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RESUMO

Este trabalho de pesquisa se preocupa em explanar um horizonte teórico sobre o trabalho


corpóreo-vocal do ator-atriz e em descrever todo o processo criativo de montagem da peça O
Apocalipse, de Georges Bourdoukan. Para tal, este trabalho de pesquisa foi realizado em três etapas
principais: horizonte teórico-metodológico, aplicação da teoria estudada e descrição do processo.
INTRODUÇÃO

Como aluno do curso de Artes Cênicas: Licenciatura em Teatro e ator formado pelo curso de
Formação do Ator/atriz, da Escola Técnica de Artes da Universidade Federal de Alagoas, senti falta
de um aprofundamento centrado nos processos corporais e criação, pois quando este acontecia era
completamente distante do que eu necessitava para desempenhar os papéis que me eram propostos
pelos diretores.
Tenho o objetivo de me tornar professor de teatro e diretor, pretendo assim focar meu
trabalho no teatro físico. Neste estilo teatral é fundamental uma preparação corporal meticulosa.
A relevância da monografia proposta reside no fato de pesquisar, esclarecer e, sobretudo
compreender como ocorre um processo de montagem teatral pautado no trabalho de corpo e como
um estudo aprofundado do trabalho corporal do ator e da atriz pode contribuir para o desempenho
de papéis.
Para tal dirigi a peça O Apocalipse, de Georges Bourdoukan, na disciplina montagem I, para
o módulo três do Curso de Formação do Ator/atriz da Escola Técnica de Artes da Universidade
Federal de Alagoas, no ano de 2007, orientado pela Profa. Dra. Nara Salles.
No primeiro capítulo faço uma abordagem teórica acerca do trabalho corpóreo-vocal do ator
e uma relação com a minha compreensão de como esta teoria foi levada à prática. No segundo
capítulo faço uma descrição do processo criativo, de montagem e das apresentações da peça
proposta.
Capitulo 1 – Referencial teórico e relação com o processo de montagem da peça O Apocalipse.

Ao longo dos anos tanto no Curso de Formação do Ator/Atriz, no qual me formei em 2006 e
no Curso de Artes Cênicas: Licenciatura em Teatro, no qual sou formando, venho me preocupando
com a questão relativa aos estudos do corpo visando sempre a uma melhoria na construção de
personagens e no desempenho de papéis, este motivo me instigou a realizar esta monografia. Neste
capítulo descrevo o horizonte teórico e a metodologia abordada.

1.1 – Horizonte Teórico

Segundo Patrice Pavis (1999), o corpo do ator e da atriz deve estar preparado para agir entre
a espontaneidade e o controle absoluto, entre a naturalidade e o estado de marionete, manipulado
pelo encenador. O corpo também pode ser visto como um simples suporte de criação teatral, tomado
pelo sentido psicológico, intelectual ou moral, ou seja, o corpo se apaga à frente da verdade cênica,
sendo usado apenas como intercessor do ritual teatral, sem significado próprio. Em outra visão, o
corpo é um material auto-referente, assim não expressa uma idéia nem uma psicologia, ficando
remetido a si mesmo. A partir do controle e manejo de seu corpo, o ator e a atriz conseguem
produzir emoções. Esta visão de um corpo material é o que mais tem sido estudado na
contemporaneidade, ao menos no que diz respeito ao teatro experimental; os encenadores de
vanguarda, após terem se emancipado do trabalho textual e psicológico, tentam significar este
corpo. O signo iônico, como denomina Pavis (1999) está entre o objeto e sua simbolização,
tornando-o arquétipo corporal: hieróglifo (ARTAUD e MEIERHOLD apud PAVIS:1999),
ideograma (GROTOWSKI apud PAVIS:1999); este corpo torna-se fio condutor do desejo do
espectador de identificar-se com o mesmo. Esta simiotização colide com o comparecimento
dificilmente codificável do corpo e da voz do ator e da atriz.
Pavis (1996), no mesmo artigo, cita Michel Bernard, quando este determina os sete
operadores da pragmática do jogo corporal:

1. A extensão e a diversificação do campo da visibilidade corporal (nudez,


mascaramento, deformação, etc.). Em suma: da sua iconicidade.
2. A orientação ou disposição das faces corporais relativamente os espaço cênico
e ao público (face; costas, perfil, três quartos, etc.).
3. As posturas, quer dizer, o modo de inserção no solo e mais amplamente o
modo de gestão da gravitação corporal (verticalidade, obliqüidade,
horizontalidade...).
4. As atitudes, quer dizer, a configuração das posições somáticas e segmentares
com relação ao ambiente (mão, antebraço, braço, tronco/ cabeça, pé, perna...).
5. Os deslocamentos ou as modalidades da dinâmica de ocupação do espaço
cênico.
6. As mímicas enquanto expressividade visível do
corpo (mímicas do rosto e gestuais) em seus atos tanto úteis quanto
supérfluos, e, conseqüentemente, do conjunto dos movimentos percebidos.
7. A vocalidade, quer dizer, a expressividade audível do corpo e/ ou dos
substitutos e complementares (ruídos orgânicos naturais ou artificiais: com os
dedos, os pés, a boca, etc. (p. 62)

E ainda dentro da pragmática do jogo corporal desenvolvida por Michel Bernard, Pavis,
acrescenta mais dois pontos: “os efeitos do corpo” e a “propriocepção do espectador”:

1. Os efeitos do corpo. O corpo do ator não é um simples emissor de signos, um


semáforo regulado para ejetar sinais dirigidos ao espectador; ele produz
efeitos sobre o corpo do espectador, quer o chamemos energia, vetor de
desejo, fluxo pulsional, intensidade ou ritmo... Tais efeitos são mais eficazes
do que uma longa explicação de signos gestuais pacientemente codificados e
depois decodificados na intenção de um espectador-semiótico “médio”. Daí
esta observação de Dort: “o ator seria o anti-semiólogo por excelência, já que
destrói signos de encenação em vez de construir”;
2. Propriocepção do espectador. Já não se trata
diretamente de uma propriedade do ator, mas da percepção interna, pelo
espectador, do corpo do outro, das sensações, dos impulsos e dos movimentos
que o espectador percebe do exterior e transfere para si mesmo. (p. 63-4).

