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ATENÇÃO, POROSIDADE E
VETORIZAÇÃO:
Por onde anda o ator contemporâneo?
Tatiana Motta Lima*
somos nós? Parece que esta é a pergunta que certos processos criativos e
pedagógicos atorais perseguem, tentando provisórias respostas através do
contato desta gente entre si e com os diferentes materiais – personagens,
textos, objetos, locais – que têm à sua disposição no teatro.
Beckett diz em O Inominável: “Quanto a mim vai demorar mais, quanto a
mim vai ser alegre que ainda não foi dado estabelecer com o menor grau de
precisão o que sou, onde estou, se sou palavras entre palavras ou se sou o
silêncio no silêncio, para lembrar apenas duas das hipóteses lançadas sobre
o assunto”.
Pois é desta gente que não sabe com precisão o que é, nem conhece o senti-
do último das coisas que estamos falando, gente em pesquisa de si mesmo,
em observação de si mesmo e, consequentemente, em devaneios, ilusões,
esperanças, epifanias e fracassos.
Talvez valha a pena também citar uma poesia de Fernando Pessoa: “Apon-
tamento”. Nela, a alma do poeta “partiu-se como um vaso vazio” e fez-se
em inúmeros pedaços. Ele diz: “Sou um espalhamento de cacos sobre um
capacho por sacudir”. Duas imagens me são caras nesta poesia: Pessoa diz
ter, como caco, “mais sensações do que quando me sentia eu” e fala, ainda,
de “cacos absurdamente conscientes, ... conscientes de si mesmos”.
Permitindo-me fazer uma relação com as experiências de atuação e com as
experiências de processos de formação de ator que têm me interessado,
posso dizer que elas dialogam com esses cacos de organismos, com os ho-
mens fragmentados que somos e nos sentimos. Esses homens que seguem
as transformações internas sem querer corrigi-las, mas observando-as com
curiosidade, tentando estar absurdamente consciente dos pedaços, sem negá-
los, sem rejeitá-los e vendo aonde isto vai dar, se vai dar em algum lugar.
Não há nessas experiências a afirmação (e a posse) de um eu fixo (esse “quan-
do me sentia eu”, do qual falou Pessoa), sujeito de suas ações e objetivos que
olha o mundo como objeto de sua planificação consciente. Ao contrário, apa-
recem cacos conscientes e sensíveis, agindo e se observando agir; afetando-se
mutuamente, deixando-se transpassar pelo mundo. Descobrindo-se caco,
pedaço, fragmento, coisa, homem, mais que homem.
Relação do dramático com o real |
mais preso ao que denominou como seus contornos individuais; por outro
lado, ela também pode ser ‘cura’ e liberdade em relação a essa figura que
exige esforços desmesurados – e talvez desnecessários – para bloquear os
atravessamentos, a porosidade, a afetação e a percepção dos cacos.
Referências Bibliográficas