda mais.
Sinto uma certa ansiedade por descobrir mais coisas sobre esse personagem e
isso é bom, pois me fará estudar e pesquisar muito mais.
29 de junho
03 de julho
Acredito que outros elementos irão influenciar nesse corpo e nessa gestualidade:
os elementos que compõem o cenário, o figurino, a iluminação, a sonoplastia, o
jogo com os demais personagens etc.
Posso afirmar que estou muito satisfeito com o que descobri até aqui. Mas não
me contento e quero descobrir muito mais.
Acho que poderia ter descoberto muito mais coisas se, no ensaio de hoje,
tivéssemos passado as cenas em sequência. Mas como o elenco não estava
completo trabalhamos o que deu.
Não me importo muito com isso, mas talvez esteja na hora de passar o texto que
temos na sequência.
04 de julho
21 de julho
Dom Jean é um dominador e seu corpo deve demonstrar isso. Seu corpo deve
revelar o homem inescrupuloso, canalha, canastrão, malandro, safado, sedutor e
enganador que não se importa com as pessoas que ele possa prejudicar com
seus atos.
Sei que avançarei ainda mais nas descobertas quando todo o cenário estiver
disposto e quando o figurino estiver pronto, pois a gestualidade se alimentará de
todos esses elementos.
24 de julho
Estou muito feliz com o avanço de tudo em relação a nossa montagem. Mais
feliz ainda, pois estou sentindo o personagem cada vez mais vivo em mim. Estou
me dedicando, me desconstruindo para poder deixar esse personagem viver
através de mim.
25 de julho
Hoje o trabalho foi divido entre leitura de alguns trechos do texto que foram
alterados e a encenação de algumas cenas específicas, para que a diretora
musical, Samanta Okuyama, pudesse encaixar algumas intervenções musicais
no meio.
A música apareceu como elemento importante a ser agregado. Deu ritmo a cena
deixando-a mais divertida e mexeu com a expressividade de Jean. Sinto que
nessa cena devo ter um corpo ainda maior, muito mais expressivo e a voz deve
ser mais potente para que a música não a sobreponha.
Enfim, estou animado com as novas descobertas. Querendo fazer outras e firmar
a importância desse personagem na peça.
28
26 de julho
Cada dia que passa fico mais satisfeito com a construção do meu personagem.
27 de julho
28 de julho
própria e que uma boa construção de personagem pode ser feita sob a visão do
ator-autor – aquele que cria uma história, um perfil psicológico para o
personagem – e só. Porem eu vejo totalmente o contrário. Vejo personagens
sem corpo, sem voz, sem gestualidade, ou melhor dizendo, vejo o ator em cena
se valendo apenas da palavra; dizendo seus textos bem decorados. Já dizia
Artaud:
Assim sendo, como podemos dar ênfase apenas a palavra e por de lado o que é
especificamente teatral? A gestualidade corporal e vocal.
Vejo personagens com muito potencial expressivo, porém sem nenhuma vida.
Pois não se pensou em um corpo para ele
Fico feliz por constatar que não estou perdendo tempo e que estou progredindo
com minha pesquisa.
31 de julho
Hoje passamos a primeira cena do 2º ato da peça onde Dom Jean revela para
todos que encontrou a certificação de propriedade da casa. Para essa cena,
recebi uma indicação de Célia Lucca: devo trazer um Jean mais firme, com um
andar e uma postura mais imponente, menos languido. Acredito que deva fazer
isso o 2º ato todo. Achei essa indicação muito importante, pois esse é o
momento que Jean está acima de todos na casa.
Ainda estou sentindo falta de uma preparação corporal e vocal mais efetiva.
Preciso voltar ao texto, fazer minhas marcações de movimentos, explorar
entonações de voz diferentes etc. Vou tentar retomar isso essa semana.
03 de agosto
30
Hoje finalmente consegui tirar um horário antes da aula para estudar e pôr em
prática tudo o que estou pesquisando.
Esse tempo extra para estudo foi muito importante, pois os dois dias anteriores
foram dedicados à produção. Algumas coisas ainda estavam pendentes e
tínhamos que tomar decisões importantes. Por conta disso não trabalhamos o
texto.
Hoje enfim o meu figurino ficou pronto. Porém não o coloquei no ensaio de hoje.
Essa cena será um pouco mais complicada de fazer, pois terei que sincronizar a
movimentação, que deverá ser bem marcada, para que os gestos de Alceste e
Jean sejam o mais parecido possível.
Essa é uma cena que deverá ser cheia de energia. O Dom Jean cresce na cena,
pois ele agora se torna o todo poderoso da casa, o dono de tudo e de todos. É o
momento em que ele se sente acima dos irmãos. Tudo isso deve aparecer na
voz e no corpo dele.
Enfim, definitivamente hoje foi um dia atípico: eu estressado e cansado ainda por
cima. Mas creio que meu mal era sono e fome. A partir de amanhã tudo melhora.
05 de agosto
Com toda certeza irei prestar mais atenção a isso e buscar essa dinâmica de
reação mais rápida.
