Você está na página 1de 40

Cunha Rodrigues A Justiça segundo Donald Trump

Rita Azevedo Gomes


A Portuguesa em Berlim
Entrevista de José Vieira Mendes PÁGINA 24

JORNAL Areal, nome de arte


DE LETRAS,
ARTES E Três gerações reunidas PÁGINAS 22 E 23

IDEIAS
Ano XXXVIII * Número 1262 * De 13 a 26 de fevereiro de 2019
* Portugal (Cont.) €3,20 * Quinzenário * Diretor José Carlos de Vasconcelos

Jorge Carlos Fonseca,


o Presidente da
República (de Cabo
Verde) escritor.
Entrevista e poemas
inéditos

Correntes
Manuel Vilas,
autor do que foi
considerado o
melhor romance
d’Escritas Assinalando duas décadas de existência,
espanhol de 2018, a edição deste ano do Encontro de Escritores Agustina Bessa-Luís,
Ordesa, agora a sair de Expressão Ibérica, na Póvoa de Varzim, numa biografia de
entre nós. Entrevista de 16 a 27, é a maior de sempre do principal Isabel Rio Novo que
e a crítica de Maria festival literário português. Dedicamos-lhe nos revela os seus
Fernanda Abreu traços essenciais.
um Tema de 15 páginas – e entre
Pré-publicação de
os destaques estão os que pode páginas sobre
ver/ler nesta capa a Póvoa
PÁGINAS 6 A 20

Milton Hatoum, um dos mais


importantes escritores do Brasil,
em excelente conversa sobre o seu
romance e o seu país. Crítica de
Ronaldo Cagiano

Sergio Ramírez, Prémio


Cervantes 2018, figura relevante
da Nicarágua, de que foi vice-
-presidente, e da América do
Colunas e crónicas de A. Mega Ferreira, Boaventura de Sousa Sul, fala-nos do livro que vai
Santos, G. d’Oliveira Martins, Gonçalo M. Tavares, Helena lançar, da política e da vida
Simões, Miguel Real, Onésimo T. Almeida, Patrícia Portela,
Tiago Patrício, V. Soromenho-Marques e Valter Hugo Mãe
2* destaque jornaldeletras.pt * 13 a 26 de fevereiro de 2019 J

› b r e v e e nc o n t ro ‹

José António Falcão


A luz do terras sem sombra

Música erudita, História e Biodiversidade fazem o terras Sem


Sombra, um festival que é uma autêntica temporada de música, cuja
15ª edição se prolonga ao longo de seis meses no Alentejo e não só. A
próxima paragem do festival é em Reguengos de Monsaraz, dias 23 e
24. Em março, segue para um inédita incursão por terras de Espanha,
com atividades em Valência de Alcântara e Olivença. O JL falou com
José António Falcão, diretor do festival

JL: O país convidado é os Estados Unidos. Em que consiste esta


pareceria?
José António Falcão: Há quatro anos que adotamos o modelo de país
convidado, para ajudar o público na perspetiva da História da música.
Os EUA são uma referência na música contemporânea, mas também
têm realizado um importante trabalho na redescoberta de autores e
e de renovação da interpretação. Isto permite recuperar patrimónios
desconhecido na Europa.

Em que consiste em termos de programação? João Onofre Culturgest Lisboa Com um projeto especialmente
Nós procuramos dar uma perspetivas das tendências e até, quando criado e várias peças inéditas, a maior retrospetiva já realizada
possível, antecipá-las. Quisemos mostrar a tradição da música coral
nos EUA. Tivemos o Stelman College Glee Club, coro feminino que há de João Onofre inaugura-se a 15, na Culturgest, Lisboa.
136 anos, de forma ininterrupta, tem vindo a criar esta tradição coral. A exposição, com curadoria de Delfim
Outra coisas que quisemos foi conhecer as
vanguardas. Nesta perspetiva, o Kronos Sardo, propõe uma “deambulação” pela
Quartet, quarteto mítico que acaba de obra do artista, nascido em 1976, que
ganhar um BAFTA, grande referência da
música contemporânea, é um bom passa-
iniciou o seu percurso no final dos anos
porte para fazê-lo. Vão dar o encerramento 90, sendo um dos nomes mais destacados
em Sines (6 de julho). O concerto do Delphi
Trio (Beja, 6 de abril) reflete a forma como
da contemporaneidade portuguesa. O vídeo tem sido fulcral
os americanos olham a sua relação com a na sua produção, mas também trabalha a escultura, o som, a
música europeia. fotografia, o desenho. Apresentará uma performance na noite
E música portuguesa? da inauguração. Até 19 maio.
A música portuguesa é uma espécie de obsessão. Esta região sempre
teve um enorme orgulho na sua música. Temos uma herança musical
notável, desde a Idade Média ao Classicismo podemos compreen-
der muito bem essa evolução. Temos características muito nacio- FESTIVAL 'ÀS VEZES DULCE E BÁRBARA FESTIM DE LEITURAS VIVA JOÃO
nais, mas, ao mesmo tempo, acompanhámos o aparecimento das O AMOR' NA MENINA E MOÇA CÉSAR MONTEIRO
vanguardas. Mas por várias circunstâncias, a nossa música é mais O festim de leitura pública de
interpretada lá fora do que cá dentro. Por isso, damos espaço à música O dia de São Valentim é o pre- Dulce Maria Cardoso e textos de teatro Esta Noite Durante 25 anos foi um dos
portuguesa, mas sem entrar num exclusivismo que nos faça perder a texto para este festival de três Bárbara Bulhosa são as parti- Grita-se prossegue com Ela, raros espaços dedicados ao
noção de conjunto. dias que se estende a várias cipantes de hoje, quarta-feira, de Jean Genet, a 15, na Galeria cinema independente em
cidades, apenas com música 13, pelas 18 e 30, nos encon- Monumental, a 16, na Fábrica Lisboa, nas mãos de Paulo
Desta vez o festival ultrapassa as fronteiras e vai a Valência de portuguesa. Dia 14, Xutos & tros com gente da literatura Braço de Prata, às 21,30h, e a Branco. A partir de dia 20,
Alcântara e Olivença... Pontapés (Convento de São e da cultura promovidos pela 17, no IFICT, às 16h00. O texto o Cinema Monumental vai
Em Olivença há uma permuta constante entre Portugal e Espanha. E Francisco, Coimbra), Luísa livraria-bar Menina e Moça, tem tradução de Luís Miguel fechar portas. Ainda que a
neste momento, Olivença reivindica as raízes portuguesa com grande or- Sobral (Luísa Todi, Setúbal), no Cais de Sodré, em Lisboa Cintra, que o encenou para a proprietária do espaço afirme
gulho. A cultura é um grande fio condutor. O festival visita a Estremadura Raquel Tavares (T. José Lúcio (Rua Nova do Carvalho, 40). Cornucópia, e será interpre- que, após um período de
por convite das autoridades espanholas. E vem na consequência de um da Silva, Leiria), David Fonseca O espaço, da ex-professora tado, entre outros, por João obras, as salas reabrirão, a
trabalho mais amplo, feito por exemplo, na área do turismo. Quando jun- (Teatro Aveirense), Cuca de Literatura Portuguesa e Lagarto e Pedro Carraca. Medeia decidiu não voltar
tamos os recursos de duas regiões ficamos todos a ganhar. Roseta (Coliseu de Lisboa) ou editora Cristina Ovídio, com Com direção de Filipe Abreu ao espaço. A despedida do
Áurea (Coliseu do Porto). No texto 'ilustrado' por João e Miguel Maia, a 3.ª edição do Monumental faz-se com um
O que vai acontecer agora em Reguengos de Monsaraz? dia 15, Amor Electro (Teatro Fazenda, tem recebido con- festival ocorre mensalmente ciclo dedicado a João César
O festival tem estas três vertentes, a Música, a História e a Micaelense, Ponta Delgada). vidados como - dos últimos em vários locais de Lisboa. Monteiro. De 17 a 20 de
Biodiversidade. Em Reguengos, começamos por visitar uma verda- No dia 16, Sara Tavares a aí estarem presentes e con- Em março, será a vez de O tio fevereiro passam Recordações
deira obra prima do gótico final em Portugal, a célebre composição (Cineteatro Avenida, Castelo versarem com o público - o Vânia, de Tchekov; em abril, da casa Amarela, A Comédia
mural que representa o bom e mau juiz. Depois tentamos compreen- Branco), The Gift (Auditório poeta Luís Quintais e o editor de Bilingue, de José Maria de Deus, As Bodas de Deus,
der a forma como o concelho de Reguengos de Monsaraz é um mosai- Carlos do Carmo, Lagoa), Zeferino Coelho. Recorde-se Vieira Mendes; em maio, Um Silvestre, A Flor do Mar, Sophia
co de diferentes paisagens culturais. Em termos musicais, vamos ter Mafalda Veiga (Teatro Sá da que Dulce Maria Cardoso Homem é um Homem, de de Mello Breyner Anderson,
o Trio Arbós. Um dos mais famosos agrupamentos europeus, que tem Bandeira, Santarém), HMB recentemente lançou Eliete - Brecht, e, em junho, Cantigas Branca de Neve e Vai e Vem. O
renovado a interpretação a partir da tradição espanhola. O reportó- (T. Pax Julia, Beja) ou Miguel A Vida Normal, pela Tinta dea de uma Noite de Verão, de ciclo estende-se a Coimbra
rio escolhido é de um conjunto de compositores que representam a Araújo (T. Garcia de Resende, Chuna, a editora de Bárbara Gordon McIntyre e David (dia 18) e Setúbal (21, 22 e 28
proximidade entre Espanha e Portugal. J em Évora). Bulhosa. Greig. de fevereiro e 1 de março).
J 13 a 26 de fevereiro de 2019 * jornaldeletras.pt
destaque * 3

Fantasporto COMENTÁRIO
De Stanley Kubrick a Kim Ki-Duk JOSÉ CARLOS DE VASCONCELOS

Easy Rider, de Dennis


Hopper; Laranja Mecânica e ‘Correntes’ livres
e criadoras
Shining, de Stanley Kubrick;
e Allien, de Riddley Scott. Um
poker de clássicos, em versão
restaurada, marca presença

C
no Fantasporto, festival de
cinema fantástico e não só, cuja
39.ª edição decorre no Rivoli omo vem sucedendo ao longo dos últimos anos,
e outros espaços da cidade, de damos o devido relevo às Correntes d’Escritas no
19 de fevereiro a 3 de mar- nº do JL que antecede a sua realização. Fazemo-lo
ço. No total, o Fantas recebe não por hábito ou rotina, mas porque o excelente
quase duas centenas de filmes certame promovida pela Câmara da Póvoa de Varzim
de cerca de 60 países, entre o justificou e justifica. Digamos mesmo que o foi
ante-estreias e e retrospetivas, justificando cada vez mais, porque com o tempo se tornou, como
curtas e longas. Entre outros o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, com justeza
são exibidos Human, Space, e com justiça em 2017 reconheceu, “o mais importante festival
Time and Human do irreveren- literário português”. Assim sendo, e assinalando-se agora os seus
te sul-coreano Kim Ki-Duk; 20 anos com uma edição mais prolongada e a maior em número
The Panama Papers, de Alex de participantes, sessões e eventos da sua existência, impunha-se
Winter; Monstrum, de Jong-Ho; Human, Space, Time and Human, de Kim Ki-Duk Uma das ante-estreias dedicar-lhe ainda mais atenção e espaço. Como acontece e o leitor
The Russian Bride, de Michael S. do Fantasporto verificará nas páginas 6 a 20.
Ojeda; ou Nancy, de Christina Para lá da breve história das Correntes com que abrimos o
Choe. Todos estes filmes mais Tema, e dos testemunhos a seu respeito, lembro que a 1ª edição,
do que roçarem o fantástico Meszáros (vencedor do Fantas Damodaran; Werewolf, de em 2000, nos passou ao lado: foi tão 'secreta' que apesar da minha
têm uma leitura contunden- há dois anos) ou Gyorgy Palfi. Adrian Panek; Albatroz, de condição poveira só dela tivemos tardio conhecimento. Já em
te sobre questões política e Em competição, entre outros, Daniel Augusto, entre outros. 2001 começamos a dar cobertura jornalística a esse Encontro de
sociais, assim como a retros- A Mata Negra, de Rodrigo O cinema português está Escritores de Expressão Ibérica – que continua a ser e como con-
petiva dedicada ao cinema de Aragão; Isabelle, de Robert representado, com uma grande tinua a chamar-se, só que tal referência se foi apagando, porque
Taiwan, dos anos 60, e sobre- Heydon; Daddy’s Girl, de Julian aposta em curtas metragens e a marca Correntes d’Escritas se tornou tão forte que a torna desne-
tudo a filmes sobre a emanci- Richards; The Sonata, Andrew filmes de escolas, numa parecia cessária. E nesse ano pela primeira vez aqui escrevi a seu propósi-
pação feminina. Para dar uma Desmond; ou Living Space, de com a Universidades do Minho, to, destacando os diversos aspetos positivos, felicitando a Câmara
perspetiva mais contemporâ- Steven Spiel. Na Semana dos Católica, UTAD, ESMAD, ESAP, da Póvoa, mas dizendo que ainda precisava de “ajustamentos e
nea do cinema, um outro ciclo Realizadores, School Service, ETIC, Universidade da Beira melhorias”.
mostra o cinema húngaro de de Louie Lagdameo Ignacio; Interior e Universidade da
hoke, com filmes de Karóly Painting Life, de Biju Kumar Madeira.J Em 2004, após a 5ª edição, considerando poderem ainda as Correntes
“melhorar e alargarem-se”, fazendo até três sugestões nesse sentido,
sublinhei que ela tinha superado todas as anteriores, constituindo a
afirmação definitiva de “um singular acontecimento cultural”. Recordo

Arte e Pós-Colonialismo Mendes, e já em março, de 13 a 16, uma Mostra


da Cultura Ameríndia, com debates e cinema
que nesse ano pela primeira vez houve uma conferência de abertura, por
Eduardo Lourenço, e foi atribuído o Prémio Casino da Póvoa/Correntes,

na Gulbenkian indígena no Brasil, em colaboração com o Doc e a


FCSH da Universidade Nova de Lisboa.ks
a Lídia Jorge. No entanto, só em 2007 o JL fez do Encontro uma pequena
chamada de 1ª página: apenas: "Correntes d'Escritas, reportagem",
como aconteceu nos dois anos seguintes.
Mas, apesar dos constrangimentos do tempo de maior crise,

A franco-marroquina Yto Barrada apresenta Moi je O regresso de Assis: as Correntes continuaram a engrossar em qualidade, prestígio,
repercussão, escritores envolvidos e ‘conquistados’ pelo seu
suis la langue et vous êtes les dents, no espaço Projeto
da Fundação Gulbenkian. A artista, nascida em 1971, A Musa Irregular espírito, afluência e adesão ou até entusiasmo de público. Com
uma importância que se afere ainda pelos numerosos encontros
que vive e trabalha atualmente em Nova Iorque, literários que à sua semelhança ou na sua esteira se foram mul-
desenvolve os seus trabalhos a partir de escritos, de- tiplicando por todo o país, por iniciativa das respetivas autar-
senhos, fotografias e objetos recolhidos, nos anos 30, quias. E o JL foi-lhes dando cada vez mais relevo, também porque
pela etnóloga francesa Thérèse Rivière (1901 – 1970), É hoje, quarta-feira, 13, pelas 18 e 30, no bar do aumentou sempre o número e interesse de livros aí lançados e que
num trabalho de campo com uma etnia berbere, Cinema S. Jorge, na Avenida da Liberdade, que será aqui antecipamos.
os Chaouias, nas montanhas do Aurès, na Argélia. apresentada - por Joana Matos Frias - a nova edição,
Material que cruza com a sua própria história familiar, "aumentada", de A Musa Irregular, de Fernando Todos os que participa(ra)m nesses encontros – como eu próprio, de
num entrelaçar de memórias pessoais e coletivas. Assis Pacheco (FAP). Esta edição, da Tinta da China, vários modos – têm deles histórias para contar e imagens que não
É a primeira exposição do programa da- com posfácio de Manuel Gusmão, é organizada por esquecem. Por mim tenho muitas, que ilustram a singularidade e re-
quele espaço, este ano dedicado às questões da Abel Barros Batista, que em nota introdutória expli- levância das Correntes. Três exemplos dessas imagens, delas exluindo
História, da descolonização e do pós-colonia- ca ter ela "três corpos delimitados: A Musa Irregular, as muitas dezenas de escritores portugueses que já nelas participa-
lismo. Em maio, a 31, será Filipa César a expor como FAP a definiu em 1991; Respiração Assistida, o ram: a) juntarem-se aí, e estarem à conversa, como nunca de certeza
no Projeto, e no final de setembro, o cabo-ver- livro póstumo publicado em 2003; um 'Suplemento no seu país aconteceu, os maiores escritores de Angola: Luandino,
diano Irineu Destourelles. Na sala polivalente, ao lote dos salvados', composto de dispersos e iné- Pepetela, Ruy Duarte Carvalho, J. E. Agualusa, Manuel Rui, Ana Paula
em setembro, a 27 e 28, realizar-se-á, no âmbito ditos". O JL publicará na próxima edição, dado que Tavares, Ondjaki; 2) a intervenção e performance extraordinária
desta programação, a conferência internacional nesta por absoluta falta de espaço não o pode fazer, de Rubem Fonseca, que no Brasil nunca ‘aparece’ e nem entrevistas
Where I Stand. Irá a crítica de António Carlos Cortez ao volume do que concede; e, de brasileiros, também a excecional de Ignacio Loyola
ainda decorrer, foi, além de muito mais, o primeiro chefe de redação Brandão, a conferência de Nélida Piñon, as participações de João
em junho, o do nosso jornal e companheiro de trabalho até à sua Ubaldo, Ivan Junqueira, Luís Fernando Veríssimo, António Cícero,
ciclo Do Cinema morte prematura, em 1995, com apenas 58 anos. "Ler Martinho da Vila, Zuenir Ventura, entre muitos outros, mais novos; 3)
Alquímico ao hoje Fernando Assis Pacheco é, no fundo, regres- as histórias de excelentes contadores, de várias procedências, de Luís
Ecofeminismo, sar a uma grande poesia. Sentença do autor a reler: Sepúlveda a Mia Couto, de Antonio Sarabia a Paulina Chiziane, Rosa
comissariado 'Desengaçar a alegria/ do chato amável mundo'" - Montero ou Muñoz Molina - para não falar de 'espetáculos' como o de
por Margarida assim termina o seu texto. Malangatana...J
4 * destaque jornaldeletras.pt * 13 a 26 de fevereiro de 2019 J

› breves‹
Estreias teatrais Tarde, do CCB, poderá ser visto até
6 de março.
Integrado no mesmo ciclo,

Revisitar Garrett e Broch


estreia amanhã, 14, Confissões de um
LA DANSE DU SOLEIL, espetáculo
Coração Ardente, com encenação de
pela Geneva Camerata, coreografia
Carla Maciel. Uma incursão no uni-
e interpretação de Juan Kruz Díaz de verso do escritor Fiodor Dostoievski,
Garaio Esnaola, com direção musical de com um elenco de que fazem
David Greilsammer. CCB, dias 22 e 23 parte Albano Jerónimo, Gonçalo
fevereiro, às 21. Waddington, Marco Paiva, Miguel
Loureiro, Teresa Coutinho, Tónan
MICHALE SNOW, realizador ameri- Um clássico absoluto da literatura Quito. Até 17.
cano, vai estar presente na Cinemateca portuguesa, Frei Luís de Sousa, de E ainda Margem, de Victor Hugo
portuguesa nos dias 16 e 19, sempre às Almeida Garrett, é agora revisitado Pontes, com texto de Joana Craveiro,
19 horas, para apresentar o ciclo que lhe numa encenação de Miguel Loureiro. a 22, 23 e 24, às 11 e 18h, no Pequeno
é dedicado, em curso até dia 28.
A estreia será a 1 de março, na sala Auditório. Um espetáculo inspira-
que tem o nome do escritor, no do em Capitães da Areia, de Jorge
teatro que, de resto, idealizou, o Amado, estreado no ano passado,
TRISTÃO E ISOLDA, com direção e
Teatro Nacional D. Maria II (TNDMII). coproduzido pela Fábrica das Artes.
coreografia de Nélia Pinheiro, no Teatro
Álvaro Correia, Ângelo Torres,
Diogo Bernardes, em Ponte de Sor, dia Carolina Amaral, Gustavo Salvador CICLO BECKETT EM ALMADA
23 fevereiro, às 21 e 30. Rebelo, João Grosso, Maria Duarte, Em Almada, no Teatro Municipal
Rita Rocha, Sílvio Vieira e Tónan Joaquim Benite, prossegue o ciclo
O PÃO, a versão longa do filme Quito são os atores que interpretam dedicado a Samuel Beckett, com o
de Manoel de Oliveira, recentemente o drama, num espetáculo integrado acolhimento de dois espetáculos:
restaurada pela Cineric Portugal, foi nas comemorações do bicentenário Lindos Dias!, encenado por Sandra
selecionada para a edição deste ano do de D. Maria II. Fica em cartaz até 7 de Faleiro, com interpretação de Cucha
festival Tute La Memoire du Monde da abril. Também a 1 de março, na sala Carvalheiro, pela Causas Comuns,
Cinemateca Francesa, que decorre entre estúdio do TNDMII, estreará Um outro a 15 e 16; e À Espera de Beckett ou
os dias 13 e 17 de março, em Paris. fim para a menina Júlia, a nova criação Quaquaquaqua, escrito e encenado
de Tiago Rodrigues, que escreve e por Jorge Louraço Figueira, a 23 e
encena um final diferente para a peça Confissões de um Coração Ardente, a partir de Dostoievski Encenação de Carla 24. Estreada em 2017, esta peça é
BREU, Espetáculo sobre circo tra- Maciel, no CCB
de Augst Strindberg. A interpretação também uma homenagem ao ator
dicional, no Teatro Carlos Alberto, no
é de Helena Caldeira, Inês Dias, Lúcia Ribeirinho, Francisco Ribeiro, o
Porto, de 14 a 23 de fevereiro.
Maria, Manuel Coelho, Paula Mora e primeiro a encenar em Portugal,
Vicente Wallenstein. Já hoje, quarta- Sandra Faleiro, Sara Matos, João Reis interpretação da atriz Luísa Cruz e em 1959, À Espera de Godot, um
DO BARROCO AO STURM UND -feira, 13, a sala Garrett do D.Maria II e Virgílio Castelo. Até 31 de março. cenografia de Pedro Cabrita Reis, dos mais famosos e representados
DRANG, Orquestra Metropolitana de acolhe pela primeira vez em Portugal No Porto, o Teatro Nacional S. que estreia a 21, no Centro Cultural textos beckettianos. Partindo dessa
Lisboa, dirigida por Nicholas Kraemer, o dramaturgo e encenador francês João apresenta Breu, uma criação de Belém, na sala de ensaio. “A primeira representação portuguesa e
com Rui Lopes no fagote, interpreta David Geselson, que traz a Lisboa de Joana Moraes, que assina o texto filosofia de um cineasta reside na tomando as seguintes, inclusive uma
Bach, Mozart e Vivaldi, sábado, 16 de Doreen. O espetáculo, estreado em e a direção da produção do coletivo luz, nas sombras, no enquadramen- de 1969, que ocorreu na altura em
fevereiro, às 21, no Museu Nacional de novembro de 2016, que foi conside- Musgo. Estreia amanhã, quinta- to, na direção dos atores. Mas aqui que o dramaturgo esteve de férias no
Arte Antiga. rado a melhor criação do ano pela -feira, 14, no Teatro Carlos Alberto o enquadramento está já decidi- hotel Cidadela, em Cascais, Louraço
crítica francesa, parte do livro Lettre (Teca) e traz ao palco os bastidores do do (o teatro acontece sempre em Figueira percorre três décadas do
SÉRGIO GODINHO, apresenta à D., de André Gorz, escrito depois de circo tradicional, focando a preca- plano geral)”, escreve a propósito. teatro português.
o filósofo e jornalista tomar conhe- riedade do trabalho circense ou a “Restam-me a luz, as sombras e Em Viana do Castelo, no Teatro Sá
o álbum Nação Valente, com Camané,
cimento que a mulher, com quem sua secundarização, a nível artístico a comunhão com a maravilhosa de Miranda, o Teatro do Noroeste -
Manuela Azevedo e Filipe Raposo, dia
viveu 58 anos, sofria de uma doença e social. Resulta de um trabalho de Luísa Cruz. O que não é pouco”. É Centro Dramático de Viana apre-
22, no Coliseu de Lisboa, e dia 28, no
incurável. Até 17. pesquisa junto de diferentes com- uma revisitação do texto do escritor senta, até 9 de março, Os Ovos
Coliseu do Porto. Em Zoom, de Donald Margulies, panhias e artistas, uma investigação alemão, autor de A Morte de Virgílio Misteriosos, a partir da obra de Luísa
que também estreia hoje, 13, na registada em fotografias por Paulo ou de Os Sonâmbulos, obra que Ducla Soares. E está de regresso ao
EVA DÍEZ inaugura exposição na sala Carmen Dolores do Teatro Pimenta, mostradas numa exposição está a ser reeditada pela Relógio palco, até 24, pela companhia do
Galeria das Salgadeiras, em Lisboa, dia da Trindade Inatel, Lisboa, com que integra o espetáculo. d’Água, numa versão de António S. Chapitô, em Lisboa, a reposição
16, a partir das 18. encenação de Diogo Infante, é uma Ribeiro com José Ribeiro da Fonte, de Hamlet, de Shakespeare. Uma
reflexão sobre a ética e a moral, no ZERLINA SETE ROSAS MAIS com base na tradução de Susana versão transposta para a atualidade
FESTIVAL MICRO CLIMA, contexto das reportagens de guerra e TARDE Muñoz. No início dos anos 90, foi do clássico, dirigida por José Carlos
no SMUP, na Parede, com Reis da de uma certa estetização das fotogra- O cineasta João Botelho, que já pas- encenado por João Perry para uma Garcia, Cláudia Nóvoa e Tiago Viegas
República. B Fachada, The Faq’s (dia fias de catástrofes, a partir da foca- sou ao cinema Frei Luís de Sousa no interpretação antológica de Eunice e interpretada por Jorge Cruz, Susana
15); e April Marmara, Os Compotas, gem da relação de dois repórteres, filme Quem és tu?, encena A Criada Muñoz. O espetáculo, integrado no Nunes, Patrícia Ubeda/Ramón de los
Conjunto Corona e Ena Pá 2000 (dia 16).
que se propõe. A interpretação é de Zerlina, de Hermann Broch, com ciclo sobre a solidão Sete Rosas mais Santos e Tiago Viegas.J

FRAME-CREATIVE é o nome de
uma nova editora, dedicada à foto-
grafia, que acaba de lançar os títulos
Tokyo, de Luis Mileu; We, the Family, de
Novas exposições em Lisboa e no Porto Pinharanda, curador da mostra.
“Não necessariamente por esta
ordem, uma árvore é observada, é
Luciana Valles; e Ninguém em Casa, de pintada, é memorizada, é trans-
Raul Reis. formada, é repetida, é deslocada
– forma, cor, gesto, pincelada par-
JOÃO VIANA, que está numa resi- Horácio Frutuoso expõe Clube de As coisas do mundo são rocha, ticipam nesses jogos de encenação
dência artística em Banguecoque, exibe, Poesia, nos Projetos contemporâ- uma exposição de pintura e dese- ou seja, de reorganização/reorde-
até 25 de fevereiro, os seus filmes em neos do Museu de Serralves, Porto. nho de Maria Capelo ocupa os dois nação do mundo”.
cinco países asiáticos. É a primeira exposição indivi- andares do Pavilhão Branco, no As Galerias Municipais apresen-
dual num espaço museológico do Museu de Lisboa. O título, citado tam, por outro lado, uma coletiva,
artista, nascido em 1991, na Póvoa de Cesare Pavese, remete para um Murro no Estômago, com cura-
JOANA ESPADINHA. interpreta
de Varzim. Inaugura-se a 14, com trabalho com uma “observação doria de Ana Cristina Cachola, na
as canções do seu disco O material tem
curadoria de Ricardo Nicolau, e dá minuciosa” da Natureza, assente Galeria da Boavista, especialmente
sempre razão, no Clube Ferroviário, em
a ver um conjunto de trabalhos que em textos científicos e literários vocacionada para jovens curado-
Lisboa, no dia 14, às 22. tomam as palavras como material, que a artista, nascida em 1970, tem res e projetos emergentes. Podem
escritas nas paredes, pintadas, a desenvolvido. “Nenhuma expli- ser vistas obras de Ana Rebordão,
MUNDO CÃO, apresentam o álbum par de iconografia da música po- cação simples pode descrever o António Neves Nobre, Carla Filipe,
desligado, ao vivo, no espaço pular, do cinema ou da História de mecanismo criativo que nos conduz Murro no estômago, na Galeria Igor Jesus, Pedro Barateiro e Salomé
A Moagem, no Fundão. arte. Até 5 de maio. a estas imagens”, escreve João da Boavista Lamas.J
J 13 a 26 de fevereiro de 2019 * jornaldeletras.pt

* 5

Sophia_JL_1262.indd 1 11/02/2019 11:35:48


6* tema/letras jornaldeletras.pt * 13 a 26 de fevereiro de 2019 J

› C o r r e n t e s D ’ E s c r i ta s , 2 0 e d i ç õ e s ‹
Na Póvoa de Varzim, em 2000 teve a sua 1ª edição um Encontro de Escritores de Expressão Ibérica, que com persistência
e constante inovação conquistou a posição de topo entre os festivais literários portugueses e um lugar de referência no
mundo iberoamericano. Esta sua 20ª edição, de 16 a 27 do corrente – mas sobretudo de 19 a 23, naquela cidade – será a
maior da sua história, com mais de 130 convidados e um vasto e diversificado programa. O JL associa-se à celebração, com
um Tema que conta a história do certame, dá o essencial da programação, entrevista os escritores estrangeiros mais
em destaque que nele participam pela primeira vez, fala de alguns dos seus novos livros, e de outos que aí serão lançados,
pré-publica páginas de alguns deles, revela as linhas de força da biografia de Agustina Bessa-Luís, em entrevista também
à sua biógrafa, antecipa dois livros sobre as próprias Correntes. Tudo até à p. 20 – e ainda o comentário
de JCV na p. 3 e a crónica de Valter Hugo Mãe na p. 35

Celebrar uma ‘história’ de sucesso

e
Luís Ricardo Duarte A 19, terça, às 11h30, no Casino, qualquer. São duas décadas de
a sessão de abertura, em que uma experiência cultural que
estará presente, e decerto fala- nasceu pequena e que cresceu
rá, o Presidente da República, em idade, sabedoria e graça,
Marcelo Rebelo de Sousa, com impondo-se nacionalmen-
a intervenção do presidente te”, escreve num livro em que
da câmara, Aires Pereira, o recolhe as suas intervenções
anúncio do vencedor do prémio (ler p. 19).
literário e o lançamento da Em ano de crescimento, as
Revista das Correntes, marca o Correntes chegam também a no-
arranque do habitual e sempre vos espaços, afirmando-se como
inesperado ciclo de mesas (ver elemento transformador da
caixa com programa). cidade. Já tinham tido esse papel
Em ano de número redondo, “Fazer a síntese do percurso ao contribuírem para a urgência
a festa está garantida. “Não feito e abrir novos caminhos” é da recuperação do Cine-Teatro
haverá um único momento de a ideia forte deste ano. Olhando Garrett, reinaugurado em 2014.
pausa”, garante, entusiasmado, para a sua história, as Correntes “Sendo uma iniciativa que quer
Luís Diamantino, vereador da convidaram os vencedores do ir ao encontro da comunidade,
Cultura e vice-presidente da Prémio Literário Casino da as Correntes têm de estar no
Câmara Municipal da Póvoa Póvoa e as personalidades que centro da cidade”, adianta Luís
de Varzim, responsável pelas tiveram a seu cargo a conferên- Diamantino, contextualizando
Correntes d’Escritas. Iniciado cia de abertura. E se nem todos as obras que tanto defendeu.
em 2000, o Encontro de Agora, o festival ditou a reno-


Escritores de Expressão Ibérica vação das vizinhas Galerias
assinala, este ano, a sua vigési- Euracini que, com os anos,
ma edição. “Queremos celebrar passaram de centro comercial
a forma como temos marca- (pioneiro no seu tempo) a mero
do a Cultura em Portugal, ao O desenvolvimento de “local de passagem”. “Será um
ponto de se poder falar noutro
‘aC’ e ‘dC’: antes e depois das
um concelho também espaço alternativo e comple-
mentar, com lançamentos de li-
Correntes”, afirma, acrescen- se vê pela sua dinâmica vros e atividades para famílias”,
tando: “O desenvolvimento
de um concelho também se vê
cultural, e as Correntes explica. O alargamento à cidade
inclui sessões na Biblioteca
pela sua dinâmica cultural, e as são um dos pilares da Municipal, já habituais, onde
Correntes são um dos pilares da nossa estratégia estarão patentes as exposições
nossa estratégia”. (fotografias de Alfredo Cunha,
Os números deste ano Luís Diamantino Pedro Mesquita, Ana Carvalho,
espelham a ambição de Luís José Carlos Marques e Rui Sousa,
Diamantino e de toda a sua e ilustrações de Alex Gozblau),
equipa, liderada por Manuela às muitas escolas do concelho,
Ribeiro, diretora do Cine-Teatro puderam aceitar o convite, por ao Theatro Livraria, que tem
Garrett. Com mais um dia, cer- Correntes Vinte edições sempre a crescer, a primeira, em cima, no Salão Nobre da compromissos vários, muitos associado um restaurante e
ca de 130 convidados, 20 países Câmara, e a do ano anterior, no Cine-Teatro Garrett “autores da casa”, presenças um wine bar, e à sede da Junta
representados e um programa habituais de edição para edição, de Freguesia de São Pedro de
extenso e variado, as Correntes regressam à Póvoa, para se Rates. Tal como as Correntes se
terão, em 2019, a maior edição muitos ouvintes. “Em anos an- la o autarca. Na segunda, 18, juntarem aos festejos. A par do estendem, de forma invisível,
da sua história. Já a partir do teriores, algumas pesqueiras já abre-se espaço para a formação angolano Manuel Rui, Onésimo ao longo do ano, com propostas
dia 16, a poesia sai à rua, in- chegaram a pedir aos declama- creditada de professores, que Teotónio Almeida participa de leitura para todas as idades
vadindo o Mercado Municipal, dores para repetirem o poema oferece um conjunto de oficinas desde o início. Nunca falhou. dinamizadas pela autarquia,
dando continuidade a uma que tinham dito da última vez sobre educação, escrita criativa “Vinte anos de Correntes também agora cresce na cidade
iniciativa que tem conquistado que por ali passaram”, reve- e leitura de grandes clássicos. d’Escritas não é um número como uma maré cheia de livros.
tema/letras * 7
J 13 a 26 de fevereiro de 2019 * jornaldeletras.pt
CORRENTES D’ESCRITAS

Mesas-redondas
e outras conversas
Em ano de centenário de Sophia de Mello Breyner Andersen, as
mesas, principal foco de interesse das Correntes, propõem como
tema versos da poeta. Ainda mais aberto e ambíguos, são motes
para conversas inesperadas e criativas. Continuando uma rubrica
iniciada em 2017, as “Correntes à conversa” aumentam em número,
com a participação de algumas das personalidades que fizeram a
conferência de abertura, este ano a cargo do Presidente de Cabo
Verde, e da Conferência dos Chefes de Estado da CPLP, Jorge Carlos
Fonseca. Eis uma síntese do que se poderá ouvir, sempre no Cine-
Teatro Garrett (nas mesas, o último nome é o moderador).

TERÇA, 19 DE FEVEREIRO
Conferência de Abertura: As Letras da Língua e a Mobilidade dos
criadores na CPLP, por Jorge Carlos Fonseca, às 15 horas, no Cine-
Teatro Garrett (sala principal)
Correntes à conversa: A cultura é cara, a incultura é mais cara
ainda, com Guilherme D’Oliveira Martins e José Carlos de
Vasconcelos, às 17 horas.
Mesa 1: E livres habitamos a substância do tempo, com Ana Paula
Tavares, Filipa Leal, Germano Almeida, Helder Macedo, Juan
Gabriel Vásquez, Lídia Jorge e Ivo Machado, às 17h30.

