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GUÉNOUN, Denis. O teatro é necessário? Tradução de Fátima Saadi. São Paulo: Perspectiva,
2014;
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transformações. É irônico que agora, ao se deparar com a impossibilidade do encontro
presencial e físico, o audiovisual e a internet acabaram servindo ao teatro como “balsas
de salvamento”, a fim de mantê-lo vivo, em revisão e até mesmo em expansão, se
considerarmos os alargamentos das fronteiras, uma vez que tais experiências em meio
remoto, dispensam, mesmo que provisoriamente, a presença física do espectador, dando
a este o direito de participar de um evento ‘teatral’ ao vivo do outro lado do globo
terrestre.
Será essa a mais expressiva herança do período de distanciamento social para
o teatro do futuro? Eduardo Butakka afirma em seu artigo O teatro pós-pandemia: um
desafio do nosso tempo2, que “o artista não vai conseguir substituir a experiência da
presencialidade pelo virtual”. Butakka aposta, assim como muitos, numa espécie de
retomada do conhecido formato, porém com reformulações que vão desde a
incorporação permanente das mídias digitais à criação de um novo status para o
espectador.
A gravidade das circunstâncias atuais requer um olhar atento e preciso para os
próximos anos, onde se espera que haja transformações radicais nos discursos da
forma, nos instrumentos de mediação, nos meios de produção e consecutivamente,
nos dispositivos de criação da cena.
É certo que “nenhum modelo econômico ou sociológico, nenhuma ciência
futura pode predizer como iremos continuar, se iremos voltar ao antigo modelo ou
encontrar novas ideias e soluções [...]”, diz Hartmut Rosa, em entrevista ao jornal
Libération3. Porém, mas é inegável que os implacáveis eventos em torno desse 2020,
não parecem apresentar novos desafios, mas os velhos, os pré-existentes. O
distanciamento social e a total migração das atividades teatrais para os meios digitais só
fará acelerar, como em outras áreas, processos de revisão e reformulação tanto no
campo estético quanto institucional do teatro que já vinham sendo elaboradas antes.
Pedro Otoni, afirma no artigo Presente e Futuro4 que “há uma probabilidade
forte da COVID-19 atuar como uma variável impulsionadora de fenômenos pré-
2
Artigo escrito para o site Olhar Direto, 2020.
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Citado por Leneide Duarte-Plon no artigo Carta de Paris: Que mundo a pandemia vai gerar?
do site Carta Maior.
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Escrito para o livro Quarentena: reflexões sobre a pandemia e depois. Org: Anjuli Tostes e Hugo Melo
Filho. Bauru: Canal 6, 2020
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existentes, os agudizando em alguns casos, mas não alterando sua direção.” (OTONI,
2020, p. 180)
Essa é a hipótese que sustenta esse pré-projeto: a de que possíveis heranças
ou reformulações do teatro e seus processos de criação no período pós-pandêmico, já
estavam implicadas antes da pandemia, mas de algum modo, nós artistas teimávamos
em não encarar tão diretamente. Descrevo aqui, em primeira análise, duas das
implicações que considero decisivas:
A primeira refere-se ao esvaziamento das plateias. Afinal, quem ainda são os
espectadores de teatro? E pelo que eles se interessam? Ou: pelo que eles não se
interessam mais? Se o teatro não está mais no centro das sociedades, “se os poderes
dominantes não usam mais seu brilho para exibir-se, se ele ficou órfão das revoluções”
(GUÉNOUN, 1977, p. 11), e agora parece substituído por outros modos de
representação, a pergunta que salta é: qual será a função possível para o teatro quando
os edifícios teatrais tornarem a funcionar ou aglomerações voltarem a ser seguras?
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aproxima ainda mais o teatro do cinema, do jogo, e da própria performance, como arte
fronteiriça por natureza5. (COHEN, 2002, p. 38).