Esse ensaio não foi importante apenas para marcar as intervenções musicais na
peça. Todo ensaio é o que é: um ensaio. Temos que ir para a cena sempre
dando o nosso melhor. Pena que alguns colegas não pensam assim. Eu
particularmente aproveitei o ensaio para estudar o personagem em cena.
Experimentei novas gestualidades que pensei para ele e novas intenções para
algumas falas trazendo um duplo sentido, uma espécie de segunda intenção
para o que o personagem quer dizer naquele momento.
Aproveitei bem esse ensaio e continuo contente com o estudo que estou
fazendo, com a pesquisa e as descobertas sobre esse personagem.
07 de agosto
Consegui chegar duas horas mais cedo no dia de hoje. Estou sentindo falta de
preparo corporal e vou trabalhar isso para manter o corpo atento.
Aquecimento vocal:
Aquecimento corporal:
Tentei seguir esse roteiro, mas o último item não pude fazer dentro dessas duas
horas. Preciso dispor mais tempo para esse estudo.
Fazer esse preparo me ajudou a ir para o ensaio de hoje com um corpo alerta e
pronto para a cena.
Falando nisso o ensaio de hoje foi muito importante. Recebemos a última cena
do 2º ato, que ficou simplesmente fantástica. Fizemos a leitura deste ato e
depois fomos para o palco tentar passar o máximo de cenas possível.
Conseguimos nos adiantar bastante.
11 de agosto
Durante os ensaios, de noite, eu tentei trabalhar tudo o que já criei e tudo que já
me foi apontado sobre o personagem. Nesses dias nos concentramos na
marcação da peça, nas entradas e saídas de cada cena, nas movimentações de
cenário etc.
Hoje foi a primeira vez que passamos a peça por “inteira” (começamos pelo 2º
ato e depois fizemos algumas cenas do 1º ato). Percebemos que perdemos o
ritmo no 1º ato, pois já fazia um bom tempo que não o passávamos.
E quanto ao meu personagem, creio que já o descobri por inteiro, já estou com a
sua construção completa. Agora o que resta é ver se essa construção sofrerá
alguma alteração durante a temporada.
Estou bem satisfeito com a minha construção e acredito que alcancei o resultado
desejado. Mas não quero parar por aqui. Quero descobrir muito mais.
Continuarei com o meu preparo corporal, aplicando os princípios da Biomecânica
nesse preparo corporal e os exercícios de voz.
12 de agosto
Diferente de ontem – que estava feliz e satisfeito com o meu personagem – meu
pensamento hoje ante a tais apontamentos é que não evolui em nada na minha
construção. Devo voltar ao texto, ao estudo do corpo desse personagem, estudo
do seu perfil e fazer ajustes na construção corporal e vocal dele. Tenho a
impressão que construí um personagem fraco e chato. Definitivamente não
quero estrear a peça com o personagem assim.
14 de agosto
Hoje não consegui fazer o meu preparo individual, tão pouco o estudo do
personagem que me dispus a fazer.
15 de agosto
Cheguei mais cedo hoje, umas três horas mais cedo, para fazer meu trabalho
corporal e estudar meu personagem. Falando em trabalho corporal eu estou
deixando de considerar as duas horas de caminhada por dia que venho fazendo
(para ir e para voltar da escola) talvez por estar fazendo por obrigação, pois na
falta de dinheiro para a condução, faço o percurso a pé mesmo. Mas o fato é
que, assim como o roteiro de preparação corporal que elaborei, essa caminhada
diária também está me ajudando a obter uma estrutura corporal favorável à
cena.
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Estou estudando a sensualidade de Dom Jean, pois ainda não a encontrei. Mas
creio estar no caminho certo.
Fiz marcações novas de intenções dentro do texto e vou propor essas intenções
no ensaio de hoje. Modifiquei a postura do personagem o balanço que ele tinha
no andar, a languidez. Estudei uma nova expressividade corporal um pouco mais
contida. Dom Jean agora tem um andar mais firme, menos gingado e mais
pontuado.
De noite, no ensaio, eu coloquei em prática o que estudei mais cedo. Aos olhos
dos orientadores, ainda não alcancei um resultado interessante sobre o
personagem. Dom Jean ainda está com uma voz arrastada e isso está deixando
o texto lento. Preciso de mais dinâmica de cena e reações mais rápidas.
O estudo continua e isso é uma coisa boa. Até o fim da temporada terei
construído um personagem muito bom.
18 de agosto
Os últimos dois dias foram dedicados aos trabalhos finais de produção. Fizemos
uma força tarefa para terminarmos de fazer todo o cenário e arrumar tudo sobre
os adereços.
Me firmei na ideia de modificar seu gesto vocal, trazendo uma voz menos
empostada, com uma sonoridade mais aberta, para que assim eu ganhe mais
projeção vocal e seu gesto corporal mais centrado, mais firme, sem muita
languidez e sem muita ginga na hora de andar. Vou estudar isso um pouco mais
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e propor no próximo ensaio que será amanhã pela manhã, pois de noite temos
nossa pré-estreia.
