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A análise do texto no espetáculo do Impro

Chamaremos de Impro o teatro de de improvisação em convivência, cujo


objetivo é representar, diante ao público, cenas sem preparação prévia. Neste caso, cabe
falar das poéticas relativas à Impro, desde a Comedia dell’arte até os movimentos atuais
que surgiram há aproximadamente sessenta anos com Viola Spolin1 e Keith Johnstone2.
Digo poéticas fazendo referência às palavras do crítico e teórico de teatro Jorge
Dubatti quando disse: “Eu não falaria nunca mais de gêneros, falaria sim de poéticas”
(Dubatti, Notas de clase, 2011) referindo-se ao fato que atualmente a diversidade da
poética é tão complexa e estão tão mescladas entre si, que falar de gêneros seria nos
colocarmos em um paradigma positivista que disputa com uma análise objetiva dos
espetáculos no mundo atual.
É por isto que falaremos da Impro não como gênero, e sim como poética, como
fazer teatral, entendendo isso como a passagem de um estado a outro quando o corpo do
ator começa a produzir ações ou poíesis3. Aqui então surge a primeira pergunta no
momento de analisar o texto em um espetáculo de Impro: A impro é tão contundente em
sua poética? A impro produz poíesis e consequentemente fazer teatral?
A maioria dos espetáculos de Impro que tenho presenciado são de caráter
competitivo e cômico. Não é por isso que eu diria que não podem produzir atos
poéticos, como disso Dubatti em seu seminário sobre a Análise dos Espetáculos: “Não
há poíesis porque é bom, simplesmente há poíesis” (Dubatti, Notas de clase, 2011).
Podemos assegurar que o fazer ocorre neste tipo de escritos cênicos, à medida que o
convívio está presnete com o público e enquanto é produzido em um tempo e espaço
que não pertencem a realidade cotidiana, ou seja, produz um recorte no tempo e,
portanto, gera a ideia de um tempo próprio.
1
Viola Spolin é considerada por muitos como a mãe norteamericana do teatro de improvisação. Ela
influenciou a primeira geração de artistas de improvisação no mundo moderno, graças a sua preparação
de atores no Second City, um importante grupo de teatro em Chicago, formando diversos novos
improvisadores com uma série de aulas e exercícios que mais tarde de se tornaram a base do treinamento
de improvisação atual.

2
Keith Johnstone é um professor e diretor inglês que revisou e sistematizou a improvisação como uma
técnica e um gênero teatral no século XX. Ele escreveu o livro de Impro: Improvisación y el Teatro, que
se transformou no guia básico para improvisadores no século XXI. É o diretor da Companhia Loose
Moose de Calgary - Canadá.

3
Poíesis é o surgimento em caso de um novo mundo, de um conjunto de novas entidadesque não são
regidas pela lógica do mundo real. Para que haja um fazer teatral, deve haver ao menos um corpo que
genere poíesis (Dubatti, Notas de clase, 2011). “Poíesis é a soma multiplicadora do trabajo + corpo
poético + processos de semiotização” (Dubatti, 2007, pág. 91).
A Impro é um lugar de construção do sentido e ocorre sob um processo, isso faz
com que nela se dê o fazer teatral.
Seguindo a análise apresnetada pelo mestre Dubatti, farei um paralelo de como
ver um espetáculo de Impro em relação ao ele expõe como os níveis que redefinem o
conceito de texto dramático:

Nivel Narrativo
Normalmente identificamos o nível narrativo como uma espécie de texto
literário escrito para ser representado. Entretanto, o que expõe a cultura sistêmica é que
estamos produzindo textos orais. Podemos então ampliar o conceito de texto dramático,
já que o texto não apenas existe no papel, mas também na oralidade, no fazer (Dubatti,
Notas de Clase, 2011).
Portanto, o nível narrativo na Impro é um ponto fundamental na análise e para
podermos aprofundá-lo é necessário entender que o teatro de improvisação constrói seus
textos no calor da ação. Um dos motores de investigação da Impro atual na América
Latina se dá justamente na dramaturgia da improvisação: como o improvisador se
expressa, o que diz, como diz, o que constrói com isso, quais histórias surgem e de que
tipo.
Existem textos dramáticos anteriores ao fazer, chamados textos pré-cênicos,
estes são os que o teatro de texto utiliza em sua poética. A Impro trabalha a partir do
fazer, portanto sua narrativa é composta por textos cênicos. Não podemos então ver e
julgar uma peça de Impro da mesma maneira que uma peça teatral, em razão dos textos
dramáticos surgirem de maneiras diferentes e de suas construções serem absolutamente
distantes – uma já existe e outra está sendo criada.
Isso nos coloca em um ponto de expectativa 4 que devemos considerar
detalhadamente. Um espetáculo de teatro tem onjetivos poéticos claros acima dele, o
ator deve dizer um texto pré-cênico de tal forma que os expectadores, mesmo sabendo
que é deste tipo ou apesard e conhecer o texto previamente, tenham a sensação de que
isso é dito pela primeira e única vez. Por exemplo, o monólogo de Hamlet no túmulo de
seu pai é um texto conhecido mundialmente há séculos, no entanto, quando assistimos
uma versão nova desta peça de teatro Isabelino, esperamos ver como o ator nos engana
4
Expectativa é a posição que assume o expectador, indo ao teatro não apenas para ver a projeção da
poíesis, mas para viver um espaço da experiência, para nela influenciar e intervir, produzindo
subjetividade e relações com o mundo (Dubatti, Notas de Clase, 2011). “Se o expectador não tem
consciência da distância ontológica entre poíesis e cultura viva, ele não percebe a a passagem ontológica,
não diferencia vida e obra e, consequentemente, não percebe o fazer poético” (Dubatti, 2007, pág. 132).
e, em nosso estado consciente de expectativa, acreditamos que é Hamlet na no túmulo
de seu pai pela primeira vez.
Na Impro não ocorre esse fenômeno, o texto cênico é criado no momento,
diantos de nós, portanto, dificilmente uma dramaturgia Shakespeareana pode ser
assistida. Por outro lado, a dramaturgia coletiva permite que desfrutemos a oportunidade
de vermos improvisadores não apenas interpretando um personagem que nasceu
rescentemente em frente aos nossos olhos, mas também falando e construindo uma
história com os outros atores, e o melhor, essa história, essa dramaturgia tem a
possibilidade de ser modificada por uma intervenção minha ou de alguém que está ao
meu lado na palteia. Esse texto do ator ou do improvisador deve ser visto sob esses
parâmetros e não como se fosse um texto de autor na dramaturgia pré-cênica.
Na Impro não podemos ler o texto dramático, pois é apenas a estrutura verbal
que que sustenta o drama, “é uma rede de palavras por onde circulam elementos que a
rede não captura. O texto é muito menos que o drama, é uma estrutura, é uma estrutura
em rede” (Dubatti, Notas de Clase, 2011). Já o drama é a entidade poética, a unidade de
acontecimento criada pelo ator dramaturgo. “O drama contém aquilo que o texto não
pode ser. É feito do texto e do que se extrai das redes do texto” (Dubatti, Notas de
Clase, 2011).
A dramaturgia, neste caso, é o resultado do que dizem e fazem os atores na cena
improvisada. A compilação desses textos, a adaptação e a poética que faz
posteriormente com eles não pertencem à Impro, fazem parte da poética teatral, daí a
necessidade de criar textos dramáticos a partir de improvisos, para resgatar as boas
histórias, gerar novas dramaturgias e escrever obras de teatrp que podem ser montadas e
posteriormente analisadas sob o conceito de texto dramático ou teatro de texto. Um
tema que já está sendo analisado como projeto de pesquisa em meu trabalho de
mestrado nem direção e dramaturgia na Universidade de Antioquia.
O ator de Impro não tem o apoio do autor, ele é o autor e deve ter a preparação
como tal. Omar Argentino Galván5, um dos improvisadores latino-americanos mais
reconhecidos mundialmente, investiga a dramaturgia da improvisação em seu
espetáculo solo de Impro, ele permanece em cena durante mais de uma hora construindo