QUARTA-FEIRA, DIA 20 DE FEVEREIRO


Mesa 2: O homem soube de si pela palavra, com Alfredo Pita,
Carmen Posadas, José Manuel Fajardo, Luís Carlos Patraquim,
Momentos Em cima, um encontro entre três escritores angolanos (Luandino Vieira, Ruy Duarte de Carvalho e Pepetela) Mário Cláudio, Teolinda Gersão e Isabel Rio Novo, às 10 horas.
e a performance de Rubem Fonseca; em baixo, Malangatana rodeado por escritores e a conferência de abertura de Agustina Mesa 3: Tão nítido e preciso era o vazio, com Frank Báez, Gonçalo
M. Tavares, Itamar Vieira Junior, Mbate Pedro, Sergio Ramírez


e Pedro Teixeira Neves, às 15 horas.
DA PÓVOA PARA O MUNDO seu turno, FG, que não se ficou Correntes à conversa: Uma furtiva lágrima, com Nélida Piñon
Há heranças pesadas, outras pelas intenções. e José Carlos de Vasconcelos, às 17 horas.
que facilitam a dinâmica de Redigiu um plano, en- Correntes à conversa: Porque os outros se calam mas tu não, com
uma cidade, outras ainda que As Correntes têm cheu-se de esperança e foi Ignácio de Loyola Brandão, Pilar del Río e Valter Hugo Mãe, às 18 horas.
implicam um sem-fim de
obrigações. Pode dizer-se que
dado uma maior bater à Câmara Municipal de
Matosinhos, onde nasceu, em QUINTA-FEIRA, 21 DE FEVEREIRO
a Póvoa de Varzim tem tudo visibilidade a autores 1949. Desiludido com a recusa, Mesa 4: Nesta manhã eu recomeço o mundo, com Abraão Vicente,
isto. As muitas tertúlias que a
cidade acolheu, nomeadamente
que, de outra forma, arrumou o projeto na gaveta –
até outubro 1999. Conhecedor
Cesáreo Sánchez Iglesias, Cristina Carvalho, Eduardo Halfon, Joana
Bértholo, Nuno Júdice e Michael Kegler, às 10 horas.
a do Diana Bar, criada à volta de muito dificilmente da ideia e com ligações à Póvoa, Mesa 5: Não te ofenderei com poemas, com Aldina Duarte,
José Régio, que Agustina muito seriam publicados Lopes de Castro, diretor da Amélia Muge, Mafalda Veiga, Mû Mbana, Uxía e Francisco
frequentava, e sobretudo o facto Norprint, marcou-lhe uma reu- José Viegas, às 15 horas.
de ser a terra natal de Eça de entre nós nião com Luís Diamantino, que Correntes à conversa: A cultura é cara, a incultura é mais cara ainda,
Queirós, tiveram um impacto Manuel Alberto o ouviu com atenção. No fim, Álvaro Laborinho Lúcio e Carlos Vaz Marques, às 17 horas.
duradouro no concelho. Entre disse: “Então, faz-se.” Professor Mesa 6: Como é estranho não saber, com Arménio Vieira, Ana Luísa
o cosmopolitismo e o conser- Valtente de formação, o já então vereador Amaral, Filipa Martins, João Luís Barreto Guimarães, João Tordo,
vadorismo, a cidade mostra-se da Cultura sonhava há muito Manuel Vilas e José Mário Silva, às 17h30.
orgulhosa da sua importância tempo com um festival, baseado
na História da Literatura e numa conceção viva e inova- SEXTA-FEIRA, 22 DE FEVEREIRO
Cultura nacionais. atual diretor editorial da Porto dora da promoção do livro e da Mesa 7: E as minhas mãos não podem prender nada, com Francisco
Curiosamente, o autor de Os Editora, na altura editor na literatura. Duarte Mangas, João Rasteiro, Juan Vicente Piqueras, Karla Suárez,
Maias tornar-se-ia, até, o padri- Asa, começara há pouco tempo Apanhado de surpresa, Luís Cardoso, Teresa Moure e Marta Bernardes, às 10 horas.
nho involuntário das Correntes. a publicar Luis Sepúlveda. E Francisco Guedes respondeu: Correntes à conversa: A cultura é cara, a incultura é mais cara ainda,
Em 1995, quando se celebraram cada vez que o escritor chileno “Ok, vamos a isso, para o ano com Francisco Pinto Balsemão e José Carlos de Vasconcelos, às 15
os 150 anos do nascimento do vinha a Portugal falava-lhe da voltamos a falar.” Mas a vontade horas.
escritor, a Câmara organizou Semana Negra que ele próprio não era para as calendas gregas. Mesa 8: Não se perdeu nenhuma coisa em mim, com Bruno Vieira
jornadas, ciclos de conferências organizava em Gijón e por onde “Não, percebeu mal”, contrapôs Amaral, David Toscana, Filipe Homem Fonseca, João Pinto Coelho,
e sessões em escolas que tiveram passavam milhares de pessoas. Diamantino. Era para fazer em Luís Sepúlveda e Manuel Alberto Valente, às 15h30.
grande adesão e que entusias- Integrada nas festas da cidade, fevereiro, daí a cinco meses. “Se Correntes à conversa: A cultura é cara, a incultura é mais cara
maram todos os envolvidos. a Semana Negra era mesmo é assim, deixe-me usar o telefo- ainda, com José António Pinto Ribeiro e José Carlos de Vasconcelos,
Estava criada a “apetência” para “impressionante”, lembra MAV. ne”, pediu um ainda espantado às 17h30.
qualquer coisa maior. As estru- E a quinzena que passou na interlocutor. E, em menos de Mesa 9: E nunca as minhas mãos ficam vazias, com Goretti Pina,
turas da autarquia tinham ex- casa do autor de O Velho Que 10 minutos, os dois primeiros Hélia Correia, Joel Neto, Manuel Rui, Mempo Giardinelli, Miguel
periência acumulada, contactos Lia Romances de Amor, em 1997, escritores estavam confirmados. Sousa Tavares, Sandro William Junqueira e Rui Zink, às 18 horas.
com professores para chegarem com o seu amigo dos tempos da “Luis Sepúlveda e Manuel Rui
aos alunos e a novos públicos, e tropa em Angola, deixou muitas Monteiro aceitaram logo.” SÁBADO, 23 DE FEVEREIRO
os diversos serviços das áreas da e boas memórias. “No regresso O resto fez-se aprendendo à Mesa 10: Pois é preciso saber que a palavra é sagrada, com Afonso
cultura e da educação estavam a casa, o Francisco não parava medida que se caminhava. Com Reis Cabral, Alice Brito, Ana Cristina Silva, Natalia Porta López,
em sintonia. de dizer que devíamos orga- os seus contactos, FG beneficiou António Tavares, José Milhazes e João Gobern, às 10 horas.
A ideia de um festival como o nizar um festival semelhante da equipa de Manuela Ribeiro e Mesa 11: Este é o tempo em que os homens renunciam, com Afonso
das Correntes d’Escritas surgiu em Portugal”, recorda o editor. da câmara, também porque ele Cruz, José Anjos, Ondjaki, Pedro Vieira, Rui Zink, Raquel Patriarca
pela mão de Francisco Guedes “Foi o próprio Sepúlveda que sempre viu as Correntes como e Henrique Cayatte, às 15 horas.
(FG). Mas antes foi necessário me disse: arranja uma cidade uma iniciativa do município, não Mesa 12: Esta é a madrugada que eu esperava, com Daniel Jonas,
fazer as malas, aceitar um con- pequena e com porto, pois essas de uma pessoa. E assim surgia um Milton Hatoum, Onésimo Teotónio Almeida, Rodrigo Guedes de
vite de Manuel Alberto Valente estão mais habituadas às che- festival que, para Manuel Alberto Carvalho e Maria Flor Pedroso, às 17 horas.
(MAV) e rumar às Astúrias. O gadas e partidas”, lembra, por Valente, há muito “marca” o
8 * tema/letras CORRENTES D’ESCRITAS jornaldeletras.pt * 13 a 26 de fevereiro de 2019 J

Dicionário de afetos
ano literário em Portugal. “As Letraherido – porque no se en-
Correntes têm dado uma maior cuentra en el diccionario, porque
visibilidade a autores que, de es una que son dos. Porque ayuda
outra forma, muito dificilmente a curar heridas con letras. Porque
seriam publicados entre nós.” es traviesa. Porque “fotografía”
Dá como exemplo o Prémio a Póvoa de Varzim, capital de
Cervantes 2017, Sergio Ramírez, los amantes de las letras, y a las
que decidiu editar quando soube Correntes d’ Escritas, epicentro
que o autor confirmara a sua de los afectos, de la buena litera-
vinda à edição deste ano. tura, de dos idiomas y de muchos
“As Correntes d’Escritas é um dos sueños. DANIEL MORDZINSK
melhores festivais literários que
se fazem na Europa”, descre- LOL – (substantivo feminino, mas-
ve Luis Sepúlveda. “Tem uma culino, e tudo). Linguagem obsce-
atmosfera de reunião de amigos, namente livre, falada há 20 anos na
longe da formalidade académica, Póvoa de Varzim; usada até em casos
pelo que, quando um escritor agudos de tradução de sonetos de
fala, sabe que o faz entre amigos.” Camões para a gíria contemporânea
Qual o segredo das Correntes? dos lols e dos wtfs. FILIPA LEAL
Para MAV é o “público”, sendo
isso, além da dimensão, o que Mar – da varanda do quarto vê-se
mais a distingue dos cerca de o mar. É assim que, há vinte anos,
30 encontros que surgiram à a Póvoa me recebe. Mas há também
sombra do seu sucesso. “Já vi o mar de gente, o mar de amigos,
sessões com mais de 700 pes- o mar do amor. E sobretudo o mar
soas”, conta. A este ingrediente revolto dos livros e da literatura, dos
fundamental, Luís Diamantino autores que descobrimos e de quem
acrescenta a “regularidade”, ficamos próximos, dos leitores que
por um lado, e a "capacidade são afinal a areia em que o mar re-
de se adaptar às circunstân- benta. Correntes d’ Escritas, corren-
cias", por outro. “Em diferentes tes de memórias. E o mar, sempre
momentos, vozes levantaram-se o mar, como se esse continuasse a
contra as Correntes, algumas ser o nosso destino e o nosso rosto
propondo a passagem a um ritmo verdadeiro. MANUEL ALBERTO VALENTE
bianual. Sempre fui contra. O
público conquista-se ano após Memória – (s.f.) essência da vida;
ano”, adianta. “Mas isso nunca Foto de Família Sessão de encerramento de 2007, conduzida por Luís Diamantino reviver a vida; Correntes d’ Escritas:
nos impediu de responder aos reencontrar amigos; descobrir
momentos que fomos vivendo. amigos; olhar nos olhos dos leitores;
Quando atravessamos uma crise, a imensidão do nosso idioma; uma
diminuímos um dia e ninguém Em ano de celebração, a organiza- Cerimónia – (…) A sua dinâmica Correntes d’Escritas – uma cidade amável, um povo gentil; um
notou. Quando tivemos pos- ção das Correntes d’Escritas pediu a de simplicidade cria os passos nascente de leituras, um delta de mar desconhecido; um vento de
sibilidade de dar força à nossa todos os escritores, editores, jornalis- para uma cerimónia secreta que escritas. MÁRIO CLÁUDIO nostalgia: uma moça alta, de riso
vontade de fazer mais e melhor, tas e outras figuras que escolhessem acontece sem se dar conta porque luminoso. ERIC NEPOMUCENO
não hesitamos.” uma palavra e sua definição que mais dispensa o espetáculo vistoso. (...). Empatía – la capacidad para sen-
As Correntes têm sabido, de associavam ao festival. O JL antecipa Obrigada a todos os que criaram tirte identificado con los demás, Noitada – 1 Medida de tempo
facto, reinventar-se. Em 2004, algumas entradas deste dicionário de e mantêm esta cerimónia que não dentro de la piel del otro, de la poveira própria do mês de fevereiro
introduziu um grande prémio afetos, encontros e partilhas, que será vem descrita em lugar nenhum. situación del otro, del corazón del na qual as horas têm a qualidade
literário, o maior para o conjunto lançado na quarta-feira, dia 20, às Habita o coração profundo de otro. Si todos tuviéramos más em- da elasticidade. A sua duração é
das línguas portuguesa e caste- 12, nas Galerias Euracini2. quem escreve os livros. LÍDIA JORGE patía, la crueldad desaparecería del variável. 2 Reunião de pessoas com
lhana, com o apoio do Casino da mundo. Y esa profunda empatía, pássaros na cabeça. 3 Conjunto
Póvoa, e a ideia de conferência Alambique – na caldeira de Convívio – sempre que penso nas ese maravilloso impulso de unión, de conversas, risos, ideias e álcool
inaugural, entregue esse ano a Correntes d’ Escritas é despejada Correntes d’ Escritas, as ideias de celebración y comprensión que enchem essas reuniões. JOSÉ
Eduardo Lourenço e, no seguinte, anualmente uma volumosa massa que me vêm ao espírito ficam as- con los demás participantes, por MANUEL FAJARDO
a Agustina Bessa-Luís. A mudan- de trabalho cerebral de várias sociadas a convívio. Um convívio encima de las diferencias cultu-
ça de instalações, do Auditório procedências e formas, sujeita que persiste com as mesmas pes- rales, ideológicas, personales o de Público – o escritor pertence por
Municipal para o recuperado depois a três dias de destilação, o soas e outras diferentes, falar com idioma, creo que constituye pre- condição ao silêncio dos es - tá-
Cine-Teatro Garrett, deu nobre- fogo lento intercalado com chamas escritores que conhecíamos de ler, cisamente la esencia de Correntes dios vazios. É um contrassenso: o
za e mais conforto ao público, altas, refinado processo que resulta comparar a obra e o homem deste d´Escritas. ROSA MONTERO estádio existe para as vozes, brados
assim como mais versatilidade às num produto etéreo de elevada festivo retiro, separá-los entre e impropérios do jogo. Nada lhe é
propostas da programação. Nos qualidade. J. RENTES DE CARVALHO os chatos a evitar e os agradáveis Fevereiro – segundo mês do ano. mais inadequado do que o silêncio
últimos anos, o formato de mesa a cultivar… Mas é divertido ver Ventos sacodem a terra e acordam e o vazio. Na solidão do estádio, as
tem convivido com as conversas Alvoroço – entusiasmo. Durante os intelectuais perderem a pose plantas adormecidas, lagartos e imagens vêm aos olhos do escritor.
a dois, mais íntimas. E, em 2018, vinte anos, esta jubilosa iniciativa, (ou acentuarem as poses) quando cobras. Dizem índios americanos. Dobram sinos, solfejos de uma pauta
foi associado ao encontro uma crescendo de fluxo em fluxo, de com uns grãos na asa. GERMANO Aqui é o mês das Correntes na de sons. Não é assim nas Correntes
componente de criação, com uma tema em tema, de livro em livro, ALMEIDA Póvoa, de acordar os corações e d’ Escritas. O público enche os
residência literária que envolveu de autor em autor acabaria por depois delas termos histórias (sa- estádios. Aí, o escritor ergue o gesto,
vários escritores. constituir um dos mais importantes Corrente – 1 Conjunto de elos que gradas) para contar à gente no resto a voz, o rosto. Multidões acorrem a
Praticamente todos os países e animados pontos de convergência liga e prende. 2 Matéria que flui. 3 da rotação do sol. Das Correntes ouvi-lo, pois ele existe de igual para
ibero-americanos já estiveram dos autores portugueses uns com os Movimento que arrasta. 4 Fluxo de que aproximam pessoas e as tornam igual com elas. E enche-se de vozes,
representados na Póvoa, num outros e com os seus leitores. Este carga eléctrica. 5 Escola de pensa- grude-entes. (ex: este ano há mais gestos e impropérios o estádio vazio
total de mais de 600 autores alvoroço tem outros nomes: Não os mento. 6 Facção ou tendência se- grudentes galegos) CARLOS QUIROGA dos livros. JOÃO DE MELO
convidados, metade portugue- indico, mas todos sabem de quem guida pela maioria. 7 O que se de-
ses, mas com destaque para falo. MÁRIO DE CARVALHO senrola na actualidade. Correntes Lar – 1 É um sítio onde nos sen- Transbordo – o que transborda?
Espanha, Angola e Cabo Verde. d’ Escritas – tudo o que antecede timos em casa, e ao qual nunca Tudo o que não cabe no seu corpo
Talvez por isso Manuela Ribeiro Bienquerencia – enfermedad e muito mais. Fig. Agência de chegamos como estranhos, apenas de origem. Tudo o que sofre uma
diga, com orgulho no trabalho adquirida después de pasar por las casamentos entre gente das letras. regressamos. 2 Um lugar onde o dilatação pelo calor ou pela intrusão
feito, que “as Correntes é a em- Correntes d’ Escritas. Se manifiesta MARIA DO ROSÁRIO PEDREIRA que quer que tenhamos feito pelo de um novo sopro dentro do seu
baixadora da cultura de muitos como un extraño y fuer - te vín- mundo (vendido o corpo, a alma, próprio. Chama-se a isso entusias-
países, mesmo quando eles não culo entre las personas (que puede Correntes – espuma do azul do sal sofrido trabalhos ou, pior ainda, mo. O que transborda? A sala das
dão por isso”. Eis uma corrente alcanzar grados muy elevados). até para lá do horizonte onde o ar- escrito um livro) nos é perdoado. sessões. Os próprios livros deixam,
que não se quebra com facilida- Según varios científicos, no hay co-íris amarra os nossos corações. As Correntes são, para mim, esse às vezes, que um poema transborde
de. J cura. KARLA SUÁREZ MANUEL RUI lugar. RUI ZINK para o chão. HÉLIA CORREIA J
J 13 a 26 de fevereiro de 2019 * jornaldeletras.pt

* 9

PE MEN
Criada em 1988 pela Secretaria
de Estado da Cultura e instalada
na Biblioteca Nacional, a Equipa
Pessoa dedica-se à publicação
da «Edição Crítica» de Fernando
Pessoa que publica os textos
sob a forma de edições
crítico-genéticas.
O volume que agora se publica,
Mensagem e Poemas
Publicados em Vida, reúne toda
a obra de Pessoa publicada em

SS SA
vida: A Mensagem, publicada pela
primeira vez em 1934; todos os
poemas que Pessoa publicou com
o seu nome em jornais e revistas
literárias; e as suas traduções
de autores de língua portuguesa
e espanhola, algumas das quais
passam a integrar, pela primeira
vez, o cânone pessoano.
A Edição Crítica de Fernando
Pessoa, coordenada por
Ivo Castro, é publicada pela
Imprensa Nacional.

OA GEM
PESSOA.indd 1
www.incm.pt
www.facebook.com/INCM.Livros
prelo.incm.pt
editorial.apoiocliente@incm.pt

11/02/2019 15:15
1o * tema/letras CORRENTES D’ESCRITAS jornaldeletras.pt * 13 a 26 de fevereiro de 2019 J

Sergio Ramírez
guir tons, ritmos, melodia, reconhe-
cer cada instrumento numa execução
musical, recordar de que composição

As dores da América Latina


se trata quando a escuto. Isso acon-
tece-me também com a fala, com as
vozes, com o seu ritmo, os seus tons,
as suas pronúncias. E quando chega
o momento de anotar num papel
uma conversa, sei que deve “soar” tal
como um parágrafo deve soar, porque
a prosa tem ritmo e tem melodia. Por
isso, Já Ninguém Chora Por Mim é um
“Nunca me ocorreu deixar a escrita pela política. Por isso voltei à escrita sem nenhum trauma romance oral, em que se resolve tudo
quando deixou de haver revolução e aquele cenário caiu na penumbra”, diz ao JL o famoso por meio de conversas, do humor
cortante dos diálogos, da liberdade
escritor nicaraguense, Prémio Cervantes 2017, combatente da ditadura de Somoza e vice- irresponsável com que as persona-
gens falam. E essa é a linguagem da
-presidente da República do seu país – e do qual é lançado nas Correntes, em que participa, rua que me fascina.
o seu romance Já Ninguém Chora Por Mim
Foi também esse fascínio com a
linguagem da rua que o conduziu à
O nome da personagem é revela- Além da riqueza literária, em par- escrita?
dor. Condensa todas as contradições ticular na captação das muitas orali- Comecei a escrever aos 12 anos,
de um indivíduo, de uma socie- dades da Nicarágua, os júris destaca- crónicas escolares, e aos 14 publi-
dade e de um continente. Falamos ram sempre a diversidade da sua obra, quei o meu primeiro conto, com um
de Dolores Morais ("dores morais" que se divide pela prosa, pelo ensaio e tema vernáculo, desses de sustos e de
em português) mas também da pelo memorialismo. Já Ninguém Chora aparições. Mas foi quando cheguei à
Nicarágua e da América Latina. O Por Mim, uma edição da Porto Editora, universidade, aos 17, que me dei con-
detetive criado por Sergio Ramírez é o seu terceiro romance publicado em ta de que para mim contar histórias
tem nova aventura, depois de uma Portugal, depois de Tiveste Medo do era uma necessidade. Escrevi poemas,
primeira aparição, em 2009, no Sangue e Margarita, Está Lindo o Mar, como todos os da minha geração, mas
romance El Cielo Llora Por Mí. Em há muito esgotados. sabia que o meu pelouro era contar.
Já Ninguém Chora Por Mim, Dolores E o meu primeiro livro de contos,
Morais volta à rua, ao centro e à Jornal de Letras: Em Já Ninguém publiquei-o aos 20 anos.
periferia. O assassínio da filha de Chora Por Mim volta, ao fim de nove
um milionário é apenas um pretexto anos de ‘ausência’, a uma das suas Ao lado da sua escrita esteve sempre
para o escritor se adensar nas teias personagens mais emblemáticas, o a intervenção cívica e política. Foi
políticas e sociais do seu país e de detetive Dolores Morales. O que ditou combatente contra a ditadura ,
se confrontar com uma corrupção este regresso? vice-presidente da Nicarágua, e hoje

GETTY
enraizada em todos os setores. Sergio Ramírez: Penso que uma perso- mostra-se muito crítico do atual
Nascido em 1942, em Masatepe, nagem policial não sobrevive num só Sergio Ramírez "Não acredito na literatura política ou social" regime da Nicarágua. As revoluções,
Sergio Ramírez é um dos mais romance, por isso merece sempre uma quando implicam luta armada, aca-
destacados, nacional e internacio- série; e o inspetor Morales ainda vai só


nalmente, escritores da Nicarágua. O na sua segunda aventura, de maneira
Prémio Cervantes, o mais importan- que devemos esperar mais dele. Além vulgar, porque as crianças são batiza- E qual o lugar do romance policial na
te de língua espanhola, que recebeu disso, como se movimenta num cenário das com nomes da Virgem, Dolores, sua tão vasta e diversificada obra?
em 2017, o primeiro atribuído a contemporâneo, este está sempre Mercedes, Pilar, e eu conheço vários Tem um espaço que considero muito
um escritor do seu país, reforçou em aberto e é mutável. Para mim, o Dolores Morales, o que pode parecer atraente e necessário para narrar o Uma personagem policial
ainda mais esse estatuto, embora
a sua vida e a sua obra falem por
policial negro na América Latina ganha
substância na realidade política e social,
dramático mas também é cómico.
Darío Villanueva, diretor até há
contemporâneo. Mas não é exclusi-
vo. Não sou um escritor de policiais
não sobrevive num só
si. Militante antifascista, opositor que está contaminada e é capaz de con- pouco da Real Academia de la Lengua negros e vou estar sempre a alternar romance, por isso merece
à ditadura de Somoza, encabe- taminar os heróis novelescos, frágeis Española, dizia-me que conheceu consoante a minha livre escolha, sempre uma série
çou o Grupo dos 12 que deu apoio diante das tentações da corrupção. uma senhora chamada Dolores que me parece estar na essência da
político e social à Frente Sandinista Grandes de Barriga. Na minha aldeia escrita: dar com um tema que uma
de Libertação Nacional, abrindo O que o atrai na personagem? natal conheci outra que se chamava pessoa nunca imaginou. Agora estou a
portas à Revolução Sandinista. O seu nome e o que podemos ler Zoila Clara Luna de Monterrey. O fas- escrever um romance sobre a relação bam por não ‘desaguar’ em democra-
Integrou depois governos provisó- nele. Na Nicarágua, este é um nome cínio da escrita começa pelos nomes. de um miúdo com a estranha dona cias políticas?
rios e, mais tarde, entre 1985 e 1990, de um carrossel que anda de feira em É um facto. E isto acontece porque
foi vice-presidente da República. feira por todas as aldeias e que conta elas são sempre animadas por ideias
Sendo Presidente Daniel Ortega
líder daquela Frente, que em 2006
Já Ninguém Chora à criança a sua história de princesa
romena, que nós não sabemos se é
messiânicas, que, para serem levadas
à prática, necessitam de um poder
regressou à presidência do país, em
que se mantém, mas de que Sérgio
Ramírez se tornou conhecido oposi-
Por Mim (fragmento) verdadeira ou não.

Nas suas investigações, o detetive


eterno. Essa ideia é excludente e
rejeita a alternância, essencial em
democracia. E quando se trata de uma
tor, criticando a falta de democracia anda na rua, no centro e na periferia, revolução que se define como popular,
e a violência repressiva usada contra capta muitas e diferentes vozes – e parte-se do princípio de que o povo
quem o contesta. O reino dos ricos é o silêncio, sivo, num leão que perdeu os a justificação do Prémio Cervantes está sempre atrás da vanguarda e
O seu percurso político (foi ainda penso, as mãos apoiadas no caninos, e não há coisa pior destacava precisamente o seu tra- nunca deixará de apoiá-la. Isso é falso.
deputado até 1996) nunca o impediu de punho da bengala. Gosto. Eram do que um leão obrigado a um balho com a oralidade. E sei que tem Todo o poder a longo prazo desgasta,
prosseguir uma vocação literária que reflexões que devia anotar no regime vegetariano. J músicos na família... O que procura divide, origina conflitos armados, e o
desde cedo se revelou. Estreou-se com seu caderno escolar, mas quan- com essa espécie de polifonia? povo divide-se. Uma revolução gera,
contos, em 1963, logo distinguidos no do tentava fazê-lo já as tinha O meu pai, o único dos seus irmãos além disso, caudilhos militares que
contexto das literaturas da América esquecido. Além disso, para que não era músico e que se fez são simultaneamente líderes políticos,
Latina. Os romances surgiram nas que lhe serviriam? › Sergio comerciante, pôs-me, a mim e à que também são messiânicos e se
Ramírez
décadas seguintes, nomeadamente Lorde Dixon dir-lhe-ia que minha irmã, a estudar solfejo com o consideram insubstituíveis, outra ne-
Castigo Divino, de 1988, que lhe valeu fazia muito mal em descurá- JÁ meu tio Alberto que, exasperado, nos gação da democracia. Ideias messiâ-
o primeiro grande prémio internacio- -las. Um filósofo da vida deve NINGUÉM declarou surdos, quer dizer: incapa- nicas, um caudilho, partido único ou
nal, o Dashiell Hammett, de Espanha. deitar sempre mão à caneta, CHORA citados de ouvido. Mas acredito que partido hegemónico, poder popular
Nos últimos anos, recebeu ainda, entre porque não tem o direito de POR MIM há dois ouvidos, um reprodutor, que sem prazo – é a tempestade perfeita.
Tradução de
outros, o Laure Bataillon, para melhor desperdiçar os seus pensamen- eu efetivamente não possuo, porque
Helena Pitta,
romance traduzido em França, e, já pelo tos. Caso contrário, transfor- Porto Editora, então cantaria num só tom de voz; e Não faltam neste livro referências
conjunto da sua obra, o José Donoso, do ma-se num pensador inofen- 312 pp, 17,70 euros outro que regista e recorda, e esse eu a abusos de poder e à corrupção,
Chile, e o Carlos Fuentes, no México. tenho-o, sim, porque consigo distin- inclusive na Nicarágua. Ao detetive (e
tema/letras * 11
J 13 a 26 de fevereiro de 2019 * jornaldeletras.pt
CORRENTES D’ESCRITAS

Manuel Vilas
ao escritor) cabe mostrar, denunciar,
contribuir para uma mudança?
Ao escritor cabe-lhe descrever o seu
tempo, sem intervir na narrativa com

Desvendar o mistério da vida


discursos nem denúncias panfletá-
rias. Nesse sentido, a escrita é neutra,
e a realidade bem narrada, com quali-
dade artística, é capaz de falar por si
mesma. Não acredito na literatura po-
lítica ou social. A literatura ocupa-se
dos seres humanos, qualquer que seja
o contexto em que nos calhe viver;
mas o contexto influi nas suas vidas,
altera-as, transtorna-as: violên- Nasceu em Barbastro, uma
cia, repressão, corrupção, exílio; se pequena cidade da província
estiverem presentes, estes elementos de Huesca, em 1962, no seio de
mudarão o destino das personagens. uma família de classe média,
em plena ditadura, numa época
Nesse sentido, quem tem mais em que o franquismo ainda
poder e capacidade de influência: o dominava, condicionando
escritor ou o político? hábitos e impondo formas de
O político acaba por ser uma perso- vida. Enfim, nasceu espanhol,
nagem passageira. Não poucas vezes, igual a tantos outros. Mas dessa
os nomes dos políticos aparecem nas similitude só se apercebeu re-
notas de rodapé dos livros dedicados centemente, quando sentiu ne-
aos escritores. Eu estive na política, cessidade de encontrar as raízes
porque se tratava de participar numa da sua família e de desvendar o
mudança que se supunha profunda mistério da vida.
no meu país e da qual não era possível Até esse momento, que coin-
ficar à margem da História que estava cidiu com uma crise pessoal,
a ser feita. Mas nunca me ocorreu Manuel Vilas, um dos mais sin-
mudar de profissão, deixar a escrita gulares escritores de Espanha,
pela política. Por isso, voltei à escrita fez-se ao mundo ao ritmo dos
sem nenhum trauma quando deixou anos 80, da linguagem punk
de haver revolução e aquele cenário e também pop, cruzando a
caiu na penumbra. alta e a baixa culturas como
os tempos pediam. Descobriu
Temos visto muitas mudanças no que sabia cuidar das palavras,
continente americano, dos EUA ao estreou-se na poesia em 1982,
Brasil, passando pela Venezuela e pela com El Sauce, e destacou-se nos

LISBETH SALAS
crise dos migrantes hondurenhos. anos seguintes como o grande
Como vê todos estes fenómenos? nome da sua geração. Também
As tentativas democráticas, depois publicou ensaio, colaborou
da queda das ditaduras militares na Imprensa e encontrou o
nos anos 80 do século passado, não romance em 2008, num livro Manuel Vilas "A relação entre pais e filhos une toda a Humanidade"
conseguiram pôr a democracia a par que tinha um título provocador,
com um desenvolvimento económi- España, só comparável ao de
co equitativo e com a justiça social. 2016, Lou Reed Era Español.
E as revoluções, Cuba, Nicarágua, A meio do caminho, no en- um problema grave com o catarse, escavar e ao mesmo a história de Jesus Cristo: se
Venezuela, também fracassaram nesse tanto, viu-se num buraco sem álcool. Foi uma espécie de ilu- tempo encontrar um sentido lhe tiras a parte religiosa e se
sentido. Os abismos de pobreza são fundo, afogado no consumo minação: ir em busca dos fan- para o que (já) vivemos? deixas apenas o relato humano,
enormes e a insatisfação dos eleitores de álcool, diante de um longo tasmas dos meus pais mortos, Desde os gregos que a literatura acabas justamente com isso, a
leva-os a rejeitar os velhos partidos, divórcio e, sobretudo, órfão de porque vi que eles eram o mais nasce como forma de acesso história de um filho que ama
que não resolveram os problemas da pai e de mãe. Em 2014, atraves- importante que havia aconte- às verdades mais misteriosas o pai. Em tudo isto talvez haja
vida diária, e então elegem forças sou uma grande crise pessoal cido na minha vida. O meu pai e irracionais do ser humano. uma determinação que nos
que rejeitam o establishment, muitas e só a escrita foi capaz de o morreu em 2005, a minha mãe A catarse está presente em ultrapassa. O vínculo entre pais
vezes com um discurso demagógico. resgatar. Regressou às origens em 2014, e com eles se foi o meu Shakespeare, Kafka ou Pessoa, e filhos não tem uma dimensão
E estas são opções que vêm tanto da e ao que o unia a milhões de passado. Mais: vi com precisão só para citar alguns nomes política, como a do matrimónio.
direita como da esquerda. Bolsonaro, pessoas em todo o mundo: a que eles eram os donos do meu muito conhecidos. Nomear uma É um vínculo ancestral e primi-
Maduro. Hoje em dia, a luta é por vida da classe média, simples e passado. dor é uma tarefa da literatura. tivo, uma lei da Natureza.
recuperar a democracia onde ela se remediada; a família enquanto Ao mesmo tempo, a catarse
perdeu, sob o risco de que os eleitos último reduto e condição do ser Logo no início escreve: “Não também é uma exaltação da Hoje publicam-se muitos livros
para governar sejam demagogos ou humano; o seu duplo papel de entendia a vida.” Escrever é vida. Quando somos capazes de da chamada autoficção, que
corruptos. É uma questão de tentativa pai e filho. Dessa viagem íntima nos explorar por dentro, a nossa tomam como ponto de partida
e erro, que depende muito da força que surgiu Em Tudo Havia Beleza vida estende-se a regiões ines- a biografia. É uma abordagem


tenham as instituições, e repito, de que (Ordesa), uma edição Alfaguara peradas e insuspeitas. Lemos que lhe interessa?
se vão fechando os fossos entre ricos com lançamento nas Correntes, romances para entender o Todos os géneros literários são
e pobres. e o melhor romance publicado mistério da vida. Ninguém sabe válidos. O conteúdo da minha
em Espanha, segundo os jornais o que ela é. Cabe aos escritores novela é autobiográfico, não de
O título do primeiro romance de de referência do seu país. Entre Nomear uma dor é uma investigar esse mistério. autoficção. O que conto no ro-
Dolores Morales sugeria que “o céu a catarse e a autobiografia, um tarefa da literatura. mance é verídico. Na verdade,
já não chora por mim”, este agora relato universal. Quis também compreender não nos devíamos preocupar
assegura que “já ninguém chora por Ao mesmo tempo, melhor o seu pai, figura central tanto com as etiquetas. O que
mim”. É o detetive ou o escritor que Jornal de Letras: Em Tudo a catarse também é desta narrativa? pedimos a um livro é que nos
está mais pessimista? Havia Beleza (Ordesa) é um O mundo atual parece que emocione. A estratégia literária
O detetive é mais pessimista do que livro muito pessoal, uma uma exaltação da vida. enlouqueceu. O capitalismo que esse livro escolheu é, ao fim
eu. Às vezes encho-me de aflição e confissão, certamente uma Quando somos capazes destrói as nossas vidas. E sem e ao cabo, de caráter anedótico,
de desalento, mas sei que as coisas redenção. O que determinou a o capitalismo as nossas vidas matéria para os especialistas e
mudarão para o bem. O Popol Vuh, sua escrita? de nos explorar por seriam lamentáveis. É um pa- para os críticos.
o livro sagrado do povo quiché, diz Manuel Vilas: Comecei a escre- dentro, a nossa vida radoxo brutal. Recordar o meu
que, quanto mais escuro estiver, mais ver o livro depois da morte da pai dá-me paz, tranquilidade. Perpassa pelas memórias do seu
depressa amanhecerá. É a minha minha mãe. Na altura, estava
estende-se a regiões Divinizei a sua figura. O meu livro um retrato da Espanha do
esperança. J LUÍS RICARDO DUARTE a meio do meu divórcio e tinha inesperadas pai, para mim, é Deus. É como franquismo, a da sua infância e
12 * tema/letras CORRENTES D’ESCRITAS jornaldeletras.pt * 13 a 26 de fevereiro de 2019 J

Em Tudo Havia Beleza (Ordesa)


a da idade adulta dos seus pais.
A dimensão mais coletiva desta
história foi intencional?
Nenhum ser humano pode