19 de agosto – A pré-estreia
Por conta do tempo ela não conseguiu falar tudo o que havia anotado sobre todo
o ensaio, pois precisávamos jantar. Por isso não consegui ouvir o que ela
possivelmente teria a dizer sobre as demais cenas.
Comi um pouco apressado, pois queria voltar logo ao teatro para vestir o figurino
e me preparar. Após vestir o figurino, fui para o palco, fiquei andando pelo
espaço cênico enquanto fiz aquecimento corporal e vocal. Fiquei repassando as
intenções do personagem e os seus gestos corporais e vocais.
Finalizo esse primeiro diário dando ênfase e exaltando todo o trabalho que tive
nesse processo de construção de personagem. Trabalho esse que,
pessoalmente, foi muito satisfatório e que definitivamente não tem aqui a sua
conclusão, pois a pesquisa, o estudo, o trabalho corporal e vocal assim como as
descobertas acerca disso tudo continuam até além desse processo.
20 de agosto – A estreia
Estava muito ansioso para apresentar. Sinto uma gana, uma vontade muito
grande de estar em cena.
depois trazendo tudo isso para o meu corpo. Repassei algumas falas explorando
outras sonoridades, ritmos e intenções diferentes (mais para aquecer).
Depois de nos trocarmos, fomos ouvir os apontamentos da Célia. Para mim ela
disse simplesmente: “É isso aí mesmo” Isso foi o bastante para multiplicar por
mil a minha satisfação com o meu trabalho de ator.
26 de agosto
Esse dia tive alguns problemas e cheguei uma hora e meia atrasado no ensaio.
Mas consegui pegar as partes cortadas e ensaiar um pouco. A peça vai ficar
mais dinâmica e divertida com esses cortes, sem falar que ficará menos
cansativa.
Voltei para o teatro bem antes do horário marcado. Não conseguia relaxar, então
coloquei o figurino e fui para o palco. Aqueci bastante a voz e fiz uns
movimentos corporais para acordar a musculatura. Já próximo do horário de
apresentar o espetáculo nos reunimos para fazer um aquecimento corporal
coletivo. A Melissa (preparadora corporal e codiretora do espetáculo) fez um
pega-pega entre o elenco. Corremos bastante e essa atividade deixou o corpo
cheio de energia. Mais uma vez me senti ansioso para entrar em cena e o corpo
estava com dez vezes mais energia.
Mais uma vez o nervosismo passou bem longe de mim. Queria entrar em cena,
Dom Jean queria estar em cena, queria viver.
Hoje não ficamos para ouvir os apontamentos dos orientadores, pois já era muito
tarde quando terminamos. Fomos dispensados e os apontamentos ficaram para
o dia seguinte.
27 de agosto
Antes de começarmos a nos arrumar, o Celso nos chamou para falar sobre a
apresentação de ontem; para fazer seus apontamentos e falar os da Celia que
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enviou para ele por email. Ela elogiou a melhora que tive no personagem e disse
que o caminho é esse mesmo. Isso me deixou muito feliz, pois finalmente os
resultados dos meus estudos estavam sendo vistos.
Depois disso fomos liberados, eu fui me vestir e ao terminar fui para o palco me
aquecer. Hoje, especialmente e em caráter extraordinário, eu estava me
sentindo um pouco sem energia. Os colegas do elenco também estavam se
queixando de estarem se sentindo assim. Pensando em elevar a energia,
resolvemos fazer um pega-pega, igual ontem.
02 de setembro
Fizemos um ensaio geral para pegarmos mais confiança nas cenas que
sofreram cortes e nas novas marcações. Aproveitei o ensaio para buscar uma
forma de colocar a voz de modo a não perder a potência vocal, me poupando
para não prejudicar ainda mais. Percebi que teria que trabalhar mais o apoio
diafragmático e a projeção com a laringe baixa. Por conta da ronquidão na voz
perdi o registro agudo da voz, por isso devia explorar mais os sons graves.
Percebi também que deveria abusar e me apoiar na expressividade corporal.
Pela falta da voz eu senti que essa gestualidade corporal foi naturalmente
maximizada. O ensaio foi bom para que eu pudesse encontrar recursos que não
me deixassem perder o personagem.
Fui jantar pensando em tudo que descobri durante o ensaio, referente aos
apoios e as técnicas para não perder a potência e projeção vocal. Eu estava
preocupado, mas não nervoso. Sabia que iria conseguir transmitir ao público
todas as intenções do personagem e que não iria perder a emissão de voz.
Enfim chegou a hora de testar tudo o que estudei no ensaio e nos aquecimentos.
As portas do teatro se abriram e eu estava ansioso para entrar em cena e pôr
em prática às técnicas desenvolvidas e experimentadas no ensaio.
Meu registro vocal estava tendendo para o grave e foi nesse registro que me
apoiei. Consegui emitir a voz com uma potência boa e interessante e com a
gestualidade corporal extremamente maximizada, creio que consegui passar
todas as intenções do personagem.