5
Ator, professor e diretor argentino especializado em técnicas de improvisação teatral. Crieador do
Improtour uma pesquisa de Impro que percorreu catorze países em todo o mundo. Ele é o primeiro
treinador da Companhia Acción Impro. Há dez anos apresenta seu espetáculo solo de Impro.
histórias e personagens em solo, com a única ajuda de um músico improvisador e de um
técnico de luz que ambientam as histórias de acordo com o que vai acontecendo.
Omar, como poucos improvisadores na atualidade, tem presente (talvez de forma
intuitiva em face de sua preparação teórico-prática de um improvisador profissional) a
micro-poética do texto improvisado, ou seja, o texto surge na cena e leva-o para para a
macropoética do texto improvisado. Ele relaciona com outros contextos, amarrando a
história de uma forma impecável, como se fosse uma dramaturgia do autor, incluindo
textos de autores conhecidos ou obras que pertencem a poética teatral.
No entanto, com base nas obras que não solo, mas de grupos de dois ou mais
improvisadores em cena: os improvisadores podem durante um espetáculo pensar em
seus personagens como faria um ator e ao mesmo tempo construir uma história como
faria um dramaturgo? Para a Impro de Keith Johnstone, de acordo com seu discípulo
mais próximo – Frank Totino 6, entrevistado durante o Festival de Improvisação de Belo
Horizonte (FIMPRO 2011) – sim, é possível, sempre e quando o improvisador encontra
o equilíbrio entre a inteligência racional a intuição: “Você não tem que ser um
dramaturgo para saber construir uma história improvisada. O mais importante para mim
é que as pessoas sejam verdadeiras” – afirma o mestre canadense (Totino, 2011).
Segundo Totino, o interesse da Impro em lidar com o problema da construção
dramática se dá em ter improvisadores generosos que não estão em cena apenas para
entreter o público, mas para ser modificados, permeáveis a trocas permanentes. Tendo
em vista que estão dentro de um personagem, mas ao mesmo tempo também estão fora
dele como improvisadores conscientes do que tem que construir. Neste caso, como
autores, diretores e atores (Totino, 2011).
O expectador de um espetáculo de Impro deve ter ciência dessas condições ao
analisar o tipo de estrutura que se cria na cena improvisada, deve saber que na Impro
tanto a fábula como a história surgem de forma improvisada. Mas, ao mesmo tempo,
deve-se ter em mente que a virtude de um bom improvisador nem sempre está no
resultado espontâneo, rápido e cômico, já que estas são condições dos jogos de
treinamento de Impro e dos formatos curtos e de competição que foram popularizados.

6
Mestre em Belas Artes pela Universidade de Calgary. Trabalha desde 1976 com o mestre Keith
Johstone, pai do Teatro de Improvisação como técnica e criador do Teatro Esporte. Ele é sócio fundador
da Companhia Loose Moose Theatre do Canadá.
Um bom improvisador é reconhecido no poético, profundo e hábil na construção
dramática, na forma como aborda o desenvolvimento da sintaxe 7, a trama8 e a
manifestação sensorial9 em relação aos outros e perante o público10.

Nivel Linguístico
Falamos aqui da maneira como é construída a obra dramática desde a palavra.
No nosso caso, já sabemos que tanto a palavra quanto a obra são inventadas apenas uma
vez. Em um espetáculo de teatro de texto, o expectador pode ter conhecimento prévio
das palavras que vão ser interpretadas pelo elenco, mesmo quando não o tem, sabe que
isto que estão dizendo na cena, está escrito, há uma garantia implícita no que se ouve. O
risco consiste em um ator errar ou se esquecer do texto, o que pode ser aceito pelo
espectador, na verdade, se ele perceber, pode até gostar de ver como o ator resolve o
problema e segue em frente.
Num espetáculo de teatro de improviso, o risco é outro, não há texto para
lembrar, portanto não há texto para esquecer. O problema surge desde da raiz do texto e
está relacionado a como fazer aquele texto, o que se diz e de que maneira se interpreta.
Nas obras mais conhecidas de Impro, a palavra aparece como elemento de
salvação, os improvisadores europeus e americanos se caracterizam por ser habéis
verbalmente, por solucionar a cena a partir da palavra; os latino-americanos, por outro
lado, são reconhecidos no mundo da improvisação por sua expressão corporal, a
maneira como a ação se manifesta no seu corpo e não apenas em sua voz.
No entanto, em ambos os casos, na maioria das vezes a palavra aparece em uma
linguagem e as vezes naturalista. Quando um estudante de Impro começa a fazer suas
primeiras cenas, em geral fala como se faz na vida cotidiana, conservando a
historicidade de seu corpo e, portanto, de sua palavra, utiliza termos e gírias comuns em
7
Sintaxes é o lugar onde se constituem a ação do drama. Como a ação é construída a partir do esqueleto e
os atuantes são combinados. São as estruturas universais que encontramos em qualquer estrutura teatral.
Há ação física, ação físico-verbal e ação verbal (Dubatti, Notas de Clase, 2011).