Palavras incertas, dor humana


escapar à História do seu país.
Quando quis reconstruir as
vidas dos meus pais, dei-me
conta de que essas vidas de-
correram num contexto social,
histórico e político. Para contar
as suas vidas, tive de contar a
vida de Espanha. A minha fa-
mília era de classe média, que é Maria Fernanda de Abreu página 99, vejo-a clara e sonante
universal, igual em toda a par- (traduzo): “Ninguém sabe como vai
te, em todos os países. Estive morrer, e a nossa apreensão é me-
recentemente na Colômbia, e Sei bem que pode haver muitas lancolia; e a tradição da melancolia
muitos leitores identificaram- razões para que um romance seja um deveria regressar ao mundo. É uma
-se com o que escrevi, como grande romance. Uma delas, claro, palavra que já ninguém usa. E a me-
há cem anos muitos se identi- é ser escrita literária, não caligrafia, lancolia agora chama-se transtorno
ficaram com a ideia, também como escreveu já Juan José Millás, obsessivo compulsivo. A minha
universal, de proletariado, que que destacou as “palavras novas, mãe foi melancólica, toda a sua vida
serviu para internacionalizar o ordenadas de uma maneira insólita” esteve submergida nas águas rosas
comunismo. com que Manuel Vilas conta uma do transtorno melancólico.”
realidade que o podia ter levado por Vejam como também ele sabe da
O epílogo deste livro é em palavras gastas, clichés que todos importância artística da melanco-
verso. Porquê? Na imprecisão temos no ouvido, metáforas e sinta- lia, a considera uma “tradição” e se
das palavras, a poesia chega xes à mão de semear, digo eu. Para declara “um adicto da nostalgia”. E é
mais longe? mim, e desde há muito, na verdade que o nosso narrador, junto com esse
Pensei que a poesia podia ser desde sempre, uma razão maior e desassossego em que está (“busco
uma casa especial para guardar ineludível para que um romance volver à paz de não ser”, escreve a
os meus fantasmas, uma casa seja um grande romance está no seu certa altura), é escritor e professor
de amor, também uma espécie narrador, na voz de quem nos conta de literatura, sabe que “uma coisa
de túmulo funerário. Decidi o que ali se nos conta, essa voz que, são as palavras num livro, e outra as
colocar esses poemas no final para mais num romance escrito na palavras da vida”. “Direi eu”, matiza
do livro, porque me pareceu um primeira pessoa, se converte, por ele, dubitativo. Diz escrever os pais,
epílogo bonito, contendo a his- isso mesmo, na figura primeira, “Melancolia” Pintura de Edvard Munch “tentando saber quem foram”, “só
tória narrada a partir de outro protagónica se se quiser, do que ali se contando o que aconteceu, ou o que


ponto de vista. E, sim, a poesia diz e conta. Escreveu também Millás cremos que aconteceu”, sublinho
condensa em si a intensidade, a que lhe bastou ler a primeira página eu, porque “crê nas palavras” e no
plenitude. de Ordesa para saber que tinha de o as montanhas de Huesca, onde se que elas nos podem dar a conhecer
levar para casa. Costuma ser assim. encontra com o pai. Não sei ainda do que somos. Palavras que se vão
Começou o seu percurso Sabem-no os leitores e, antes deles, como é a tradução em português*, sucedendo em unidades narrativas
justamente pela poesia, e só em os grandes escritores. A propósito, A melancolia guiava mas sei que escrever em espanhol sem títulos (são 157 e não lhes chamo
2008 publicou o seu primeiro lembro sempre isso da “carpintaria a escolha dos temas e “Mi padre fue quemado” não é o capítulos), muitas vezes menos de
romance. Como se deu essa hipnótica” de que falava Gabo, essa mesmo que escrever “o meu pai foi uma página a evocar a visualidade
passagem? que ele tão bem ele soube urdir e que
os gestos narrativos queimado”; não tem o mesmo peso da poesia até chegar a um “Epílogo”,
Não vejo uma distância assim em tempos aqui destaquei. desta voz que, herdeira – e é, de facto, de peso humano e esse, sim, com título: “Epílogo: A
tão grande entre a poesia e a Mas, muitas vezes, ousaria literário que se trata aqui. Porque a família e a História”. Mais de 20
prosa. Tudo são palavras. E tanto dizer a maior parte das vezes, nem
dessa velha matriz, construção passiva é muito me- páginas de poemas estes, sim, com
os poetas como os romancistas precisamos da primeira página. se constrói tão nova e nos frequente e “automática” em títulos, desde o “O Crematório”
trabalham com palavras. Quando
um poeta lê romance, os seus
Basta-nos umas primeiras linhas,
esse consagrado incipit. O princípio
única, à procura dos espanhol do que em português. E
porque ter mandado cremar o pai e
da abertura até aos dois últimos,
“Papá” e “974310439”; era este,
poemas são melhores. Quando deste último romance de Manuel seus mortos e de uma a mãe é uma das suas obsessões, a talvez, o número de telefone do pai.
um prosador lê poesia, os seus Vilas mostra-nos – e conta-nos –, de espécie de “grau zero ponto de dizer: “Sempre me hei de E voltamos ao princípio, às primei-
romances melhoram. Acredito na forma inequivocamente assertiva, arrepender de os ter incinerado” (na ras palavras de Ordesa, o tal incipit:
complementaridade dos géneros um narrador que se constrói em dois da escrita” verdade, no castelhano “incinerar”, “Oxalá pudesse medir-se a dor
literários. Fernando Pessoa, para eixos matriciais: a dor humana (e que ele aqui usa, vê-se melhor do humana com números claros e não
quem a integração da poesia e da a capacidade de a suportar) e a in- que em cremar o “converter em com palavras incertas.”
prosa foi maravilhosa e genial, certeza das palavras para medi-las. cinzas”, palavra sobre a qual ele Um livro magnífico, que é uma
ajudou-me muito a compreender Começa por uma reflexão geral sobre mãe, da sua relação com a morte das também discorre explicitamente). E obra de arte sobre a vida. Mas não se
estas relações. É uma das minhas o sofrimento humano, sobre a “in- pessoas e dos objetos, com o tempo, é que, como dirá noutro momento: sobressalte o leitor ou a leitora se, de
grandes influências. gravidez” da nossa passagem pelo com o medo, com a vida e a pobreza “queimar os mortos é um erro”. vez em quando, tiver de suspender
mundo, mas termina o parágrafo de uma Espanha triste –, tudo o que Antes de chegar à página 99, já a leitura – para respirar, ir à janela
Como viu a extraordinária com a afirmação de um sentimento recorda e interpela passa pelo de- me tinha fixado na palavra “me- olhar a rua, fumar um cigarro, pro-
receção que o livro teve em pessoal: “Há seres humanos que sassossego visceralmente inquiridor lancolia” para falar deste livro. curar os seus mortos, como ele fazia.
Espanha, e não só? A história podem suportá-lo, eu nunca o (sim, Bernardo Soares e o seu livro) Nenhum mérito da minha parte: Voltará com ele. Porque a grande
mais pessoal pode de facto ser a suportarei.” desse narrador-protagonista a quem quem lê e estuda o Quixote sabe que literatura é assim. J
mais universal? Eu, pois. Será este eu narrador – não “interessa julgar o que passou” a melancolia é o estado existencial
Emocionou-me muitíssimo. Não autobiográfico, poder-se-ia dizer, mas, sim, “narrá-lo ou dizê-lo ou que motiva a fundacional trans-
se trata, acredito, de um sucesso mas sem esquecer que toda a auto- celebrá-lo”. A consciência aguda formação do fidalgo em cavaleiro
meramente literário; é tam- biografia literária é um labor artís- de que “a moralidade dos factos é andante, e eu tenho lido muito sobre
bém emocional, que explora o tico – que é ele, repito, quem desde sempre uma construção da cultu- a melancolia e a sua importância,
universo dos afetos e dos dramas o começo do romance nos agarra ra” converte-se, assim, para este desde o século XVI até hoje, como
familiares. Dei-me conta de e nos mantém agarrados ao longo narrador, num rigoroso programa li- fator matricial na literatura, na
como a relação entre pais e filhos de quase 400 páginas, romance terário que lhe guia a escrita: no que pintura, na escultura, no cinema...
é um dos elementos que une toda construído numa voz pessoalíssima, escolhe contar, nas palavras para o Logo na tal primeira página vi e senti
a Humanidade, que define a nos- paciente e persistentemente desnuda dizer, no modo como as distribui, na como a melancolia guiava a escolha
sa condição humana. Nascemos de ornamentos, profunda e angus- extensão das frases, dos parágrafos, dos temas e os gestos narrativos
dentro de uma família, criamos tiadamente reflexiva. Desamparado dos fragmentos. desta voz que, herdeira dessa velha › Manuel Vilas
outra – entender esta dupla con- – e é sua a palavra que eu destaco. Só um exemplo dos muitos com matriz, se constrói tão nova e única, EM TUDO HAVIA
dição de pai e de filho talvez seja Desamparado ele e desamparadas as que Manuel Vilas escreve esta sua à procura dos seus mortos e de uma BELEZA (ORDESA)
o que há de mais importante na palavras. Todos os “factos” que nos Ordesa, nome de terra que lhe traz espécie de “grau zero da escrita”. Tradução de Vasco Gato,
vida. J LUÍS RICARDO DUARTE conta – da sua relação com o pai e a as montanhas e o Monte Perdido, E, precisamente, ao chegar a essa Alfaguara, 400 pp, 21,90 euros
tema/letras * 13
J 13 a 26 de fevereiro de 2019 * jornaldeletras.pt
CORRENTES D’ESCRITAS

Jorge Carlos Fonseca


Pré-publicação
Absoluto
capricho de tarde
‘Sempre quis fazer poesia’ 1.
Há um povo,
imenso,
que soletra,
dentro de mim:
Proferirá a conferência de abertura das Correntes, como atual presidente da CPLP, na sua Ilhas,
qualidade de Presidente da República de Cabo Verde. Mas, também, como escritor, lançará um pedaços
novo livro, A Sedutora Tinta de Minhas Noutes, que junta textos já publicados com outros, e poemas, de todas as cores
do mundo.
inéditos – sendo a seleção dos primeiros, e a introdução, do também cabo-verdiano Arménio
Vieira, Prémio Camões 2009. Aqui o ouvimos sobre o livro e a articulação possível da Presidência 2.
com a escrita, antecipando ainda quatro dos 11 poemas inéditos, inseridos naquele volume – na Nasci

próxima edição será a vez de termos aqui a sua posição sobre a nossa Comunidade de Língua vermelho cravo
Portuguesa e o que se impõe ela faça em outubro,
pecado original
de meu ovo
“A escrita e a condição de poeta da função presidencial. E, para tanto,
vão arejando o dia a dia do Chefe fui obrigado a estender o tempo, as sitiado e breve.
de Estado, na sua presidência dos noites, as madrugadas... a fazer com Hoje,
afetos e junto das pessoas”, diz ao que se tornasse mera convenção essa Ilhas de azulado abril,
JL Jorge Carlos Fonseca, 68 anos, ideia das 24 horas do dia. O poeta a sou assim
jurista, professor universitário e procurar realizar-se, como escreve rosa de espiga
escritor, Presidente da República de num fragmento dos inéditos em
Cabo Verde desde 2011, a propósito “prosa”, na felicidade colorida de
vagabunda e
do seu novo livro A Sedutora Tinta de frascos de tinta, sedutora e fresca tin- solitária.
Minhas Noutes, editado pela Rosa de ta, a “bussolá-lo” pela noite dentro. Não há coroa capaz
Porcelana, 10º volume da sua coleção de te fazer
Rose is a rose is a rose, da muito ativa A procurar realizar-se?... de novo
chancela daquele arquipélago. Trata- Creio que o título da obra, e os rainha das praias do mun-
se do quarto livro de criação literária subtítulos – além do já citado: E
de quem é também autor de quase Se Nos Aparecessem Mais Ilhas?;
do!
mais de duas dezenas de títulos, mas Plumagem de Sombras; Escrita na
sobretudo na área do Direito. Na parte Minha Pele –, dão um sinal do que 3.
da seleção de textos já antes editados, pode ser a sua pretensão. E nessa Sossego.
Arménio Vieira, como acima se disse, tarefa ajudam decisivamente os Absoluto
o responsável por ela, dá especial contributos críticos, as leitu- capricho
destaque a O Albergue Espanhol, que ras feitas, no primeiro dos três
considera “um dos ápices da moderna “livros” desta obra compósita, por
de tarde.
literatura cabo-verdiana”. O volume, Jorge Carlos Fonseca “A escrita e a condição de poeta vão arejando o dia a dia consagrados nomes da literatu- Não
de 228 páginas, termina com a parte do Chefe de Estado, na sua presidência dos afetos” ra e da crítica literária que nos há
dos inéditos, a maioria deles em pro- perguntam o que faríamos se nos caminhos.
sa, em forma de diário, de 3/12/2016 aparecessem por aqui mais ilhas. (Ouve dizer-se que se


a 11/12/2018, com o título “O douto
exilou, definitivamente,
veredicto do tricórnio”. musa o munira, fintar a fera e a fúria? Como consegue conjugar,
Alguma maquinação surreal? Não compaginar, o escritor e o a noute)
Jornal de Letras: Que livro é A creio nisso, com exatidão, com rigor. Presidente da República?
Sedutora Tinta de Minhas Noutes, Se sortilégio houve, este terá sido o da O denso e apaixonado A escrita e a condição de poeta vão 10.
que vai apresentar nas Correntes? incessante busca da magia de colocar exercício da função arejando o dia a dia do Chefe de Não havendo rouxinol
Jorge Carlos Fonseca: É um livro de o prazer na pirâmide de um salto alto, Estado, na sua presidência dos afetos
poesia. Se as palavras contidas em O às vezes, altíssimo, perigosamente presidencial alimenta e junto das pessoas que, parece,
aperaltado
nem vislumbre
Albergue Espanhol ou no segmento alto e esguio, quase obsceno na sua e fornece pretextos germinou e “pegou” bem! O denso e
de flor-de-lótus,
de cariz diarístico, incluído neste A fina elegância que é, então, preciso, apaixonado exercício da função pre-
Sedutora Tinta de Minhas Noutes (a que alcançar os céus para o descobrir e
constantes à criação sidencial alimenta e fornece pretextos o poema é esmagado
dei o subtítulo O Impagável Ponteiro dos fruir, com elevação da alma e indi- estética constantes à criação estética, contri- no ovo.
Segundos), pudessem revelar segredos, zível libertação do corpo e da mente. buindo, assim, para a busca da sal- Aliás,
falando, diriam muito provavelmente Mas de uma coisa não me safo, vação das cousas do mundo, quiçá a nenhum romântico
que a pretensão sempre foi a de servir nunca me consegui livrar: o de, aos única função do fazer literário. É que,
conservador
e a de fazer poesia. Falou-se muito 17-18 anos, menino e moço das ilhas, em jeito de bocados de um “diário de além de Borges e de Sebald, de paraí-
disso quando se apresentou O Albergue recém-chegado a Coimbra, ter sido bordo de mim mesmo” (texto longo, sos e de infernos distantes, de Vieira lhe emitiria
Espanhol, para alguns um “roman- apanhado em flagrante, no silêncio enorme, formalmente prosaico, com e de Dante, de Noces e de Breton, certidão de nascimento.
ce”, género em que eu faria a estreia. permitido pela soletração, a aboletar registos do político, do Presidente, de mandingas, olofes, madeirenses
Acabei por confessar, em nome do esta maldita inscrição: “Querida ima- mas, igualmente, do poeta, diário e judeus, de todos os Ulisses ou de
“programador”, que poderá ter sido ginação, o que eu amo em ti acima de que provavelmente se publicará como Circe, Strophe, Alcáçar de Fogo ou tanhas, castanhas, roxas, verdes,
uma simulação de romance, sabendo tudo é que não perdoas.” um todo), a odisseia de um exercício divindades homéricas, o autor desta uma pátria de esperança e de fundo
de antemão que o longo poema que se livre sobre os processos da escrita coletânea é também do país de Bana, azul a bordejar o devir coletivo. Em
esboçava, nos seus propósitos e deam- Como situa este novo volume no poética. Um exercício que abarca de uma pátria de Cabral, de canizado Sal-Rei, em Brockton, na Ribeira de
bulações, nunca quis sê-lo. seu percurso como escritor e no um olhar sobre o percurso da poesia e bandeiras, de Eugénio e de Cesária, Craquinha, na Buraca e no Príncipe,
conjunto da sua obra? crioula, o do escritor e o da literatu- de muitos pedaços do universo, de na Cova de Joana e Renque Purga, no
Na nota introdutória ao livro, No terço que é constituído por ra do mundo, que nos sobrevoa em morna e de funaná, de caras e de Morrinho, em Ponta Verde, Thiès ou
Arménio Vieira... inéditos (O Impagável Ponteiro dos permanência. Adubado, naturalmen- sorrisos vastos e lindos, de enormes e Ponta do Sol, na Covoada e em São
... questiona se terá o poeta conse- Segundos) prossegue, ora em textos te, com as coisas da vida, das ilhas de misteriosos mares, de Travadinha, Paulo, onde quer que haja a inscrição
guido, estando num labirinto, em curtos de poesia “formal” (versos e do mundo, a que não escapam a de Bibinha Cabral e de Djidjinho, de do nome, onde se vislumbrar uma
Creta, e tendo perdido o fio com que a cortados, medidos e ritmados) ora condição, a paixão, a tensão e o gozo crenças, revoltas e volúveis mon- nesga de Cabo Verde.J
14 * tema/letras CORRENTES D’ESCRITAS jornaldeletras.pt * 13 a 26 de fevereiro de 2019 J

Milton Hatoum
Este é o seu primeiro romance não No romance revisita a ditadura
passado em Manaus, mas em Brasília e brasileira. Que memórias guarda
em Paris. Isso mudou a sua escrita?   desse tempo?  
Escrever um romance é um modo Tenho boas lembranças dos amigos,

Rituais de passagem
de transcender o real, mas o escritor das pessoas que amei, dos livros que
sempre paga um dízimo à realidade. li, do curso de Arquitetura na USP. E
Em dezembro de 1967, tinha 15 anos há, claro, as péssimas lembranças. Fui
quando fui morar sozinho em Brasília. detido numa manifestação estudantil
Deixei a minha família, os meus amigos em Brasília, episódio reconstruído
e Manaus. Queria estudar Arquitetura numa cena de A Noite da Espera. Vários
na cidade que era o maior símbolo da conhecidos foram sequestrados pela
arquitetura e do urbanismo do século polícia e desapareceram, um deles
passado. Minha vida em Brasília foi um Honestino Guimarães, ex-presi-
É dos que não temem a passa- de 1980, Barthes dizia que não havia ritual de passagem da juventude à vida dente da UNE (União Nacional de
gem dos anos, sendo imune à ânsia “crise do romance” e, sim, excesso adulta. Sob uma ditadura, os traumas Estudantes), aluno de Geologia da UnB
editorial que muitas vezes se impõe de livros. A literatura é a arte da e as adversidades face à brutalidade (Universidade de Brasília). Minha es-
a certos escritores. O trabalho que paciência, e isso serve para o escritor política antecipam o amadurecimento cola situava-se na entrada do campus
faz a partir da memória exige tempo, e para o leitor. de um jovem. Esse amadurecimento da Universidade, presenciei várias
esquecimento, recordação, e nada precoce, talvez forçado, é um dos temas invasões policiais, prisões, etc. Depois,
disso se faz à velocidade do quotidiano Qual foi o ponto de partida para este de A Noite da Espera. Cada romance na década de 70, em São Paulo, fui no-
e das partilhas em modo virtual. A A Noite da Espera? É uma narrativa pede um modo específico de narrar. vamente detido numa manifestação na
Noite da Espera, volume inaugural de que vem dos anos 80 (o seu primeiro Optei pela narrativa fragmentária, com PUC (Universidade Católica). Mas São
uma trilogia a que deu o nome de O “fracasso”, como diz) e que só agora cartas, anotações, diários e confissões Paulo já era uma metrópole vibrante;
Lugar Mais Sombrio, era um projeto se concretiza.   das personagens. Martim é o narrador havia muitas alternativas culturais,
antigo de Milton Hatoum. Tem como A primeira versão era apenas principal, mas outras personagens artísticas. Era menos sufocante do que
raiz as suas memórias das décadas uma crónica. Foi escrita em têm voz e presença. Tentei explorar Brasília, à época uma cidade pequena e
de 60 e de 70, período marcado pela Barcelona, de facto em 1980. contradições e ambivalências da minha muito vigiada.
ditadura brasileira. Mas o projeto que Queimei os manuscritos, e assim geração num tempo de medo, traição,
iniciou nos anos 80 estava demasiado exorcizei qualquer possibilidade incerteza, ameaça e violência. No meio Escrever sobre a ditadura – a
próximo dos acontecimentos. Antes, de publicar um texto tosco. Eu de tudo isso, há várias histórias de repressão, o medo, a censura – é um
haveria de recordar a sua infância queria escrever sobre a minha amor. Nem mesmo um governo totali- compromisso literário e político?

FÁBIO SETIMIO
em Manaus, junto ao Amazonas, experiência no final dos anos tário pode impedir as pessoas de amar, Não pretendi escrever um romance
em narrativas que o destacaram nas 60 e toda a década de 70, mas escrever, pensar, imaginar. sobre a ditadura, mas, sim, ambien-
Letras do seu país. E se não publicava àquela altura estava muito pró- tado naquela época sombria. Por
Milton Hatoum
um romance há dez anos, essa demora ximo do vivido. É preciso deixar Numa entrevista ao Globo, chegou isso, não o considero um romance
também se poderá explicar pelo corte o tempo passar e, de algum a dizer que era a sua despedida da político, embora a política esteja por
que agora se opera. A paisagem da sua modo, ofuscar o passado. Jorge Amazónia. Porque sentiu necessidade toda a parte e em todos os momentos
escrita é hoje outra, a Brasília e São Luis Borges diz num poema: “O Cinzas do Norte, que dialoga desse afastamento?   da nossa vida. Penso que o maior
Paulo dos seus estudos de Arquitetura esquecimento é uma das formas com A Noite da Espera. Em 2007, Uma despedida talvez provisória. A compromisso do escritor é expressar a
e da repressão policial, cidades tam- da memória.” Esperei muito fiz o projeto da trilogia O Lugar memória e a imaginação conduziram- verdade por meio de uma linguagem
bém de uma cultura vibrante, de opo- tempo; em 2000 publiquei Dois Mais Sombrio. Foram 10 anos de -me a outros lugares e períodos da adequada à narração. Não se trata
sição e de grande originalidade, que Irmãos, cinco anos depois saiu escrita. minha vida. de uma verdade ontológica, mas das
contribuíram para a formação de um

Diário do desencanto, metáfora do Brasil 


escritor que atualmente é um dos mais
conceituados e premiados do seu país.
Recebeu por três vezes o Prémio Jabuti
(o mais importante do Brasil) pelos
romance Relato de um Certo Oriente,
a sua estreia em 1989, Dois Irmãos,
de 2000, e Cinzas do Norte, de 2005, Ronaldo Cagiano  Novacap, a estatal responsável pela construção traumas políticos e domésticos conduzem-no
também distinguido com o Prémio civil numa cidade que ainda engatinhava.   a um dolorido processo de reflexão e de questio-
Portugal Telecom de Literatura, hoje Esse período de metamorfoses fun- namentos sobre sua vida e a turbulenta situa-
conhecido por Oceanos. É autor ainda Nesses tempos de distopia por que passa o ciona como divisor de águas em sua ção nacional. O distanciamento de Lina, sua mãe,
de Órfão de El Dourado, de 2008, da Brasil, é inevitável recorrer ao passado, essa vida. Mergulhado numa atmosfera de eferves- após o casamento com um artista plástico, acaba
coletânea de contos A Cidade Ilhada, correnteza que não dá tréguas e que o movi- cência, embora sem engajamento ou frontalidade por colocar uma pá de cal na esperança de um
de 2009, e das crónicas reunidas em mento pendular da História acaba por refluir. no combate à censura e à violência, é caudatário encontro, só minimizado pela comunicação
Um Solitário à Espreita, o único título São esses dias de “inverno e silêncio” que nos do clima de insurgência, convivendo com uma epistolar. A relação com o pai, um conformista,
que não está editado em Portugal, rememora Martim, a personagem do novo ro- fauna heterogénea: a filha de um senador-pró- religioso e defensor do governo militar e seus
primeiro na Cotovia, agora na mance de Milton Hatoum, A Noite da Espera, fi- cer do regime, um líder estudantil, filho de uma métodos, era permeada por divergências, pois o
Companhia das Letras. nalista do Prémio Oceanos 2018. Primeiro cozinheira, que vivia num assentamento, o ator “cercava e intimidava com um silêncio bru-
De ascendência libanesa e com forte volume da trilogia O Lugar Mais Escuro, sua es- que traficava maconha e um estudante de Direito to”, sentindo-se um estranho sob o mesmo teto.   
formação francófona, heranças que se critura em forma de diário e registos fragmen- cujo pai diplomata amargava o ostracismo.  Em A Noite da Espera, as personagens
espelham nas traduções que assinou tários expõe as vicissitudes de um exilado da Da escola secundária ao ingresso na uni- experimentam angústias, vivem seus ritos de
(Gustave Flaubert, Marcel Schwob, ditadura militar (1964-1985), obrigado a fugir versidade (UnB, invadida pelo Exército em passagem e ruturas num país que cavava “o
Edward Said), Milton Hatoum é um para a França, em 1978. Ao chegar a Paris, orga- 1968), é contaminado pela agitação brasiliense: abismo mais sombrio”, implantando o tota-
cultor do romance de formação, niza “cadernos, fotografias, cadernetas, folhas cria uma revista (Tribo), estimula a montagem litarismo que interditou o Estado de Direito e
aquele que, mergulhando nas raízes soltas, guardanapos com frases rabiscadas e e ensaio de uma peça clássica (A Reconciliação pôs algemas na liberdade, esterilizando gera-
do narrador, das personagens e do au- diários de amigos, quase todos distantes; alguns de Prometeu), emprega-se na ções. Como memória e farol, o
tor, indaga as mudanças do indivíduo perdidos, talvez para sempre” para o inventá- livraria do mítico comunista Jorge romance é um simbólico ca-
no seu confronto com o mundo. rio de seu desassossego, arrolando a memória Alegre (“Encontro”), vê amigos leidoscópio de nossa atuali-
daquela época de tumulto e repressão.  serem presos, está no olho do zada desilusão. Evoca em sua
Jornal de Letras: Não publicava um Tendo Brasília como cenário, o autor realiza furacão. É nesse foco de conflitos dimensão crítica profundas
romance desde 2008 e já confessou em clave ficcional um exame de sua pró- e tensões que se vê não suportan- reflexões sobre o Brasil de
que não tem pressa e que nem cede ao pria experiência com a cidade e as contra- do mais “o silêncio precário” de sempre, um país historica-
ritmo ditado pelo “mercado”. As suas dições do país. O livro percorre os territó- uma cidade que em todos os ân- mente fraudado pelas elites
histórias têm longa maturação e o seu rios geográfico, político, social e afetivo de gulos não oferecia saídas e resolve económicas e políticas, vi-
ritmo é também a sua independência?   um Martim acossado pelas circunstâncias dos partir.  vendo marginalizado em suas
Milton Hatoum: Têm a longa ma- anos de chumbo, desvelando todo o universo Na medida em que a narrativa ambiguidades e tormentos, tão
turação necessária para acumular a de apreensões e repreensões vividas entre 1968 avança, mesclando lembranças, › Milton Hatoum deslocado, dividido e insu-
experiência do que se vai escrever. a 1972, quando se mudou  para a capital em anotações e referências de Martim A NOITE DA ESPERA larizado em seu caos e vazio
Meu ritmo é lento, e esse tempo companhia do pai, Rodolfo, engenheiro e sobre Brasília e o exílio, deslindam- Companhia das Letras, 288 pp, existencial, como a persona-
longo, sem pressão editorial, é a recém-separado de sua mãe, funcionário da -se outras questões íntimas, pois os 16,90 euros gem Martim. J
minha precária liberdade. Por volta
tema/letras * 15
J 13 a 26 de fevereiro de 2019 * jornaldeletras.pt
CORRENTES D’ESCRITAS

relações humanas; uma verdade inte- dele é outro; não está focado na di-
rior, profundamente vivida, sentida, tadura. Isto só se torna uma questão
refletida. A meu ver, o romance deve com a guinada ideológica do pai e
ter um sentido histórico, que pode ser com o sumiço da mãe. No fundo,
mais ou menos ostensivo ou apenas tentei fazer uma pesquisa de vida de
insinuado. A História e o contexto jovens meio perdidos no redemoinho
sociopolítico estão entranhados na político da capital. O segundo volu-
forma, no modo de narrar, como disse me da trilogia, ambientado em São
Adorno. Não admiro romances pan- Paulo, na década de 1970, aprofunda
fletários, ideológicos, de denúncia. essa pesquisa.

Revê-se na ideia de um escritor Sim, este livro é o início de uma


com uma participação mais ativa na trilogia: como organizou a narrativa
sociedade? tendo em conta essa divisão e
O papel principal dos escritores e dos arco cronológico mais alargado?
artistas é transformar em linguagem O arquiteto, habituado a outras
estética a força da imaginação. Mas, construções, ajudou?
nas recentes eleições presidenciais, Nunca esqueci a minha formação
apoiei explicitamente a candidatu- de arquiteto. Desde o meu primei-
ra do professor Fernando Haddad. ro romance (Relato de um Certo

ADRIANA VICHI
Primeiro, porque foi o melhor mi- Oriente), fiz esboços que lembram
nistro da Educação desde a redemo- um projeto, uma organização espa-
cratização do país. Hoje, há dezenas cial da estrutura narrativa, mas com
de milhares de jovens brasileiros de um componente importante: o arco
origem humilde, sobretudo negros, Milton Hatoum O maior compromisso do escritor é expressar a verdade por meio de uma linguagem adequada à narração temporal. Qualquer romance fala
nas universidades públicas – e muitos basicamente da passagem do tempo,


indígenas, além de brancos também de dramas humanos no tempo.
de famílias pobres. O sistema de quo- Refiro-me também ao tempo psico-
tas é também social. Foram conquistas ser “lido” como um grande romance os que mencionou. A beleza da região lógico e ao fluxo de consciência da
do governo de Lula. Além disso, o da desilusão. Quando os brasileiros do cerrado e da capital: a cidade literatura modernista. Mas Brasília
outro candidato e atual Presidente
representava o obscurantismo. Aliás,
Há uma longa pensam que o país pode dar certo,
há uma reviravolta do destino, um
“lógica e lírica / grega e brasilei-
ra”, como escreveu Sophia, no belo
e a arquitetura brasileira são temas
ou questões do segundo volume da
essa figura abominável declarou que o maturação necessária destino que aponta para o trágico. poema “Brasília”. Até certo ponto, trilogia. Martim é um arquiteto sem
seu livro de cabeceira é a obra de um para acumular a vivenciei o drama moral, a angús- projetos de arquitetura e de vida.
finado coronel, que foi um dos mais E que pontes podemos construir tia, a solidão e o medo de Martim. Para ele, não há futuro, coisa alguma
terríveis torturadores da ditadura. experiência do que entre o autor e o narrador do Mas o conflito familiar, o amor e em perspetiva, apenas o presente da
Os portugueses conhecem as outras se vai escrever. romance? Como Martim, o outros demónios foram construídos escrita e o olhar crítico no passado.
aberrações desse capitão que foi puni- protagonista, também viveu em pela imaginação. Martim não é um Nesse sentido, é um modesto ar-
do pelas Forças Armadas. A literatura é a arte Brasília, estudou Arquitetura... ativista político, ao contrário da sua quiteto da memória, expatriado em
da paciência Há alguns pontos em comum, como namorada Dinah. O drama interior Paris. J LUÍS RICARDO DUARTE
É inevitável ler este seu romance à luz
da atual realidade política brasileira:
há uma tendência para a História se Escrever um romance
repetir? Era de esperar um Presidente
como Bolsonaro?  é um modo de
Não podia prever um paralelismo transcender o real, mas
com o tempo atual, pois a maior parte
do romance foi escrita nos oito anos
o escritor sempre paga MEMBRO HONORÁRIO DA ORDEM DO INFANTE D. HENRIQUE

do governo do Presidente Lula, que um dízimo à realidade MEMBRO HONORÁRIO DA ORDEM DA LIBERDADE

deixou o poder com uma aprovação


de 85 por cento da população. Mas GRANDE PRÉMIO DE ROMANCE E NOVELA
o romance pode ser mais visioná-
rio do que o seu autor. Há muitos Com facilidade, aproximamos A Noite
APE/DGLAB – 2018
paralelismos entre o passado e o da Espera ao chamado romance de ABERTURA DE CONCURSO – REGULAMENTO
presente, embora não estejamos formação, como também acontecia 1. O Grande Prémio de Romance e Novela da APE, instituído, em 1982, por proposta da Comissão Executiva do II Congresso dos Escritores
vivendo uma ditadura. O capitão com Cinzas do Norte e com Dois Portugueses, é patrocinado por diversas entidades, públicas e privadas, destinando-se a galardoar, anualmente, um livro de carácter roma-
Bolsonaro foi eleito pelo voto popular, Irmãos. O que lhe interessa nesta
nesco ou novelístico, em português e de autor português, cuja 1.ª edição seja publicada, em Portugal, no ano anterior ao da sua entrega.
com a ajuda de fake news, e o apoio abordagem narrativa? 
2. É mantido, em 2019, o valor pecuniário de 15.000 euros do Grande Prémio, que não poderá ser atribuído a obra póstuma.
de amplos setores da elite, da classe O romance de formação é um género
3. A APE divulgará o presente Regulamento através do seu site, dos órgãos de comunicação social, do Ministério da Cultura e das Associações
média, das Forças Armadas e de universal. Como o nome diz, trata-se
de Editores e Livreiros, no sentido de que, de cada livro editado em 2018, lhe sejam enviados, pelos meios correntes e até 1 de Março
muitos pastores-patrões evangélicos do percurso da vida de um jovem,
de 2019, oito exemplares, destinados aos membros do Júri e à biblioteca. Nada impede, porém, que a obra galardoada não tenha sido,
fundamentalistas. Há neste Governo da sua formação moral, sentimen-
um núcleo económico de direita, tal, amorosa e política. A formação eventualmente, recebida.
vários ministros generais também de coloca-nos face a novos conheci- 4. A Direcção da APE designará os cinco membros do Júri, do qual não farão parte escritores ou editores com obras a concurso.
direita, e civis de extrema-direita, mentos e experiências e permite-nos 5. O Júri, de ano para ano, será renovado em pelo menos 3/5 da sua composição, não podendo qualquer dos seus membros participar nele
alguns delirantes. Os ministros da criticar conceitos, preconceitos, mais de dois anos seguidos.
Educação e das Relações Exteriores, e verdades que se pretendem abso- 6. Disporá o Júri de trinta dias para deliberar, reunindo, nesse período de tempo, sempre que o achar conveniente.
a ministra da Mulher, da Família e dos lutas. É uma busca incessante por ¶ 1.º – A sua deliberação será tomada por unanimidade ou maioria simples, excluindo-se a posição de abstenção, no quadro de uma impos-
Direitos Humanos são de uma baixeza uma transformação, sem nunca sibilidade de atribuição ex aequo do Grande Prémio, bem como da consignação de menções honrosas.
intelectual inominável. O poder chegar a uma situação ideal. Mas ¶ 2.º – Tomada a deliberação, de que não cabe recurso, o Júri lavrará uma circunstanciada acta final, que, em anexo, conterá as declarações
tornou-se um laboratório do delírio. E a aprendizagem deve ou deveria individuais de voto dos seus membros, podendo eles, se assim o entenderem, não atribuir o Grande Prémio, por nenhuma das obras
todo o discurso moralizador contra a questionar dogmas de qualquer naipe a concurso o justificar.
corrupção já desmoronou. Há suspei- político. Essas frases de Guimarães 7. O coordenador do Grande Prémio, membro da Direcção da APE, prestará, nas sessões que vierem a realizar-se, todo o apoio necessário ao
tas gravíssimas sobre o envolvimento Rosa no Grande Sertão: Veredas, um funcionamento do Júri.
do senador Flávio Bolsonaro com fabuloso romance de formação, diz 8. Far-se-á o anúncio da obra premiada logo após a deliberação do Júri, dando-se mais tarde a conhecer, em momento oportuno e pelos
milícias (paramilitares) do Rio. Aliás, muito: “Aprender-a-viver é que é o meios considerados idóneos, os fundamentos da opção deste, designadamente, através da divulgação das declarações individuais de voto.
a cada semana aparecem suspeitas viver mesmo.” Vários romances da 9. A entrega do Grande Prémio ao autor galardoado ocorrerá numa cerimónia pública, a definir na altura adequada.
de corrupção envolvendo ministros. desilusão do século XIX, europeus 10. As edições subsequentes da obra premiada deverão referenciar, em lugar destacado do volume, o Grande Prémio e as entidades suas
Os mais pobres e os setores mais e brasileiros, podem ser lidos como
patrocinadoras, bem como, na cinta, se o editor a tiver por conveniente: Grande Prémio de Romance e Novela APE/DGLAB – 2018.
desinformados da classe média foram romances de formação que se origi-
enganados. Elegeram um Presidente nou na Alemanha, no final do século Rua S. Domingos à Lapa, 17 | 1200-832 LISBOA • PORTUGAL | Telefone +351 21 397 18 99 | Fax +351 21 397 23 41
tosco, sem a mínima formação inte- XVIII. Mesmo, atualmente, o género e-mail: info@apescritores.pt | http://www.apescritores.pt
lectual. Uma desgraça. não perdeu força. Aliás, o Brasil pode

APE_Romance_JL_1262.indd 1 08/02/2019 10:44:26


16 * tema/letras CORRENTES D’ESCRITAS jornaldeletras.pt * 13 a 26 de fevereiro de 2019 J