03 de setembro
Hoje eu acordei muito preocupado. Minha garganta estava doendo mais que
ontem e minha voz estava ainda pior. Pela manhã fui ao posto de saúde e o
médico me disse que eu estou com faringite. Ele me receitou um antibiótico e um
xarope para tomar. Tinha a esperança de tomar uma injeção para ver se ficava
melhor logo, mas no posto eles só estavam dando injeção em grávidas, idosos e
crianças. Peguei meus remédios na farmácia do posto e fui para casa.
Intensifiquei o repouso vocal, procurei não falar de jeito nenhum, fiz alguns
exercícios vocais – tudo bem leve para não forçar a voz – para entender a minha
voz no dia de hoje. Percebi que minha voz ficou ainda mais grave. Tomei os
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cuidados básicos para não ficar ainda pior: ingeri bastante água e continuei a
fazer os exercícios vocais até a hora de ir para o teatro.
Como o tempo está muito seco, dei um jeito de ir de ônibus, pois se fosse
andando eu iria forçar mais a respiração inalando mais poluição e prejudicando
ainda mais a minha garganta e o trato vocal.
Segui a tarde toda assim, me poupando e exercitando a voz – era a minha maior
preocupação no momento. Porém eu havia, por um momento, me esquecido de
todo o resto da minha construção e do “fenômeno” que ocorreu na apresentação
de ontem e que poderia ocorrer hoje também (a expressividade de Dom Jean ser
maximizada). O bom é que passar todo esse tempo exercitando a voz, na busca
de tentar recuperá-la me levou a compreender as limitações e potencialidades
desta voz no dia de hoje. Então eu pensei: se é no registro grave que a minha
voz está hoje, então é ai que irei jogar a gestualidade vocal do personagem. A
partir daí comecei a testar as intenções das falas de Dom Jean com esse
registro vocal. Os resultados foram muito bons e me tranquilizaram.
Ficar sem voz essa semana foi um grande teste. Colocou a prova a eficácia da
minha construção, dos meus estudos e pesquisas e exigiu de mim colocar em
prática todas as técnicas que conheço. E o melhor de tudo é que eu passei no
teste.
09 de setembro
Semana preguiçosa para o elenco: feriado bem no dia em que teríamos ensaio
(quinta-feira). Mas isso foi um problema? Claro que não. Um descanso de vez
em quando é bom.
Hoje estou um pouco rouco e com a voz falhando de vez em quando, isso
acontece mais quando tento emitir notas agudas, porém não preciso me esforçar
tanto para projetar a voz como na semana passada e a garganta não dói mais.
Mesmo assim procurei me poupar, fazendo repouso vocal e continuando,
intensamente com os exercícios. Tínhamos programado um ensaio para hoje
antes da apresentação e aproveitei esse ensaio para ver como estava a minha
expressividade vocal no dia de hoje. Passamos a peça toda, do começo ao fim,
sem paradas. Mesmo me poupando, no ensaio, pude ver que minha voz estava
totalmente recuperada. Usei alguns dos recursos que utilizei semana passada
para projeção da voz, como por exemplo, trabalhar com um apoio maior do
diafragma e utilizando bastante a cabeça como caixa de ressonância, abrindo
mais a boca, levantando o palato e baixando a laringe para que os sons
tivessem maior espaço para ressoar, para que assim as falas mais exaltadas de
Dom Jean tivessem potência e força e não saíssem gritadas. No ensaio eu
sentia meu corpo muito vivo e bastante presente.
Mais uma vez eu estava ansioso para entrar em cena. Eu tinha um outro corpo,
outra voz, outras gestualidades, tinha um Dom Jean melhor que eu queria
mostrar.
Jantei pensando no personagem e um pouco rápido para poder voltar logo para
o teatro. Quando terminei, fui me arrumar, tínhamos bastante tempo para isso.
Mesmo assim me arrumei rapidamente e fui para o palco fazer minha
preparação corporal e vocal que sempre faço. Hoje eu senti minha voz com uma
potência incrível, como se tivesse um amplificador nela. Eu fazia os exercícios
de projeção e sentia a voz tomar todo o teatro. Hoje se apresentaria um Jean
com uma gestualidade vocal mais forte e potente. Eu estava me sentindo com
um corpo presente e com a expressividade corporal do personagem bem viva
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em mim. Porém essa expressividade foi ainda mais potencializada pelo exercício
de aquecimento corporal que o Celso aplicou. O exercício consistia em andar
pelo espaço fazendo as gestualidades do personagem, imaginando que sua
sombra vinha logo atrás, fazendo os mesmos gestos, porém um pouco atrasada;
depois tínhamos que parar em uma imagem e manter essa imagem até que a
sombra chegasse e parasse na mesma imagem, assim, quando sentisse que a
sombra havia chegado, continuávamos a movimentação.
Individualmente eu fico muito feliz de saber que todo o trabalho que tive com a
construção do meu personagem, que todo meu estudo e pesquisa estão dando
seus frutos e sendo reconhecidos. Enquanto integrante desse grupo, fico ainda
mais feliz de ver que esse trabalho, que é tão nosso e por isso é tão bonito, está
crescendo e ficando melhor.