Analiso aqui três desses atravessamentos no contexto pandêmico, suas
implicações e possíveis heranças:
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O lastro de linguagens experimentadas em meio virtual na pandemia vai das
performáticas mais radicais às produções comerciais transmitidas ao vivo do palco de
um edifício teatral para os dispositivos dos espectadores. Os teatros Petra Gold no Rio,
o Teatro Cervantes em Buenos Aires e o National Theatre em Londres têm mantido uma
programação permanente de espetáculos, que acontecem no palco, com o uso de todos
os recursos de luz, cenário e som, mas com plateia vazia.
Não cabe aqui um relato dessa diversidade de experiências, nem do panorama
de aplicativos e dispositivos em questão. O que me parece importante considerar é o uso
de recursos de interatividade que se expandem nesse contexto. Alguns experimentos
usam determinadas plataformas para oferecer ao espectador o poder de fazer escolhas,
opinar, interagir e outras vezes assumir uma personagem da trama, com autonomia de
participação, com direito a imagem, voz e voto.
É o caso da experiência Parece Loucura Mas Há Método6 da Companhia
Armazém do Rio de Janeiro. O elenco estabelece com a plateia um jogo eliminatório em
que os espectadores decidem, a cada rodada, o atuante que sairá da competição. Vistos,
de suas respectivas casas, por uma janela inspirada pelo formato screenlife, toda rodada
coloca dois ‘adversários’ em disputa. Estes escolhem, estrategicamente, entre um
pequeno repertório de monólogos shakespearianos aquele que tem potencial para fazê-lo
ganhar maioria dos votos e permanecer no jogo. Na rodada final, o público decide entre
a dupla de finalistas, o “vencedor” da sessão.
Como o maior desafio do futuro do teatro parece ser a formação de novos
espectadores, é razoável imaginar que modelos de interatividade podem ter um efeito
muito positivo nesse processo. “Não há em nosso tempo, em nosso mundo, espectadores
de teatro que não sejam jogadores em potencial.” (GUÉNOUN, p.150) A crise do
público de teatro para Guénoun está na tensão entre duas dinâmicas contrárias: quanto
mais vazias as salas de espetáculo, maior o número de “companhias que se multiplicam
de forma explosiva. [...] Participam desses grupos legiões de aspirantes à vida teatral
[...] multidões de jovens que se inscrevem em cursos de arte dramática, aulas de teatro
oferecidas em toda parte” (p.12).
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Ler crítica de Leandro Nunes para o jornal Estado de São Paulo. Disponível em:
https://cultura.estadao.com.br/noticias/teatro-e-danca,em-teatro-emergencial-da-cia-armazem-
espectador-pode-escolher-qual-historia-quer-assistir,70003366226
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Tal percepção encontra ressonância no fato de que cada vez mais gente queira
estar no centro do acontecimento cênico, com poderes de atuação, discurso e
questionamento. “Não podemos ignorar mais que as outras pessoas possuem o mesmo
direito que nós, de estar nesse palco. [...] Esse público não é mais um mero espectador.
Ele precisa participar. Só assim a distância que se deu nos últimos tempos entre a classe
artística e o público vai diminuir”. (BUTAKKA, 2020). Talvez a crise gerada pela
pandemia possa ser vista como uma oportunidade de reaproximação com o público de
teatro, não aquele público formado por artistas da cena ou por resistentes que lutam para
manter o teatro vivo; mas por um público leigo, novo, diverso, multiplicado,
heterogêneo e espontâneo, formado por espectadores/jogadores das novas gerações do
século XXI.
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Retirado do artigo Atos de Profanação, publicado na Revista Sala Preta. São Paulo , V 20, N. 1 2020
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Em citação de Josette Féral no artigo Por uma poética da performatividade: o teatro performativo (p 4)
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elaboração e de produção, assumindo o percurso que o teatro faz para encontrar seu
interlocutor, evidenciando suas dificuldades, vulnerabilidades e potências, fazendo com
o que o espectador se relacione com o real, não no sentido de acreditar ou ser
convencido de sua verossimilhança ou equivalentes, mas no caminho do encontro
sincero de mundos permeados nesse momento pelas mesmas fragilidades e vigores.