Outros livros
Itamar Vieira Junior
De muitos livros se faz as
Correntes. Além dos já referidos,
aqui noticiamos os restantes, a
tratar em próximas edições. A
Mostrar um Brasil invisível
grande novidade são os títulos
com a chancela do encontro. D’
Escritas 1 Dia é o resultado das
residências literárias de 2018. E Pelos gestos, pelos sacrifícios, abandonadas. Daí que, sem outra
Palavras Correntes, um dicionário pelas falas. Com os anos, o mundo escolha possível, os antigos escra-
com as mais variadas definições rural sedimentou-se como uma vos ou seus descendentes tivessem
do festival, feitas por escritores, grande referência para Itamar de trabalhar onde já trabalhavam,
editores e jornalistas. Vieira Junior, escritor brasileiro durante gerações, em algumas fa-
Na Quetzal, Sérgio Godinho que venceu a última edição do zendas até hoje. O romance aborda
reincide no romance, com Prémio LeYa, com o romance Torto também este conflito que, desde
Estocolmo, tal como Filipe Arado, nas livrarias no final desta a Constituição de 1988, tem tido
Homem Fonseca, com A Imortal semana. É a gesta das gentes da mais visibilidade.
da Graça. Na mesma editora, sua terra, o Nordeste, mas também
João Luís Barreto Guimarães de gerações e gerações de brasi- Torto Arado é também uma
assinala 30 anos de poesia com leiros que, mesmo após a abolição chamada de atenção para tal
O Tempo Avança por Sílabas. da escravatura, se viram conde- realidade?
Na Teodolito, mais dois títulos: nados a uma vida de escassez e de Não costumo compartimentar
Parafilias, contos do brasileiro miséria. Depois de um trabalho qualquer ato de minha vida, ou de
Alexandre Marques Rodrigues, de doutoramento na área dos qualquer pessoa, no que é ou não
e reedição de Carta do Fim do Estudos Étnicos e Africanos, na político. Tudo o que fazemos reflete
Mundo, de José Manuel Fajardo. Universidade Federal da Bahia, as nossas escolhas. Escrever tem
Na Companhia das Letras, Maré pôde finalmente dedicar-se a um esse sentido de olhar para o que me
Alta, o terceiro romance de projeto literário que há muito o incomoda. Sem questionar e sem
Pedro Vieira, e Homens de Pó, habitava. Pela história de Bibiana levar à reflexão, a literatura, para
de António Tavares, na Dom e de Belonísia se conta (e homena- mim, não faz sentido. Não me de-
Quixote. A Planeta revela um geia) um certo Brasil invisível. bruço sobre mim quando escrevo.
novo autor, João Bernardo (A Nascido em 1979, Itamar Vieira Itamar Vieira Junior “Sem questionar a literatura, para mim, não faz sentido” Prefiro olhar o Outro. J L. R. D.
Mulher do Roupão de Seda), e a Junior estreou-se no conto, com
Asa promove a estreia de António Dias, e A Oração do Carrasco,
Mota na ficção adulta (No Meio finalista do Prémio Jabuti. Sobre
do Nada). A Bookbuilders edita Torto Arado, seu primeiro romance, atual. Eu conheci pessoas como a Foi isso que o levou a abordar os
o segundo volume da trilogia escreveu um diário para o JL (nº Bibiana e a Belonísia, vi a força que resquícios da escravatura no Brasil?
de Miguel Marques, Punição. Na 1254, de 24 de outubro de 2018), tinham nos seus gestos, nos seus Sim. O Brasil tem muitas histórias
Glaciar, Pedro Teixeira Neves tem numa apresentação que continua trabalhos, na vida, mesmo quando tristes, a da escravatura é uma › Itamar Vieira
dois livros, A Tartaruga de Bob agora com esta entrevista. ela é muito difícil – como é para a delas. Não só foi o último país a Junior
Wilson e Uma Vírgula Depois, este maioria dos brasileiros, sobretudo aboli-la como não salvaguardou TORTO
assinado com Ivo Machado. JL: No diário que escreveu para para as populações que continuam nenhum amparo ou ato de política ARADO
Na poesia, a Assírio & Alvim o JL revelou que este romance o discriminadas e marginalizadas pública e justiça racial para essas Dom Quixote, 280
lança Instruções para Atravessar acompanhava há muito tempo. dentro do país. pessoas. Elas foram praticamente pp, 15,50 euros
o Deserto, antologia do espanhol Qual a sua raiz?
Juan Vicente Piqueras, e Se Me Itamar Vieira Junior: Quando
Empurrares eu Vou, de Maria
Quintans. Valter Hugo Mãe
apresenta a sua nova coleção na
a história surgiu, por volta de
1996, eu tinha uma formação na
literatura brasileira, vinha lendo
O Café de Lenine estivera como enviado da República, logo após
a sua implantação, anos em que coincidiu com
a estada de Lenine na Suíça. Disse então que era
Coolbooks, com quatro novos muitos livros de uma fase que os pena ninguém ter ainda aproveitado esse facto para
títulos. Na Edições Sem Nome, estudiosos chamam modernis- imaginar uma ficção a partir do que poderia ter sido
João Rasteiro dá à estampa mo e regionalismo, sobretudo do o seu encontro; e, como não me pareceu que a ideia
Levedura. Na Busílis, Ivo Machado Nordeste brasileiro, onde moro. Nuno Júdice pudesse encontrar algum eco, comecei, no verão,
tem Oratória. Na editora das Impactado pelas desigualdades e a escrever este livro que seguiu rapidamente o seu
Letras, Lopito Feijóo dá a conhecer pelo cunho social dessas obras, caminho. É uma homenagem a obras como Madame
os seus Experimentais Poépicos. comecei a escrever. Não tinha, Nuno Júdice, 68 anos, professor de Literatura Bovary e A Cartuxa de Parma, a Guerra Junqueiro, a
Na Colibri, Goretti Pina regressa porém, maturidade para dar Portuguesa da FCSH na Universidade Nova e diretor figuras como Rousseau e Lenine, e tudo isto numa
ao verso com As Gargalhadas de seguimento ao projeto. Mas as da revista Colóquio, é dos escritores portugueses forma a que está subjacente a ironia do Eça, no
Mestre Juju. E, na MoDocromia, personagens ficaram, acompa- atuais de mais vasta e reconhecida obra, mormente que poderia designar como uma escrita derivada
novo título do poveiro José Alberto nharam-me no correr dos anos. O como poeta, seguramente como poeta português dos “exercícios de estilo” do Raymond Queneau.
Postiga, A Litania da Cinza. A núcleo da narrativa estava defini- internacionalmente mais premiado. Mas também E, como era inevitável, a lembrança da magnífica
Abysmo publica Helder Macedo do: duas irmãs, a importância do a ficção foi ganhando cada vez mais lugar e paisagem do Douro, com a memória de Torga, e a
(Cada Um Com o Seu Contrário Num pai na sua formação. importância na sua bibliografia, e nas Correntes descoberta do Freixo que, como muitos lugares e
Sujeito) e poesia de João Rios e José surgirá o seu novo romance O Café de Lenine (D. paisagens portugueses, foi uma belíssima surpresa.
Anjos. E na Nova Mymosa, editora Como se desenvolveu a história? Quixote, 136 pp., 13,90 euros), apresentado como Em suma, diverti-me muito; e é também isso que
informal da Escrita Online, títulos Muitos anos depois, quando vim “uma obra fora do comum que, atravessando várias justifica o prazer que a literatura nos dá.” J
de Luís Carmelo e Ana Margarida a trabalhar, no âmbito académi- épocas, rouba personagens a grandes clássicos da
de Carvalho. Na não ficção: Corpo co, com populações do campo. literatura e que combina ficção, crónica, memórias e
de Ilhas, de Lélia Nunes (Letras Aprendi muito, vi uma realidade reflexão”. O que o escritor nos diz, a seu respeito.
Lavadas); O Crepúsculo em Moledo diferente, outro Brasil. A história
e Outras Elegias, de António voltou e com outra maturidade “O Café de Lenine é um livro que nasceu de uma
Sousa Homem (Porto Editora); pude, então, escrevê-la. ideia que me veio à cabeça, em junho do ano
Os Blumthal, de José Milhazes passado, em Freixo de Espada à Cinta, quando
(Oficina do Livro). Na Zero a Oito, A força das personagens é recebia o Prémio Guerra Junqueiro. Ao dizer umas › Nuno Júdice
um infantil de Ana Luísa Amaral. E resistirem à adversidade? palavras sobre o poeta que li apaixonadamente O CAFÉ DE
Tiago Gomes e Tiago Trips apresem É curioso ver a reação dos leito- na adolescência e sobre o qual fui trabalhando LENINE
a adaptação de Pela Estrada Fora res, porque essas personagens em várias ocasiões, lembrei-me da coincidência Dom Quixote, 136 pp,
(Vi-os Desaparecer na Noite). J existem, só que são praticamente de eu ter vivido algum tempo em Berna, onde ele 13,90 euros
invisíveis na sociedade brasileira
J 13 a 26 de fevereiro de 2019 * jornaldeletras.pt

* 17

CORESCMP_20190537_PubJL.indd
Correntes_JL_1262.indd 1 1 08/02/2019
11/02/2019 16:12
11:39:17
18 * tema/letras CORRENTES D’ESCRITAS jornaldeletras.pt * 13 a 26 de fevereiro de 2019 J

Isabel Rio Novo Pré-publicação


Os tempos da Póvoa
O enigma Agustina Agustina teve uma ligação à
Póvoa de Varzim, onde chegou a
O estabelecimento fora fundado
em 1892, tendo tido um período de
viver, e à qual durante muitos anos interregno entre 1910 e 1918, durante
voltou, inclusive, já escritora, para as convulsões da República, altura
a tertúlia que, no Diana Bar, se em que as religiosas se refugiaram
Não é uma biografia romanceada nem um romance biográfico. E até reunia, de que José Régio era a figura em Tui, e tendo passado por moradas
central e Manoel de Oliveira um sucessivas (uma delas, por escassos
poderia ser, dado os “dotes” literários da autora que, no entanto, se dos frequentadores. Foi ela, aliás, meses, no mesmo largo do Café
ateve aos factos, oferecendo-nos uma exaustiva e apelativa biografia a segunda personalidade a fazer a Chinês, em que funcionava o casino
conferência de abertura das Correntes, que Artur Bessa iria gerir). Servido
da ficcionista, uma das “estrelas” da literatura portuguesa: O Poço e a em 2005 (em 2004, foi Eduardo por um corpo docente seleto,
Estrada – Biografia de Agustina Bessa-Luís. Sobre o livro, que só chegará Lourenço), “apresentada” por José orientado, a partir de 1922, pela
Carlos de Vasconcelos, que falou da Madre Júlia Sá, que vivera cerca de
às livrarias após a apresentação nas Correntes, o JL entrevista a biógrafa, presença da Póvoa na sua vida e obra, oito anos na Suíça, onde tomara
autora de três romances, e antecipa passagens dele referentes à época em aspeto a que Agustina largamente contacto com os métodos de educação
se referiu, quer na intervenção inicial moderna, o Colégio das Doroteias era
que a escritora viveu na Póvoa de Varzim quer nas posteriores respostas às o local onde as filhas das famílias da
perguntas do público. Por isso se burguesia da região recebiam não só
escolheram alguns fragmentos de O instrução literária mas também uma
Poço e a Estrada sobre aquela ligação. exigente educação moral. (...)
Quando leu A Sibila, no Agustina calcorreava as ruas da
Secundário, Isabel Rio Novo estava (...) No período que mediou entre a vila, visitava as igrejas, entrava nas
longe de imaginar que, muitos anos atribuição da zona de jogo à Póvoa modistas para pedir retalhos para
depois, iria escrever a biografia de e as obras de construção do novo vestir as bonecas, regozijando-se
Agustina Bessa-Luís, um dos gran- casino, o jogo funcionou nos salões quando eram de veludo ou de seda,
des vultos da literatura da nossa lín- do Café Chinês. Ninguém vinha à gastava as economias nas mercearias
gua, mulher e escritora de exceção. Póvoa sem ter ouvido falar desse que vendiam rebuçados irisados em
E se estava consciente da empreitada estabelecimento. Muitos não se cartuchos pardos, ia à travessa dos
que a esperava e que se adivinha- atreviam a entrar, limitando-se a Casinos pedir hóstias ao fabricante
va para ela, já que fora uma leitora passar diante das portas que davam ou comprar as sobras ao sacristão
compulsiva de Agustina e realizara para a rua dos café e que, da parte da Igreja de São José, “negócio
trabalhos universitários sobre a sua de tarde, se abriam de par em par, blasfemo em que púnhamos as
obra, o caminho revelou-se, afinal, permitindo os olhares curiosos nossas economias”. Com Laura
ainda mais exigente. para o antro de perdição onde [Alice, sua prima], Agustina
Leu jornais e cartas, na maio- se vislumbravam mulheres que partilha os risos fáceis dessa idade.
ria inéditos, compulsou arquivos, mostravam as pernas. A pequena Com Laura, frequentava o Cinema
recuperou textos pouco conhe- Agustina conheceu bem esse espaço Garrett, onde se ria das histórias dos
LUCÍLIA MONTEIRO

cidos, entrevistou pessoas, releu gerido pelo pai. (...) amores infelizes com a insensatez
toda a obra de Agustina (mais de 80 A família de Artur Bessa [pai de gloriosa dos 12 anos, preferindo-as
títulos), visitou os lugares da sua in- Agustina] começara por instalar-se às comédias. (...).
fância, adolescência e idade adulta. precisamente no largo do Chinês, Durante anos, no mês de agosto,
Contornou o enigma, interpretan- mas depressa mudou para a Vila Agustina voltaria à Póvoa de Varzim
do, indagando, desafiando até onde Isabel Rio Novo “Descobri uma Agustina ainda mais inesperada, sempre Miosótis, um belo edifício com a com os pais e o irmão. Mas notaria,
um biógrafo pode ir. O resultado controversa e insubmissa” traça arquitetónica da emigração pouco a pouco, uma mudança. (...)
é uma viagem admirável e em- brasileira, construído na década A Póvoa já não era a mesma,
polgante, num registo sóbrio mas de 1920. Uma intervenção recente sobretudo porque Agustina já não
também pessoal. Não esquecendo a Jornal de Letras: O título da mos com a ideia de que nada começa, restituí-lhe o aspeto original, de era a mesma. O verão já não parecia
sua faceta de escritora, que convive biografia que escreveu, O Poço e a de que nada acaba, que, apesar de a modo que a frontaria que podemos interminável, como “uma espécie
com a de investigadora (é doutora- Estrada, retirado de um romance de escritora ter posto termo à narrativa, contemplar hoje, ao caminharmos de poesia da aranha, vivendo em
da em Literatura Comparada pela Agustina, remete a escritora para o ela poderia continuar e continuar. pela Avenida Mouzinho de suspenso”. O vento soprava mais
Universidade do Porto), Isabel Rio campo do enigma. É a única forma Albuquerque, é idêntica à que forte e mais frio. Para trás ficava o
Novo questiona e imagina, sugere de a apresentar? Não teve a colaboração da família conheceu Agustina. (...) sentimento de liberdade e, ao mesmo
e supõe, apresenta argumentos e Isabel Rio Novo: Em todos os senti- para esta biografia. Em que medida Para Artur e os seus, a grandiosa tempo, de proteção do grupo, só
rebate outros, mostra conhecer em dos. Não só pela sua personalidade isso condicionou o seu trabalho? inauguração do novo casino foi possível numa terra pequena, onde
profundidade uma obra em que res- mas também pela forma como, ao De início até houve um bom aco- também, naturalmente, um toda a gente se conhecia. (...) J
soam infinitas marcas biográficas. longo dos anos, foi encarando a lhimento do projeto, que só não acontecimento familiar que Agustina
Nascida em 1972, estreou-se, em perspetiva de vir a ser biografada. continuou por questões editoriais que evocou, recordando o vestido
2004, com uma narrativa fantásti- Agustina, que também foi biógra- não me cabe comentar. Ao princípio, precioso que a mãe mandou fazer
ca, O Diabo Tranquilo, a que se se- fa, tinha plena consciência de que foi um desilusão, não tenho problema e os sapatos de cetim que comprou
guiu, em 2005, A Caridade, novela isso mais cedo ou mais tarde viria a em reconhecê-lo, mas rapidamente para a ocasião. (...) › Isabel Rio
distinguida com o Prémio Literário acontecer. E manteve com essa ine- me concentrei nas muitas fontes à Ao instalarem-se com os filhos na Novo
Manuel Teixeira Gomes. Mais vitabilidade uma posição ambivalen- minha disposição. Explorei-as da for- Póvoa, Artur e Laura matricularam O POÇO
recentemente, publicou os contos te. Ora iniciava ela própria projetos ma mais rigorosa e completa possível. Agustina no Colégio do Sagrado EA
Histórias com Santos, em 2014, e os autobiográficos, ora os abandonava, Coração de Jesus, dirigido pelas ESTRADA
romances Rio do Esquecimento, em ora se desvendava, ora se ocultava. Sentiu-se mais livre sem essa religiosas de Santa Doroteia. Contraponto,
2016, e A Febre das Almas Sensíveis, colaboração? 504 pp, 19,99 euros
no ano passado. Com a ficção Escrever uma biografia de Agustina Nem por isso. Ter ou não o apoio da
Madalena, ainda inédita, ganhou é, desde logo, aprender a lidar família não iria influenciar a minha
o Prémio Literário João Gaspar com esse manancial de textos e de liberdade. Agustina é uma figura O que mais a surpreendeu na vida de “Não andou pelo mundo como quem
Simões. O Poço e a Estrada inaugura referências autobiográficas, também pública, mas nem todas as pessoas Agustina? contempla uma paisagem”, como al-
a coleção de biografias da editora muito presentes nos romances? que a rodeiam, os amigos que teve, Conhecia bem o seu espírito inde- guém escreveu sobre ela. Não foi uma
Contraponto, que tem previsto tra- Sim, é entender que esses textos au- as pessoas com que se cruzou, têm pendente, muito baseado na sua criança comum, nem se casou nas
balhos semelhantes sobre Manoel tobiográficos seguem a mesma lógica a mesma notoriedade. Procedi com liberdade e numa enorme exigên- circunstâncias que se esperaria para
de Oliveira, Amália Rodrigues, José de toda a escrita de Agustina: são o mesmo cuidado, reserva ou pudor cia ética e estética. Mas descobri uma rapariga da sua condição social,
Cardoso Pires, Herberto Helder e fragmentários e inacabados. Mesmo que teria, caso o apoio familiar uma pessoa ainda mais inesperada, nem se revelou a típica esposa e mãe
Natália Correia. quando lemos os seus romances, fica- tivesse surgido. sempre controversa e insubmissa. burguesas. Também foi capaz de
tema/letras * 19
J 13 a 26 de fevereiro de 2019 * jornaldeletras.pt
CORRENTES D’ESCRITAS

Correntes descritas
questionar, em pleno entusiasmo do
pós-25 de Abril, os efeitos da nossa Diamantino e à Manuela Ribeiro,
Revolução. Politicamente, as pessoas à extraordinária (deveria escrever
a quem deu apoio perceberam que o adjetivo em maiúsculas) equipa
ela escaparia a qualquer tentativa de de apoio e ao Francisco Guedes,
aprisionamento. Nunca se afirmou responsável por aquele telefonema
como tal, mas em alguns aspetos a que em Providence me surpreen-
vida é mais radical do que a de muitas deu uma noite quando ela ia alta e
feministas. Com aspetos fascinantes. Onésimo Teotónio Almeida profundo o meu sono. Era para me
convidar a participar na primeira
Por exemplo? edição das Correntes. Respondi ao
A sua obra tem uma enorme com- Agora que as Correntes d’Escri- telefonema consciente de não estar
ponente de aforismos, de verdades tas atingem as 20 edições, tenho a sonhar. Mas, agora à distância,
essenciais, mas Agustina também sido assediado pelos meios de até parece que estava mesmo.
era uma pessoa que não se coibia comunicação por ser um dinos-
em declarar o seu gosto por coisas sauro que lá vai desde o primeiro * * *
que uma certa moral ainda consi- encontro, em 2000. Faço sem- Para mim a Póvoa aconteceu como
dera fúteis, como vestidos, malas pre questão de corrigir. Somos a lotaria a um sortudo, com a dife-
ou sapatos. É uma figura descon- dois, pois o Manuel Rui também rença de que não comprei bilhete.
certante. nunca faltou. E acrescento ainda Por isso não teria sido possível
o Manuel Alberto Valente pois adivinhar nunca as implicações
A componente de génio é esteve também desde o início, de um telefonema dos Nortes de
seguramente o que o biógrafo não se bem que – pelo menos na 1ª Portugal que me havia de chegar
consegue explicar... edição - não tenha participado nas tarde da noite a Providence, quan-
Como biógrafa, Agustina era peren- mesas. Para comemorar tão bonita do pelo Rectângulo deveria rondar
tória. Dizia: “Quem quiser explicar a data, venho a público com o livro a madrugada. (Percebi mais tarde
genialidade de alguém através da sua Correntes d’Escritas & Correntes como isso era possível, depois de
biografia pode ter a certeza de que Descritas (Ed. Opera Omnia) com conhecer os horários do Francisco
não o conseguirá fazer.” Nesse senti- os textos das intervenções que Guedes.) O desafio era saltar o
do, Agustina continuará um enigma. ali fui lendo ao longo dos anos, Atlântico no escuro e ir para onde
acrescido de alguns outros em Correntes Uma sessão da 1ª edição, com (da esq.ª para dt.ª) Alfredo Pita, aquela voz me apelava, mesmo
A vida de Agustina tem sido longa e que falo desse magnífico encontro Vera Duarte, Onésimo (no papel de moderador), Germano Almeida, tratando-se de início de semestre e
variada. Há etapas mais esquecidas? anual. Aqui condenso a introdução João Ubaldo Ribeiro e Nelson Saúte as aulas nos States serem algo sério
A sua fase mais pública, que ocorreu ao volume, seguido de pequeno a que a gente não falta sem avisar
entre os anos 80 e 90, entre o apoio excerto de uma das crónicas os alunos com muita antecedência,
à candidatura presidencial de Freitas aos temas indicados às mesas pela papel e por isso o texto deve andar e sem lhes propor alternativas de
do Amaral e a direção do Teatro D. * * * organização, sendo o improviso a aí engavetado algures. O tema da substituição, pois eles pagam-nas
Maria II, passando pela direção de O Vinte anos de Correntes d’Escritas regra tácita e comum. Muito embora minha mesa era: "Literatura: o eco caras e têm por isso mais do que
Primeiro de Janeiro, foi muito falada não é um número qualquer. São já na segunda edição eu tivesse dos dias", mas a verdade é que desse direito a exigir a presença dos
na altura, sobretudo nos jornais, mas duas décadas de uma experiên- decidido incluir na minha charla um escrito não tenho eco nenhum... docentes. O que, convenhamos,
hoje é muito esquecida. cia cultural que nasceu pequena recente escrito meu, a partir de certa Gostaria de registar um caveat, é exaltante pois não dormem nas
e cresceu em idade, sabedoria altura, não me lembro exactamente uma espécie de pára-quedas para ditas e lêem o que se lhes manda,
E que novidades traz este trabalho? e graça, impondo-se nacional- quando mas talvez já na terceira ou me proteger: estes textos foram com a obediência de escuteiros.
Acredito que muitas, mesmo em mente de forma a influenciar o quarta edição, optei por ler uma pro- escritos para serem ouvidos, não Disse que sim porque o convite
relação a episódios que julgamos surgimento de uma variedade de sa mais ou menos arrumada, efeitos propriamente lidos. Daí a sua era estranho, porém aliciante de
conhecer bem. O casamento, por outras, por esse país fora, cada do hábito académico de nunca falar leveza. Pelo menos tive sempre a todo. E a voz do Chico tinha um
exemplo. Agustina disse muitas qual procurando à sua maneira, em público sem um papel nas mãos. preocupação de, sem deixar de tom que a imaginação põe nas
vezes que conheceu o marido atra- e conforme os condicionalismos, Costumo dizer que em congressos ou transmitir o que pensava sobre os vozes de personagens meio-lou-
vés de um anúncio, mas é diferente demarcar-se do evento-matriz da colóquios a diferença entre escritores temas sugeridos, diluí-los numa cas-meio-utópicas que moram
ouvir a história e ver o jornal onde Póvoa de modo a não parecer mera e universitários é nítida: os profes- fala não cansativa e, além disso, nas páginas de ficção e apelam ao
foi publicado, perceber o contexto e reprodução em fotocópia. Essas sores passam a vida a falar nas aulas, intervalada de estórias, porque leitor para se aventurar romance
a ousadia do gesto. Outro exemplos: metamorfoses, porém, não deixam mas para congressos levam um texto está mais que provado que em fora até onde der.
no início da vida literária e peran- de ficar a dever muito às Correntes escrito; os escritores, que conso- média um ouvinte, por mais atento Depois apercebi-me de que,
te as dificuldades que teve em se d’Escritas, como várias vezes tem mem grande parte da vida sentados que seja, retém no máximo 20 % por detrás da loucura do Chico,
afirmar, Agustina não se coibiu de sido reconhecido por alguns dos em isolamento a escrever e, quan- do que escuta. E a percentagem havia o enraizamento térreo
pedir auxílio a autores consagrados, seus organizadores. Impossível do aparecem em público falam ex diminui imensamente se o público da Manuela Ribeiro. Claro que
incitando-os a escrever algum texto ignorar também o largo portão corde. Porque nunca me considerei passa um dia inteiro a ouvir comu- também vi logo estampado no
positivo a seu respeito. O que qual- aberto pelas Correntes no domínio escritor e profissionalmente pertenço nicações e/ou discursos. Foi nesse primeiro sorriso a marca indelével
quer jovem em início de carreira da relação dos autores com o seu ao outro campo, achei sensato sair contexto que, desde o início, in- de uma alegria voltada para o sol.
faz ela também o fez. Isso huma- público. Congressos de escritores de casa com um texto na mala. Aos troduzi as estórias e o humor, nisso A Póvoa surgia-me povoada de
nizou-a muito aos meus olhos. A são apenas para eles, em círculo poucos a tradição foi pegando e hoje acompanhado pelos incomparáveis crenças ressuscitadas em títulos de
grande polémica que manteve com fechado. Entrevistas nos média é praticamente hábito generalizado, João Ubaldo Ribeiro, Manuel Rui e painéis onde a literatura prometia
Jaime Brasil a propósito do segundo expõem-nos aos leitores, mas a com raríssimas excepções. Germano Almeida (não por acaso festa e balões hoje inexistentes
romance, Os Super-Homens, tam- relação aí é sempre unilateral. Foi assim que acabei armaze- de África e do Brasil), que desde o no mercado dos sonhos porque
bém está mais explorada. Agustina Num evento como as Correntes, o nando um punhado de escritos para primeiro momento imprimiram às rebentaram ao tocarem no chão.
desvalorizava, sempre entre risos, contacto humano direto estabele- as Correntes. Alguns poucos foram Correntes essa tónica de comu- O primeiro encontro foi uma
este episódio, mas isto marcou-a ceu-se desde a primeira hora e não publicados, no entanto a maioria nicação directa com o público festa, um encantamento criado
profundamente. duvido do impulso resultante tra- ficou nos ficheiros onde há décadas transmitindo ideias embrulhadas pela magia das palavras de gente
duzido em acesso aos livros. Aliás, acumulo papéis, hoje infinitamente em narrativas ao vivo. que só sabia contar estórias,
Seguindo o mandamento isso acabou constituindo marca menos porque está tudo no poço Norman Malcom, filósofo discí- confirmando a ideia de não exis-
agustiniano, rodeou-se de imagens distintiva desses dias da Póvoa, sem fundo dos computadores, para pulo de Wittgenstein, garante ter o tirem verdades universais, só as
da escritora. Qual é, então, a que algo sobre que, de fora e com fre- salvação de tantas árvores. Fiz uma seu mestre dito uma vez que poderia estórias de cada um. E foi assim
melhor a define? quência, se franze o sobrolho com rusga e consegui reunir cator- escrever-se bom e sério trabalho que se passaram aqueles dias
Vi muitas imagens e retratos, mas cepticismo, ou cinismo até, mas ze, o primeiro dos quais de 2004 filosófico consistindo inteiramente num éden reinventado por pala-
guardo eternamente a sorte de a ter a opinião muda sistematicamente (depois ainda consegui arremedar de anedotas (e ele não estava a brin- vras mágicas. O João Ubaldo, o
conhecido e o impacto da sua presen- depois de os detractores fazerem o de 2001). Há, porém, uma falha: car, assegura-nos no seu Ludwig Manuel Rui, o Germano Almeida,
ça. A inteligência que emanava da sua a sua própria experiência. Tenho 2007. Tenho a vaga ideia de não ter Wittgenstein: A Memoir, de 1958). o Corsino Fortes, o Vergílio
figura, o riso que começava nos olhos acumulado inúmeros exemplos e podido inventar tempo para escrever Não tenho a veleidade de estes meus Alberto Vieira, o Ivo Machado
e terminava, muitas vezes, numa testemunhos ao longo destas duas antecipadamente e, já na Póvoa, me textos constituirem um trabalho quase não me davam tempo de
gargalhada cristalina e contagiante, décadas. ter fechado umas horas na Biblioteca filosófico; mas sérios, isso são. antena para eu contar as minhas
o olhar que nos perscrutava sem nos No início, todos faziam apresen- a escrevinhá-lo, o que significa Só queria enviar um gratíssimo e até me quedava boquiaberto,
devassar. Uma mulher e uma escrito- tações orais, sempre subordinadas que só devo ter guardado cópia em abraço à Póvoa de Varzim, ao Luís orelhas alargadas a ouvi-los.J
ra extraordinárias. J L. R. D.
2o * tema/letras CORRENTES D’ESCRITAS jornaldeletras.pt * 13 a 26 de fevereiro de 2019 J

Os livros OS DIAS DA PROSA


de Nélida e de Miguel Real
Loyola Brandão

Alice Brito
Um hino a Setúbal

O
s três romances de Alice Brito, As Mulheres da tiram a elevação das populações pobres e analfabetas (representadas
Fonte Nova (2012), O Dia em que Estaline en- pelas irmãs Bárbara e Brígida e por Encarnação, criada dos Santana) a
controu Picasso na Biblioteca (2015) e o agora um nível social de classe média. Com um final totalmente inesperado,
publicado A Noite Passada constituem um seja quanto à identidade do narrador, que, por sua vez, altera a iden-
verdadeiro hino em prosa a Setúbal, ligando tidade das personagens principais, seja quanto ao destino do perverso
indelevelmente o nome da autora à represen- Amadeu Silveira, A Noite Passada – repetimo-lo – é uma verdadeira
tação estética e social da cidade, ao longo do homenagem estética a Setúbal, ligando para sempre o nome da autora
século XX. Se o primeiro figurava a cidade à cidade. Figura (não chega a ser personagem) titular do romance e da
entre as décadas de 30 e 60, A Noite Passada cidade: o “cantor”, isto é, José Afonso.
constitui, de certo modo, o seu prolongamento, abordando a sua evo- O estilo é igualmente pertinente a uma classe média despreconcei-
lução desde o final da II Guerra Mundial até ao fim do século. E se As tuosa, de tendência política revolucionária, utilizando uma linguagem
Entre os escritores que Mulheres da Fonte Nova se centrava no campo temático feminino e nas ligeira, com cunhos de oralidade, utilização de expressões populares
participarão no Festival, classes pobres, este novo romance foca-se sobretudo na classe média (mas não popularuchas) e de calão, uso de impropérios e asneiras,
e nele lançarão livros, (Bairro da Conceição, Bairro do Liceu, mulheres domésticas, emprega- pertinente à frequência da juventude oposicionista do café Tamar e das
destacam-se também dos de escritório, filhos e estudantes universitários), na sua reivindica- tertúlias do Círculo Cultural, mais tarde leitora do jornal O Setubalense
dois, ambos brasileiros, ção política de crítica ao regime do Estado Novo, no desejo de liberdade e ouvinte da rádio A Voz da Revolução. Reproduz, de certa forma, o
aos quais nesta edição não e no conjunto ideológico pertinente à esquerda revolucionária. uso do léxico de jovens universitários da década de 60, contestatários
damos mais espaço porque Acompanhando a evolução social e política de Setúbal, traça-se das categorias políticas burguesas desse período, que se mantém ao
a eles, e a esses livros, literariamente a evolução histó- longo do romance seja pela evolu-
já o demos amplamente rica de todo Portugal (Humberto ção etária das personagens seja pela
em edições anteriores. Delgado, Guerra Colonial, con- releitura interna do romance (subli-
Primeiro, Nélida Piñon, testação estudantil, 25 de Abril, nhado nas páginas em itálico) pelo
de que será apresentado, 28 de Setembro, 11 de Março e 25 seu putativo autor e narrador (Luís)
com edição portuguesa de Novembro, o cerco operário e cúmplices (Luísa, Mafalda, Gil)
(Temas e Debates) antes ao Parlamento, Mário Soares e que hoje, segunda década do século
da brasileira, o seu novo a Europa, o cavaquismo como XXI, revivem por escrito o que
livro, Uma Lágrima Furtiva. face portuguesa do capitalismo viveram entre as décadas de 50 e de
Com ela fizemos uma longa financeiro mundial...), não só não 80, nomeadamente o Verão Quente
entrevista, acompanhada desligando a cidade da restante de 1975. Em síntese: a linguagem
pela pré-publicação, na realidade nacional como atribuin- do romance é a expressão de uma
última edição do JL, de que do aos acontecimentos políticos juventude rebelde que se liberta do
aliás foi capa – e Nélida, a nela ocorridos uma singularidade moralismo burguês do Estado Novo
homenageada na Revista revolucionária (a “cidade verme- pelo uso de palavras ditas então
das Correntes, estará à lha”, p. 255), com predomínio nas indecentes, abafadas, reprimidas,
MARCOS BORGA

conversa com José Carlos ruas de elementos revolucionários inclusive asneiras (tenha-se em
de Vasconcelos, também (à esquerda do Partido Comunista, conta a linguagem dos romances
sobre o livro, na quarta- visto por Lídia, sua militante, Alice Brito de Nuno Bragança, sobretudo a de
feira, 20, às 17 horas. Depois, posteriormente expulsa, como o A Noite e o Riso, 1969, expressão
Ignácio Loyola Brandão, já partido “empata-fodas”, p. 285). de semelhante rebeldia). É, neste
presente nas duas anteriores Neste sentido, do ponto de vista sentido, uma linguagem marginal
edições das Correntes, que político, A Noite Passada evidencia-se como a aplicação estética das para a época, que permanece hoje marginal a todo o poder, mas já não
entrevistamos e sobre o teses da historiadora Raquel Varela (A História do PCP na Revolução dos reprimida, porventura mesmo, ainda que não habitual, literariamente
qual demos a lume diversas Cravos, 2011): Encarnação, criada analfabeta, moradora num “bair- consentida.
matérias, aqui escreveu a sua ro-da-folha” (bairro de lata A Cova do Canastro), é criticada pelo Os livros escolhem os seus leitores. Este, narrando a história de um
Autobiografia, foi capa da PCP e pela câmara por ocupar um andar nos novos prédios do bairro segmento jovem da população que ansiou pelo e que viveu revolucio-
edição de 15/2/2017 e esteve Fundação Salazar, argumentando que os “ocupas” estariam a fazer “o nariamente o 25 de Abril de 1974, permanecendo rebelde após o 25
na capa do de 14/2/2018 – e jogo da reação” (p. 251ss.). de Novembro de 1975, atrai o leitor cuja memória ainda hoje
aquando do lançamento, no Uma história de amor, traição, ciúme e cruelda- arde (“... as brasas [da Revolução] viraram cinzas”, p. 311),
Brasil, do romance que agora de dá corpo às personagens: um inspetor da PIDE, recusando esquecer os 30 anos agitados e subversivos, entre
será lançado nas Correntes, Amadeu Silveira, figura-síntese do Estado Novo, as décadas de 50 e do 70 do século passado, bem como o
Desta Terra Nada Vai Sobrar, como uma sombra aterradora permanente (antes e leitor mais novo que, não os tendo vivido (como a persona-
A Não Ser O Vento Que Sopra depois do 25 de Abril), devasta a família de Joaquim gem Mafalda), os considera no entanto vitais para o conhe-
Sobre Ela (Ed. Teodolito), e de Amélia Santana, ele empregado nos serviços cimento da História Contemporânea de Portugal. Sobretudo,
publicámos (edição de administrativos do Hospital do Outão, moradores seria um crime de lesa-cultura que os setubalenses, velhos
12/9/2018) uma crónica sua a em Setúbal, fugidos de Lisboa. Objeto da perse- e novos, não lessem A Noite Passada, título, enfim, exces-
propósito e um fragmento da guição (por motivos que não revelamos): o filho sivamente neutral para um romance tão historicamente
obra – sobre a qual, e decerto António, bom estudante em Setúbal, posteriormente empenhado, fazendo lembrar histórias de Luísas românticas
não só, Ignácio conversará estudante de Economia em Lisboa e membro da ansiando pelas visitas de Basílios.
com Pilar del Río e Valter extrema-esquerda. Através dele, de Lídia e de Rui Emergida na segunda década do século XXI, com três
Hugo Mãe, no dia 20 às 18 Corninho, o romance escalpeliza as transformações › Alice Brito romances publicados de qualidade estética indesmentível,
horas. revolucionárias na cidade, cristalizando na escrita a A NOITE PASSADA Alice Brito tornou-se, em seis anos, uma importante figura
memória desses tempos agitadíssimos, que permi- Planeta, 338 pp, 17,77 euros literária do panorama do romance português. J
J 13 a 26 de fevereiro de 2019 * jornaldeletras.pt

* 21
22 * artes jornaldeletras.pt * 13 a 26 de fevereiro de 2019 J

Areal, nome de arte


da mãe, sarcásticos e de crítica
social e da própria história de
arte, no avô”.
Por seu lado, Sofia Areal