O dia de hoje foi muito bom. Que venha amanhã pois Jean sente a necessidade
de viver.
10 de setembro
Hoje eu cheguei no teatro ainda preocupado com a minha voz. Acordei com a
garganta seca e raspando ao engolir. Com esse tempo o cuidado com a voz
deve ser redobrado.
Assim que cheguei ao teatro, fui para o camarim e comecei com os trabalhos
vocais, procurei me hidratar da melhor forma possível e continuei poupando da
voz.
avisar que não estaria conosco hoje, que ficaríamos com a Melissa. E assim que
ela chegou, partimos para o ensaio. A intenção era fazermos um ensaio
acelerado e conseguimos. Passamos a peça toda em uma hora e meia.
Gosto de fazer o ensaio assim, acho muito bom para trabalhar a articulação e o
apoio diafragmático e também porque é muito engraçado passar a peça
acelerado.
No ensaio, senti a voz melhor que ontem, inclusive com mais potência e
projeção. Estava mais fácil projetá-la com uma altura boa. Uma coisa difícil do
ensaio acelerado é fazer os gestos acelerados também. Passei a observar isso e
percebi que a gestualidade corporal de Dom Jean precisa ser mais pontuada,
pois fica mais interessante.
Sou afetado diretamente pela confiança que Dom Jean tem de si mesmo. Porém
sei que isso é mérito meu, pois fiz uma excelente construção desse personagem.
Nem preciso dizer que terminei o dia de hoje muito feliz com o trabalho
realizado. Apresentei o melhor Dom Jean até agora e o melhorarei ainda mais.
16 de setembro
a atrapalhar. Nada novo foi criado nesse ensaio. Poderíamos tê-lo aproveitado
mais.
Ao fim do ensaio fomos comer. Pela primeira vez não estava pensando no
personagem. Estava pensando em outras mil coisas da minha vida menos no
personagem. Sentia-me desconcentrado e tinha que reverter essa situação.
Hoje aos olhos dos orientadores eu apresentei um bom trabalho, mas não posso
dizer que estou feliz como o que fiz. Fui medíocre, apresentei “o que deu para
apresentar hoje” e não gosto disso. Gosto de ultrapassar meus limites sempre.
Vou avaliar todas as impressões que tive, trabalhar e estudar possíveis formas
de resolver o problema da energia baixa e tentar aplicar na apresentação de
amanhã.
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Apesar de estar chateado, achei muito bom o que me aconteceu hoje. Novos
questionamentos surgiram, novos desafios, mais trabalho, mais pesquisa, mais
estudos deverão ser feitos e eu acho isso ótimo.
17 de setembro
Aproveitei o tempo para aquecer a voz. Ficar quase sem voz, como fiquei
algumas semanas atrás me deixou com certo trauma. Por isso continuo com os
exercícios de forma intensa.
Fomos liberados para jantar. Fui comer e ainda estava me sentindo distante,
com a cabeça perdida, pensando em muitas coisas ao mesmo tempo. Tentava
me focar e pensar no personagem, mas não conseguia; eu precisava resolver
isso logo, antes de entrar em cena. Terminei de comer e fui para o teatro, tomei
um banho para relaxar, me troquei e fui imediatamente para o palco me
concentrar.
A questão agora era: como manter a energia do personagem, mesmo com todo
o meu cansaço? Me vi perdido por alguns instantes, por não ter resposta para
isso. De repente pensei no meu corpo. Parei um momento para senti-lo e percebi
que eu conseguiria (e deveria) tentar explorar os pontos geradores de energia
(glúteos e abdômen), pois não sentia esses músculos cansados.
Com essa ideia na cabeça, fui para o palco testar esse apoio com esses
músculos. Passei algumas falas com o abdômen e glúteos contraídos, tentei,
apesar do cansaço físico, expandir e dilatar ainda mais a minha expressividade
corporal, sempre buscando apoio nos geradores de energia. Percebi um
resultado interessante e queria 50latei-lo em prática o quanto antes.
23 de setembro
Durante essa semana, fiquei pensando nos problemas de energia que tive nas
apresentações do fim de semana passado. Cheguei a uma conclusão óbvia, mas
que ainda não havia mencionado: faz parte da preparação do ator se alimentar e
dormir bem. Negligenciar esses cuidados é correr o risco de se perder do
personagem (por conta do cansaço), e de deixar sua energia corporal cair.
Pensando nisso, procurei o máximo que pude me alimentar e dormir o melhor
possível.
gestualidades exatamente como são e não somente falando o texto. Para mim,
particularmente, esse ensaio foi muito bom, muito proveitoso.
Achei o ensaio ótimo. Gostei das descobertas que fiz e queria por em prática.
Estava ansioso para entrar em cena, porém muito tranquilo e confiante no meu
trabalho.
A apresentação de hoje me causou uma felicidade imensa: pelo trabalho que fiz,
pelas descobertas, pela pesquisa, estudo e pelos resultados.