Enfim, não parece razoável que após essa hecatombe, o teatro permaneça
como antes, caso o teatro volte para o teatro. Todas essas formas de atravessamentos,
somadas à necessidade de encontro com esse novo público, provavelmente, tornará
impossível a manutenção da ‘velha’ lógica da criação e da recepção teatral. Isso deve
implicar em reformulações que parecem irreversíveis no campo semântico da cena, nos
seus modos de operação sígnica e nos seus procedimentos de criação.
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2. OBJETIVOS:
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- Articular a pesquisa com a historiografia recente da encenação teatral no
que diz respeito aos processos de criação e seus desdobramentos estéticos, o que
colocará este projeto numa intercessão entre duas linhas de pesquisa do programa de
pós-graduação em artes cênicas dessa universidade:
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3. JUSTIFICATIVA:
Creio que será impossível qualquer análise do teatro contemporâneo que não
seja minimamente atravessada pelos acontecimentos de 2020. O teatro está imerso num
dos momentos mais desafiadores de sua história recente. “Atravessadas por corpos,
vidas, números, estatísticas e conflitos político-ideológicos, artistas e trabalhadoras da
cultura (do mundo inteiro) buscam caminhos para dar continuidade ao fazer”9 (ROCHA,
2020). Esses caminhos não são fáceis: fomos obrigados a conhecer, aprender e a
manipular ferramentas e linguagens que não dominávamos há pouco mais de meio ano.
Essa é uma pesquisa sobre algo novo, algo ainda não ocorrido, mas que está
sendo gestado no presente pandêmico, e cujo embrião vem sendo germinado por uma
vertente das artes da cena há pelo menos 50 anos, e que agora se torna urgente e
inevitável.
Outro dado importante é o recorte que essa pesquisa pretende fazer. Não está
em seu objeto direto o estudo de temas no teatro pós-pandemia, nem mesmo seus
discursos, argumentos e dramaturgias, tampouco os pressupostos técnicos do corpo e da
voz do ator. O interesse dessa pesquisa está limitado à encenação teatral: seus futuros
contornos e reformulações.
Se a performance é quem viabiliza as experiências nesse momento de
distanciamento social, pergunto o que a encenação herdará dela, uma vez que, como
“movimento de ruptura da ‘arte-estabelecida” (COHEN, 2002, p.38) a performance tem
operado no teatro diluindo as mediações, principalmente do dramaturgo e do diretor. É
possível que estejamos debruçados aqui sobre o começo do fim da era do encenador. E
isso me parece importante observar.
O que justifica, a meu ver, essa pesquisa, em primeira instância é a
possibilidade de olhar para a história, num momento de radical transformação; e assim
poder analisá-la:
1. instantaneamente, no calor dos acontecimentos e das descobertas, ainda
no turbilhão do empirismo e das emoções reais; sem muitos intermediários, tendo como
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Retirado da crítica escrita por Lorenna Rocha, intitulada Frequência 20.20, Tudo Que Coube Numa Vhs
& A Arte De Encarar O Medo | O Que Tem Sido Possível Fazer Nesse Aqui-E-Agora? para o site 4 Parede,
2020.
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grande parte das fontes o próprio acontecimento, seus principais atores em ação prática
no presente com suas narrativas ainda em construção.
2. por dentro, uma vez que a pesquisa será feita por um encenador
contemporâneo a estes acontecimentos; um encenador brasileiro com 25 anos de
experiência, também em busca de caminhos, perguntas e respostas para sua prática, com
intuito de constituir mais do que um documento de caráter epistemológico ou
historiográfico, mas também uma possível aproximação de seus pares, procurando
compreender os desafios do seu tempo e encontrar outras possibilidades para sua
história, integralmente inserida na história do teatro do século XXI, traçando estratégias
para se lançar a estes desafios, movido pelo conhecimento e pela reflexão, mas também
pela paixão.