Um património de formas
encontra uma maior proximi-
dade entre os trabalhos do avô e
do neto, por um caráter “con-
ceptual” que ambos partilham,
embora não se tivessem conhe-
cido. “Há um fio condutor que,
no entanto, nos liga aos três”,
adianta. “Trabalhamos de uma
forma muito pessoal, não de
grupo, apesar de o meu pai ter
começado pelo surrealismo e ter
Areal ao cubo, três gerações de artistas, na mesma família, António, Sofia e Martim, numa passado à pop, embora não fosse
equação com 26 anos de diferença na data de nascimento como denominador comum, 1934, 1960 bem surrealista ou pop. Ou de
eu ser expressionista ou gestual,
e 1986, mas que traduz mais do que qualquer resultado da probabilidade genética ou das leis da mas também nem tanto. Sendo
hereditariedade. É um património de formas que se pode descobrir numa exposição em Torres artistas e por sê-lo, como me foi
ensinado e ensinei, todos temos
Novas, no Mercado do Peixe, até 10 de março um trabalho profundamente
individual de pessoas que obser-

o
vam o mundo”.
Maria Leonor Nunes E de maneira diferente:
“Agimos de acordo com essa
forma de observar, tendo
sempre em conta que existe um
percurso do Homem pensador,
História de Arte, cultura, onde
vamos beber”. Uma atitude ar-
tística que não esquece a relação
com os outros, o público, impli-
cando “reciprocidade”. “Temos
a constante consciência de que
estamos no mundo”, diz ainda a
pintora.
Além dessa observação
Entre eles, um círculo, uma “exigente” do mundo e do
“circularidade” traçável como próprio trabalho, uma quase
um movimento intergeracional. “urgência”em relação ao tempo
E mais do que uma geometria, que lhes foi dado viver, também
uma “exigência”, um “indivi- os liga a cor, a forma. “O que
dualismo”. Um destino traçado quisemos na exposição foi que
na arte portuguesa contempo- se descobrisse o jogo de in-
rânea, em três tempos, como fluências, percebendo como por
um pergaminho familiar. exemplo utilizo certas formas
Areal3, no Mercado do Peixe, que o meu avô e a minha mãe já
em Torres Novas, junta 34 obras utilizavam”, faz notar Martim.
de António Areal, Sofia Areal e Mas há outras afinidades e
Martim Areal Brion, avô, filha e singularidades a descobrir. “O
neto, a quem unem não só laços meu trabalho tem um lado muito
de parentesco, mas uma irresis- Arial 3 Exposição em Torres Novas, no Mercado do Peixe imediato, que não tem a ver com
tível predisposição genética para o não pensar, com uma sofre-
a arte. guidão gratuita. Vem de um pul-


A exposição surgiu de um sar, do criar um problema que
convite de Margarida Moleiro, futura retrospetiva de António E, sobretudo, perceber qual o vou resolver”, assevera Sofia. “O
diretora do Museu Carlos Areal, que morreu em 1978, e meu património e investigar so- meu pai já sabia o que ia fazer
Reis, e em ligação à galeria que teve uma última grande ex- bre o avô que não conheci e que quando começava um trabalho.
Neupergama, onde, há 20 anos, posição em 1990. “Inicialmente, todos dizem ter sido um grande Esta exposição fez-me E é engraçado que acontece o
convidada então pelo galerista tinha-se pensado juntar obras artista”. mesmo com o Martim. Mas há
José Carlos Cardoso, Sofia Areal da mãe e do filho, o que poderia olhar para o meu sempre uma depuração, um lado
entrou numa exposição, ben- parecer quase um apadrinha- Um património de formas. Com trabalho, perceber certeiro”.
jamim de um grupo de artistas mento, mas achámos que seria a mãe eram já reconhecidas No “meio” dos dois artistas,
como António Sena, João Vieira mais interessante uma mostra as “influências cruzadas”, até
qual o meu património António Areal, pintor, e Martim
ou Mário Cesariny. A relação com uma maior abrangência, por muitas trocas de ideias e e investigar sobre o Brion, fotógrafo e escultor, Sofia
com a galeria manteve-se sem- seguindo uma linha condutora opiniões habituais. De resto, Areal é, como ironiza, a “ar-
pre, mesmo depois da morte do familiar”, explica o artista. a mostra da linhagem Areal
avô que não conheci, golinha” de ligação, um elo de
galerista, com a filha deste que Uma linha que nem sem- justificou-se tanto mais quanto António Areal, que foi continuidade na diferença. “Eu
lhe sucedeu e num almoço, a
propósito de uma mostra do tra-
pre foi evidente para ele, que
chegou a ter uma certa “aver-
o trabalho artístico é assunto
natural nas conversas entre mãe
um grande artista sou mulher e sinto que o meu
trabalho é de pintora”, salienta
balho da pintora em Abrantes, são” ao mundo da arte, arte que e filho. “Além do amor inato, Martim Brion ainda, frisando o feminino, em-
alargou o círculo ao trabalho do no entanto que esteve sem- unem-nos mais os interesses co- bora não decorra de uma posição
seu filho. “E por que não, circu- pre presente, nomeadamente muns pela arte e pela literatura”, de género. “Nem gosto que me
larmente, fazermos uma mostra através dos quadros de António acrescenta Sofia. chamem artista plástica, porque
conjunta de três gerações?”, Areal que povoavam as paredes Uma relação literária forte surgiram os nomes de algu- isso alarga para um campo que
alvitrou Sofia. da casa onde cresceu.”Estão lá presente nas obras que Martim mas peças”, adianta o artista. não é o meu. Tenho uma neces-
A ideia concretizou-se, tam- desde que nasci e acho que os sei mostra em Areal3, uma es- “Todos temos na literatura sidade absoluta de concentração
bém porque Martim Brion tem de cor. Não havia uma influência cultura e fotografias espe- uma certa inspiração, porque na pintura e no desenho. E sinto
revisitado ultimamente a obra consciente, mas inconsciente cialmente criadas para aquele gostamos muito de ler, o que se que o meu trabalho é profunda-
do avô, reunindo inclusivamen- e a oportunidade de fazer esta espaço. “Andava a ler Proust vê nos jogos de palavras com mente feminino, no sentido em
te testemunhos de pessoas que exposição fez-me olhar para o e das referências a Racine, os títulos, mais trocadilhos, que nós, mulheres, permitimo-
o conheceram, pensando numa meu trabalho e ver essa ligação. ao teatro, à cortina de palco, num jeito brincalhão no caso -nos o poder da intuição”.
J 13 a 26 de fevereiro de 2019 * jornaldeletras.pt EXPOSIÇÕES
artes * 23
TRÊS CAMINHOS tico, com o pensar e o olhar,
AUTODIDATAS com a escrita”, diz Sofia. E um
António Areal nasceu no Porto, fazer artístico que não tem a ver
em 1934 e começou a expor em com muito trabalho de artistas
meados dos anos 50. É um dos visuais, que precisam de dez pá-
nomes de referência do século ginas escritas para explicar um
XX português, com uma obra desenho de computador. Há uma
multifacetada no domínio da forte componente da arte que
pintura, com abordagens da tri- hoje precisa de livro de instru-
dimensionalidade, cruzando di- ções, de que me sinto completa-
ferentes movimentos artísticos, mente afastada. Não só porque
do surrealismo a nova figuração, uma obra tenha que falar por si
no desenvolvimento de uma própria, mas também por uma
linguagem própria, complemen- questão de confiança no que as
tada por uma produção teórica pessoas vão ver e sentir”.
sobre as vanguardas e na crítica De António Areal, pode ser
de arte. visto, no Mercado do Peixe de
Sofia Areal tinha 18 Torres Novas, um conjunto de
anos quando o pai morreu obras que pertencem à Fundação
Prematuramente (na sequência Gulbenkian. Martim Brion,
de agressões nunca esclareci- que a 2 de março irá inaugurar
das), com 44 anos, sendo que os um projeto individual, Capela
pais se haviam separado quando - Altar - Janela - Uma paisa-
tinha oito. Ela guarda dele uma gem com as cores do mar, na
recordação “muito viva” e ape- Travessa da Ermida, em Lisboa,
sar da separação, reconhece que mostra peças de 2014 até hoje,
teve uma “grande importân- uma pequena vista sobre a
cia” no seu trabalho, que aliás, “progressão” do seu trabalho
iniciou já depois da sua morte. que parte em regra da fotografia,
“Lembro-me como se fosse “imediata”, para a escultura,
ontem, estar no atelier do meu Sofia Areal Um elo de continuidade entre gerações “mais amadurecida”. E Sofia
pai e ele a explicar a diferença Areal fez uma nova série de


entre o baço e o brilhante, a pinturas a que chamou Amélie,
transparência, o cheio e o vazio, justamente o nome da neta,
o contorno da forma física do “E curiosamente essa é uma vem, em seu entender, também filha de Martin, que tem apenas
trabalho, que foi depois muito característica comum, por- o conhecimento e a “confiança” alguns meses. Quem sabe uma
importante para mim”, recorda.
Martim Brion, nascido em
O meu trabalho que o meu avô, a minha mãe
e eu somos todos autodidatas,
que lhe permitiu avançar nesse
meio.
futura Areal4... Ao que tudo
indica, a avaliar pela presente
1986, também teve berço ar- tem um lado muito estudamos por conta própria”. “O Martim teve sempre esse exposição, os genes da arte não
tístico e viveu entre os ateliers imediato, vem de um E dos antecedentes familiares, à-vontade com o fazer artís- são recessivos.J
do pai e da mãe, já que é filho
de Sofia Areal e de Rui Sanches, pulsar. O meu pai já
escultor e professor universitá- sabia o que ia fazer
rio. Talvez venha por via paterna
a sua escolha da escultura. Um quando começava
caminho que não foi, porém, e acontece o mesmo
uma primeira escolha. É que de
tanta convivência com arte – até
com o Martim
depois da separação dos pais: Sofia Areal
também a segunda mulher do
pai, Teresa Segurado Pavão, e o
filho desta, Henrique Pavão, são
artistas – causou-lhe uma espé- aproximando-se com coragem
cie de saturação, uma vontade daquilo que sempre sentiu que
de ir para os antípodas. E foi. era o seu campo. E tinha que
“Não queria ter nada a ver com ser”, observa Sofia.
aquilo que os meus pais faziam e Foi ela, como lembra
que achava uma seca”, justifica Martim, que acabou por im-
com um riso. “Sempre que saía pulsioná-lo decisivamente, há
com o meu pai, basicamente o meia dúzia de anos, a começar
programa era ir a exposições a fazer fotografia. “Só tive com
e ao cinema para variar um ele duas teimas e insisti de uma
pouco”. maneira bastante firme: quando
Estudou política e depois ges- ele pensou abandonar o caraté,
tão. A “reaproximação” à arte que achei que lhe fazia falta
foi lenta. Fez estágios, trabalhou como estruturação mental, e na
em várias empresas, criou as altura em que estava indeciso
suas, tentou mesmo juntar os no rumo a dar à vida e lhe disse
negócios às artes com a ideia de para fazer o que sentia, sem
fazer uma galeria, estudou na pensar no dinheiro ou no que
Sotheby’s, chegou a trabalhar quer que fosse. Como quem
na Christie’s. Porém, nada o acionasse uma urgência médi-
realizava completamente. Até ca”, garante ela. “E acho que o
que um dia, alguém lhe pergun- resultado foi bom”.
tou se era estar ao computador Atualmente, Martin vive e
a tratar das finanças que queria trabalha em Berlim. “Comecei
fazer. “Disse-lhe que achava um a desenvolver os meus projetos
trabalho interessante, mas …”, e a ler muito sobre arte. Fiz um
lembra. “E ele perguntou-me de pequeno curso na Royal College
que mundo vinha. Aí, eu percebi of Art, porque achei importante
que era da arte”. ter uma educação artística, já
Voltou assim à “base”. que não tenho estudos espe-
“Remou contra a maré, mas foi cíficos nessa área”, sublinha.

PremioPoesia_JL_1262.indd 1 06/02/2019 12:29:10


24 * artes ENTREVISTA jornaldeletras.pt * 13 a 26 de fevereiro de 2019 J

Rita Azevedo Gomes


e audaz. Para este filme, tínhamos
isto na cabeça aquela ideia do Walter
Benjamim, que ficou um ícone revo-
lucionário, do anjo que é levado pelos

Musil segundo Agustina


ares, pelas tempestades e depois volta
a posicionar-se. E vi-a assim como
uma figura esvoaçante. Queria muito
que ela cantasse. Então, pensei em
musicar alguns poemas, mas depois
entrou o José Mário Branco, que
tratou de toda a banda sonora

José Vieira Mendes. em Berlim Estamos na Berlinale e exatamente


agora o governo português está aqui
a lançar o programa Pic-Portugal-
Depois do documentário Can’t Skip Filming in Portugal, para
Correspondências (entre Sophia de incentivar as filmagens no nosso país.
Mello Breyner e Jorge de Sena), a Olocais escolhidos para o filme são
realizadora portuguesa Rita Azevedo lindíssimos. Onde filmou?
Gomes (Vingança de Uma Mulher) Quase à porta de casa. Nós não
volta à ficção com A Portuguesa, podíamos ir para muito longe, para
uma viagem pictórica e colorida a Europa central. Filmámos tudo em
sobre um conto do escritor austríaco seis semanas. Mas tivemos várias
Robert Musil, adaptado ao cinema deslocações implicando dois dias
por Agustina Bessa-Luís. A história de viagem de uma equipa, que se
de uma Europa desunida não podia perdem em filmagens. Filmamos
ser mais atual, apesar de estarmos em Sintra e no Domus Municipalis
na Idade Média. No norte de Itália, os de Bragança. Mas eu queria absolu-
Von Ketten há gerações que dispu- tamente filmar no Convento de São
tam forças com o Episcopado de Francisco do Monte, em Viana do
Trento. Entretanto, o mais jovem, na Castelo, aquela ruína que se vê na fita.
linhagem, contrai matrimónio com Percorri Portugal inteiro para fazer a
uma bela e ruiva mulher, vinda de ‘reperáge’. Não me interessava muito
um país longínquo: Portugal. Depois filmar nos castelos portugueses,
de regressar à sua casa senhorial, hoje são muralhas, o que havia de
após a viagem de lua de mel, Von Clara Riedenstein, em A Portuguesa, de Rita Azevedo Gomes Adaptação do conto de Robert Musil, com guião de Agustina madeira ardeu tudo, estão cheios de
Ketten, agora senhor por morte passadiços com lanternas, vitrais e
do pai, tem de voltar novamente à lojas de lembranças para os turistas.
guerra, deixando a esposa portuguesa Tinha visto imagens desse convento,
sozinha. Passam 11 anos e correm fora um retrato de Isabel de Portugal, averiguar e há realmente um memo- que está em risco de cair. Consegui
rumores sobre o comportamento de Ticiano, que ele viu no Museu do rando do Musil, notas de viagem, em autorizações e assinei uma carta de
herege dessa ‘estrangeira’, no castelo Prado. que existe essa referência ao quadro responsabilidade. Estando no Norte,
e fora dele. Quando a paz é assinada, da linda e ruiva Isabel de Portugal. acabei por fazer algumas cenas por
a vida do cavaleiro Von Ketten muda O seu filme também tem essa ali, depois fomos para Salvaterra do
completamente, graças a essa bela e influência da pintura clássica… Foi por isso que escolheu para Extremo (Idanha-a-Nova, Castelo
enigmática esposa. Uma história de Eu própria imaginei essa história: o protagonista a atriz Clara Riedenstein Branco), onde está aquela torre de
cavaleiros e donzelas, paixão, ciúme, Musil no Museu do Prado em frente (a ruiva sardenta de John From, de castelo. Para a casa senhorial, vi
bruxas e feitiços, que são de outro ao quadro da Isabel de Portugal. João Nicolau)? várias hipóteses na zona de Ponte de
tempo, mas que explicam muito sobre Uma mulher fogosa, bonita, amante Andei à procura de uma atriz ruiva e Lima, mas são casas de família habi-
os homens e as mulheres de hoje. Para e defensora das artes. Comecei a tive a sorte de encontrar a Clara. tadas e mobiladas e não dá para estar
já A Portuguesa enfeitiçou a crítica entusiasmar-me e um dia perguntei à a despejá-las. De repente tive um'bri-
internacional da Berlinale. O JL falou Agustina se ela não queria fazer uma E escolheu também um verdadeiro lhante' ideia que foi procurar palácios
com a realizadora. adaptação do conto para o cinema. E ‘príncipe italiano’, o Marcello que estão à venda e encontrei a Torre
ela aceitou. Urgeghe. da Aguiã, em Arcos de Valdevez. Falei
JL: Porque escolheu para adaptar ao Quando leio o conto do Musil ve- com o proprietário e foi ótimo porque
Rita Azevedo Gomes
cinema, este conto A Portuguesa, do Trabalhou diretamente com ela? mos nesse personagem talvez um nos deu-nos a possibilidade de pintar
livro As Três Mulheres, do escritor Deus me livre! Deixei-a fazer à ‘homenzarrão’, um cavaleiro, um paredes. Na capela chegamos mesmo
austríaco Robert Musil? sua vontade…e fiquei com grande guerreiro. Mas ao mesmo tempo é um a pintar frescos…
Rita Azevedo Gomes: Adoro alfarra- curiosidade de saber no que ia dar. Ciúme, traição, relacionamentos falso forte. O Von Ketten leva aquela
bistas e compro muitos livros, edições Foi um bocado complicado porque complicados… vida porque o avô e o pai já o faziam, No fundo, A Portuguesa é uma
antigas que têm capas e lombadas havia a questão dos direitos de autor Sim, Agustina mete todas essas coisas ele continua a linhagem, numa guerra história que acaba bem…
bonitas. E um dia comprei este livro do Musil e tive de negociá-los com e deixa-me sempre perplexa pela ancestral que não é bem a sua. Julgo Não é de todo uma tragédia… Esta his-
no Porto sem saber bem o que era. a editora alemã. Eram caríssimos… forma como retrata a alma humana. que há um desajuste qualquer deste tória é muito tangente aos nossos dias,
Não o li logo. Quando em 2005 fiz um consegui explicar-lhes que eu não era É fascinante a maneira como ela vê homem com a guerra e achei que porque trata de lutas de poder, de
filme para Faro, Capital da Cultura, o Spielberg e fizeram um preço razoá- e entende as relações das pessoas, as o Marcello tem a figura ideal para lutas religiosas, da questão de género,
que se chamava A Conquista de Faro, vel, que consegui pagar do meu bolso, sub-camadas dessas relações, essas representar a personagem. Nunca deste diálogo ou duelo que vem das
pedi à Agustina Bessa-Luís que porque não tinha ainda produtor. Isto personalidades complexas. tinha trabalhado com o Marcello e forças do masculino e feminino, da
me escrevesse um guião. Num dos porque a Agustina obviamente não gostei muito. Ele tem aquele ar frágil, ironia das coisas. E dá-nos uma mu-
encontros, num almoço no Grémio escreveria o guião sem ter a questão Acha que consegue transmitir isso no debilitado, e desconstrói um pouco a lher que é uma herege, gosta de gatos
Literário, falou-se deste conto do dos direitos para adaptação ao cinema seu filme? imagem inicial do cavaleiro, do guer- e lobos, faz coisas que não é suposto
Musil. E eu disse-lhe que tinha esse resolvida. Não sei…acho que tinha esta dupla reiro feroz, que nos é dado no conto. uma dama daquele tempo fazer, como
conto em casa. Fui a correr lê-lo e Musil-Agustina, um ‘casal’ extraor- cantar, nadar nua no rio, esculpir em
gostei imenso. E como ficou o guião? dinário, cada um no seu mundo. Intriga-me muito a personagem barro. Uma mulher livre, fora do pa-
A Agustina entregou-me passados Não sei como seria um encontro real interpretada pela Ingrid Caven. Que drão de época, que consegue criar um
É um texto quase sem diálogos. uns tempos um guião que tem sete entre os dois, mas esta aproximação representa ela no filme? universo só seu. Um universo que é
De início achei a história muito a dez páginas, já não sei, mas com deu-me a possibilidade de os juntar. Como dizia o outro, ela é o que cada muito forte. E ela aguenta vários anos
enigmática. Não se explica tudo. uns diálogos brutais. E fiquei, como A forma como a Agustina leu Musil, um quiser... Há muito tempo que de- uma espécie de solidão, porque sente
Gosto disso e procurei transmiti-lo quando li o Musil, a perguntar a mim o que acrescenta ou diz além dele. sejava trabalhar com a Ingrid Caven. que é ali o seu lugar.
no filme. É um conto relativamen- mesmo: onde é que esta senhora me Com estas duas referências, com estes Conheci-a na Biennale e pretendi que
te pequeno, tem talvez umas 20 quer levar? Porque além da história dois textos, pois nunca me descolei ela tivesse uma pequena participa- Os homens fazem as guerras, mas as
páginas, mas é muito intrigante. A do Musil ela acrescenta-lhe mais do texto original, puxei ainda alguns ção no Correspondências, mas não mulheres é que mandam…
Agustina disse-me que talvez o que intriga, muito ‘agustiniana’, como só trechos de outras obras do escritor, foi possível: e ainda bem porque era Não sei os homens fazem as guerras,
tivesse levado o Musil a escrevê-lo ela sabe fazer… que estão também nos diálogos. Fui algo um pouco complicado, violento mas as mulheres têm o seu poder. J
J 13 a 26 de fevereiro de 2019 * jornaldeletras.pt ESPETÁCULOS
artes * 25
TEATRO é magnífico na construção do doce
e vulnerável Evan, o adolescente in-
Helena Simões truso que vem introduzir um raio de
luz naquela amizade instável e doen-
tia, não obstante o afeto genuíno.
Técnica e sofisticação na elocução

A Guitarra de Jasper de uma gaguez feita de pequenas


interjeições quase infantis, tosses,
pequenos gestos atabalhoados como
passar a mão pelo cabelo, pelo joelho
ou apenas a cruzar os braços, que
informam sobre a timidez excessiva
perante adultos que o deslumbram e

JORGE GONÇALVES
Conhecemos a dramaturga norte- irremediavelmente 'danificados' e que vai ingenuamente tentar imitar.
americana Annie Baker (1981) de O alienados do mundo dito normal. O Talvez não completamente, depois
Cinema, levada à cena pelos Artistas sistema altamente competitivo, das da vivência do absurdo da realidade.
Unidos, em 2017, e que lhe trouxe ambicionadas realizações financeiras Tudo isto numa cenografia de Rita
notoriedade ao ganhar o Pulitzer, e reconhecimentos sociais, esma- Lopes Alves, cuidada e plenamente
em 2014. Encenada por Pedro gou-os ou impediu-os de navegar na Os Aliens de Annie Baker, com encenação Pedro Carraca pelos Artistas justificada das traseiras de um café, o
Carraca que agora volta à mesma onda dos bem-sucedidos. Porém, não Unidos no Teatro da Politécnica poiso habitual dos dois amigos.
autora com Os Aliens (2010), peça é das causas que Baker se ocupa, mas Este delicado e esmerado espetá-
anterior a exibir uma estrutura da forma teatral como nos mostra a culo tem forte componente musical
meticulosamente construída e livre condição dos seus desajustados: com Pedro Carraca entendeu bem o consistência da presença em cena. original, ancorada na ficcionada banda
de convenções dramáticas. Com compaixão, tato, agudeza de espírito. pedido de Baker para observar os A pungente situação de romancista, que as personagens em tempos forma-
um ouvido atentíssimo ao discurso Os discursos de Jasper e KJ denotam silêncios, as pausas, a duração dos talvez genial, obcecado com Charles ram, e a musicalidade dos atores, que
quotidiano, Baker detém-se no não- uma extrema atenção aos seus estados tempos e a desarticulação das ações, Bukowski pela procura da essência com naturalidade cantam e tocam,
dito e nos seus corolários: os silêncios, de alma e capacidade de reflexão sobre acentuando a lentidão dos peque- da existência, surge escorada pelo acrescenta um contraponto comoven-
as pausas, as interjeições, para nos os factos que rememoram. De facto, nos gestos de forma orgânica e a desespero que incrusta nos cigarros te para tanto desconsolo existencial.
devolver diálogos de uma espantosa não há ação exterior, porque o olhar conceder-lhes maior significação. que prepara e fuma sem cessar. No fim, a guitarra de Jasper vai dar
sinceridade e profunda humanidade. está voltado para o interior daquelas Revelou-se muito feliz na escolha dos Afonso Lagarto é o neurótico KJ, testemunho de que todas as vidas va-
Os Aliens pertence a um grupo de personagens que pensam, sofrem, atores, porquanto resolvem as suas o seu par, quase sempre ausentado lem por si. Este espetáculo também. J
peças que se desenrola em Shirley, a amam e morrem como todos. A acui- personagens com verdade e compro- por cogumelos “psicadélicas” que
ficcionada pequena cidade no estado dade da perceção de si e dos outros, misso emocional. Desde logo Pedro mistura no chá, igualmente justo e › OS ALIENS
de Vermont, onde a autora coloca as filtrada pela derisão de suas expe- Caeiro num brilhante desempenho concentrado num difícil papel de de Annie Baker, Tradução Mariana Maurício, Com
Afonso Lagarto, Pedro Baptista e Pedro Caeiro,
suas bem desenhadas personagens riências, assemelha-se ao movimento do dilacerado e neurasténico Jasper, comportamentos delirantes que exe- Cenografia e Figurinos Rita Lopes Alves, Luz Pedro
através de subtis detalhes, a revelar- de autenticidade das personagens de a concentrar as emoções numa cuta com rigor e estudo dos mínimos Domingos, Músicas e letras originais Michael Cher-
-nos a história da sua amizade, por Tchecov, mergulhadas no seu mundo intensa imobilidade a que a implo- detalhes, a criar estranheza pela nus, Patch Darragh e Erin Gann, Direção musical
onde perpassam, naturalmente, as interior, aflorando à superfície com são/explosão do discurso conferem eloquência em lógica matemática Rui Rebelo, Encenação Pedro Carraca. Produção
Artistas Unidos. Teatro da Politécnica, terça e
suas vidas não exemplares. Embo- frases e palavras que confluem com as pendor trágico. Exato nos tempos e e a trazer clareza aos limites da sua quarta às 19h, quinta e sexta às 21h, sábado às 16h e
ra na casa dos 30, Jasper e KJ estão dos outros no tempo e no espaço. na contracena revela maturidade na amizade com Jasper. Pedro Baptista às 21h. Até 2 de março.

Bolsas Gulbenkian
Especialização e Valorização Profissional
em Artes no Estrangeiro

Está aberto o concurso para atribuição de bolsas de estudo em Artes Visuais,


Curadoria, Cinema, Teatro e Dança.
O concurso destina-se ao desenvolvimento de projetos de especialização académica, criação artística ou
pesquisa teórica, mas também à valorização e atualização profissionais (campo que se considera prioritário)
de quadros técnicos e especialistas que desempenhem a sua atividade profissional nestas áreas. Não são
aceites candidaturas nas áreas de Arquitetura e Urbanismo, Design, História da Arte, Património e Arqueologia.
Informações e candidatura online até 28 de fevereiro.

GULBENKIAN.PT

FCG_JL_254x148mm_BolsasGulbenkian_Arte.indd 1 06/02/2019 15:23


26 * artes DISCOS jornaldeletras.pt * 13 a 26 de fevereiro de 2019 J

CLÁSSICA POP

O futuro
de Debussy A descoberta da Madeira ao mesmo tempo que explica, desmonta e
interfere, como se conseguisse, simulta-
neamente, mostrar a tradição e manipulá-
Pode dizer-se -la. Exemplo maior dessa vertente é o
que o pianista final do disco, com a Canção da Serra +
andaluz Javier Carga de Cana de Açúcar, canção de tra-
Perianes, de Na Madeira, assim como nos Açores, a balho, justamente explicada, criando um
algum modo, música tem uma presença viva e cons- elo antropológico ou etnográfico. Fasci-
começou aqui tante, que vai muito além dos jargões do nante disco, obra maior da nova música
o seu percurso, Bailinho e afins. Há uma tradição musical, tradicional. Bons ouvidos o escutem. J
nos Prelú- rica, persistente, que ainda hoje se reper- MANUEL HALPERN
dios, de Debussy, no 1.º Livro de cute estatisticamente no elevado número
Prelúdios do compositor francês. de praticantes. É pois importante fazer a
Foi na entrada dos anos 2000, recolha e registo de todas essas tradições,
num álbum não comercializado, mostrando a sua riqueza e diversidade.
distribuído pela Junta da Andalu- Mas também é importante dar a essa tra-
zia, numa altura em que o pianista dição uma pertinência ou leitura contem-
ganhava o prémio de Jaen e em porânea, reconhecendo, além do mais,
que o concurso Vianna da Motta, o índole cosmopolita da Madeira. E aqui
no verão de 2001, em Lisboa, lhe entra o trabalho notável de André Santos, irrepreensível, que não procura o choque,
atribuía o terceiro lugar, numa neste projeto com o título Mutrama. Não mas uma verdadeira fusão de elementos,
competição deixada sem vence- se trata de 'atualizar' um cancioneiro, mas em que a tradição serve a música moderna
dor. Passadas quase duas décadas, sim de trabalhá-lo segundo um olhar e e viceversa. Acrescenta a isto participan-
Perianes encontra-se na primeira sentimento pessoal e moderno, de quem tes de luxo, que tornam tudo ainda mais
linha dos pianistas mundiais. A sua olha para a tradição como algo dinâmico. belo. A começar pelo saxofone de Desidé-
discografia, na Harmonia Mundi – Um pouco como O Experimentar fez com rio Lázaro, que lhe dá um pendor jazzísti-
a maior das independentes e uma os Açores, ou João Aguardela/Megafonne, co. Mas tudo o resto funciona e enquadra- › Mutrama
das mais exigentes da atualidade –, entre outros, fizeram com as recolhas do -se. Mias valias, as vozes de Maria João, MÚSICA
soma obras de compositores menos Continente. André Santos pega nas reco- Ricardo Ribeiro, Salvador Sobral, Beatriz TRADICIONAL
evidentes, como Blasco de Nebra lhas feitas a partir dos anos 80, pelo grupo Silva, Mariana Camacho, entre outros. Há MADEIRENSE
ou Olallo Morales, dos obrigató- Xarabanda e dá-lhes uma nova roupagem, ainda um sentido quase narrativo do dis- REVISITADA
rios Schubert, Beethoven, Grieg, mas sempre com um sentido estético co, uma ideia de missão cultural, em que Wamãe
Mendelssohn, Chopin ou Ravel,
sem esquecer o universo espanhol
de Enrique Granados, Joaquín
Turina, Manuel de Falla ou Frederic Perianes junta-se a uma galeria -, acrescidos do clássico de Herbie esta ideia de fu-
Mompou (“Música calada”). de notáveis intérpretes de De- › Javier Perianes, piano Hancock, The Sorcerer. Saboroso são, convidando
Perianes foi o pianista com que a bussy: Walter Gieseking, Sam- DEBUSSY, PRELÚDIOS como poucos, a estreia de Ricardo intérpretes como
editora abriu o “Ano Debussy”, em son François, Arturo Benedetti- – 1.º LIVRO Toscano em CD é um dos aconteci- Camané, Carlos
2018, reunindo-o ao violoncelis- -Michelangeli, Claudio Arrau, Harmonia Mundi mentos do ano de 2018. do Carmo, Ana
ta Jean-Guihen Queyras, para a Krystian Zimerman, Maurizio MARIA AUGUSTA GONÇALVES Moura, Gisela
gravação da Sonata para violoncelo Pollini, Pierre-Laurent Aimard. › Ricardo Toscano Quartet João, Paulo de
e piano. Foi também o músico com Quase um século de perspetivas JAZZ RICARDO TOSCANO QUARTET Carvalho...
que a Harmonia Mundi encer- sobre a obra do compositor. To- Enfim, uma coisa em grande, com
Ricardo Toscano
Clean Feed
rou a celebração dos 150 anos do dos eles desvendam a profun- LEONEL SANTOS condições quase para criar um novo
compositor francês, exatamente didade, a densidade da obra, e Ricardo paradigma, uma espécie de revo-
com a publicação deste 1.º Livro de todos eles traduzem também Toscano esperou POP lução na desmontagem ou fusão de
Prelúdios (1910), a que se juntam o seu próprio tempo, o tempo pacientemente mundos aparentemente opostos mas
três Estampas de 1903. Nada é por em que o fazem. O que também pela sua hora. Hip hop fado igualmente urbanos. Um verdadeiro
acaso, neste universo das pequenas demonstra a riqueza ilimita- Há muito que Sam the Kid dizia que usava manifesto ou, no mínimo, um acon-
grandes formas, em que tudo se da da escrita de Debussy, faz a Toscano se tinha música de Amália (entre outros) para tecimento. Pena é que o resultado,
joga entre a liberdade permitida sua essência – essa capacidade afirmado como os seus samplers, pois assim tinha em regra, seja desastroso. Fica assim
pelos Prelúdios e o “desenho” intemporal, universal, as muitas um músico de a certeza de ser original perante a a ideia de um Conan Osíris um tudo
estabelecido pelas Estampas. Num impressões que se somam, acu- exceção, fazendo-se notar pela escola global de 'concorrência' no nada mais refinado. Definitivamen-
caso e no outro, porém, Debussy mulam, passo a passo, imagem agilidade num modelo claramente hip-hop. Entretanto já se fez de tudo te não é fado (nem de Lisboa, nem
convida intérprete e ouvinte a a imagem, prelúdio a prelúdio, clássico que percorre toda a história um pouco. Muito hip hop português do Porto, nem de Bristol, nem de
viajar consigo. Melhor: impõe-lhes e que aqui seguem até às três do saxofone Jazz, mas que se fixa assumiu as raízes que o próprio Chicago). E também já não é bem
uma das mais belas e exigentes Estampas (e a uma descrição tão de forma privilegiada em John movimento começou por desafiar. hip hop (embora o seja em termos de
viagens de descoberta, segundo o vivida de Granada, onde De- Coltrane, no universo temático, E outros projetos apareceram, mis- conceito, de corta e cola). Também
sentido de modernidade do com- bussy nunca foi), culminando o na abordagem do saxofone ou na turando fado com eletrónica, quase não é uma agradável fusão de dois
positor. percurso, de maneira magistral. própria forma – quarteto – que de todos muito maus, como Amália mundos - dá ideia que a fusão é feita
“Debussy foi um revolucionário Naquele início do século XX, o certa forma replica, mas faltava o Hoje, Fado.pt, Donna Maria... Quem pelo lado mais pobre, ao exemplo
absoluto”, diz o pianista. Rompeu piano deixava de ser o que fora, disco. Toscano recupera Coltrane de melhor conseguiu a síntese foi, sem daquilo que aconteceu com Amália
com tudo o que vinha de trás – para se fazer valer a si mesmo, forma eloquente, com a veemência dúvida, A Naifa, do saudoso João Hoje. A eletrónica não conseguiu
com a forma, com a harmonia, no seu próprio som. Perianes do mestre, sem preconceitos e com Aguardela, na companhia de Luís encontrar a forma certa de inter-
com toda a estrutura clássica de chega ao âmago do processo. uma alegria tão sincera, impondo-se Varatojo, Mitó e Samuel Palitos. vir neste universo particuar e fica
composição. Desafia até quase à No próximo mês de março, no pela técnica e pela emoção, que cla- Em termos gerais, são salutares as tudo transformado numa espécie
impossibilidade, como nos pianís- dia 19, o pianista estará de volta a ramente pertencem à música eterna tentativas de fusão entre realidades de espetáculo de feira, longe da
simos de “Des pas sur la neige”, Portugal, ao Grande Auditório da de John Coltrane. Ricardo Toscano urbanas mais próximas do que pare- essência ou mesmo de uma essência
num jogo de dinâmicas que Peria- Fundação Calouste Gulbenkian, é um dos ponta-de-lança de uma cem - o fado e o hip hop têm raízes e transfigurada. Isto embora haja por-
nes domina deslumbrantemente. em Lisboa, para interpretar Ma- geração de jovens músicos que não princípios semelhantes. menores interessantes, a espaços,
Escutem-se os acordes de “Le vent nuel de Falla, Albéniz e Chopin. tem precedentes na história do Jazz O ponto de partida dos Stereossauro como em algumas experiências de
dans la plaine”, os sons do campa- Para este ano, há a possibilidade nacional, e encontrou naquele grupo parece mais ser a renovação do som DJ Ride ou nas interpretações de
nário de “La cathédrale engloutie”, de Ravel, em disco – depois das de jovens que formam o seu quarteto do seu hip-hop do que descobrir Nerve, Capicua e Rui Reininho. Em
a premonição jazzística de “Mins- muito elogiadas interpretações, ao os brothers in arms modelares, no novos caminhos para o fado. Alguns geral, o experimentar não incomo-
trels”, e percebe-se a modernidade vivo, do Concerto em Sol Maior, e arrebatamento, na técnica, no gozo elementos da tradição portuguesa já da... apenas às vezes...
de Debussy, o peso decisivo do um novo encontro com a violetista e no gosto pelos clássicos, e que jus- apareciam no primeiro disco, Bom-
compositor na definição do futuro, Tabea Zimmermann, em reper- tificam o nome do disco. Anunciado bas em Bombos, como a guitarra › Stereossauro
no instante preciso em que o fez, tório latino-americano, de Astor há muito, o disco foi sendo adiado, portugues de Ricardo Gordo, o autor BAIRRO DA PONTE
e o equilíbrio que é necessário Piazzolla a Heitor Villa-Lobos e e bem, como o comprova este con- do disco e do conceito de fado metal. NorteSul
encontrar, na interpretação. Rafael Guastavino. junto de originais - cinco afrescos Em Bairro da Ponte leva mais longe MANUEL HALPERN
| Agenda Cultural |
13 a 26 de fevereiro 2019