24 de setembro
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Assim que chegamos o Celso nos chamou para conversar, falou sobre o
espetáculo de ontem. Disse que gostou, que foi muito bom, mas que não
podemos perder o pique e nem entrar no automático; que devemos ativar a
nossa escuta em cena para a peça fluir ainda melhor. Logo depois da conversa
ele nos deu alguns minutos antes do ensaio. Eu fui para o camarim, fiz alguns
aquecimentos vocais e voltei para o palco. Estava pronto para começar o ensaio.
Procurei me poupar corporal e vocalmente para não me desgastar.
Fui para o palco aquecer minha voz e meu corpo. Procurei me concentrar
apenas no personagem colocando de lado pensamentos que me distanciasse
dele; caminhava pelo espaço (já com a gestualidade dele) repassando
mentalmente todas as suas intenções e transferindo para o corpo. Como
exercício para a voz eu passei suas falas mais expressivas brincando um pouco
com a gestualidade vocal (sempre com a laringe baixa e o diafragma apoiando).
Fizemos um pega-pega como aquecimento coletivo.
Mais uma vez, fui para a cena como um animal feroz ataca sua presa. Coloquei
em prática tudo o que descobri, estudei e exercitei. Durante a apresentação eu
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Quando enfim o blackout encerrou a peça, fui para frente da 53lateia com um
sorriso no rosto, muito satisfeito com o trabalho de hoje.
Todos os dias de apresentação são bons, até mesmo os dias que temos
dificuldades e que obstáculos, físicos ou mentais aparecem, pois estou disposto
a aprender com essas dificuldades, melhorar e evoluir para que elas não me
atinjam mais.
Estou muito feliz com os resultados da minha pesquisa. Quero descobrir muito
mais coisas. Parar por tanto tempo para observar e pensar no meu corpo e em
minha gestualidade, tanto expressiva quanto cotidiana, está me levando a um
entendimento, a um auto conhecimento maravilhoso.
30 de setembro
Já faz um bom tempo que não faço minha preparação corporal seguindo o meu
roteiro. Talvez não consiga mais segui-lo. Os dias estão corridos, e mesmo com
a ideia de exaustão para acumular energia, eu estou tentando descansar o
máximo que posso.
Logo após o pré-bate fomos liberados para comer e nos prepararmos. Hoje não
tivemos tempo para ensaiar, então a proposta do Celso e da Célia foi que
fizéssemos o exercício de repassar as ações do personagem, individualmente,
fazendo todo seu trajeto na peça, dando as nossas falas e explorando
gestualidades, expressividades etc. Gostei muito desse exercício, o achei
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O exercício me levou a um estado de alerta muito bom. Hoje não me sentia tão
cansado, tão pouco desgastado como nos outros finais de semana.
01 de outubro
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Hoje chegamos mais tarde ao teatro (ás 15h), e só fomos dar início as nossas
atividades uma hora depois. Como o espetáculo começaria ás 18h, ficamos com
pouco tempo para ensaiar. Então fomos nos arrumar para que pudéssemos
voltar a tempo de fazermos o exercício de ontem. Fui o primeiro a retornar ao
palco, achei esse exercício muito bom e queria repeti-lo o máximo possível.
Antes, fiz alguns exercícios vocais e logo em seguida fui realizar a trajetória do
personagem. Passei uma única vez inteiro e depois me foquei em algumas
cenas e falas específicas, por exemplo, aquela que dei uma nova intenção
ontem, orientado pela Célia. Depois disso fui para coxia fazer um aquecimento
físico, com flexões e agachamentos.
Hoje foi um dia que tudo deu certo, tanto para mim, como para o resto do elenco.
Estávamos ligados e atentos ao jogo tanto do grupo como o da 55 lateia.
Estávamos ainda mais dinâmicos e com a energia elevada, como nunca havia
visto. Definitivamente o melhor dia de apresentação de todos do elenco, mas
principalmente foi o meu melhor dia; foi o melhor Dom Jean de todos.
Posso dizer que hoje foi um dia glorioso. Um daqueles dias que faz com que a
gente sinta orgulho de todo trabalho que teve para realizar aquilo.
Estou feliz, porem ainda quero descobrir muito mais (sobre mim e sobre o
personagem). Esse processo e essa pesquisa estão sendo reveladores para
mim, estou descobrindo muito sobre a minha capacidade criativa e física-
corporal- expressiva.
Se a cada desafio vem uma nova descoberta, então que venham muitos outros
desafios.
07 de outubro
A rotina desse sábado não foi diferente dos demais. Chegamos e fomos montar
o cenário. Terminamos bem rápido a montagem.
Hoje eu estava me sentindo muito bem fisicamente. Não sentia dor no corpo,
muito menos cansaço e não estava com nenhum problema na voz. Estava me
sentindo muito cheio de energia. Mesmo assim, durante o ensaio, procurei me
poupar tanto vocal quanto corporalmente. Procurei trabalhar as novas intenções
nas falas que Dom Jean diz no segundo ato e acho que ficaram muito boas, de
acordo com o que a Célia havia pedido. Durante o ensaio, nada de novo foi
pensado para o personagem. Tenho a impressão de que cheguei onde tinha que
chegar nessa construção e que agora só tenho que administrar tudo o que criei.