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4. METODOLOGIA
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correlações entre as narrativas extraídas das entrevistas e a prática de alguns
encenadores no ato de criação e da mediação.
4) Pesquisa histórica através de vídeo, fotos e documentos, mas
também através de meios virtuais sobre o teatro imediatamente pré-pandêmico
em cada localidade abordada no pós-pandêmico, a fim de comparar
temporalmente as principais experiências. Já há, principalmente, no Youtube um
enorme acervo de trabalhos exibidos pela internet, além de material gravado em
áudio e audiovisual sobre experiências em contexto de distanciamento. A
plataforma Spotify, por exemplo, tem sido invadida por podcasts de com áudios
contendo leituras de textos, poemas entre outras experiências expressivas no
campo sonoro.
5) Pesquisa bibliográfica de referências teóricas produzidas no
período pré-pandêmico por autores, ensaístas e críticos brasileiros e estrangeiros
das áreas da encenação teatral, performance, dramaturgia, cinema, filosofia,
história, semiologia da cena, tecnologia cyber e multimeios.
- Articulação dos eventos teatrais que ocorrerão nos próximos anos com
análises teóricas do período pós e pré-pandêmico.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS:
BAZIN, André. O que é o cinema? Trad. Eloísa Araújo Ribeiro. São Paulo: Cosac Naify, 2014.
BIDENT, Christophe. O teatro atravessado. Art Research Journal – ARJ, v.3, n.1, 2016.
Disponível em: https://periodicos.ufrn.br/artresearchjournal/article/view/8504/6807
BOGART, Anne. A Preparação do Diretor. São Paulo: Martins Fontes, 2011.
BUTAKKA, Eduardo. O teatro pós-pandemia: um desafio do nosso tempo. Para o site Olhar
Direto, 2020.
Disponível em : https://www.olhardireto.com.br/artigos/exibir.asp?id=12123&artigo=o-teatro-
pos-pandemia-um-desafio-do-nosso-tempo
CARLSON, Marvin. Expansão do teatro moderno rumo à realidade. Art Research Journal –
ARJ, v. 3, n.1, 2016.
Disponível em: https://periodicos.ufrn.br/artresearchjournal/article/view/8429/6804
COHEN, Renato. Performance Como Linguagem - Criação De Um Tempo-Espaço De
Experimentação. São Paulo: Perspectiva, 2002;
DUARTE-PLON, Leneide. Carta de Paris: Que mundo a pandemia vai gerar? artigo publicado
no site Carta Maior, 2020. Disponível em: https://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Cartas-do-
Mundo/Carta-de-Paris-Para-onde-marcha-a-humanidade-/45/47403
FÉRAL, Josette. Por uma poética da performatividade: o teatro performativo. V. 8, 2008, pp
197 -210.
Disponível em : http://www.revistas.usp.br/salapreta/article/view/57370
FERNANDES , Silvia . Atos de Profanação.. Revista Sala Preta. São Paulo , V 20, N. 1 2020,
pp 185-197. Disponível em : https://www.revistas.usp.br/salapreta/issue/download/11589/1860
GUÉNOUN, Denis. O teatro é necessário? São Paulo: Perspectiva, 2014;
LEHMANN, Hans-Thies. Teatro Pós-Dramático. São Paulo: Cosac e Naif, 2007;
OTONI, Pedro. Presente e Futuro. Sete Apontamentos, in: Quarentena: reflexões sobre a
pandemia e depois. Org: Anjuli Tostes e Hugo Melo Filho. Bauru: Canal 6, 2020
ROCHA, Lorenna. Crítica – Frequência 20.20, Tudo Que Coube Numa Vhs & A Arte De
Encarar O Medo | O Que Tem Sido Possível Fazer Nesse Aqui-E-Agora? para o site 4 Parede,
2020. Disponível em: http://4parede.com/critica-frequencia-2020-tudo-que-coube-numa-vhs-a-
arte-de-encarar-o-medo-o-que-tem-sido-possivel-fazer-nesse-aqui-e-agora/
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