Breu
Teatro Carlos Alberto, no Porto, acolhe a estreia do novo espetáculo do coletivo Musgo. Em cena de 14 a 23 de fevereiro

ÁGUEDA Teatro Municipal Joaquim Benite


Av. Professor Egas moniz. Tel.: 212 739 360
ANGRA DO HEROÍSMO Museu Nogueira da Silva
Av. Central, 61. Tel.: 253 601 275
T Zé Manel Taxista 2ª A S áb . dAS 10 h àS 12 h 30 E dAS 14 h àS 18.30 h
Centro de Artes de Águeda Museu de Angra do Heroísmo
interpretação de maria Rueff, ff, Rafael barreto, E Ver de Cor e Salteado
R. Joaquim Valente Almeida, 30. Ladeira de São francisco. Tel.: 295 240 800
Ruben madureira, Sissi martins, entre outros. mostra de trabalhos de
Tel.: 234 180 151 E The Paiter of Fantasy
6ª E S áb ., àS 21 h ; d om ., àS 16 h natacha Antão e Carlos Corais.
E Topography Of Memory 15 a 17 de fevereiro Exposição de pintura de Tiago Azevedo. até 23 de fevereiro
3ª A S áb ., dAS 14 h àS 19 h ; d om ., àS 14 h àS 18 h 23 de fevereiro a 7 de abril
até 14 de abril
T Lindos Dias! E João Leite: Uma
Texto de Samuel beckett. Encenação E José Júlio de Souza Pinto (1856/1939)
História Imaginária
de Sandra faleiro. interpretação de Um Pintor Naturalista Angrense até 23 de fevereiro
ALMADA Cucha Carvalheiro e Luís madureira. até abril
15 e 16 de fevereiro – 21h Theatro Circo
Casa da Cerca T À Espera de Beckett ou AVEIRO Av. da Liberdade, 697. Tel.: 253 203 800
R. da Cerca. Tel.: 212 724 950 Quaquaquaqua T O Triunfo Sobre os Porcos
3ª A d om , dAS 10 h àS 18 h ; E nCERRA AoS fERiAdoS Texto e encenação de Jorge Louraço. Teatro Aveirense Texto e Encenação de Castro Guedes.
E O Futuro do Passado interpretação de Estêvão Antunes, mário R. belém do Pará. Tel.: 234 400 920 interpretação de Rui Spranger, Sandra
obras de Amadeo de Souza-Cardoso, moutinho, Óscar Silva e Pedro diogo. M David Fonseca Salomé, filomena Gigante e daniela Jesus.
Ana Jotta, Jorge Queiroz e matilde Campilho. 23 de fevereiro – 21h 14 de fevereiro – 22h 13 de fevereiro – 21h30
até 3 de março 24 de fevereiro – 16h T Carlos Coutinho Vilhena: Meta
T Os Vizinhos de Cima
Texto de Cesc Gay. Encenação de maria 15 de fevereiro – 21h30
henrique. interpretação de na brito e Cunha, M Mundo Cão
fernanda Serrano, Pedro Lima e Rui melo. 16 de fevereiro – 21h30
15 de fevereiro – 21h30 M Orquestra Fi-Bra
T Clarão 17 de fevereiro – 18h
direção de André braga. dramaturgia de D Revoluções
Cláudia figueiredo, Gonçalo mota. Cocriação direção e coreografia de né barros.
e interpretação de bruno Senune, daniela Cruz, 22 de fevereiro – 21h30
Valter fernandes e grupo da comunidade local. M Uxía Convida Celina da Piedade
22 de fevereiro – 21h30 23 de fevereiro – 21h30
M The Tallest Man on Earth T As Criadas
23 de fevereiro – 21h30 26, 27 e 28 de fevereiro – 21h30
M Música na Escola
Pela orquestra filarmonia das beiras.
24 de fevereiro – 16h BRAGANÇA
Centro de Arte
BARCELOS Contemporânea Graça Morais
R. Abílio beça, 105. Tel.: 273 302 410
Câmara Municipal de Barcelos 3ª A d om ., dAS 10 h àS 18 h 30
Lg. do município. Tel.: 253 809 600 E Graça Morais: Humanidade
E Da Coleção de Serralves até 24 de fevereiro
em Barcelos: Katharina Grosse E Corpo e Paisagem. Atravessar
até 24 de fevereiro Culturas Através dos Tempos
até 24 de março
BATALHA
Centro de Fotografia Georges Dussaud
Mosteiro da Batalha R. Abílio beça, 75/77. Tel.: 273 324 092
3ª A d om ., dAS 9h àS 12 h 30 E dAS 14 h àS 17 h 30
Lg. infante d. henrique. Tel.: 244 765 497
2ª A 6ª, dAS 9h àS 18 h E A Norte do Norte –
E Gente de Batalha Trás-os-Montes na Década de 1980
Exposição de fotografia de António barreto. até final de dezembro
até junho
E A Capela do Fundador. Teatro Municipal de Bragança
Memória Revisitada Pç. Prof. Cavaleiro ferreira. Tel.: 273 302 740
até 14 de agosto T A Grande Vaga de Frio
dramaturgia de Luísa Costa Gomes.
Conceção e direção de Carlos Pimenta.
BRAGA interpretação de Emília Silvestre.
16 de fevereiro – 21h
Forum Arte Braga
Av. dr. francisco Pires Gonçalves.
2ª A 6ª, dAS 10 h àS 18 h . CALDAS DA RAINHA
E Corpo, Abstração e
Linguagem na Arte Portuguesa Centro Cultural e Congressos
obras em depósito da Secretaria de R. dr. Leonel Sotto mayor. Tel.: 262 094 081
Estado da Cultura na Coleção de Serralves. M Diogo Piçarra
até 18 de março 14 de fevereiro – 22h
| Agenda Cultural |
A audiovisual » C colóquios / conferências » D dança » E exposições » M música » MD multidisciplinares » NC novo circo » P pedagogia » T teatro

T Salvador Martinha: Cabeça Ausente M 3º Festival Internacional


16 de fevereiro – 21h30 de Piano do Algarve
M Gaia Cuatro Com Pedro burmester (piano),
23 de fevereiro – 21h30 o Coro Lisboa Cantat e a orquestra
Clássica de oeiras e Cascais. direção
Museu José Malhoa do maestro Vasco Pearce de Azevedo.
Parque d. Carlos i. Tel.: 262 831 984 16 de fevereiro – 21h30
3ª A dom., dAS 10h àS 12h30 E dAS 14h àS 17h30. T Salvador Martinha: Cabeça Ausente
dom. E fERiAdoS, dAS 10h àS 14h E dAS 15h àS 17h30 22 de fevereiro – 21h30
E Impasse M Diogo Piçarra
Exposição de escultura e desenho de Carlos no. 23 de fevereiro – 21h30
até 3 de março 24 de fevereiro – 16h30

CASCAIS FUNCHAL
Casa das Histórias Paula Rego Galeria Marca de Água
Av. da República, 300. Tel.: 214 826 970 R. da Carreira, 119. Tel.: 291 100 149
T odoS oS diAS , dAS 10 h àS 18 h
E Do Traço à Cor
E 3º Edição Prémio Paula Rego Exposição de pintura e
até 24 de fevereiro desenhos de Guareta Coromoto.
E Paula Rego: Anos 80 até 11 de abril
até 26 de maio
Impasse, no Museu José Malhoa
Centro Cultural de Cascais GUIMARÃES
Av. Rei humberto ii de itália. Tel.: 214 848 900 Arquivo Nacional Torre do Tombo D Margem
3ª A d om ., dAS 10 h àS 18 h Casa da Memória de Guimarães
Av. Conde margaride, 536. Tel.: 253 424 716 Al. da Universidade. Tel.: 217 811 500 direção de Victor hugo Pontes. Texto de
E Ted Witek: North South / East West 2 ª A 6 ª , dAS 9 h 30 àS 19 h 30; S áb ., dAS 9 h 30 àS 12 h 30 Joana Craveiro. interpretação de Alexandre
3ª A d om ., dAS 10 h àS 13 h E dAS 14 h àS 19 h
até 17 de fevereiro E A Europa Começa Aqui. Tavares, André Cabral, david S. Costa, hugo
E A Família Real e a E Depois do Tempo
Exposição de fotografia de duarte belo. Marca do Património Europeu fidalgo, João nunes monteiro, entre outros.
Fabrica de Loiça de Sacavém até 26 de fevereiro 22 de fevereiro – 11h
até 30 de dezembro
até 24 de fevereiro E Dona Maria da Glória (1819-1853). 23 e 24 de fevereiro – 18h
E Andrew Hart Adler: Um Registo Intimista M La Danse Du Soleil
Centro Cultural Vila Flor
Memories of Futures Past Av. d. Afonso henriques, 701. Tel.: 253 424700 até 6 de abril Coreografia e interpretação de Juan Kruz díaz
até 24 de março de Garaio Esnaola. direção musical de david
D GUIdance 2019
Atelier-Museu Júlio Pomar Greilsammer. Produção Geneva Camerata.
até 17 de fevereiro
CASTELO BRANCO E Bergado & Terebentina R. do Vale, 7. Tel.: 215 880 793
3ª A d om ., dAS 10 h àS 18 h
22 e 23 de fevereiro – 21h
M Orquestra Metropolitana de Lisboa
3ª A S áb ., dAS 10 h àS 13 h E dAS 14 h àS 19 h
E Muitas Vezes Marquei Encontro Elisabete matos – soprano.
Centro Cultura Contemporânea até 23 de março
Comigo Próprio no Ponto Zero Kristjan Järvi - direção musical.
Campo mártires da Pátria. Tel.: 272 348 170 E Sonoscopia. Disposofónicos:
mostra coletiva, com curadoria de marta obras de R. Strauss e A. dvorak.
3ª A d om ., dAS 10 h àS 13 h E dAS 14 h àS 18 h Acumuladores de Objetos Sonantes 24 de fevereiro – 17h
E Mesa dos Sonhos: Duas até 13 de julho Rema, vencedora da 3ª edição do Prémio
de Curadoria Atelier-museu Júlio Pomar.
Coleções de Arte Contemporânea M The Tallest Man on Earth: When Cinemateca Portuguesa
até 21 de março
até 31 de março The Bird Sees The Solid Ground R. barata Salgueiro, 39. Tel.: 213 596 200
M Carlos Mena e Miguel Minguillón 24 de fevereiro – 21h30 2ª A 6ª, dAS 14 h àS 19 h 30
15 de fevereiro – 21h30
Carpintarias de São Lázaro
R. de São Lázaro, 72. Tel.: 213 815 891 E O Livro de Cinema.
Centro Internacional das Viagem Através das Edições e da
E Jorge Molder: Jeu de 54 Cartes
COIMBRA Artes José de Guimarães
Av. Conde margaride, 175.Tel.: 253 424 715
até 30 de março Imagem Gráfica da Cinemateca
até final de julho
3ª A d om ., dAS 10 h àS 13 h E dAS 14 h àS 19 h
Mosteiro de Santa Clara-a-Velha C Conferências CIAJG: Sara & André Centro Cultural de Belém
R. das Parreiras. Tel.: 239 801 160 Pç. do império. Tel.: 213 612 400 Culturgest
Apresentação do livro-catálogo Uma breve R. Arco do Cego, 1. Tel.: 217 905 155
3ª A d om ., dAS 9h àS 17 h 3ª A d om ., dAS 10 h àS 18 h
história da curadoria e do ciclo de exposições que
E Moscow XXI MD Sete Rosas Mais Tarde. E As Raízes Também se Criam no Betão
está na sua origem – Curated Curators – 3 coleti-
até 24 de fevereiro Ciclo Sobre a Solidão Exposição do artista franco-argelino Kader Attia.
vas apresentadas entre março e agosto de 2017 no
até 28 de março até 6 de outubro
espaço Zaratan Arte Contemporânea em Lisboa.
Museu Nacional Machado de Castro 17 de janeiro – 18h T Confissões de um Coração Ardente M Box sized DIE
Lg. dr. José Rodrigues. Tel.: 239 853 070 E Pensamento Ameríndio. A partir de fiódor dostoiévski. Encenação de Featuring Holocausto Canibal
3ª A d om ., dAS 10 h àS 17 h 30 Carla maciel. interpretação de Albano Jerónimo, 15 e 17 de fevereiro – 22h30
1º Ciclo Expositivo 2019
E Painel da Vida e Paixão de Cristo Gonçalo Waddington, marco Paiva, miguel M Montanhas Azuis: A Ilha de Plástico
23 de fevereiro a 9 de junho
até 31 de março Loureiro, Teresa Coutinho, Tónan Quito. 15 de fevereiro – 21h
14 a 16 de fevereiro – 21h E João Onofre: Once
Câmara Municipal de Guimarães
ÉVORA Lg. Cónego José maria Gomes. Tel.: 253 421 200
17 de fevereiro – 17h
M Katia Guerreiro
in a Lifetime [repeat]
16 de fevereiro a 19 de maio
E Cabrita Reis, Zulmiro de Carvalho
15 de fevereiro – 21h D Bal Moderne
Igreja de S. Francisco e Rui Chafes Esculturas da Coleção
Pç. 1º de maio. Tel.: 266 704 521
E A Universidade Está no Ar. 16 de fevereiro – 17h
de Serralves em Guimarães
T odoS oS diAS , dAS 9h àS 17 h Difundir a Arquitetura C What has Love Got to do with It?
até 31 de março
E Presépios Europa: Moderna/Reino Unido 1975-1982 Performance, Intimidade, Afetividade
Coleção Canha da Silva 19 de fevereiro a 26 de maio Artistas e investigadores abordam as relações entre
até outubro LISBOA E Construções em Movimento performance, intimidade e afeto de uma perspetiva
filmes do Arquivo de Arquitetura tanto estética quanto política e sociológica.
Arquivo Histórico Ultramarino do gta/ ETh Zurique. 18 e 19 de fevereiro
FARO Calçada da boa-hora, 30. Tel.: 210 30 91 00 19 de fevereiro a 26 de maio C Catherine Wood
2ª. A 6ª, dAS 11 h . àS 18 h ; S áb ., dAS 14 h 15 àS 17 h 45 T A Criada Zerlina Conferência pela curadora sénior de
Teatro das Figuras E Colonizando África: Relatórios A Partir de hermann broch. Encenação Performance da Tate modern e curadora
horta das figuras, E. n. 125. Tel.: 289 888 100 das Obras Públicas em Angola de João botelho. interpretação de Luísa Cruz. da instalação da artista cubana Tania
M José Cid e Moçambique (1875-1975) 21 a 26 de fevereiro, bruguera (2018) na Turbine hall.
14 de fevereiro – 22h até 18 de abril 3 a 6 de março – 16h e 21h 18 de fevereiro – 18h30
| Agenda Cultural |
A audiovisual » C colóquios / conferências » D dança » E exposições » M música » MD multidisciplinares » NC novo circo » P pedagogia » T teatro

M Peixe Lua C Collecting: Modus Igreja do Loreto Museu Coleção Berardo


22, 26 e 27 de fevereiro – 10h30 Operandi, 1900-1950 Lg. do Chiado 16. Tel.: 213 423 655 CCb. Pç. do império. Tel.: 213 612 878
15 e 16 de fevereiro M Te Deum 3ª A d om ., dAS 10 h àS 19 h
Estação do Rossio M Solistas da Orquestra Gulbenkian de Giuseppe Totti. interpretação de Sandra E Quel Amour!?
E Da Coleção de Serralves obras de ibert, Janáček e Reinecke. medeiros, Joana Seara, Carolina figueiredo, até 17 de fevereiro
no Rossio: Ana Jotta 15 de fevereiro – 21h30 Arthur filemon, Alberto Sousa, entre outros. E John Akomfrah. Purple
até 20 de junho M Recital de Piano por Anne Queffélec Com o Coro do Teatro nacional de São até 10 de março
Programa: Satie & Compagnie. Carlos, orquestra Sinfónica Portuguesa.
Fund. Arpad Szènes - Vieira da Silva 19 de fevereiro – 19h 15 de fevereiro - 21h30 Museu de Arte Popular
Pç. das Amoreiras, 58. Tel: 213 880 044 C Missal Acciaiuoli Av. brasilia. Tel.: 213 011 282
3ª A dom .. dAS 10 h àS 18 h ; EnCERRA 2ª E fERiAdoS
Comunicação por manuel Pedro Museu de Arte, 4ª A d om ., dAS 10 h àS 18; S áb . E d om ., EnCERRAdo

E Manuel Casimiro: Arquitetura e Tecnologia dAS 13 h àS 14 h


ferreira, integrada no Ciclo de
Da História das Imagens Seminários «Tesouros em pergaminho». Av. brasília, Central Tejo E Físicas do Património
até 17 de março 21 de fevereiro – 17h 4ª A 2ª, dAS 11 h àS 19 h Português. Arquitetura e Memória
E Quando a Arte É Partilha. E Francisco Tropa: E Haus Wittgenstein até 6 de março
Doações e depósitos no Museu até 25 de fevereiro
O Pirgo de Chaves
até 17 de março E Jonah Freeman & Justin Museu de Lisboa
22 de fevereiro a 4 de junho
Lowe. Scenario In The Shade Palácio Preto. Campo Grande 245.
M Danças Populares até 25 de fevereiro
Fundação Calouste Gulbenkian Tel.: 217 513 200
Pela orquestra Gulbenkian, sob
Av. de berna, 45ª. Tel.: 213 3880 044 E Tadashi Kawamata. Over Flow 3ª A d om ., dAS 10 h àS 18 h
a direção do maestro José Eduardo
2ª, 4ª A d om ., dAS 10 h àS 18 h até 1 de abril E Vicente. O Mito de Lisboa
Gomes. Comentários de Raquel Reis.
E Lugares, Paisagens, Viagens. E Artists’ Film International 2018 até 28 de abril
obras de J. brahms, b. bartók,
Atravessar Culturas Através dos Tempos até 22 de abril
A. borodin, A. dvořák.
até 3 de março E João Louro. Museu do Oriente
24 de fevereiro – 12h e 17h
E Corpo e Paisagens. Atravessar Linguistic Ground Zero Av. brasília, doca de Alcântara. Tel.: 213 585 200
M Noite Transfigurada 3ª A d om ., dAS 10 h àS 18 h ; 6 ª , dAS 10 h àS 12 h
Culturas Através dos Tempos até 22 de abril
Pela Gustav mahler Jugendorchester,
até 24 de março E Hello, Robot. E Reflexões: Homem e Natureza
sob a direção do maestro Tobias Wögerer.
Between Human and Machine Exposição de Pintura de bireswar Sem.
E Yto Barrada: Moi Je Suis obras de W.A. mozart e A. Schönberg. até 31 de março
la Langue et Vous Êtes les Dents 25 de fevereiro – 20h até 22 de abril
E Ana Santos. Anátema E Três Embaixadas Europeias à China
até 6 de maio
até 20 de maio até 21 de abril
M Concertos para Piano Fundação Carmona e Costa
E Carlos Bunga. E A Ópera Chinesa
de Mozart e Beethoven R. Soeiro Pereira Gomes, até 31 de dezembro
Pela orquestra Gulbenkian e Lote 1- 6º A e d. Tel.: 217 803 003 The Architecture of Life.
4ª S áb ., 15 h 20 h Environments, Sculptures, M Ares de Espanha
Piotr Anderszewski (piano / direção). A dAS àS
interpretação por solistas da metropolitana:
14 de fevereiro – 21h E Carlos Bunga: Where I am Free Paintings and Films
Ana Paula Russo (soprano), Sérgio Charrinho
15 de fevereiro – 19h até 16 de março até 20 de maio
(trompete), Savka Konjikusic (piano).
obras de m. Ravel, J. Rodrigo, E. bozza,
E. Granados, entre outros.
Biblioteca Nacional de Portugal d. maria ii, a «Educadora», evoca-se o tema da música no seu reinado,
15 de fevereiro – 18h
Campo Grande, 83. Lisboa. Tel.: 217 982 000 evidenciando uma peça da sua autoria e obras que lhe foram dedicadas.
E Sob a Chama da Candeia. 14 de fevereiro a 30 de abril
M A Arte da Variação no Tempo de Museu Nacional de Arqueologia
Francisco de Holanda e os Seus Livros Pç. do império. Tel.: 213 620 000
Comemorando os 500 anos do nascimento de francisco Francisco de Holanda (1517-1584) 3ª, dAS 14 h àS 18 h ; 4 ª A d om ., dAS 10 h àS 18 h
de holanda, esta exposição, comissariada por Sylvie no encerramento da exposição Sob a chama da candeia: francisco de
E Religiões da Lusitânia.
deswarte-Rosa (CnRS; ihRim), reúne as fontes e a historiografia holanda e os seus livros realiza-se um concerto, interpretado pelos Seg-
réis de Lisboa, e seguido de uma visita guiada pela comissária da
Loquuntur Saxa
da obra desta grande figura do Renascimento em Portugal.
fevereiro
até 16 de fevereiro exposição, Sylvie deswarte-Rosa (CnRS; ihRim).
16 de fevereiro – 14h30 E Loulé: Territórios,
E Fernando Echevarría: 90 anos
homenagem a um dos E Augusto da Costa Memórias, Identidades
até 30 de abril
mais premiados autores Dias (1919-1976).
portugueses, traduzido em francês, Centenário do Nascimento
castelhano, inglês e romeno. historiador e sociólogo da
Museu Nacional de Arte Antiga
até 2 de março R. das Janelas Verdes. 213 912 800
cultura, Augusto Palhinha da
3ª A d om ., dAS 10 h àS 18 h
E Antes e Depois do Costa dias licenciou-se em Ciências
E Mitologia e História.
Adeus. Centenário de histórico-filosóficas pela faculdade
de Letras de Lisboa. opositor ao Desenhos de Sequeira
Eduardo Teixeira Coelho
regime de Salazar e de marcelo até 17 de fevereiro
até 20 de abril
Caetano, foi proibido de dar aulas. E O Pai dos Cristos
E Margarida Jácome Correia
Veio a ser diretor literário da Esculturas de manuel dias (1688-1755).
no centenário do nascimento
Portugália Editora e começou a até 3 de março
de margarida Vitória borges de
Sousa Jácome Correia (1919-1996) escrever na prisão o seu primeiro E Terra Adentro. A Espanha de
mostra-se documentação do seu estudo sobre a Crise da consciência Joaquín Sorolla
espólio, com destaque para a pequeno-burguesa em Portugal – até 31 de março
correspondência trocada o nacionalismo literário da E Obra Convidada: Ticiano
com Vitorino nemésio geração de 90, publicado em 1962. maria madalena Penitente. The State
e Armando Corte Rodrigues. 18 de fevereiro a 11 de maio hermitage museum, São Petersburgo.
até 30 de abril E Do Tejo ao Tibre. Músicos e até 28 de abril
E Em Demanda da Biblioteca de Fernão de Magalhães Artistas Portugueses na Roma do Século XVIII E MNAA. 12 Escolhas
Assinalando os 500 anos da primeira viagem de circumnavegação os percursos de formação, as redes artísticas e profissionais e a produção até 31 de maio
ao globo, de 1519 até 1522, organizada por fernão de magalhães, dos músicos e artistas plásticos portugueses em Roma durante o reinado
o comissário e historiador Rui Loureiro convida a partir à de d. João V, alguns deles bolseiros da Coroa, patentes numa mostra MNAC - Museu do Chiado
descoberta dos livros e outras fontes documentais a que o navegador comissariada pela musicóloga Cristina fernandes (inET-md, noVA R. Serpa Pinto, nº 4. Tel: 213 432 148
terá recorrido para a preparação do s eu projeto. fCSh) e pela historiadora de arte Pilar diez del Corral (Universidad 3ª A d om ., dAS 10 h àS 18 h
até 13 de maio nacional de Educación a dista ncia, madrid). Estão também progra- E Miguel Soares. Luzazul
E D. Maria II e a Música do Seu Tempo madas atividades paralelas, como concertos e um colóquio internacional. até 24 de fevereiro
no âmbito das celebrações do bicentenário do nascimento de 20 de fevereiro a 30 de abril E Tomás da Anunciação (1818 - 2018).
Bicentenário do Nascimento do Artista
até 31 de fevereiro
| Agenda Cultural |
A audiovisual » C colóquios / conferências » D dança » E exposições » M música » MD multidisciplinares » NC novo circo » P pedagogia » T teatro

E Arte Portuguesa. Razões e Emoções Teatro Nacional D. Maria II a crianças dos 0 aos 18 meses E Joana Vasconcelos: I’m Your Mirror
até 31 de março Pç. d. Pedro iV. Tel.: 213 250 800 (10h30), dos 18 meses aos 3 anos 19 de fevereiro a 24 de junho
E O Poder da Imagem T Amores Pós-Coloniais (11h45) e dos 3 aos 6 anos (15h).
os retratos de Adrien demont e Virginie Criação de André Amálio. Cocriação/ 17 de fevereiro – 10h30 Galeria Municipal do Porto
demont-breton por Veloso Salgado. movimento de Tereza havlíčková. M Recital de Piano R. de dom manuel ii. Tel.. 226 081 063
até 31 de março interpretação de André Amálio, Júlio por Vadym Kholodenko 3ª A S áb ., dAS 10 h àS 18 h ; d om ., dAS 14 h àS 18 h
mesquita, Laurinda Chiungue, Pedro obras de L. van beethoven, E Transantiquity
Museu Nacional do Azulejo Salvador, Romi Anauel e Tereza havlíčková. S. Rachmaninoff e A. Scriabin. até 17 de fevereiro
R. madre de deus, 4. Tel.: 218 100 340 4ª E Sáb., àS 19h30; 5ª E 6ª, àS 21h30; dom., àS 16h30 17 de fevereiro – 18h
3ª A dom ., dAS 9h àS 17 h até 24 de fevereiro M Shelter Teatro Carlos Alberto
E Tempos Modernos. Cerâmica T Doreen Exibição do filme de bill morrison, R. das oliveiras, 43. 223 401 900
Industrial Portuguesa entre de david Geselson (frança). interpretação acompanhado ao vivo pelo Remix Ensemble T Breu
Guerras. Coleção A.M. – J.M.V. de david Geselson e Laure mathis. Casa da música, sob a direção de brad Lubman. direção artística e criação de Joana
até 31 de março Espetáculo falado em francês, 19 de fevereiro – 19h30 moraes. interpretação e cocriação de Ana
com legendas em português. M Márcia: Vai e Vem Vargas, Gilberto oliveira, Joana moraes,
4ª E S áb ., àS 19 h ; 5 ª E 6ª, àS 21 h ; d om ., àS 16 h
Padrão dos Descobrimentos 20 de fevereiro – 21h João Pamplona, Pedro Roquette, Sara Costa.
13 a 17 de fevereiro 4ª S áb ., 19 h ; 5 ª 6ª, 21 h ; d om ., 16 h
Av. brasília. Tel.: 213 031 950 M Lone Lisbonaires E àS E àS àS

3ª A d om ., dAS 10 h àS 18 h 20 de fevereiro – 21h30 14 a 23 de fevereiro


A Documentário: M janeiro
Teatro Nacional de São Carlos Teatro Nacional São João
A Construção de um Símbolo Convidados: Tiago nacarato e Salto.
R. Serpa Pinto, 9. Tel.: 213 253 000 Pç. da batalha. Tel.: 223 401 900
documentário legendado em língua 21 de fevereiro – 21h30
inglesa sobre o monumento que M OSP 25 M Frederico Heliodoro Quarteto M Les Saint Armand:
atravessou o tempo (1940 / 1960) interpretação de Luís Vieira, Na Memória da Paisagem
21 de fevereiro – 22h
e sobreviveu à ideologia que o reergueu. Paula Carneiro e José Pereira, 16 de fevereiro – 19h
P Músico por um Dia: Carnaval na Casa
até 12 de março Ceciliu isfan e beatriz Acosta,
Pelos formadores Joaquim Alves e Luís oliveira.
Carolina matos e Joana david .
E Contar Áfricas!
até 21 de abril
obras de W. A. mozart e J. brahms.
23 de fevereiro – 11h
M Concerto Espiritual
SÃO MAMEDE
14 de fevereiro – 18h30
M Concerto Sinfónico
Pela orquestra Sinfónica do Porto DE INFESTA
Palácio Nacional da Ajuda Casa da música, sob a direção musical
direção de Pedro neves. interpretação
Lg. da Ajuda. Tel.: 213 620 264 de brad Lubman, e irvine Arditti (violino). Casa-Museu Abel Salazar
T odoS oS diAS ( ExCETo à 4ª fEiRA ), dAS 10 h 18 h
da orquestra Sinfónica Portuguesa.
àS obras de C. Vivier, E. Carter e C. ives. R. dr. Abel Salazar, 488. Tel.: 229 039 827
obras de V. da motta,
E Galeria das Rainhas Portuguesas 23 de fevereiro – 18h 2ª A6 ª , dAS 9 h 30 àS 13 h E dAS 14 h 30
L. beethoven e R. Strauss.
até 23 de fevereiro M Bach Be Cue àS 18 h ; S áb ., dAS 14 h 30 àS 17 h 30
22 de fevereiro – 21h
E Uma História de Assombro Atividade de Primeiros Concertos destinada E Idiossincrasias
Portugal - Japão - Séculos XVI-XX a famílias (crianças dos 3 meses aos 6 anos). Exposição coletiva de gravura.
até 26 de março 24 de fevereiro – 10h e 16h até 9 de março
E A Rota Marítima da Seda - PORTALEGRE D Alana, a Bailarina da Água
Museu da Cidade Proibida
até final de março Galeria São Sebastião
Produção Escola Eu danço.
24 de fevereiro – 18h30
SETÚBAL
R. Guilherme Gomes fernandes, 22. M Música de Câmara ·
E Once Upon a Time (II)… Fórum Municipal Luísa Todi
Panteão Nacional Prémio Novos Talentos Ageas
Av. Luísa Todi, 65. Tel.: 265 522 127
Campo de Santa Clara. Tel.: 218 854 820 mostra da artista plástica barbara Walraven. bernardo Santos – piano.
até 8 de abril obras de A. Scriabin, f. Liszt e f. de freitas.
M Luísa Sobral
E Sidónio Pais: o Retrato do 14 de fevereiro – 22h
País no Tempo da Grande Guerra 26 de fevereiro - 19h30
T Do Alto Da Ponte
até 17 de março PORTO M Kanye West - Late
Orchestration at Abbey Road
de Arthur miller. Tradução de Ana Raquel fer-
nandes e Rui Pina Coelho. interpretação de
Teatro Aberto 26 de fevereiro – 21h30
Alfândega do Porto Américo Silva, Joana bárcia, Vânia Rodrigues,
Pç. de Espanha. Tel.: 213 880 079 R. nova da Alfândega. Tel.: 223 403 000 António Simão, bruno Vicente, André Loubet,
T A Mentira Centro Português de Fotografia
3ª A 6ª, dAS 10 h àS 13 h E dAS 14 h àS 18 h entre outros.
de florian Zeller. Versão de João Lourenço Campo mártires da Pátria. Tel.: 222 076 310
E Boa Viagem, Senhor Presidente! 3 ª A 6 ª , dAS 10 h à S 12 h 30 E dAS 14 h àS 18 h ;
16 de fevereiro – 21h30
e Vera San Payo de Lemos. dramaturgia 100 Anos da Primeira Visita de Estado D Pequena Companhia/Little Company
S áb ., d om . E f ERiAdoS , dAS 15 h àS 19 h
de Vera San Payo de Lemos. Encenação de João até 31 de dezembro Pela Academia de dança
Lourenço. interpretação de Joana brandão, E Grid Cities – Pombaline
Exposição de fotografia de John frederick Anderson. Contemporânea de Setúbal.
miguel Guilherme, Patrícia André e Paulo Pires. 21 de fevereiro – 10h30
Casa da Música até 5 de maio
5ª E S áb ., àS 21 h 30; d om ., àS 16 h
Av. da boavista, 604-610. Tel.: 220 120 200 22 de fevereiro – 15h
até 31 de março
M Terra Livre Do Heroísmo à Firmeza (DHF/URAP) M Concerto do IV Encontro
T A Verdade
13 de fevereiro – 21h30 R. do heroísmo, 329 dos Antigos Alunos do
de florian Zeller. Versão de João Lourenço
e Vera San Payo de Lemos. dramaturgia de M pLoo MD “A Costa dos Murmúrios” Conservatório Regional de Setúbal
14 de fevereiro – 22h filme de margarida Cardoso e 23 de fevereiro – 17h
Vera San Payo de Lemos. Encenação de João
Lourenço. interpretação de Joana brandão, M Fado à Mesa livro de Lídia Jorge. Colóquio +
miguel Guilherme, Patrícia André e Paulo Pires. Com diogo Aranha, Emídio filme + comentário crítico do livro. Galeria Municipal do
4ª E 6 ª ., àS 21 h 30; d om ., àS 18 h 30 Rodrigues e Teresa brum. 23 de fevereiro - 15h Antigo Banco de Portugal
até 31 de março 15 de fevereiro – 20h30 Av. Luísa Todi, 119. Tel.: 265 537 890
M Mundo Animado Fundação de Serralves 3 ª A 6 ª dAS 11 h àS 14 h E dAS 15 h àS 18 h ;
Exibição de filmes de Charles Chaplin R. d. João de Castro, 210. Tel.: 226 156 500 S áb ., dAS 10 h àS 13 h E dAS 14 h àS 18 h ;
Teatro da Politécnica d om ., dAS 14 h àS 18 h
e buster Keaton, com interpretação de 3 ª A 6 ª , dAS 10 h àS 13 h E dAS 14 h àS 17 h ;
R. da Escola Politécnica, 58. Tel.: 213 916 750
música ao vivo por António Serginho, S áb ., dom . E fERiAdoS dAS 10 h àS 19 h E Virgílio Domingues. Desenhos
T Os Aliens E Anish Kapoor: Obras, até 7 de abril
de Annie baker. Tradução de mariana Óscar Rodrigues e Pedro Cardoso (Peixe).
16 de fevereiro – 16h Pensamentos, Experiências
maurício. interpretação de Afonso Lagarto,
M A Quimera do Ouro até 17 de fevereiro
Pedro batista e Pedro Caeiro.
3ª E 4ª, àS 19 h ; 5 ª E 6ª, àS 21 h , S áb . àS 16 h E àS 21 h Exibição do filme realizado por Charles E Joan Miró e a Morte da Pintura
até 2 de março Chaplin, acompanhado ao vivo pela orquestra até 3 de março
Sinfónica do Porto Casa da música, sob direção E Conversas no Arquivo GABINETE DE ESTRATÉGIA,
E Sangue Branco na Sombra do Presente PLANEAMENTO E AVALIAÇÃO CULTURAIS
Exposição de pintura de Avelino Sá. musical de Jayce ogren. Álvaro Siza - Tom Emerson
3ª A 6ª, dAS 17 h , S áb . dAS 15 h 16 de fevereiro – 18h até 10 de março Palácio nacional da Ajuda. 1300-018 Lisboa
ATé Ao finAL do ESPETáCULo P Grilis em Paris E Tacita Dean Tel.: 213 614 500 | fax: 213 621 832
até 2 de março Atividade de primeiras oficinas destinada até 5 de maio relacoes.publicas@gepac.gov.pt
J 13 a 26 de fevereiro de 2019 * jornaldeletras.pt

ideias * 27
A Justiça segundo Trump
neiro no tratamento televisivo dos
julgamentos penais, depois replicado
em filmes de autor, faz parte desta
história.
A plea bargaining é outro instru-
mento típico da justiça penal ameri-
cana que, por simplificação, se cos-
tuma designar por justiça negociada.
Erige o procurador em protagonista
O Presidente dos EUA "lida com a justiça sabendo que ela está exposta a compromissos. Por isso, privilegiado do processo. Com o
crescimento dos tipos legais de crime
mistura a verdade com factos alternativos", salienta-se neste texto em que se explica como resultante do 11 de Setembro, o uso
funciona o sistema norte-americano, mormente o plea bargaining, que Sérgio Moro quer da plea barganing foi exponenciado.
Mas apesar de constituir um direito
consagrar no Brasil. O autor, recorde-se, magistrado (conselheiro) e prestigioso jurista, foi de todo o cidadão, tem, na atualida-
designadamente procurador-geral da República, de 1984 a 2000, e depois juiz do Tribunal de de, uma expressão que não ultrapassa
4% dos casos criminais.
Justiça da União Europeia, presidindo atualmente à Instância de Controlo Financeiro da UEFA Na falta de julgamento, o standard
de prova deixa de ser beyond a reaso-