8
Trama é a estrutura da superfície, o aspecto correlativo da sintaxe, mas em planos diferentes (Dubatti,
Notas de Clase, 2011).

9
Manifestação Sensorial são os efeitos sensoriais reproduzidos pelo fazer ou pela obra. “Como se
controem sensorialmente a imagem cênica? Qual é o papel de ver e esconder no olhar do observador? (...)
Quais valor adquirem os estímulos sonoros? Os estímulos olfativos, táteis e gustativos são aproveitados?”
(Dubatti, 2010, pág. 170).

10
Ver no cápitulo Análise da Poética do Drama, do livro Filosofia del Teatro II de Jorge Dubatti, o ponto
38, Proposta de Nivéis de Análises da Estrutura.
seu dialeto. Com o tempo, esta característica tende a desaparecer, porém as histórias que
se criam neste tipo de espetáculos raramente conseguem uma linguagem poética
verdadeiramente teatral.
Algumas companhias atualmente experimentam esta busca, como é o caso de
Complot Escena do México com seu espetáculo Humor Mierda, ou Acción Impro da
Colômbia com Tríptico, em ambos os casos, a palavra (embora sujeita a uma linguagem
realista), vai além da historicidade dos corpos e começa a gerar uma linguagem muito
mais teatral do que aquelas surgem de espetáculos de improvisação em formatos curtos
esportivos.
Nestes espetáculos, como em outros que acontecem principalmente no centro e
sul do continente americano, a palavra começa a ser reavaliada como no teatro, passa de
ferramenta, solução ou oferta a se tornar ação.
Por outro lado, há propostas no teatro de improvisação que utilizam a palavra
não em função da história como tal, ou seja, sem a premissa de que ela seja o fio que
tece a estrutura e sim o gatilho poético que gera a ação dramática. Um exemplo disso é
o trabalho realizado pelo diretor argentino Juan Commoti 11, que utiliza a improvisação
através do conceito de Máquinas Teatrais, entendido como o conjunto de relações
formais e técnicas que, por meio de uma estratégia poética, põe em movimento e faz
funcionar a cena improvisada (Comotti, 2011, pág. 1).
“Na máquina estão reunidos todos os níveis materiais da produção cênica:
espaço, corpo, palavra, tempo, as formas de relacionar a escalada associativa. Esse
conjunto de relações técnico-formais constitui a obra, além do fato de que cada vez que
são realizadas produzem efeitos temáticos distintos, uma vez que as improvisações não
possuem temas pré-estabelecidos” (Comotti, 2011, p. 1).
Dentro deste conceito, o mais importante é encontrar um nível existencial
poético que alcance a cena improvisada, trata-se de Impro na medida em que é um
processo que pode levar a um resultado em coletivo: “A improvisação pode
transformar-se num evento cênico da mesma magnitude da obra de texto ou da criação
coletiva” (Comotti, 2011, p. 1). Entretanto, a improvisação se afasta da obra de texto
pois o resultado denota mais um processo de criação do ator do que uma peça teatral
propriamente dita, segundo meu ponto de vista.