Quando terminamos o ensaio, fomos liberados para comer. Fui jantar e fiquei
pensando nessa situação: de já ter chegado onde deveria chegar; de não ter, no
dia de hoje, nenhum desafio para transpor, ou coisa do tipo. Seguido desse
pensamento, me veio a cabeça que essa situação, essa certeza de já ter
chegado ao ponto final da minha construção e a segurança que isso me trazia,
era o meu desafio de hoje: como não deixar que essas circunstâncias me
levassem à um estado de relaxamento. Com esse pensamento na cabeça,
terminei de jantar e fui direto para o camarim fazer toda minha rotina de
aquecimentos. Fiz meus exercícios vocais, alguns exercícios físicos e logo em
seguida comecei a me vestir. Enquanto me vestia tentava emergir no
personagem, pensando em seus estados corporais e suas sensações físicas em
cada cena; repassando na cabeça seu trajeto na peça. Depois que terminei de
me vestir, fui para o palco e fiz o exercício de fazer todo o trajeto do
personagem, buscando dilatar e exagerar nos gestos corporais (procurei me
poupar vocalmente). Em seguida fui para a coxia e comecei a fazer algumas
flexões. Me sentia fisicamente estranho. Não sei explicar essa sensação, mas
não estava acostumado a apresentar com o estado físico no qual me encontrava
hoje. Eu queria sentir meus músculos vibrando, alertas. Não sei explicar, mas
acho que estava me sentindo descansado demais e isso me trouxe uma
sensação de falta de energia. Assim busquei elevar essa energia com
exercícios. Fiz também um breve alongamento expressivo, pois sentia como se
minha musculatura estivesse retraída e queria, com esse alongamento, expandir
minha expressividade corporal. Depois retomei o aquecimento vocal, explorando
varias gestualidades; os registros vocais (grave, médio e agudo), dando as falas
de Dom Jean, fazendo uso desses registros.
essas preocupações eram minhas e Dom Jean não tinha nada a ver com isso.
Consegui me concentrar no personagem e fui para a cena com uma energia
corporal que, para mim, estava muito baixa hoje.
Termino o dia de hoje feliz com o trabalho apresentado, porém pensativo sobre o
que ocorreu comigo. Vou pensar nessa questão para a apresentação de
amanhã.
08 de outubro
Após a conversa com o Celso, fomos liberados para ir comer, nos preparar,
relaxar etc. e teríamos que estar prontos, no palco, às 17h. Eu fui para o
camarim, comi um lanchinho que levei, enquanto pensava no que me aconteceu
ontem. Naquele estado físico estranho, o qual eu não estava acostumado.
Pensando nisso, lembrei do registro corporal que o estado de fadiga me
causava; da sensação de corpo carregado de energia que esse estado me
trazia. Ativei essa lembrança corporal e, de repente, dessa forma tão óbvia,
surgiu à resposta para o meu conflito desse dia.
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Fui para o palco e me sentia com uma energia diferente de ontem. Com essa
nova energia, fiz o exercício de passar as ações do personagem. Quando
terminei, fiz exercícios vocais e voltei para a coxia para mais exercícios físicos e
alongamento expressivo.
Com essa euforia, fui para a cena e não poupei energia, não neguei nada ao
público. Durante a peça, mantive a rotina de concentração que adotei nas
últimas semanas, ficando na coxia e pensando nas intenções do personagem.
Semana que vem darei vida a Dom Jean, pela última vez nesse processo.
14 de outubro
A turma parecia muito bem quanto ao fato de ser o último fim de semana.
Ninguém parecia estar triste, nem nervoso ou coisa parecida. Durante a semana
eu não pensei muito nessa questão do fim da temporada. Mas hoje eu acordei
com isso martelando na minha cabeça. Fiquei me questionando se, de fato, eu
consegui chegar onde eu queria com a minha pesquisa e consequentemente
com a construção do meu personagem. A resposta foi imediata: um sim que
ecoou em minha cabeça. Descobri muitas coisas sobre mim mesmo, tentando
entender esse personagem. Muitas descobertas sobre o meu potencial criativo e
sobre a minha dramaturgia (sobre a dramaturgia do ator) foram feitas. Sendo
assim eu posso afirmar, que os resultados da minha pesquisa e dos meus
estudos foram muito satisfatórios.
Com todos esses pensamentos na cabeça, comi (tranquilo dessa vez) e logo em
seguida fui para o teatro, me troquei, organizei tudo o que eu uso em cena e
depois fui me aquecer. Fiz toda a minha rotina de aquecimentos: exercícios
físicos, alongamento expressivo, aquecimento vocal e posteriormente fiz toda a
trajetória do personagem, passando suas ações na peça. Me sentia muito bem,
tranquilo e ansioso para entrar em cena.