o
nable doubt para se reduzir a probable
J. N. Cunha Rodrigues cause. É, por isso, comum dizer que
este tipo de processo tem uma relação
problemática com a verdade. Com
efeito, nos EUA, o processo penal dá
uma grande prioridade à pacifica-
ção social. A celeridade e a eficácia
são instrumentos essenciais para a
restauração do valor coercivo das
normas e a promoção de sentimentos
de segurança.
É diferente a situação em países
europeus de direito comum. Aqui,
as raízes dão ao julgamento um tra-
tamento em que estão, de um modo
Outubro de 1998, Fall River, Estados ou de outro, presentes os conceitos
Unidos. A cidade é habitada por uma de totalidade, culpa e expiação.
significativa comunidade com origem O momento crucial é a sentença,
nos Açores. Num tribunal criminal uma espécie de clímax no proces-
de primeira instância, está agendada so de reconstituição da verdade. A
uma audiência de julgamento com complexidade social e o deslizamento
características únicas: juiz, procu- de valores têm-se empenhado em
rador, advogado, escrivão e arguido desconstruir esta conceção. Quando,
falam português. Faço parte de um hoje, se fala em verdade material ou
grupo de magistrados e académicos histórica e verdade formal ou proces-
que visita o Tribunal. Anunciado pelo sual assume-se implicitamente uma
oficial de diligências, o juiz emerge na degradação ontológica da verdade.
sala, declara aberta a sessão e ordena Mas a busca da verdade, de toda a
a entrada do júri. Na presença do júri, GETTY
verdade, continua a ser um impe-
informa que se encontram na sala rativo ético processual que afeta a
juristas portugueses a quem gostaria Donald Trump "É pelos desvios que emerge como ator no teatro da Justiça" capacidade e o sucesso da investiga-
de dirigir umas palavras, pelo que ção. Não assim na América. Se Joana
convida o júri a sair. Faz então uma aparece morta e se suspeita de crime
alocução comovente em que, depois passional e, logo a seguir, a casa da
de realçar o facto de os pais serem alcoólicas por a considerar contrária emerge como ator no teatro da vítima é incendiada e envenenado o
emigrantes humildes e analfabetos, à lei. Depois da audiência, o tribunal justiça. seu gato, a plea bargaining pode levar
enaltece as suas origens e diz estar reúne-se connosco num almoço. São mundos diferentes. Enquanto, o homicida a contribuir para o escla-
grato aos Estados Unidos por lhe ter Temos curiosidade em saber quanto na Europa continental, o direito recimento do homicídio em troca do
sido proporcionada uma ascensão vai custar ao senhor Silva a conde- romano e o direito canónico se fundi- “esquecimento” dos outros crimes.
social que o levou àquelas funções. nação e aquele aparato judicial. A ram no direito comum, na Inglaterra Vem, depois, a legitimação.
Reentrado o júri e retomada a resposta é imediata. Andará por uma os germanos destruíram os vestígios
audiência, o sistema jurídico norte- quantia entre 50 e cem mil dólares. deixados pelo domínio romano e Contrariamente à Europa continen-
-americano desenrola-se, perante Legitimação, ritualismo, retórica, implantaram um sistema próprio, tal, nos EUA juízes e procuradores
nós, em todo o seu esplendor. O oralidade, economia processual, par- conhecido por common law: um têm uma legitimidade política eletiva.
senhor Silva era acusado de condução ticipação cívica e mediatização são os corpo de regras e princípios voltados São nomeados, a nível federal, pelo
automóvel sob efeito do álcool. O traços desta experiência. Estávamos para a razão e o bom senso e atento Presidente, com assentimento do
INÁCIO LUDGERO

procurador tinha proposto um acor- bem longe do modelo português, às necessidades da comunidade e às Senado. E, a nível estadual, eleitos,
do, mediante o pagamento de uma caracterizado pela iluminação basea- transformações sociais. Ao lado da embora, num crescente número de
multa, a aplicação de uma medida de da na ideia de plenitude do sistema common law, viria a desenvolver-se Estados, sejam propostos por comis-
J. N. Cunha Rodrigues
inibição de conduzir e a proibição de jurídico, pelo domínio da escrita, a equity. Estas características foram sões de seleção e votados em eleições


ingestão de bebidas alcoólicas duran- pelo exacerbamento técnico e pela transmitidas ao Direito dos Estados gerais. As funções de procurador
te certo tempo. O senhor Silva acei- burocracia. Unidos da América depois da inde- constituem um patamar para o aces-
tou a multa e a inibição de conduzir pendência. so a elevadas funções políticas, para o
mas não a proibição de beber, com As aventuras do senhor Donald Não surpreende que o processo que o número de condenações pode
o fundamento que não era legítima Trump no palco judicial trouxeram- penal norte-americano obedeça a Quando se fala em constituir um trunfo.
naquelas circunstâncias. -me à memória esta cena. A justiça esta matriz, desde logo pelo espaço Nos EUA, o que é da justiça é
Requereu a intervenção do júri. O norte-americana é criticada, na concedido à opinião pública traduzi-
verdade material ou também da política. Com as suas
júri dá como provados todos os factos Europa, pela sua espetacularidade, do na permissão de câmaras de tele- histórica e verdade grandezas e misérias, este sistema
(aliás, confessados). Na sentença, o pelo seu défice técnico e pelo pouco visão nas salas de audiência ao abrigo é respeitável. Trump lida com a
juiz aplica uma multa e uma medida relevo atribuído à verdade. Muitas da liberdade de expressão garantida
formal ou processual justiça sabendo que ela está exposta
de inibição de conduzir mais graves das críticas resultam de estereótipos. pela Primeira Emenda à Constituição. assume-se uma a compromissos. Por isso, mistura a
do que as propostas na tentativa de
acordo, mas absolve o arguido quanto
Outras têm por base mais os desvios
ao sistema que este em si próprio. É
Os julgamentos são normalmente
representações da moralidade em
degradação ontológica verdade com factos alternativos, qua-
lifica os factos de fake news e atropela
à proibição de ingestão de bebidas pelos desvios que o senhor Trump teatro aberto. Perry Mason, pio- da verdade elementares princípios do Direito.
28 * ideias CRÓNICA jornaldeletras.pt * 13 a 26 de fevereiro de 2019 J

E, quando os agentes da justiça não


lhe convêm, substituiu-os.
Acontece que, mesmo neste ce-
nário, Trump pode estar a agir como
A PAIXÃO GUILHERME D’OLIVEIRA MARTINS
DAS IDEIAS
ator falhado. A independência dos
tribunais é um elemento fulcral no
sistema de crenças dos americanos,
sendo a interferência maliciosa no

Património
funcionamento da justiça geralmente
repudiada. A saga dos procurado-
res-gerais nomeados e demitidos
por Donald Trump é apenas uma se-

de Influência Portuguesa
quência de atos da mesma peça. Jeff
Sessions, William Barr e os que foram
nomeados interinamente são agentes
simultaneamente judiciários e polí-
ticos. Assim também, o procurador

A
especial Robert Mueller. A diferença
é que este procurador investiga factos
que mobilizam diversas agências na-
cionais e internacionais, dispersam os recente descoberta de uma capela quinhentista e ligadas sucessivamente aos ciclos do açúcar, do ouro e dos diamantes,
alvos e fogem ao controlo de Trump. na Cidade Velha, na ilha de Santiago, em Cabo com sistemas administrativos análogos aos da metrópole, ainda marcados
O leit-motif da promoção e se- Verde, constitui uma nova demonstração (se tal pela exploração de mão-de-obra escrava, pelas guerras com holandeses
curisação da identidade americana não fosse já claro) da importância da inclusão da e franceses, pela presença da Corte no Rio de Janeiro, pelo Reino Unido e
utilizado por Trump nas campanhas Ribeira Grande na lista do Património Mundial pela independência. Já em África, Mar Vermelho e Golfo Pérsico encontra-
de opinião atua como pano de fundo da UNESCO, que tive o gosto de apoiar desde o mos vestígios de entrepostos e fortalezas no litoral, criados para servirem
impactante. De resto, a questão da início. Trata-se de um exemplo, entre outros, de a carreira da Índia e a captação da mão-de-obra escrava. A presença no
identidade adquiriu um inusitado como o conhecimento do património artístico e interior é tardia, ocorrendo a partir do século XIX, com a ocupação militar
relevo nos últimos tempos. A erupção arqueológico merece especial atenção e cuidado. dos vales dos rios e com a criação de estruturas para exploração de maté-
de movimentos autonomistas em Neste momento, a comunidade científica acompanha os trabalhos que rias-primas, à semelhança do que acontecia na colonização europeia.
contexto não colonial é um exemplo estão a ser realizados no local, no âmbito do projeto “Concha” e que Esta publicação vem na sequência de uma ação anterior apoiada
da valorização avulsa e desproporcio- permitirão devolver ao público um marco de grande valia no património pela FCG, de recuperação em edifícios e monumentos, entre as quais se
nada da identidade. A expressão bom cultural da humanidade. De facto, no final do presente ano, poderemos contaram o Forte do Príncipe da Beira, em Rondónia (Brasil), a Casa de
nacionalismo identitário, com que visitar o templo devidamente restaurado e próximo da sua versão origi- Nacarelo, na Colónia do Sacramento, a Fortaleza de Arzila (Marrocos),
tem sido catalogada a questão catalã, nal, em condições de segurança e qualidade. a catedral portuguesa de Safim (Marrocos),
ou o slogan da identidade nacional Devemos insistir na compreensão do Património o Forte de São João Batista de Ajudá (Benim),
utilizado no Brexit e depois gradual- Cultural, não como realidade do passado ou o Forte de Jesus, em Mombaça (Quénia), o
mente desvalorizado, inscrevem-se como marca de uma qualquer identidade, Forte de Quíloa (Tanzânia), as fortalezas de
nesta realidade. Aliás, em certo ainda que multiforme, mas como um exemplo Ormuz e Qeshm (Irão), a Igreja do Rosário, em
sentido, pode dizer-se que, quando de um valor comum, partilhado por diversas Daca (Bangladesh), a Feitoria Portuguesa de
reiterou e densificou o princípio do culturas e comunidades. E não devo esquecer Ayutthaya (Tailândia) ou a Igreja de São Paulo,
respeito pela identidade nacional, o a reflexão dinâmica desenvolvida na UNESCO em Malaca (Malásia), para além de interven-
Tratado de Lisboa estava a promover e no Conselho da Europa (designadamente na ções para preservar bens culturais valiosos em
uma ideia certa num tempo que já era Convenção de Faro sobre o valor do património museus como os de Velha Goa e de Cochim, ou
outro. cultural na sociedade contemporânea - 2005) da inventariação e classificação de arquivos.
Donald Trump utiliza fatores numa perspetiva aberta e crítica, e não fechada Entendeu, porém, a Fundação dar prioridade
identitários como slogans. Aproveita- e retrospetiva, a propósito do património e da à criação de um instrumento de informação tra-
se da ideia para mobilizar franjas cultura. As lições do recentemente terminado duzido na feitura de um portal público interativo
eleitorais em que paradoxalmente se Ano Europeu do Património Cultural - 2018 Cidade Velha assente numa base de dados georreferenciada.
encontram muitos dos mais desfa- apontam nesse sentido, com especial ênfase O portal teve como acervo inicial o conteúdo


vorecidos. Como escreve Fukuyama para a mobilização dos cidadãos para a defesa dos livros, mas logrou suscitar o contributo de
(Identidades, D. Quixote, p. 142), do património como realidade comum, como quantos propuserem acrescentar ou corrigir
Trump desafia o politicamente realidade inclusiva e não exclusiva. conteúdos. Daí a importância do protocolo de
correto de modo a deslocar o foco Serve esta referência para lembrar a impor- colaboração entre a FCG e as Universidades de
das políticas identitárias da esquerda, tância do projeto “Património de Influência A descoberta de uma capela Coimbra, de Lisboa, de Évora e Nova de Lisboa
onde nasceram, para a direita. Tem Portuguesa – HPIP”, lançado pela Fundação – com o objetivo de estabelecer as condições de
por bússola um neo-liberalismo sem Calousta Gulbenkian (FCG) em 2012, na se- quinhentista na Cidade cooperação com vista à produção e transferên-
regras. Todo o seu discurso político quência do inventário sistemático do património Velha, em Santiago, Cabo cia de propriedade e gestão do portal intera-
mostra que não se dá literalmente histórico de origem portuguesa, arquitetura e tivo. As Universidades de Coimbra e de Évora
com a verdade. E que está a ser teme- urbanismo, promovido por Emílio Rui Vilar, Verde, constitui uma nova asseguraram até ao presente a coordenação
rário quando, manipulando a justiça, que deu origem a três volumes em papel e a um demonstração da importância do projeto, e o Conselho Executivo de gestão
ofende valores estruturantes da de índices, a que sucede o portal, sob a direção do HPIP decidiu assegurar a presença de um
democracia na América. Faz, assim, de José Mattoso (2007) - como uma base de da inclusão da Ribeira Grande representante da FCG no Conselho Executivo,
um jogo perigoso. informação disponível não só para a comuni- no Património Mundial da mantendo a propriedade e gestão do portal a
A hipótese de vir a ser indiciado dade científica, mas também para os cidadãos cargo das Universidades. O projeto HPIP não
não está excluída. Os presidentes do mundo. Trata-se de um instrumento de
UNESCO tem equivalente, dada a sua natureza específica.
não gozam de imunidade por crimes trabalho, para quem estuda ou deseja conhe- Não se trata, porém, de fazer mais do que dar
praticados no exercício de funções. cer as repercussões na arte e na arquitetura uma informação rigorosa e objetiva, não ditada
No passado, houve presidentes da presença portuguesa no mundo. E assim por qualquer razão identitária ou unilateral.
condenados por pequenas infracções. constituiu-se “um objeto de estudo, um corpus, como conjunto signifi- É a noção de salvaguarda de um património comum que está em causa.
Recorde-se, aliás, a investigação que cativo do contexto em que os seus diversos elementos foram criados, dos Daí a necessidade de uma informação objetiva, que, ela mesma, permi-
o procurador especial Kenneth Starr sinais que os caracterizam, na sua singularidade ou na sua categorização, ta aos investigadores desenvolverem os seus estudos e tirarem as suas
fez a Clinton e Hillary relativamente das alterações que sofreram, enfim, dos aspetos que justificam o seu valor conclusões. A qualidade da historiografia depende do rigor da informação
ao escândalo White Water e que aca- patrimonial”, urgindo não “confundir as épocas e as situações, e não disponível, do mesmo modo que o património, a herança e a memó-
bou, quanto a eles, em arquivamento. projetar sobre o passado fenómenos da nossa época”. ria se devem constituir e consolidar a partir de inventários exaustivos e
Com alguma probabilidade, o Falando da obra publicada em 2010 e 2011, temos na Ásia e Oceania o fundamentados, de estudos críticos respeitantes a fontes criteriosamente
impeachment pode passar na Câmara património do Estado da Índia e o que dependeu do Padroado Português escolhidas, credíveis e de confiança. E relembrando o papel desempenha-
dos Representantes. E, quanto ao do Oriente, ainda que fora do subcontinente indiano, a que se soma Macau do pelos principais instrumentos internacionais, no âmbito das Nações
Senado, o alinhamento de muitos e Timor - estão em causa essencialmente os séculos XVI e XVII, sem Unidas, da UNESCO ou do Conselho da Europa, devemos considerar que
republicanos dependerá dos desen- esquecer o prolongamento do Padroado e o prolongamento das reminis- o património cultural deve tornar-se um fator de paz e de cooperação
volvimentos que tiverem algumas cências da influência portuguesa. Na América do Sul, temos o Brasil e a internacional, O património cultural não é de uma região, de um país ou
pistas de investigação, em particular Colónia do Sacramento (Uruguai) com uma presença fundadora nas cons- de uma cultura – é uma manifestação de criatividade e de valor – que deve
a relativa à conexão russa. J truções dos séculos XVII e XVIII, baseadas nos modelos metropolitanos estar ao serviço da humanidade. J
J 13 a 26 de fevereiro de 2019 * jornaldeletras.pt

* 29
3o * ideias COLUNA jornaldeletras.pt * 13 a 26 de fevereiro de 2019 J

SOCIEDADE BREVE da diversidade cultural, da igualdade racial


e sexual. Por isso são tão perigosos. O ódio
Boaventura de Sousa Santos implica a recusa de discutir com os inimigos.
Os inimigos eliminam-se.
Na fábrica do medo produz-se a insegu-

As incessantes fábricas
rança e os artefactos ideológico-mentais que
produzem a segurança, segurança que para ser
infalível necessita de vigilância permanente
e de constante renovação das tecnologias de

do ódio, do medo e da mentira


segurança. O objetivo da fábrica do medo é
erradicar a esperança. Tornar o atual estado
de coisas no único possível e legítimo contra o
qual só por loucura ou utopia destemperada se
pode lutar. Não se trata de ratificar tudo o que
existe. Trata-se de limpar do que existe tudo o

Q
que impediu o passado glorioso de se
perpetuar.
Por sua vez, na fábrica da mentira pro-
uando o respeitado duzem-se os factos e as ideias alternativas a
Alto Comissário das tudo o que tem passado por verdade ou busca
Nações Unidas para de verdade, como sejam as ideias da igual-
os Direitos Humanos, dade, da liberdade negativa (liberdade de
Zeid Ra’ad Al Hussein, constrangimentos) e positiva (liberdade para
renunciou ao cargo em realizar objectivos próprios, não impostos nem
2018 a opinião pública tele-comandados), do Estado Social de Direito,
mundial foi mani- da violência como negação da democracia,
pulada para não dar do diálogo e reconhecimento do outro como
atenção ao facto e muito menos avaliar o alternativa à guerra, dos bens comuns como a
seu verdadeiro significado. A sua nomea- água, a educação, a saúde, o meio-ambiente
ção para o cargo em 2014 fora um marco saudável. Esta fábrica é a mais estratégica de
nas relações internacionais. Era o primeiro todas porque é aquela em que os artefactos
asiático, árabe e muçulmano a ocupá-lo e ideológico-mentais têm de ser embalados
desempenhou-o de maneira brilhante até disfarçados de não-ideológicos. A sua maior
ao momento em que decidiu bater com a eficácia reside em não dizerem a verdade a seu
porta por não querer ceder às pressões que respeito.
desfiguravam o cargo, desviando-o da sua
missão de defender as vítimas de violações A proliferação destas três fábricas é o motor
de direitos humanos para o tornar cúm- da onda reacionária que vivemos. A prolifera-
plice de tais violações por parte de Estados ção tem de ser a maior possível para que nós
com importância no sistema mundial. próprios nos tornemos empreendedores do
No seu discurso e entrevistas de despedida ódio, do medo e da mentira; para que deixe
Zeid Ra’ad Al Hussein
Zeid Ra’ad Al Hussein mostrava-se revoltado de existir diferença entre produção, distri-
com o modo como os direitos humanos se buição e consumo. Os meios de comunicação
vinham transformando em párias das relações hegemónicos, a “comentariologia”, as redes


internacionais, empecilhos nas estratégias au- sociais e seus algoritmos e as igrejas seguido-
toritárias e unilaterais de domínio geoestraté- A disciplina ideológica consiste na inculca- ras da teologia da prosperidade são poderosas
gico. Reconhecia que o exercício do seu cargo ção de uma perceção ou mentalidade coletiva linhas de montagem. Mas isto não significa
o obrigava a opor-se à maioria dos países que dominada pela existência de perigos imi- que as peças que circulam nas linhas de
tinham aprovado a sua nomeação, sob pena O objetivo da fábrica nentes e imprevisíveis que atingem todos por montagem sejam produzidas anarquicamente
de trair a sua missão. Chamava também a igual e particularmente os coletivos que nos em todo o mundo. Há centros de inovação
atenção para o facto de o perfil da ONU refletir do medo é erradicar a estão mais próximos, sejam eles a família, a e de renovação tecnológica para a produção
fielmente o tipo dominante de relações inter- esperança. Tornar o atual comunidade ou a nação. Tais perigos criam massiva de artefactos ideológico-mentais
nacionais e que, por isso, tanto podia ser uma um medo inabalável do estranho e do futuro, cada vez mais sofisticados. Esses centros
organização brilhante como uma organização
estado de coisas no único uma insegurança total perante um desco- são os silicon valeys do ódio, do medo e da
patética, dando a entender que este último possível e legítimo contra o nhecido avassalador. Em tais condições, não mentira. As tecnologias foram originalmente
perfil era o que começava a vigorar. resta outra segurança senão a do regresso ao desenvolvidas para servir dois grandes clien-
Era um grito de alerta para os perigos que
qual só por loucura ou utopia passado glorioso, o refúgio na abundância do tes, os militares e suas guerras e o consumo
o mundo corria com o avanço de populismos destemperada se pode lutar que supostamente fomos e tivemos. de massa, mas hoje os clientes são muito
nacionalistas de direita e de extrema-direita Ambas as disciplinas são de tal ordem mais diversificados e incluem a manipulação
que há muito vinha sinalizando. Ao denunciar autoritárias que configuram duas guerras não psicológica, a opinião pública, o marketing
a crescente vulnerabilidade de uma boa parte declaradas contra a grande maioria de popula- político, a disciplinação moral e religiosa.
da população mundial a violações graves de nismo, o crescente bem-estar de populações ção mundial, as classes populares miserabili- A sofisticação tecnológica está orientada
direitos humanos, tornou-se ele próprio vul- cada vez maiores, mas fazia-o com respeito zadas e as classes médias emprobrecidas. Esta para colapsar a distância com a proximidade
nerável e teve de abandonar o cargo. O grito dos princípios da Revolução Francesa: igual- dupla guerra exige um vastíssimo complexo (tweets e soundbites), a institucionalidade
de alerta caiu no silêncio da diplomacia, dos dade, liberdade e fraternidade. Era o único industrial ideológico-mental espalhado por com a subliminaridade (mediante,a produ-
alinhamentos e das conveniências típicas do sistema compatível com a democracia e os todo o mundo, incluindo as nossas vizinhan- ção em massa da máxima personalização),
internacionalismo patético que ele denunciara. direitos humanos. ças, as nossas casas e a nossa intimidade. São a verdade e a mentira ou ou a meia-verdade
Tudo isto ocorreu no ano em que se cele- Ora a onda conservadora e reacionária que três as fábricas principais deste complexo, a (híper-simplicações, banalização do horror,
bravam os 70 anos da Declaração Universal assola o mundo é totalmente oposta à filosofia fábrica do ódio, a fábrica do medo e a fábrica transmissão seletiva de conflitos sociais).
dos Direitos Humanos e em que muitos, eu que presidiu à elaboração da Declaração da mentira. Na fábrica do ódio produz-se a No momento em que se diz estarmos em
próprio incluído, defendiam a necessidade Universal e constitui uma ameaça séria à necessidade de criar inimigos e de produzir as vésperas de uma nova revolução tecnológica do-
de uma nova declaração, mais robusta e mais democracia. Assenta na exigência de uma armas que os eliminem eficazmente. minada pela inteligência artificial, a automação
verdadeiramente universal. Essa necessidade dupla disciplina, autoritária e radical, que não Os inimigos não são aqueles poderes que e a robótica, dá ideia que as incessantes fábricas
mantém-se mas neste momento o mais im- se pode impor por processos democráticos o pensamento crítico esquerdista satanizou, do ódio, do medo e da mentira estão a querer
portante é identificar as forças e os processos dignos do nome. Trata-se da disciplina eco- o capitalismo, o colonialismo e o hetero-pa- orientar a revolução tecnológica no sentido
que estão a bloquear a declaração actual e nómica e da disciplina ideológica. A disciplina triarcado. Os verdadeiros inimigos são aqueles da maior concentração do poder económico,
a fazer dela um documento tão descartável económica consiste na imposição de um capi- que até agora se disfarçaram de amigos, todos social, político e cultural e, portanto, no sentido
quanto as populações vulneráveis a viola- talismo autorregulado, movido exclusivamen- aqueles que inventaram a ideia de opressão e de criar uma sociedade de tal maneira injusta
ções dos direitos humanos que a declaração te pela sua lógica de incessante acumulação mobilizaram os ingénuos (infelizmente uma que a justiça se transforme numa monstruosi-
pretendia defender. É bom lembrar que esta e de concentração da riqueza, livre restrições boa parte da população mundial) para a luta dade repugnante. É como se antes da chegada
declaração visava mostrar a superioridade políticas ou éticas, em suma, o capitalismo contra a opressão. Disfarçaram-se de demo- massiva da inteligência artificial a inteligência
moral do capitalismo frente ao comunismo. que dantes designávamos como capitalismo cratas, de defensores dos direitos humanos, natural se fosse artificializando e automatizando
O capitalismo prometia, tal como o comu- selvagem. do Estado de Direito, do acesso ao direito, para coincidir e se confundir com ela.J
J 13 a 26 de fevereiro de 2019 * jornaldeletras.pt CRÓNICA
ideias * 31

nos EUA das décadas de 40 e 50 Ricos, Esfera dos Livros, p. 15), o


do século XIX. Jacinto diminui romancista narra a sua experiên-
ECOLOGIA VIRIATO SOROMENHO-MARQUES a dependência, mas não corta
com a tecnologia, e muito menos
cia no contacto com as miseráveis
condições de vida dos campone-
com a grande cultura (ele relê ses de Santa Cruz do Douro, onde
Homero e Cervantes) e com os sua mulher herdara uma quinta:

Meditação, não utopia,


requisitos da civilização. No seu “Um dos inconvenientes destes
regresso a Portugal, transforma- sítios é a horrenda imundície da
-se num filantropo e reformador gente! Decerto há miséria, e esse
social do abandonado mundo é um dos reversos de toda esta

em Eça de Queirós
rural lusitano, promovendo a beleza. Decerto as casas de aldeia
educação, a saúde e a higiene ou dos caseiros são, por culpa dos
públicas. E nessa contrautopia, proprietários, verdadeiros covis,
Eça talvez se aproxime mais do onde mesmo o gado estaria mal”.
seu personagem Jacinto do que Jacinto seria, pois, o rosto lite-
nunca em nenhuma outra obra. rário de uma aventura, também
Numa carta à mulher, de pessoal, que a morte impediu.

A
1898, citada num livro recente O regressar a casa, à pátria,
de Maria Filomena Mónica (Os corrigindo a tradicional alienação


exposição das nossas elites em relação ao
que encerra seu rincão natal e aos habitan-
no próximo tes que nele ficaram. Mas, um
dia 18, na regresso sem fantasia, onde a
Fundação beleza da paisagem não descul-
Calouste Em Eça não pa a manutenção do sofrimento
Gulbenkian, encontramos uma que pode ser evitado. No mundo
sobre Eça de Eça, a ecologia (se ele tivesse
de Queirós, utopia ecológica usado o conceito) teria sempre
“Tudo o que Tenho no Saco. Eça mas uma meditação, pessoas, e a urgência de uma
e Os Maias”, motivada pelos 130 justiça básica, morando no seu
anos da publicação desse roman- sempre sofisticada interior. A ser utopia, sê-lo-ia
ce monumental - que constitui e complexa, sobre a da moderação, do equilíbrio,
uma janela aberta para um século do ritmo temporal à medida da
XIX português e europeu e conti-
a sociedade urbana respiração humana. Para utopia
nuará permanentemente vivo nos e tecnológica da desmesura, já basta este mun-
seus personagens e trama dramá- do de uma imensidão cada vez
tica –, foi a causa próxima para
desenvolvida pela mais precária e incerta onde nos
uma nostálgica e intelectualmen- Revolução Industrial calhou nascer. J
te recompensadora viagem de
rememoração de algumas obras
do escritor. Lembrei-me do facto Viagem Eça de Queiroz, Tormes Painel de mosaico de pedra no Caminho de Jacinto
de a morte de Eça ter quase coin-
cidido com a de Nietzsche, nesse
mês de agosto de 1900, como se
essas duas das maiores inteli- mos, propriamente, uma utopia Jacinto, enquanto morava, sa-
gências europeias de Oitocentos ecológica. Deparamos, isso sim, tisfeito, no seu 202 parisiense. O
se tivessem recusado a entrar no com uma meditação, sempre Jacinto que, na narrativa de José
século XX, que todavia pers- sofisticada e complexa, sobre a Fernandes, afirmava: Vem por este meio o Centro de Neurociências e Biologia ao
crutaram genialmente nas suas sociedade urbana e altamente “O homem só é superiormente
luminosas mundivisões. tecnológica desenvolvida pela feliz quando é superiormente abrigo do Ao abrigo do Decreto n.º 57/2016, de 29 de agosto,
Isabel Pires de Lima, a comis- Revolução Industrial. Para um civilizado”, juntando a “potên-
sária da Exposição, organizou vá- homem que viveu nas maiores cia dos seus órgãos com todos os
alterado pela lei 57/2017, publicitar a abertura de posições
rios colóquios e mesas-redondas, cidades planetárias do seu tempo, mecanismo inventados”. A única para investigador doutorado (m/f).
como eventos associados à co- Londres e Paris, a marcha im- utopia seria a do progresso tec-
memoração. Com moderação de parável da sociedade tecnocien- nológico incondicional, proposta Local de trabalho: Centro de Neurociências e Biologia Celular,
Álvaro Vasconcelos e na compe- tífica, geminada com o sistema pelo personagem principal de A Pólo 1, Rua Larga, Edifício da Faculdade de Medicina.
tente companhia de Fátima Vieira económico capitalista, aparecia Cidade e as Serras, pelo menos na
e Pedro Eiras, tive o prazer de em cores vibrantes e brutais. Não fase inicial da obra: a confissão de A remuneração mensal a atribuir é a prevista nível 33
participar numa mesa subordina- me parece que o escritor possa ser um otimismo sem reservas e uma da tabela remuneratória única, aprovada pela Portaria
da ao tema: “Das Utopias: de Eça filiado nem na ingénua tecnofilia fé inabalável na síntese plena
e de Hoje”. O convite para refletir de algum futurismo, nem na tec- entre humanidade e técnica. Esta n.º 1553-C/2008, 31 de dezembro, sendo de 2.128,34 Euros
não se cingia a nenhum livro em nofobia de algum romantismo. O última, entendida não apenas
particular do labor de Eça, mas a devir vislumbra-se com contornos como instrumento na relação
ilíquidos.
predominância de A Cidade e as complexos, com promessas, mas com o mundo externo, mas como Os candidatos apresentam os seus requerimentos e documen-
Serras, publicada postumamente também ameaças. Por exemplo, possibilidade amplificante e
e cujas provas o autor apenas em dezembro de 1866, quando es- fusional do e com o corpo huma- tos comprovativos, por carta registada dirigida ao Presiden-
conseguiu rever até à página 241, creve sobre a passagem por Lisboa no, numa antevisão da eugenia te do Júri indicando a referência do anúncio para a morada:
não deixaria se estar presente no do couraçado norte-americano industrial que é um dos negócios
debate. (Aproveito para prestar Miantonomah, ele oferece-nos em mais rápido crescimento no Centro de Neurociências e Biologia Celular, Departamento de
homenagem à minha notável uma visão sobre “uma oficina século XXI. Recursos Humanos, Rua Larga, FMUC, 1.º Piso, Universidade
professora de Português do 2.º sombria e resplandecente” que Por último, a minha terceira
ano do Liceu, Fernanda Calado, usa a América como metonímia. tese é a de que, quanto muito, na de Coimbra, 3004-504 Coimbra, Portugal.
que em 1968 leu com voz clara, Por outro lado, na Correspondência obra de Eça poderemos encon-
aos seus alunos com 10 e 11 anos de Fradique Mendes surpreende- trar uma contrautopia, com
AS DEMAIS CONDIÇÕES CONTRATUAIS PODEM SER CONSULTADAS EM:
de idade, durante os sábados do mos um bucolismo jeffersoniano, traços ruralistas e ecológicos,
• http://www.eracareers.pt/opportunities/index.aspx?task=global&-
1.º período, esse magnífico texto na exaltação da América rural dos mas nunca numa linha de pri-
de Eça.) No essencial, as teses que Founding Fathers, e que sobrevive- mitivismo. O regresso de Jacinto jobId=109928
procurei alinhar no debate são as ria em alguns rincões brasileiros. ao Portugal rural não é a mesma • http://www.eracareers.pt/opportunities/index.aspx?task=global&-
três que se seguem. A segunda tese é a de que a coisa do que o exílio solitário jobId=110155
Em primeiro lugar, não me única utopia existente na obra de Thoreau no lago de Walden,
parece que em Eça encontre- de Eça é a protagonizada por perto da cidade de Concord,

CNC_JL_1262_99x148.indd 1 31/01/2019 12:53:16


32 * jornaldeletras.sapo.pt * 13 a 26 de fevereiro de 2019 J

05 DEZ 2018 —
06 MAR 2019
MUSEU DE ARTE
POPULAR/ LISBOA
PATRIMÓNIO
PORTUGUÊS
FÍSICAS DO

PHYSICS OF PORTUGUESE
HERITAGE/
ARCHITECTURE &
MEMORY, EXHIBITION
ARQUITETURA &
MEMÓRIA, EXPOSIÇÃO
CURADOR JORGE FIGUEIRA
C. ASSIST. CARLOS MACHADO E MOURA

ORGANIZAÇÃO MECENAS APOIO INSTITUCIONAL


J 13 a 26 de fevereiro de 2019 * jornaldeletras.pt
debate-papo * 33
DE VEZ EM QUANDO as incessantes perguntas que lhe
surgem no espírito. Mas isso, essa
António Mega Ferreira qualidade visual da sua aproxi-
mação, resultava dos processos de
investigação do historiador, soli-

José Sarmento de Matos


damente ancorados no testemunho
documental, mas também (e eu
quase diria, em proporção pelo
menos igual) no resultado das suas

Um cidadão de Lisboa
intermináveis caminhadas pela ci-
dade, que lhe permitiam ver o que
outros se tinham limitado a olhar.
A sua capacidade de ler nas pedras
os sinais da sua história resultava
da disposição, tantas vezes reafir-