11
Professor e diretor argentino que trabalha o conceito do poético como ferramenta de encenação através
das Máquinas Teatrais.
O que é interessante nesse trabalho de máquinas teatrais é que ele busca afastar o
improvisador de sua historicidade e os temas que surgem nas improvisações são "temas
aparentes", já que não são a causa e o canal da improvisação, como assegura Comotti.
Aqui a palavra funciona de maneira diferente, não revela os temas como na vida de
forma linear, mas é permitido e proporcionado o cruzamento com outros temas que
aparentemente não lhe seriam familiares, e que no entanto ao entrarem em contacto
produzem alguns estranhos surtos poéticos que melhoram notavelmente a originalidade
e a qualidade associativa em relação a quaisquer temas (Comotti, 2011).
Seja dada em uma linguagem realista, de teatro esporte, de máquinas teatrais ou
em qualquer manifestação do que conhecemos como Impro, a palavra desempenha um
papel vital dentro do teatro de improvisação, e é necessário que nós, como espectadores,
tenhamos uma crítica a seu aparecimento e desenvolvimento em cena, tendo em vista a
sua origem, a sua encenação entendida como poética e não como género, e a sua
contribuição para a construção da estrutura dramática.

Nivel Referencial
Trata-se de analisar a coerência, o princípio da coesão que se manifesta na obra
improvisada. Jorge Dubatti diz que o nível referencial é um dos componentes mais
interessantes que o texto tem, pois, dependendo de como pensamos o vínculo
referencial, a poética vai se modificando, e os vínculos referenciais são sempre
múltiplos (Dubatti, Notas de Clase, 2011). Se levarmos isso para o teatro de
improvisação, o problema para o ator se multiplica.
Em um treinamento de Impro, trabalha-se principalmente a espontaneidade, a
aceitação de propostas, as habilidades narrativas, a ação-reação, a escuta e a agilidade
mental. Em alguns casos, como nas Máquinas Teatrais, se trabalha a construção poética
e o corpo desterritorializado e afastados de sua historicidade. Na Impro baseada nos
ensinamentos de Viola Spolin (formatos como Harold 12) a construção de histórias e a
duração de mais tempo são trabalhadas em uma cena improvisada. Mas em nenhuma
dessas poéticas se dá ênfase ao trabalho referencial do ator, levando em conta que cada
micropoética constrói campos referenciais diferentes. Ou seja, se cada escrita cênica
improvisada tivesse um preparo na forma como ações e histórias são coesas,
12
O Harold é um formato desenvolvido pelo ator estadunidense Del Close e sua companhia
ImprovOlimpic de Chicago baseado nos ensinamentos de Spolin. Nele se desenvolvem três cenas de
maneira independente que se interrompem sempre antes de resolver, para logo retomá-las em outras cenas
ou em algum monólogo que realiza algum dos improvisadores no meio. Busca a construção de histórias
extensas e, portanto, mais complexas que as que se desenvolvem nos formatos curtos.
independentemente da linguagem, dariam lugar a uma leitura coerente e o público
poderia ler a "obra" de acordo com o campo referencial em que está localizado. Assim,
o campo de referência interno, que é o campo inerente da peça, permitiria que as cenas
se ligassem mais facilmente.
Por outro lado, o campo de referência externo, que é tudo o que está fora do
texto (história, filosofia, ideologia, visão humana do mundo, outros textos, etc.)
(Dubatti, Notas de Clase, 2011), enfim é o que realmente influencia em uma peça de
Impro, já que são esses agentes que vêm de fora que entram em cena. Lembremos que o
improvisador trabalha com o seu inconsciente, que muitas vezes diz e faz a primeira
coisa que lhe vem à cabeça e esta é sempre atravessada pelo seu campo de referência
externo.
Desse modo, o espectador de uma peça de improvisação deve ser mais exigente com o
que o improvisador gera a partir do campo de referência externo e mais grato ao que
consegue fazer com o campo de referência interno, que eventualmente será construído.
conforme a estrutura dramática improvisada se desdobra.
Desse modo, o espectador de uma peça de improvisação deve ser mais exigente
com o que o improvisador gera a partir do campo de referência externo e mais grato ao
que consegue fazer com o campo de referência interno, que eventualmente será
construído, conforme a estrutura dramática improvisada se desdobra.

