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O ator, o encenador e a dramaturgia contemporânea em relação ao real ou ficcional

No final do século XIX, André Antoine, na França, assina oficialmente como


diretor/encenador, criando através desta ação, um marco na forma de fazer teatro, pois esta
dupla função, deu novas possibilidades e apontou novos caminhos, pelos quais as encenações
contemporâneas do século XX até os dias atuais, utilizaram durante os processos criativos.
Antes as funções eram específicas: o diretor, o dramaturgo, o ator, e até mesmo, o encenador,
mas, como Jean-Jacques Rubine (1998) aponta, “o diretor teatral é aquele que possui uma
relação autoritária com o espetáculo” e o “encenador é o resultado de uma elaboração criativa
de uma linguagem autônoma”, podemos perceber que, a figura do diretor se conecta às práticas
do teatro dramático, o que Lehmann (2007) define como aquele que obedece ao texto e se
subordina a imitação e a ação.

O diretor/encenador que predominantemente é percebido como aquele que concebe e


realiza o espetáculo, tem na contemporaneidade, as delimitações de sua função embaçadas pelas
novas práticas de grupo, como a Criação Coletiva e a Criação Colaborativa, onde podemos
perceber que não existe necessariamente um texto dramático ou uma dramaturgia pronta, na
qual o diretor irá se pautar e solicitar que o ator crie um personagem e reproduza suas falas,
bem como, as funções do diretor, dos atores e outros artistas envolvidos, tem uma relação
diferente das práticas teatrais dos séculos anteriores.

Pavis (2003, p.51) nos aponta que “o ator se situa no coração do acontecimento teatral:
é o elo vivo entre o texto do autor (…), as diretivas do encenador e o ouvido do espectador”,
então, podemos entender que as percepções do público sobre o que é real e o que é ficcional,
surgem através do encontro deste, com o ator. O ator contemporâneo deixou de cumprir a
função de simulador, não há necessidade de replicar uma ação, nem de criar um personagem,
e, em algumas situações, podemos encontrar aqueles que nem se utilizam da nomenclatura ator,
optam pelo termo performer, o que Pavis (2003, p.55) aponta que “diferentemente do ator, não
representa um papel, age em próprio nome”.

Para refletirmos sobre o real e o ficcional nas encenações contemporâneas, é importante


considerar quando o diretor/encenador/propositor tiveram suas funções mescladas, bem como
o ator/performer/jogador se relaciona com a composição da obra (sendo aquele que é a ponte
para o acontecimento teatral), mas, também é necessário considerarmos o espaço para o qual a
obra foi idealizada, pois este pressupões um ponto de vista, que é de onde o público irá fruir o
espetáculo. O palco italiano, por exemplo, propões diretamente uma relação frontal, o palco e
a plateia, o que pode delimitar o que real e o que é ficção, se considerarmos a disposição público
e atores. Mas, e se os artistas se colocarem como performers, agindo em seu próprio nome, seria
real ou ficcional? Devemos considerar apenas a relação palco e plateia ou existem outros
elementos a serem considerados?

O teatro passou pelo naturalismo de Antoine, o realismo de Stanislavski, por Brecht,


Artaud, Grotovski e, através destes, tivemos acesso a forma com que cada diretor/encenador
constrói sua obra, seja através de um texto ou através de situações, temas, elementos, mas, de
onde podemos perceber a polissemia da obra teatral, o que dá origem a semiótica do teatro e
então, o estudo mais objetivo do signo teatral. Cajaíba (2005), reflete que, antes, o teatro se
dedicava as análises semióticas dos códigos contidos nos textos dramáticos, sem considerar as
possibilidades de leitura do público, reinterpretações ou mesmo, a encenação, e que, quando
esta passou a ser considerada, se empreendeu a sistematização dos signos e, a partir disso,
começamos a refletir sobre formatividade, conteúdo e função da encenação.

O teatro contemporâneo tem múltiplas funções, podendo ser políticas, sociais e de outras
naturezas, mas, é evidente como estas práticas plurais e polissêmicas, não tem o interesse de
simplesmente criar uma obra, para entreter o público, colocando-o na posição de espectador
inalienável, é perceptível como estas práticas buscam refletir questões pertinentes a cada
coletivo, considerando o contexto-sociocultural (ou não) dos artistas. Segundo Silvia Fernandes
(2010), o termo pós-dramático é uma tentativa de nomear movimentos teatrais ou encenações
pós-Brecht, obras desde os anos 70, que optam por processos criativos descentralizados do texto
dramático, bem como a miscigenação com outras linguagens artísticas.

Se partirmos de um teatro clássico, onde a relação palco e plateia (podendo ser um palco
italiano, palco de arena, elizabetano, entre outros) delimita o espaço de atuação, poríamos
considerar que tudo que não acontece no palco é real, e o que é colocado em cena, é ficcional.
Mas, no teatro pós-dramático, existem outras camadas a serem consideradas, a metáfora, a
composição, e até mesmo a metodologia utilizada pelo diretor/encenador/propositor durante a
composição da obra. É importante salientar que, o teatro que não o pós-dramático, não
necessariamente utiliza esta relação como delimitação, podendo ser utilizado como artifício e
não como regra.

É evidente que, a relação entre o real e o ficcional em encenações contemporâneas, estão


conectadas a forma com que os atores/jogadores/performers se colocam durante o processo
criativo, bem como o que o diretor/propositor/encenador seleciona como material que irá
compor a obra final, que só acontece na relação com o público.