R
mada, para olhar intensamente a
cidade, de forma a “decifrar[-lhe]
à flor da pele a evolução tanto física
econhece- te, correspondendo mais aos seus e humana como social e política”.
mo-nos num gostos do que a um programa Em Uma Casa na Lapa, publicado
comboio previamente traçado, pressen- em 1994, o método de JSM torna-se
da linha de tia que a memória é o alicerce da claro: da história da fundação de
Sintra, tinha imaginação, e por isso inventar o um edifício e respetiva propriedade,
eu 16 anos passado era tanto obra de paciente em 1757, parte para a reconstituição
e ele um decifração dos sinais não aparentes do desenho e formação de um pólo
pouco mais quanto de ousada formulação de urbano, o da Lapa, nesse proces-
que eu, mas hipóteses não poucas vezes arro- so identificando as etapas de uma
isso, nesse tempo, pouco importa- jadas e/ou indemonstráveis. Lera confrontação em tom cada vez mais
va. Sentávamo-nos ambos todas as muito Oliveira Martins, cuja lição aceso entre as freiras trinas, que por
manhãs no anfiteatro 1 da Faculdade prezava sumamente; e escrevia, ali tinham vastas propriedades, e
de Direito de Lisboa, mas a ordem como ele, como se estivesse a ver o centralismo civilista de Pombal,
alfabética separava-nos uma boa aquilo que ia narrando. Há, na sua ao qual não era sequer estranho o
dúzia de filas, eu entre os As, ele escrita, uma qualidade visual e interesse pessoal do futuro marquês
entre os Js. E começámos a ver-nos gráfica quase cinematográfica, que no desenvolvimento das vastas ex-
no comboio de ida e, às vezes, no se desdobra em longos travellings tensões de terreno urbanizável que
de volta. Até que um dia, um de nós e panorâmicas, apercebidos pelo por ali abundavam. Isto é, a partir
(quase de certeza ele, que tinha dos olhar do promeneur solitário que da história de uma casa, o narra-
Gémeos a sociabilidade mercuriana ele também era, numa escrita que dor indaga as razões e os modos
à flor da pele) foi ter com o ou- José Sarmento de Matos “A Invenção de Lisboa é a mais intensa, luminosa encena o estatuto do narrador pelos quais se foi fazendo cidade,
tro: “Você não anda em Direito?” e desafiante visão da história lisboeta, das suas pedras e das suas gentes” omnisciente para melhor ensaiar na ressaca desse meridiano que, no
Andávamos os dois. Fizemo-nos
colegas nos bancos da universidade;
tornámo-nos amigos nos bancos do buscou na Faculdade de Letras a
comboio. Nunca mais nos deixámos. maior satisfação dos seus interesses.
Por isto, é compreensível que Mais tarde, afinou a sua busca iden-
a minha visão do trabalho de José titária (que é isso que perseguimos
Sarmento de Matos (1946-2018) ao escolher uma determinada via de
enquanto olisipógrafo – que era formação) na História da Arte e, por MEMBRO HONORÁRIO DA ORDEM DO INFANTE D. HENRIQUE
MEMBRO HONORÁRIO DA ORDEM DA LIBERDADE
a designação profissional que ele aí, desembocou naquela que parecia
preferia – esteja coada pela profunda ser a grande paixão da sua vida: a
amizade que nos uniu. Deve ter sido linguagem das pedras. GRANDE PRÉMIO DE CRÓNICA E DISPERSOS LITERÁRIOS
ela que o levou a dar-me a ler, ao
longo dos anos, os capítulos em que
Cedo se percebeu, no entanto,
que o interesse do historiador não se APE/C. M. DE LOULÉ
se desdobrava a sua obra máxima, extinguia com a descrição física dos REGULAMENTO
A Invenção de Lisboa, aos quais eu edifícios, por rigorosa que ela fosse; 1. O Grande Prémio de Crónica e Dispersos Literários APE/C. M. de Loulé, instituído pela Associação Portuguesa de Escritores (APE) e pela
apenas acrescentava uma ou outra eu diria que o que mais interessou Câmara Municipal de Loulé (C. M. de Loulé), que o patrocina, destina-se a galardoar anualmente uma obra em português, de autor portu-
observação formal, de estrutura ou José Sarmento de Matos (JSM) foi, guês, publicada em livro e em primeira edição em Portugal, no ano anterior ao da sua entrega, nos domínios da crónica e dos dispersos
de estilo literário, porque a matéria desde o princípio, a história dos que literários reunidos em volume.
que tratavam, se não me era com- os construíram, modificaram e aí ¶ 1.º – Nesta edição, serão admitidas a concurso obras publicadas no ano de 2018.
pletamente estranha (nada do que viveram: as pedras eram, para ele, 2. O valor do Grande Prémio é de € 12.000,00 (doze mil euros).
3. De cada livro publicado serão enviados, pelos meios correntes, cinco exemplares à APE (Rua de S. Domingos à Lapa, 17 – 1200-832 Lisboa),
diz respeito a Lisboa me é estra- não um fim em si, mas um meio
destinados aos membros do Júri e à Biblioteca, até 1 de Março de 2019. Os livros não serão devolvidos pela APE.
nho), estava pelo menos longe das através do qual se podia interrogar o 4. Não são admitidas a concurso obras póstumas.
minhas preocupações profissionais destino humano dos seus criadores e 5. A Direcção da APE designará os três elementos que constituirão o Júri.
e literárias. utilizadores. E esta focagem a que eu ¶ 1.º – Não podem ser membros do Júri escritores ou editores com obras a concurso;
Não se nasce olisipógrafo, está chamaria humanística do patrimó- ¶ 2.º – O Júri será, em cada ano, renovado em pelo menos dois terços da sua composição, não podendo qualquer dos seus membros
bem de ver. Nem foi esse o pri- nio alargou-a depois em função do participar nele em mais do que duas edições sucessivas.
meiro desígnio vocacional de José campo quase interminável dos seus 6. O Júri disporá de trinta dias para deliberar, reunindo, nesse período de tempo, sempre que achar conveniente;
Sarmento de Matos, que conta a interesses, ao eleger como objeto da ¶ 1.º – A deliberação é tomada por maioria ou unanimidade, excluindo-se sempre a posição de abstenção;
génese dessa sua especialização no sua produção literária e intelectual ¶ 2.º – São excluídas as possibilidades de atribuição ex-aequo do Grande Prémio e de menções honrosas.
post-scriptum do primeiro volume o estudo da Cidade, a sua cidade, aí ¶ 3.º – Tomada a deliberação, de que não cabe recurso, o Júri lavrará uma acta final contendo os fundamentos da escolha a que se procedeu.
7. O Coordenador do Prémio, membro da Direcção da APE, prestará, nas sessões que vierem a realizar-se, todo o apoio necessário ao fun-
de A Invenção de Lisboa. Aí ficamos a encontrando finalmente o porto de
cionamento do Júri.
saber que o gosto juvenil por aquilo abrigo da sua sede de conhecimen-
8. O Prémio não será atribuído se o Júri entender que nenhuma das obras a concurso o justifica.
a que comumente se chama História to e, para nosso benefício, da sua 9. Far-se-á o anúncio da obra premiada logo após a deliberação do Júri, dando-se mais tarde a conhecer, em momento oportuno e pelos meios
lhe foi atiçado pela biblioteca e as transmissão escrita: “A Cidade é a considerados idóneos, as razões da opção deste, acompanhada ou não por declarações individuais de voto de qualquer dos seus membros.
ofertas do avô paterno, que, talvez invenção resultante de um sem-nú- 10. A entrega do Grande Prémio ao autor galardoado ocorrerá numa cerimónia pública em Loulé, integrada nas Comemorações do Dia do
não o sabendo (embora o desejasse), mero de gestos pessoais ou coleti- Município (Maio).
o encaminhou para o gosto pelas vos, usando-se quase só pedras e 11. As edições subsequentes da obra galardoada deverão referenciar, em lugar destacado do volume e da cinta, de forma correcta, o Grande
narrativas dos tempos passados. palavras”, escreve, na Introdução a Prémio e a entidade patrocinadora. Assim: Grande Prémio de Crónica e Dispersos Literários APE/C. M. de Loulé.
Essa inclinação primeira veio A Invenção de Lisboa. 12. O presente Regulamento será divulgado através dos meios de comunicação social, circulares aos sócios da APE e outras instituições
naturalmente ao de cima, quan- Este título genérico da sua obra directamente interessadas.
do, desiludido com as asperezas maior é, aliás, muito significativo Rua S. Domingos à Lapa, 17 | 1200-832 LISBOA • PORTUGAL | Telefone +351 21 397 18 99 | Fax +351 21 397 23 41
do Direito, atravessou a esplanada da forma como JSM via o passado e-mail: info@apescritores.pt | http://www.apescritores.pt
grande da Cidade Universitária e que o atraía: talvez intuitivamen-

APE_JL_1262_150x148.indd 1 01/02/2019 16:51:56


34 * debate-papo jornaldeletras.pt * 13 a 26 de fevereiro de 2019 J

nosso imaginário, é representado pelo


Grande Terramoto de 1755. Do parti-
cular para o geral, das pedras para as
gentes, e destas para a construção da
historicidade de Lisboa, Uma Casa na PROPRIETÁRIA/EDITORA: TRUST IN NEWS, UNIPESSOAL LDA.

Lapa é o sinal de um progresso em di- SEDE: Rua da Fonte da Caspolima – Quinta da Fonte,
Edifício Fernão de Magalhães, 8, 8A e 8B, 2770-190 Paço de Arcos
reção à tal visão de conjunto da cidade, NIPC: 514674520
que alcançará a sua máxima expressão GERÊNCIA DA TRUST IN NEWS: Luís Delgado,
Filipe Passadouro e Cláudia Serra Campos.
em A Invenção de Lisboa, que começou COMPOSIÇÃO DO CAPITAL DA ENTIDADE
a ganhar vida anímica e forma escrita PROPRIETÁRIA: 10.000,00 euros

por volta de 2000, mas que só viria a PRINCIPAL ACIONISTA: Luís Delgado (100%)
PUBLISHER: Mafalda Anjos
aparecer ao público, em duas rápidas
entregas, em 2009 e 2010. O terceiro
volume ficou por acabar.
Quando começou a escrevê-la, JSM
passara já o cabo dos 50 anos de idade.
Nessa sua maturidade, afinara-se-lhe
a vista e alargara-se o horizonte das
suas referências, de que convém nunca
José Sarmento de Matos
JORNAL
DE LETRAS,
ARTES E
IDEIAS J
DIRETOR: José Carlos de Vasconcelos


esquecer o seu prodigioso conheci-
REDATORES E COLABORADORES PERMANENTES: Maria Leonor Nunes, Manuel
mento da história das famílias, que lhe Halpern, Luís Ricardo Duarte, Afonso Cruz, Agripina Carriço Vieira, André
permitiu ensaiar excursos genealógicos, fo, especialista do património, escritor, Freire, André Pinto, António Carlos Cortez, António Mega Ferreira,
Boaventura de Sousa Santos, Bruno Bénard-Guedes, Daniel Tércio,
embora sempre à margem da discipli- jornalista, biógrafo, episodicamente Eduardo Lourenço, Eugénio Lisboa, Fernando Guimarães, Guilherme
na. Mas a verdade é que saber quem As suas intermináveis gestor cultural, infatigável conversador d’Oliveira Martins, Gonçalo M. Tavares, Helder Macedo, Helena Simões,
Jacinto Rego de Almeida, João Ramalho Santos, Lídia Jorge, Manuela
era quem, nos tempos antigos da nossa e exaustivo andarilho, talvez a que lhe
cidade, lhe permitia relevantes digres-
caminhadas pela cidade, caiba melhor seja a que ele tão sugesti-
Paraíso, Maria Alzira Seixo, Maria Emília Brederode Santos, Maria
João Cantinho, Maria José Rau, Maria João Fernandes, Maria Augusta
Gonçalves, Miguel Real, Miguel Sanches Neto, Onésimo Teotónio de
sões sobre o património das famílias, o permitiam-lhe ver o que vamente analisou, no segundo volume Almeida, Paulo Guinote, Patrícia Portela, Tiago Patrício, Valter Hugo Mãe
e Viriato Soromenho-Marques
qual, na sua incessante recomposição, de A Invenção de Lisboa: a de “cidadão de
ajudava a explicar a história da urbe
outros se tinham limitado Lisboa”, surgida e apascentada nos tem-
OUTROS COLABORADORES: A. Campos Matos, Álvaro Laborinho Lúcio,
André Pinto, António Cândido Franco, Arnaldo Saraiva, Bernardo Pinto

através da fortuna dos seus habitantes/ a olhar. A capacidade de ler pos de D. João I, para distinguir aqueles
de Almeida, Carlos Fiolhais, Carolina Freitas, Fernando J. B. Martinho,
Eduardo Paz Ferreira, Francisca Cunha Rêgo, Gastão Cruz, Graça Morais,

nas pedras os sinais da sua


Hélia Correia, Inês Pedrosa, João Abel Manta, João Caraça, João Medina,
construtores. Dessa riquíssima teia de homens bons, essencialmente livres mas José Augusto Cardoso Bernardes, José-Augusto França, José Luís Peixoto,
anseios propriamente humanos ergueu, voluntariamente comprometidos com a Joaquim Francisco Coelho, José Manuel Castanheira, José Manuel
por estratégia narrativa, uma fascinante história, de ‘decifrar[-lhe] causa da portugalidade, que apareceram
Mendes, Laura Castro, Leonor Xavier, Manuel Alegre, Manuel S. Fonseca.
Marcello Duarte Mathias, Margarida Fonseca Santos, Maria Fernanda
galeria de quase-personagens, figuras à flor da pele a evolução e ganharam estatuto em finais do século Abreu, Maria Helena Serôdio, Miguel Carvalho, Mário Avelar, Mário
Cláudio, Mário de Carvalho, Miguel Carvalho, Nuno Júdice, Ondjaki,
entre o historicamente documentado XIV. Alguns deles alcançavam benefícios
tanto física e humana
Pilar del Rio, Ricardo Araújo Pereira, Rocha de Sousa, Rui Canário, Sofia
e a ficção pura, que assumiam o papel e mordomias; outros, e dos mais valio- Soromenho, Teolinda Gersão, Teresa Toldy

de atores dramáticos, numa espécie de como social e política’ sos, ficavam-se pelo sentido de missão PAGINAÇÃO: Patrícia Pereira

fabulosa história contada, a partir da cumprida, que lhes preservava a inteira SECRETÁRIA: Teresa Rodrigues

experiência de quem a viveu, por quem liberdade e o gosto pela vida vivida CENTRO DE DOCUMENTAÇÃO: Gesco

aqui a reinventava. dia-a-dia. JSM foi um destes últimos, REDAÇÃO, ADMINISTRAÇÃO E SERVIÇOS COMERCIAIS: Rua da Fonte da
Caspolima – Quinta da Fonte, Edifício Fernão de Magalhães, 8, 8A e 8B,
Em A Invenção de Lisboa, JSM adotou legou-nos, nos dois volumes publicados sobrevivendo à margem de instituições, 2770-190 Paço de Arcos - Tel.: 218 705 000 Fax: 218 705 001 - email: jl@
jornaldeletras.pt. Delegação Norte: Rua Roberto Ivens, 288
um ponto de vista profundamente de A Invenção de Lisboa, a mais intensa, fossem elas académicas, profissionais ou 4450-247 Matosinhos - Tel.:220 993 810
inovador na abordagem da história luminosa e desafiante visão da histó- políticas, construindo a sua obra através MARKETING: Marta Silva Carvalho (diretora) - mscarvalho@trustinnews.
da cidade. O historiador era bastante ria lisboeta, das suas pedras e das suas dos serviços que, por gosto e inclinação pt e Marta Pessanha (Gestora de Marca) - mpessanha@trustinnews.pt

crítico da historiografia tradicional, no gentes, de que podemos hoje dispor. A pessoal, foi prestando à reconstituição PUBLICIDADE: Vânia Delgado (Diretora Comercial) vdelgado@
trustinnews.pt; Maria João Costa (Diretora Coordenadora de
que respeita ao discurso sobre a história sua última paixão foi também a sua maior do tecido social e cultural da sua cidade. Publicidade) mjcosta@trustinnews.pt; Ana Ribas (Gestora de
Marcas) aribas@trustinnews.pt; Elsa Tomé (Gestora de Marca)
de Lisboa. Parecia-lhe que a tradição paixão, a grande paixão da sua vida de Querem uma etiqueta para apor à sua etome@trustinnews.pt; José Maria Carolino (Gestor de Marcas)
dominante reduzia a uma perspetiva investigador: os modos e as coisas com memória ainda viva? Aqui está: José jmcarolino@trustinnews.pt; Mariana Jesus (Gestora de Marca)
mjesus@trustinnews.pt; Daniela Pereira (Gestora de Marcas)
meramente continental aquilo que, na sua que se fez Lisboa. António Salgado Sarmento de Matos, dpereira@trustinnews.pt; Carolina Alcoforado (Gestora de Marcas)
ótica, só podia ser conhecido a partir de Como classificar, se isso fosse neces- cidadão de Lisboa. calcoforado@trustinnews.pt; Mónica Ferreira (Gestor de Marcas)
mferreira@trustinnews.pt; Elisabete Anacleto (Assistente Comercial)
um plano de água, fosse o do rio omni- sário, finalmente, Sarmento de Matos? Com a vantagem adicional de – sus- eanacleto@visao.pt; Florbela Figueiras (Assistente Comercial)
presente, fosse o do oceano distante mas Eu creio que, de todas as designações peito-o – ser esta a designação que ele ffigueiras@visao.pt; DELEGAÇÃO PORTO: Margarida Vasconcelos
(Gestora marca) mvasconcelos@trustinnews.pt; Rita Gencsi
alcançável. Olhando de fora para dentro, possíveis, historiador de arte, olisipógra- preferiria. J (Assistente Comercial) rgencsi@trustinnews.pt BRANDED CONTENT:
Rita Ibérico Nogueira (Directora)rnogueira@trustinnews.pt

Telf Lisboa – 21 469 80 00


Telf. Porto – 22 099 0052
CADERNO em ecrãs espalhados pelas ruas, levaram responsáveis. A mãe apareceu na sala para
DE SIGNIFICADOS
PRODUÇÃO, CIRCULAÇÃO E ASSINATURAS: Vasco Fernandez (Diretor),
a multidão a duvidar da bondade dos lhe pedir contenção e garantir-lhe que, Nuno Carvalho, Nuno Gonçalves, Pedro Guilhermino e Paulo Duarte
Autobots e a exigir um castigo exemplar no final, tudo iria acabar em bem. Mas a (Produtores). Helena Matoso (Coordenadora de assinaturas).

Tiago Patrício para os bandidos armados em defensores criança tinha dúvidas, pela primeira vez o SERVIÇO DE APOIO AO ASSINANTE. Tel.: 21 870 50 50 (Dias úteis das
9h às 19h)
da Terra. fim dos Autobots e dos habitantes da Terra IMPRESSÃO: Lisgráfica – Casal de Sta. Leopoldina – 2745 Queluz de
A criancinha ficou paralisada com o parecia-lhe inevitável.

Transformers
Baixo. Distribuição: VASP MLP, Media Logistics Park, Quinta do
Grajal. Venda Seca, 2739-511 Agualva-Cacém Tel.: 214 337 000.
desenrolar daquele episódio. Seria possível É claro que apareceram resistentes que Pontos de Venda: contactcenter@vasp.pt – Tel.: 808 206 545,
que, depois de tanta violência provocada tentaram remediar a tragédia, é claro que Fax: 808 206 133

pelos Decepticons, as pessoas acreditas- o plano dos Decepticons acabou por ser Registo na ERC com o nº 112 348
Depósito Legal nº 127961/98 – ISSN nº 0872-3540
sem neles? Seria possível passar a odiar os desmascarado, é claro que a alteração da A Trust in News não é responsável pelo conteúdo dos anúncios
Autobots só por causa daquelas imagens? rota foi descoberta e é claro que no último nem pela exatidão das características e propriedade dos produtos
e/ou bens anunciados.
A partir de um aparelho antigo de tele- Do furor popular até à criação de um tri- instante os Autobots foram salvos das quei- A respetiva veracidade e conformidade com a realidade, são da integral
visão, a criancinha assistia ao duelo entre bunal marcial foi um pequeno passo, mas maduras solares e regressaram para acabar e exclusiva responsabilidade dos anunciantes e agências ou empresas
publicitárias. Interdita a reprodução, mesmo parcial de textos,
os Autobots terrestres e os Decepticons o pior foi que os Autobots não reagiram à com a opressão imposta pelos Decepticons fotografias ou ilustrações sob qualquer meios, e para
voadores. Todos os fins-de-semana, afronta e aceitaram a decisão do juiz de e libertar os cidadãos submetidos à quaisquer fins, inclusive comerciais. PORTE PAGO

a mesma receita paternal de virtude a os banir da Terra. Não, o pior foi ver os escravatura. No entanto, as lágrimas que
derrotar a malvadez que queria destruir Decepticons saudados numa parada, com escorriam pela cara da criança não se
o planeta. Fosse qual fosse o enredo, no as pessoas a gritarem vivas e a quererem transformaram em lágrimas de alegria,
Ligue já 21 870 5050
final, os Autobots venciam e eram aclama- tocar-lhes nas partes de metal. Não, não, porque aquele final lhe pareceu inventado, Assine o
Dias úteis: 9h às 19h
dos pelos humanos. Até que num episódio, o pior foi mesmo saber que os Decepticons tal como o vídeo falso em que robots pa-
os Decepticons, fartos de serem votados haviam alterado a rota da nave que levava recidos aos Autobots atacavam a refinaria
ao desprezo, encenaram um assalto a uma os Autobots para longe da Terra e a apon- e davam gargalhadas tenebrosas típicas
refinaria em que falsos Autobots rouba- taram para o Sol, a caminho da destruição. dos tiranos. Era preciso emitir o alerta: o
vam energia. O vídeo foi divulgado no dia Foi nessa altura que a criança sentiu os planeta estava tomado e já não contava
nacional dos Autobots, o que causou uma olhos a derreter e desatou a bater com os com os Autobots. Era preciso avisar toda
grande comoção entre os participantes punhos no vidro do aparelho de raios ca- a gente. Mas quem? Se nem a sua própria
dos desfiles. Aquelas imagens, projetadas tódicos, para tentar chamar a atenção dos mãe levava a sério as suas suspeitas. J
J 13 a 26 de fevereiro de 2019 * jornaldeletras.pt
debate-papo * 35

AUTOBIOGRAFIA VALTER HUGO MÃE O HOMEM


IMAGINÁRIA DO LEME
MANUEL HALPERN

Correntes d’Escritas, 20 anos O Tamagoshi


das máquinas

H S
e não me ligas à corrente eu também
avia uma leitora que, antes ainda da não te ligo nenhuma. Inicialmente
minha primeira participação nas era este o tratado com a maquineta.
Correntes d'Escritas (que aconteceu Não era necessário limpar diaria-
apenas ao nono ano do evento) me mente o ecrã, com um daqueles
interpelava dizendo que haveria panos de feltro, que agarra o pó e
de gostar muito de me ouvir ali. Eu não deixa marcas. Mas convinha, volta e meia,
estava sempre na plateia, ou não controlar o nível da bateria. Aos 20 por cento,
fosse um poveiro emprestado, e essa passa para amarelo e, com menos de 10, entra
senhora lera os meus primeiros ro- em processo de decadência eletrónica. Com
mances e vinha de todas as vezes cumprimentar-me com um menos de dois, já está mais para lá do que para
inusitado carinho maternal. Escusado será explicar porque me cá, prestes a desfalecer, os seus órgãos vitais
comove o carinho dos leitores, desde logo esse que chega das respondem lentamente e, a qualquer momento,
pessoas mais velhas do que eu e que talvez me vejam como um pode simplesmente apagar-se. E quando se
eterno rapaz a auscultar sonhos ao mundo. Essa senhora era apaga é como se se apagasse o mundo. Não o
assim, fazia uma festa no meu rosto. Dava-me dois beijinhos, mundo do cidadão anónimo que calha passar ao
trazia um livro meu que pedia para dedicar a alguma amiga, lado na rua. Mas o mundo que realmente inte-
agradecia e fazia essa festa muito delicada no meu rosto dizen- ressa, aquele que está distante e nos é próximo.
do da enorme alegria por encontrar-me, a enorme alegria de O Francisco estava dependente da máqui-
me rever. na, mas nada que se comparasse com o nível
Quando falei nas Correntes d'Escritas pela primeira de dependência que a máquina apresentava
vez aquela senhora já havia falecido. Falei profundamente do Francisco. E logo quem. Quando ele, por
nervoso, as salas sempre cheias impõem respeito aos rapa- algum motivo, não se dava ao trabalho de a pôr


zes tímidos e a prestar a carregar, simplesmente deixaria de existir.
atenção aos sonhos do Ora, esta situação era insustentável para a
mundo, e mais nervoso máquina. Estamos a falar de um aparelho caro
fiquei porque faltava a e complexo, de uma robótica superior, desen-
figura de gesto maternal volvido pelos melhores engenheiros ao longo
que esperara com tanta As Correntes são um dos tempos. Não poderia ficar nas mãos dos
ilusão ouvir-me falar ali. pulmão do pensamento caprichos de um despassarado pirralho. Não se
De algum modo, senti Correntes Valter Hugo Mãe com Mia Couto e uma professora da Escola poderia transformar no seu tamagoshi.
que falhei. Algo na mi- em Portugal. Os Dr. Flávio Gonçalves (em cima) e uma das mais concorridas edições do Havia que dar a volta a isto. O Francisco,
nha pessoa não esteve à autores, a imprensa encontro, a de 2013 dentro do seu complexo sistema de sistemas,
altura da leitora encan- também teria algures uma bateria que preci-
tada que ela era, como se
e o público acorrem sasse de ser carregada. Algo que fosse além do
não a tivesse respeitado. à Póvoa de Varzim não fazer nada pela cultura. É muito diferente convidarem-se tempo de sono, tão consolador e independente,
As Correntes d'Escritas,
maravilhosas como são,
para a mais nobre das os cidadãos para uma infinidade de debates e convidarem-se
os cidadãos para assistirem passivos a conteúdos previa-
em que a maquineta se julgava dispensável.
Após cálculos e observações, descobriu então
vão sempre significar artes, a da conversa. mente produzidos, mostrados num lugar como em qualquer que o Francisco não possui apenas um indica-
para mim uma certa
urgência de encontro e
A mais nobre e a outro, sem contraditório nem eventual relação com o espaço
e o tempo em que se vive. As Correntes são um pulmão do
dor de bateria, mas sim vários, que alimentam
diferentes partes do seu mecanismo.
a eminência do desen- mais terapêutica e pensamento em Portugal. Os autores, a imprensa e o público A maquineta começou por medir os níveis
contro e da perda, e vão mudadora de todas acorrem à Póvoa de Varzim para a mais nobre das artes, a da da saúde. Dando informações para a recarga. Do
sempre significar a ine- conversa. A mais nobre e, certamente, a mais terapêutica e género: "hoje estás cansado, precisas de dormir
xplicável profundidade mudadora de todas. oito horas. Ou "tens feito pouco desporto, deves
de haver quem não nos É claro que em 20 anos desta festa me aproximei e tam- retomar a ida ao ginásio, caso contrário aumenta
conhece mas espera com um carinho íntimo, familiar, verda- bém me afastei de vários autores. A oportunidade de tertúlia significativamente o risco de enfarte do miocárdio
deiro. Faltei vários anos ao evento porque a vida se complica, implica que lidemos com os melindres de cada um, tantas nos próximos sete meses". Aos poucos, foi criando
mas não perderei nunca a impressão um pouco sagrada de que vezes entendendo que as nossas personalidades não se acertam em Francisco uma dependência em que ele preci-
ali cumprimento algumas das pessoas que mais me honram. com gente que até então havíamos lido com prazer. De todo sava da máquina para saber quando comer, quando
Entre os leitores das Correntes estão tantos que me assistem o modo, é mais frequente o contrário. A alegria de ouvir as dormir, que atividade física praticar durante o dia.
numa claríssima boa fé, uma cumplicidade companheira que a grandes vozes é privilégio que nos moverá sempre. Se a maquineta não lhe dissesse nada, simplesmen-
vida inteira terei dificuldade em agradecer e, mesmo, merecer. De todo o modo, e isto é muito significativo para mim, no te mudava de cor, para amarelo, até desfalecer.
As cidade são repensadas à medida dos seus povos e, descomplicado que a Póvoa construiu para estes encontros, na E, à medida que o tempo passou, a ma-
muito, pela força e bravura dos seus políticos. A Póvoa de sua informalidade sincera, quem se torna mais marcante é o quineta foi entrando por outros domínios,
Varzim, que derivou por anos numa administração inculta, leitor. Poderíamos esperar todo o génio de Eduardo Lourenço, apercebendo-se da importância do bem estar
de urbanização irresponsável, chega ao evento das Correntes que amamos e queremos ouvir em todas as oportunidades, mas moral. "Não te esqueças de entregar um ramo de
d'Escritas inaugurando um tempo de tremenda mudança. nunca esperaríamos a festa no rosto, o olhar de um reconheci- flores à avó, a viagem é longa, mas no final vai
Gosto de especificar a ideia de bravura porque é exactamente mento profundo, como agradecendo nosso trabalho e celebran- sentir-se muito melhor". A maquineta era a sua
como vejo os políticos que chamam às suas cidades eventos do nossa vida, nossa mais terna sensibilidade e sonho. Nesses melhor amiga e ele o seu tamagoshi. Um dia, ao
feitos em torno do trabalho de quem está vocacionado para instantes, perante as pessoas que nos cuidam assim, temos a vê-lo demasiado sozinho, recomendou-lhe: "O
a liberdade de expressão, para o pensamento, gente que convicção de que a coragem está toda nisso, a de nos juntarmos teu nível emocional está abaixo dos cinco por
vive incondicionalmente debaixo de crítica e que, por isso, num encontro onde a graça mais pura pode acontecer. cento, convida a Inês para jantar e recita-lhe, no
acaba por fazer da sua vida um exercício de legitimação da Grato sempre a Manuela Ribeiro e Luís Diamantino, à frente fim, um poema de Pablo Neruda". Beijaram-se
plena individualidade e da memória. Isto para dizer que as de uma vasta equipa que nos propõe uma lição esplendorosa à sobremesa e foram felizes por muitos anos.
Correntes d'Escritas não são o certame comum que uma de coragem e humanidade. Parabéns. Parabéns às Correntes Escusado será dizer que tudo isto foi previamen-
qualquer autarquia deixa passar para se ilibar da acusação de d'Escritas. J te combinado com a máquina da Sofia.J
36 J jornaldeletras.pt * 13 a 26 de fevereiro de 2019 J

Cheques em branco para oniomanias DIÁRIO


GONÇALO M. TAVARES

NA HORA DE COMER O TREINADOR


Patrícia Portela
O que fazer?

T 1
inhas dores de cabeça e queixavas-te dos Eu sei que as contas lá na loja do teu pai não estão bem… vejo-o O trabalho que dá fazer uma
braços dormentes. O jantar tinha-te caído afundado no sofá todas as noites, o olhar vago, perdido, atravessa pergunta. A engenharia das
mal, ardiam-te a garganta e o estômago. todos os concursos na televisão. Deixou de ir ao café com o com- perguntas; fazer uma pergunta
Pediste para te retirares mais cedo para o padre, nunca mais convidou ninguém para vir cá a casa. Mas pelo como se faz uma coisa, um objeto.
quarto. Não era meu hábito mas ajudei-te a menos sorria quando lhe mostrava um vestido novo, percebes?… Eu Dá trabalho.
deitares-te na tua cama. Reparei que o teu ia resolver, eu ia resolver… eu ia… mas a carta… a penhora… assustei-
corpo estava encharcado em suor mas as tuas -me, filho, fui ao banco…disse que não tinha nada em meu nome…

2
mãos estavam geladas. Perguntei-te se não no banco disseram… não fazia diferença, estou casada…é comunhão Várias perguntas de Wittgenstein.
querias um benuron, um chá de tília, mas tu de… Eu tentei tudo, eu quis parar de comprar, era só passar este O senhor que faz perguntas à
não tinhas febre, dizias, não precisavas de nada, só de descansar. natal, a tua avó ia ficar tão triste se não lhe oferecesse aquela camisa linguagem, como se esta fosse o réu,
Passaste a tua mão pela minha cara fechando-me os olhos como de dormir…tens de acreditar… eu não consegui, eu ia…eu não conse- a senhora acusada. Que sabes de mim,
sempre fazias quando eras tu quem me deitava, e desejaste-me gui…eu não queria que o teu pai soubesse… das dívidas… as dívidas… linguagem? Que sei eu de ti, linguagem?
uma boa noite. eu tentei, mas a dívida só cresce…são cinco anos… e eu não queria Primeira questão:
Decidi ficar a dormir lá em casa, o pai tinha saído de noite para pedir dinheiro emprestado, era só mais este natal e eu resolvia… eu “O que é uma pergunta.”
ir pescar com uns amigos, demorar-se-ia por certo até de manhã tenho tanta vergonha, eu não queria, eu não queria… Duas respostas possíveis, digo, para esta
e não me apetecia sair a Tu soluçavas, eu interrom- primeira questão.
meio da noite para apanhar pi-te, tentei acalmar-te, repe- Primeira. Pergunta é aquilo que tem uma
a última carreira para a tia-te para não te apoquentares, resposta curta. Pergunta desnecessária, eu
Moita. Vi todos os telejor- para não dizeres mais uma pa- diria. Ou pergunta funcional.
nais e todos os programas lavra, o melhor era chamarmos Outra hipótese. Pergunta é aquilo que dá
de entretenimento dos um médico quando reparei num início ao movimento do pensamento, res-
quatro canais de televisão. A pacote de veneno para ratos que posta boa. As perguntas que dão trabalho.
família Espírito Santo anda a não fazia sentido sobre a mesa “Em que consiste então apontar para a
comprar terrenos em todo o de cabeceira. Tentei largar-te forma, apontar para a cor? Apontar para o
lado, qualquer dia compram para pegar no telefone mas tu número?”
a Comporta, devem querer cravavas-me as tuas unhas Três maçãs vermelhas, o exemplo de
transformar aquilo numa impecavelmente arranjadas nos Wittgenstein.
estância turística, destruir braços. Num último surto de Como se aponta só para a forma da maçã?
a reserva natural. Quero lucidez disseste-me, sem uma Como se aponta só para a cor da maçã?
voltar a viver em Lisboa, pausa e com um hálito ácido: Como se aponta só para o número de maçãs?
voltar para os meus amigos, Promete-me que nunca lhe Apontamos para o mesmo ponto, para pon-
os meus projetos, já não está vais contar. Se te conto não tos diferentes?
cá ninguém. São só mais é porque queira que o saibas, Outras perguntas de Wittgenstein. Sobre
uns anos e tudo se endireita, nem acho que o devesses saber, os animais e os homens. E o fingimento.
pensava eu, frente ao ecrã. é porque quero que sejas tu a “Por que é um cão não pode fingir uma
Deixei-me dormir no limpar todos os vestígios. Deita dor?
sofá. Acordei, sobressaltado, Ilustração de Patrícia Portela a partir de fotos de Nicholas Nixon fora o que sobrar do veneno no Pode ensinar-se um cão a fingir uma
quando te ouvi gemer no e de quartos visitados por The Selby lixo, e quando me levares até à dor?”
quarto. Não é meu hábito morgue pedes à Dona Luz para O cão incapaz de ficcionar. Jogar não é
verificar se estás a dormir assinar que foi morte natural, ficcionar. Podes fingir-te de morto, mas não
mas minutos mais tarde um copo partiu-se no chão e dirigi-me ela vai perceber, não deixes que ninguém me faça uma autópsia, podes fingir uma dor – diz o dono para o cão.
até ao vosso quarto. Tu contorcias-te com dores na cama. Tentaste quero ser enterrada no cemitério da igreja, ao lado do meu pai, A capacidade para fingir uma dor, algo
disfarçar a náusea e o vómito quando me sentiste entrar. Não tenho esse direito, toda a vida fui crente e dedicada ao meu deus. que separa o homem do animal.
deste conta que sangravas das gengivas e do nariz, o teu pescoço Não dizes nada ao teu pai, promete-me. Já não devo demorar … “Poderia uma máquina ter dores?”, per-
e os teus braços estavam cheios de nódoas negras e hematomas. não sinto o corpo, João, não me consigo mexer, dói-me o peito, gunta ainda Wittgenstein.
Não sabia como reagir, o que fazer, não percebia. Faltava-te o ar ajuda-me, meu filho, eu não queria, eu não queria, estou a ouvir o E depois as questões da identidade:
e as pupilas dos teus olhos dilatavam-se enquanto tu insistias em teu pai, ele chegou? Ele abriu a porta? Não o deixes ver-me assim, “Até que ponto é que a minha mão não
interromper a tosse para dizeres coisas sem sentido: não consigo ver, não o deixes… sente dores, mas sim eu na minha mão?”
- Eu não queria isto, eu não queria, eu não queria, meu filho, Os teus olhos começaram a lacrimejar. Eu não sabia de nada, Os estóicos responderam a isto de outra
eu não queria, eu não, eu… eu… eu tinha visto aqueles sapatos não queria acreditar, todos aqueles utensilios de cozinha, os tu- maneira, e antes: é a minha mão que sente
na Rua Garrett… eram tão bonitos… logo nesse dia… o cheque do pperwares para todas as ocasiões, os móveis em madeira pintada, dores, não sou eu.
banco… já preenchido … chegou no correio… o banco oferecia-me os tapetes de arraiolos, os naprons de bilros, as calças, as camisas
cem mil escudos de crédito… A carta… a carta dizia… eu tinha sido que me oferecias, sempre de marca, tudo muito barato, dizias-me,

3
escolhida… eu era uma cliente habitual… Eu não sou parva, filho, tudo em promoção, tudo sempre um achado, as lojas ofereciam-se Duas perguntas ainda, para
eu li a nota no cheque, as letras pequeninas… os juros a cobrar para te trazer as compras a casa, era sempre só um presentinho, eu terminar, de Susan Sontag em
por mês. Mas eu merecia, filho, eu merecia, não merecia? E o teu dizia-te, mãe, não é preciso, mas tu dizias sempre que era só um O amante do vulcão. Susan Sontag,
pai gostou tanto de me ver com aqueles sapatos… eu ia cancelar o presentinho, que nunca me davas nada, porque não me deixaste bem mais conhecida pelos ensaios, é uma
crédito, filho, eu ia…mas depois ofereceram-me um cartão, era de ajudar, onde é que está o telefone, não era preciso… extraordinária ficcionista. Duas:
graça, filho… eu comprei a mala, o serviço de chá, aquela écharpe O teu ritmo cardíaco acelerou, a tua respiração era entrecortada, “Que fazer com a beleza?”, uma. E a outra:
para o casamento da tua irmã, o cinto de couro, os brincos, aquele tremias, começaste a salivar. O teu corpo em convulsão lutava preso “Será possível possuirmos algo suprema-
quadro, ia ao cabelereiro todas as semanas, depois passei todos os num emaranhado de lençois agora ensanguentados. Eu tentava em mente belo e não o querermos mostrar a
sábados a passear com as amigas no centro comercial, era uma vão segurar-te, prender-te aqui, à cama, à casa, a nós, e agarrado a ninguém?” J
maneira de estar, filho, era sempre só uma coisinha todas as sema- ti, gritava por ajuda, por socorro, mas não saía nada, não via nada,
nas, todos os dias, nada de muito extraordinário eu era feliz apesar não fazia nada. Agora um longo espasmo. Num inesperado momen-
do transtorno, tudo aquilo me dava alegria, … sou a senhora mais to de calma em que parecias recuperar de olhos vermelhos vidrados
elegante do bairro, não sou, joão? O teu pai sempre dizia… no teto suspiraraste-me ao ouvido com os teus lábios já pálidos:
Eu pedia-te para descansares, para não falares, queria chamar - Escolhe uma roupa bonita para o meu funeral, o armário está
um médico mas tu seguravas-me na mão com todas as tuas forças cheio de roupa nova, por vestir, é só cortar a etiqueta. E não te
e não me deixavas sair do quarto, querias desabafar. preocupes, meu filho, eles assim não penhoram a casa…J

Você também pode gostar