Nivel Semântico
É o nível de interpretação dos procedimentos (O que significa a obra? Como o
que aparece no texto como uma construção poética produz sentido para não se deixar
levar pela interpretação subjetiva?) Este nível fala da questão de como (Dubatti, Notas
de Clase, 2011). Nesse sentido, a Impro é muito ampla, já sabemos que existem várias
micropoéticas dentro da poética do teatro de improvisação, em cada uma delas essa
questão surge quase sempre após a elaboração da cena.
Um ponto é a pergunta inicial que o improvisador se faz e o outro é a resposta
que ele encontra de acordo com a forma como essa pergunta se molda à cena
improvisada. Aqui devemos ter cuidado ao fazer uma análise, saber qual é o objetivo do
espetáculo, levar em conta que o improvisador como dramaturgo instantâneo não fala da
entidade poética como um puro texto representado, mas como um fazer na medida em
que é um texto cênico ou uma escrita cênica improvisada.
Tanto o público que assiste a Impro como quem assiste o teatro convencional,
vai ver o que circula entre o texto, o que não é dito, o subtexto. Na improvisação, esse
subtexto também se tece no calor da ação pela primeira e única vez, por isso o
improvisador é obrigado a construir cada detalhe com o maior cuidado, pois para a
Impro, a escrita cênica é o que se produz na improvisação, não o que está previamente
predisposto a ser representado. A reescrita cênica, neste caso, é o que se constrói mais
tarde a partir da Impro ao fazer uma dramaturgia, da qual nasceria uma obra de texto e
deixaria de ser Impro.
Lembremos também que a Impro tem um paradoxo implícito, quanto melhor a
cena improvisada, mais ela se parecerá com uma obra textual e enquanto isso acontecer
não podemos desviar nosso nível de expectativa e vê-la como uma obra textual, ao invés
disso podemos valorizar este paradoxo como um sucesso de cena e não como um
espanto do espectador.

O Improvisador Dramaturgo
Quando um ator enfrenta a Impro, essencialmente em formatos longos, sente a
necessidade de criar uma dramaturgia não só a partir das habilidades narrativas que a
mesma técnica lhe confere, mas também através da linha de ações que desenvolve e que
o conduz para finalmente construir situações com as quais ele organiza sua própria
estrutura dramática.
María Fernanda Pinta disserta no artigo Dramaturgia do Ator e Técnicas de
Improvisação, que Marco De Marinis faz uma observação sobre a noção de dramaturgia
do ator, na qual afirma que este, embora não a saiba, sempre faz dramaturgia e isso se
vê em seu trabalho de composição de ações físicas. Mas ele também garante que este é
um nível mínimo de dramaturgia, um nível muito baixo e não muito interessante. Faz
sentido então falar da dramaturgia do ator quando cresce a qualidade e a quantidade do
conhecimento dessa obra (Pinta, 2005, p. 3).
“A dramaturgia do ator é chamada de teatro onde o culto criativo é o ator e onde
os demais integrantes do processo criativo atuam em outras dimensões da composição,
ajudando a construir uma partitura do espetáculo. Não é um problema fazer teatro com
texto ou teatro sem texto, é preciso ver que tipo de uso se faz do texto (...) Hoje pode
haver um retorno à dramaturgia escrita, mas isso não significa necessariamente deixar
de lado todos os conquistas que o teatro fez, é necessário que exista este pluralismo de
possibilidades” (Pinta, 2005, p. 3).
E dentro desse pluralismo, sem dúvida, entra a Impro. Pinta diz que na sua obra
dramatúrgica, o ator pode utilizar para a composição da obra, várias técnicas de
improvisação de diferentes tradições teatrais, que vão desde a Comedia dell'arte aos
formatos curtos de improvisação e seus cruzamentos com as regras do esporte (Teatro
Esporte). O que ratifica minha hipótese na qual afirmo que o ator-improvisador escreve
sobre a cena quando atua na Impro, porém, permanece a pergunta: Como é a
dramaturgia em um espetáculo teatral improvisado?
Segundo Osvaldo Pelletieri: “Escrever no palco (...) leva embora todas as
imposições da escrita. Nem a escrita dramática tradicional, nem esta escrita teatral de
improvisação supostamente mais espontânea surgem de um nada primordial”
(Pellettieri, 2008, p. 43). O que a meu ver é verdade, pois é preciso partir de algum lugar
para poder criar, de escrever uma cena, e embora o improvisador o faça o tempo todo,
basta afirmar que o improvisador é, portanto, um dramaturgo? Como o ator deve se
tornar um improvisador para descobrir como pode gerar uma verdadeira construção
dramática da cena improvisada? Não basta ser um bom improvisador, para enfrentar
esse processo é preciso uma preparação em teatro, o que me leva a pensar que talvez
seja melhor os atores assumirem a poética da Impro e não os improvisadores que
assumem a poética teatral.
O que sabemos é que entre a improvisação e a dramaturgia existe um estreito
vínculo criativo que faz com que uma complemente a outra. Mauricio Kartun afirma:

O ato de escrever para o teatro nada mais é do que a improvisação


imaginária de um mundo de fantasias dinâmicas que exploramos com
todos os nossos sentidos. Uma obra escrita é simplesmente o registro
daquelas improvisações ora organizadas em um todo orgânico e belo
(...) Uma improvisação em que - estranhamente - atuamos como atores
e espectadores ao mesmo tempo (Kartun, 2006, p. 88).

Concluindo, uma investigação aprofundada da dramaturgia dentro da Impro


pode encontrar resultados surpreendentes e muito úteis para o processo de criação, mas
talvez não a ponto de chegar a uma dramaturgia estabelecida, onde as ações dos
personagens tenham um fim determinado e uma clara cadeia de eventos.
O mais importante neste caso é verificar como os textos vão sendo construídos
numa cena improvisada que se apresenta junto ao público, descobrir em que medida o
improvisador contemporâneo está preparado para assumir uma criação tendo em conta
os diferentes níveis que redefinem o conceito de texto dramático, ou mesmo se
perguntando se o improvisador está realmente construindo um texto dramático que gere
uma poética clara e contundente do drama para a Impro.
O que está claro é que assistir a um espetáculo de teatro de improvisação implica
uma expectativa diferente de assistir a um espetáculo de teatro de texto. Você não
precisa ser um crítico teatral para aprender a diferenciá-lo, mas precisa estar atento ao
ponto de vista em que estamos localizados. Basta assumir uma posição aberta de
espectador, estar aberto ao convívio e desfrutar da performance, pois como diz Jorge
Dubatti, o teatro em todas as suas manifestações é um espaço de subjetividade e basta
ver bem para falar bem.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Caleti, G. (2009). Impro Argentina, Apuntes e historia de la improvisación
teatral. Buenos Aires: Ediciones de la Cooperativa Chilavert.
Comotti, J. (Abril de 2011). Máquinas Teatrales. Mendoza, Argentina.
De Faria, R. (2007). Antes e depois de Tríptico. A Chuteira (3), 4-6.
De Lima e Munis, M. (27 de Mayo de 2007). www.textosdematch.blogspot.com.
Recuperado el 24 de Noviembre de 2010, de
http://textosdematch.blogspot.com/2007/05/la-improvisacin-como-espectculo-
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De Lima Munis, M. (s.f.). A relação ator-público na improvisação como
espetáculo. Recuperado el 25 de Noviembre de 2010, de www.portalabrace.org:
http://www.portalabrace.org/ivreuniao/GTs/Territorios/A%20relacao%20ator-publico
%20na%20improvisacao%20como%20espetaculo.pdf
Dubatti, J. (2007). Filosofía del teatro I. Convivio, Experiencia, Subjetivodad.
Buenos Aires: Atuel.
Dubatti, J. (2010). Filosofía del Teatro II. Cuerpo Poético y Función Ontológica.
Buenos Aires: Atuel.
Dubatti, J. (18 de febrero de 2011). Notas de clase. Teorías del Actor. Medellín,
Antioquia, Colombia.
Dubatti, J. (febrero - marzo de 2011). Notas de clase. Seminario de Análisis de
los Espectáculos. Medellín, Antioquia, Colombia.
Kartun, M. (2006). Escritos 1975 - 2005. Buenos Aires: Ediciones Colihue
S.R.L.
Pellettieri, O. (2008). Perspectivas Teatrales (Vol. I). Buenos Aires, Argentina:
Galerna.
Pinta, M. F. (2005). Dramaturgia del actor y técnicas de improvisación.
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Totino, F. (4 de Abril de 2011). Dramaturgia a partir de la Impro. (G. Miranda,
Entrevistador)

Publicado no Blog de Gustavo Miranda em 08/11/2011.

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