Kowzan (1978, p.102) nos auxilia a refletir sobre como a arte teatral extrai signos de
todas as manifestações da natureza e atividades humanas, sobre como o espetáculo transforma
os signos naturais em signos artificiais. Se vemos fumaça, relacionamos com o fogo, o que
configura um signo que, pode ajudar o artista a compor uma dramaturgia e alinhar durante a
composição da obra, a ação, o signo, a intenção, a fim de nortear o público para um conjunto
específico de significações, na tentativa de encontrar a melhor forma de apresentar cenicamente,
o que aquele coletivo quer dizer.

Para concluir, é importante ressaltar que em cada parte do mundo, em cada grupo de
trabalho, existem procedimentos, caminhos e formas de se construir esta relação entre o artista,
a obra, o público e a fruição. Sistemas como os Jogos Teatrais de Viola Spolin ou os Viewpoints
de Tina Landau e Anne Bogart, nos apresentam possibilidades de investigar esta relação entre
o real e ficcional, seja em jogo ou em improvisação, mas, o mais importante durante esta
composição, é tomar um caminho que faça sentido para você, para que a obra final seja rica,
polissêmica, semiótica e sincera.

Referências bibliográficas

CAJAÍBA, Luiz Cláudio. A encenação dos dramas de língua alemã na Bahia. (Tese)
Doutorado em Artes Cênicas - PPGAC – UFBA, Programa de Pós-Graduação em Artes
Cênicas, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2005.

FERNANDES, Silvia. Teatralidades contemporâneas. In: Teatralidades contemporâneas. São


Paulo: Perspectiva, 2010

KOWZAN, Tadeusz. Os signos no teatro - introdução à semiologia da arte do espetáculo. Org.


J. Guinsburg, J. T. Coelho Neto, Reni C. Cardoso, São Paulo: Editora Persectiva, 1978.

LEHMANN, Hans-Thies. Teatro pós-dramático. São Paulo: Cosac & Naify, 2007.

PAVIS, Patrice. A análise dos espetáculos. Tradução de Sérgio Sálvia Coelho, São Paulo:
Perspectiva, 2003.
_______. Dicionário do teatro. São Paulo: Perspectiva, 1999.

ROUBINE, Jean-Jacques. A Linguagem da encenação teatral. Rio de Janeiro: Zahar, 1998.


"O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) completou 30 anos, em julho de 2020. Em
contrapartida, em julho de 2021, um estudo publicado na revista Lancet evidenciou que 130 mil
crianças brasileiras ficaram órfãs em virtude da Covid-19. Diante do exposto, discorra sobre
como os direitos fundamentais previstos no ECA podem contribuir para o futuro destas
crianças.”

A educação como perspectiva de autonomia

A pandemia de Covid-19 que assolou o mundo, deixou o Brasil com 130 mil crianças
órfãs. Estamos falando de pessoas menores que 12 anos de idade, as quais estão sem pai ou mãe
para que possa resguardar estas crianças e garantir que tenham oportunidade de um futuro justo,
esta realidade que nos assola é muito similar a um cenário pós-guerra.

Entre 1939 e 1945, o mundo tremeu diante de uma guerra bélica, a qual trouxe
acontecimentos marcantes para a humanidade, como as bombas de Hiroshima e Nagasaki, que
destruíram as cidades japonesas. Após estes incidentes e o fim da guerra, o mundo acompanhou
a investida do Japão em educação de qualidade para todos, a fim de reestruturar o país, o que
nos aponta um caminho para salvar o futuro destas crianças.

Em 2020 o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) completou 30 anos, um marco


histórico, mas, que precisa ser revisitado e aprimorado para garantir um futuro digno às crianças
órfãs da pandemia. Os artigos de nº 53 ao 59 falam sobre a garantia da educação para as crianças
e adolescentes, mas, apenas o Ensino Fundamental é citado como obrigatório e gratuito, saliento
que não retira a obrigatoriedade do ensino médio gratuito, pois há citação a progressiva
extensão, mas é preciso garantir desde a Educação Infantil até o Ensino Superior, gratuito, de
qualidade, para que estes órfãos não sejam vistos como força de trabalho pelo mercado
neoliberal obsceno do qual o Brasil é refém.

O ECA precisa ser aprimorado para contemplar estas crianças. Quem irá garantir a
frequência escolar? Para ter uma escola perto de casa, estas crianças estão com o restante da
família ou estão em orfanatos? Como preparar um cidadão se ela não tiver alguém que possa
abraça-la? Como garantir uma escola para crianças que são irmãos, se eles forem separados em
um processo de adoção?
O aprendizado da criança não se dá no ambiente escolar por conta da escola, mas pela
relação com o outro, com o espaço, com a família, com tudo que a cerca. Sua vivência é através
do signo, do jogo, da brincadeira, é preciso viabilizar não apenas o acesso à educação
progressiva, continuada, preparar o cidadão e o trabalhador, é preciso educar para a autonomia,
garantindo a riqueza de uma educação que, bem como cita o ECA, com acesso a arte, a
oportunidade.

O Estatuto é um marco, mas precisa ser trabalhado, junto ao governo, que precisa prover
fomento adequando para fazer cumpri-lo, proporcionando ainda um subsídio financeiro,
psicológico e afetivo para estas crianças. É preciso ser gente, amar, abraçar, acolher e educar.
Mas, é evidente que, um governo que persegue a ciência, que propaga a desinformação e ataca
as instituições democráticas, não tem a menor condição de amparar um ser, tão pequenino, que
pode estar só no mundo.

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