Pela primeira vez em toda a temporada, eu fiquei nervoso. Tentei a todo custo
afastar esse nervosismo, mas ver a 60lateia cheia, lembrar de tudo o que passei
na Fundação pra chegar até aqui, lembrar de todo o processo, o trabalho que
tivemos para executar tudo, lembrar dos meus estudos e da minha construção;
tudo isso mexeu comigo. Ficar desse jeito me trouxe uma sensação corporal que
ainda não havia experimentado nessa temporada e eu procurei usar tudo isso a
meu favor, usar a adrenalina que o nervosismo traz, para ativar a musculatura e
criar tônus muscular, para ficar mais alerta e atento. Ficar assim me fez
intensificar os tapas nos músculos. Me sentia ansioso para entrar em cena e
fazer valer, mais do que nunca, tudo o que trabalhei até aqui.
Hoje eu joguei bastante com o público, abri ainda mais a minha escuta, para
estar mais presente no jogo cênico com os meus colegas de elenco e procurei
me divertir ao máximo.
Assim, ao fim do espetáculo o sentimento não poderia ter sido outro, se não o de
satisfação, de dever cumprido, de felicidade.
Ainda tem amanhã e espero me divertir e aproveitar cada segundo como fiz hoje.
Dom Jean terá mais um dia para se mostrar, para encantar e revoltar o público.
15 de outubro
Hoje eu acordei tranquilo. Sempre achei que quando esse dia chegasse, seria
pesado, seria um dia triste, nebuloso etc. Mas por incrível que pareça, não
acordei sentindo nada disso. Me sentia, de certa forma, até bem feliz, pois o ciclo
estava se encerrando e, na minha opinião, tinha que se encerrar mesmo, tinha
que ter o seu final para ser marcante.
Quando terminamos a cena que eu aparecia junto com o André, fui comer
alguma coisa, fiz apenas um lanche. Logo em seguida voltei para o teatro e fui
me arrumar. Vesti meu figurino e fui para o palco fazer meus aquecimentos,
como faço sempre. Hoje, estava me sentindo com muita energia. Estava ansioso
para entrar em cena; ansioso para emprestar meu corpo às gestualidades de
Dom Jean pela última vez.
Nos reunimos no centro do palco, instantes antes de abrir a porta para o público
entrar e fizemos nosso grito de guerra pela última vez nesse processo. Foi
vibrante, cheio de energia. Fomos para nossos lugares desejando boa sorte uns
para os outros e quando me coloquei no meu lugar, onde sempre fico antes de
entrar em cena, me veio a sensação de nervosismo. Porém não me abalei com
isso, já sabia como lidar com esse estado físico (que é um estado físico do ator e
não do personagem). Me utilizei do nervosismo para acumular ainda mais
energia, estimulei a musculatura com tapas e fiquei me sacudindo até o
momento de entrar em cena.
Hoje não tivemos lotação total. As cadeiras extra foram retiradas. Mas a
quantidade de público nunca foi fator influenciador para a minha interpretação.
Ter um público pequeno não significava que a atuação, a energia ou seja lá o
que for, seria menor, pior etc. Sempre me doei e busquei jogar toda a minha
energia. E assim o fiz. Me diverti muito mais que ontem, joguei com o público e
com meus colegas com muito mais prazer. Quando estava fora de cena, mantive
minha concentração na coxia, pois não queria me desligar do personagem nem
um instante se quer.
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Meus relatos sobre esse processo também chegam ao fim. Estou satisfeito com
os resultados dos meus estudos e feliz com todas as descobertas que fiz sobre o
personagem e sobre mim mesmo.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Foi uma subida árdua e muitas vezes dolorosa. Mas foi muito prazerosa
também...
Chegar até esse exato momento, escrevendo essas considerações finais, desse
trabalho de pesquisa maravilhoso e gratificante não é o cume da montanha, mas
é um ponto bem alto nessa minha subida. Sendo assim, posso afirmar que o
resultado obtido com essa pesquisa foi muito mais satisfatório do que eu
esperava.
O que muda depois desse trabalho é a minha postura com relação à minha
capacidade criativa, ao meu intelecto. O que vou levar dele são as inúmeras
descobertas que fiz sobre meu corpo, sobre o meu potencial expressivo e tudo o
que ainda poderei descobrir a cerca da minha dramaturgia, do meu poder de
criação e do fazer teatral que é só meu, o fazer teatral em si: que é regido pelas
minhas ações, intenções, expressividades e gestualidades; não somente por um
texto bem articulado.
Essa é, com toda a certeza, uma pesquisa que vou levar para a minha vida.
Usarei os conceitos aqui adquiridos por muito tempo em meus trabalhos de ator.
E posteriormente quem sabe, buscarei passar adiante esses conceitos de uma
forma didática.
O que muda depois dessa pesquisa é que agora eu sou um ator que conhece
sua dramaturgia, sabe como exercê-la e que continuará buscando evoluir em
sua arte.
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REFERÊNCIAS
ARTUD, Antonin, O teatro e seu duplo. São Paulo: Editora Max Limonad
LTDA, 1987.