Na visão de Michael Chekhov (2003), o ator e a atriz têm que considerar seu corpo como
aparelho de transmissão de idéias criativas, deve alcançar uma completa consonância entre corpo e
psicologia. Existem atores e atrizes que são capazes de compreender com perfeição seus papéis e de
senti-los intensamente, contudo não são capazes de expressar ao espectador esta compreensão e este
sentimento, pois eles estão presos aos seus corpos subdesenvolvidos. Não é caso de desesperança,
pois todo e qualquer ator e atriz têm, em maior ou menor grau, resistência ao seu próprio corpo. O
exercício físico é fundamental para o ator e a atriz vencer essas dificuldades, mas não qualquer
exercício como esgrima, ginástica, dança, acrobacia, exercícios calistênicos e luta; o corpo do ator e
da atriz deve passar por uma preparação corpórea especial, especifica, de acordo com os requisitos
exigidos por sua profissão. Uma vez que o ator e a atriz devem conviver em harmonia com seu
corpo e seu estado psicológico, sua preparação corporal deve abrangê-lo totalmente; este corpo é
extremamente sensível aos impulsos criativos psicológicos; a psicologia deve fazer parte do
desenvolvimento corporal do ator e da atriz. E o corpo por sua vez deve absorver qualidades
psicológicas, gradativamente para serem impregnados e convertidos em uma membrana sensitiva,
que funciona como fio receptor e condutor de imagens. Chekhov fazia uma ampla relação do corpo
com a psicologia.
Já Sônia Machado de Azevedo (2004), relata que é impraticável trabalhar impecavelmente o
corpo do ator e da atriz sem se fazer uma incursão em sua competência interpretativa. Se o corpo é
indispensável à interpretação, por sua vez a preparação corporal tem que encontrar meios para
aperfeiçoar o corpo do ator e da atriz. Sem dúvida, existe uma necessidade de se investigar tal
trabalho, a fim de alcançar um método de conexão entre o corpo, a percepção e a imaginação
artística, criativa. O ator e a atriz devem, ao mesmo tempo, alcançar uma disponibilidade corporal e
interior, exercitando sua inteireza no contato com o papel a ser desempenhado. Contudo, deixando
vivo em cena uma permanente vitalidade, vivendo cada ação cênica no seu tempo sem antecipações
ou preocupações com as ações das cenas seguintes, o que tornaria impraticável o fluxo de energia
vital cênica. Se há um canal de viabilidade do intencional, esse canal possui mão dupla, podendo ser
estimulado do exterior trazendo a tona reações e vivências concretas de impulsos corporificados. O
canal expressivo é o eixo de ligação continua externo-interno, logo, a imagem aliada a energia
constituem a máscara.
A preparação corpóreo-vocal, quando a serviço da interpretação, agrupa objetivamente a
descoberta e emprego dos recursos psicofísicos do ator e da atriz por meio do acesso contínuo das
investidas para as formas: como “isca” para novas investidas e assim por diante, um teste das
possibilidades visíveis e invisíveis da metamorfose constante. Este treino de constante
transformação revela ao intérprete um leque de possibilidades interpretativas acerca das muitas
facetas de sua personalidade em reciprocidade artística, conectadas em contornos significantes,
tornando-se componente essencial do campo corpóreo. A exposição crescente e sistematizada dos
recursos particulares do ator e da atriz descobre respostas individuais e, ao mesmo tempo, uma
estruturação significante. A transformação deste intérprete, seja ela de caráter interior, ou exterior,
necessita de um tempo previsto para que as ações sejam realizadas. A precisão é fundamental para
que tal aconteça, é fundamental para o ator - atriz perceber o ritmo destas ações e executá-las em
consonância com os outros atores-atrizes e com o espetáculo, portanto o trabalho corporal é
imprescindível.
Para Roberto Mallet (2004), reafirmando o estudo de Stanislavski (1964) o corpo é a matéria
prima do ator e da atriz, as ações físicas que ele realiza conforma esse corpo; o fato do ator e da
atriz ser sua própria matéria, facilita a constante interação com o psiquismo. “Um movimento
corporal terá ressonâncias na memória e nos sentimentos, assim como uma lembrança ou um
pressentimento tem ressonâncias corpóreas” (2004, p. 47). A atuação é a composição e execução de
várias ações realizadas; um jogo muscular de vetores e contra-vetores destacado pelo corpo do ator
e da atriz, criando um texto legível. Assim,

podemos, numa outra instância, considerar todas as possibilidades de ação


corporal como matéria para o ator. Essa ação, que era forma no extrato anterior,
faz parte agora de um novo composto, o corpo agindo, que passa a servir de
matéria para a criação poética. As diversas maneiras de olhar, por exemplo,
apresentam-se ao ator como opções para a composição da cena. Ao realizar uma
dessas possibilidades no contexto da cena, ele cria uma nova forma, agora no
plano ficcional. (p. 47-8).
Renato Ferracini (2003) alega que às ações físicas e vocais são um dos maiores problemas
para o ator e atriz. Nas técnicas orientais praticamente não existe este problema, já que todas às
ações físicas são sistematizadas e codificadas de um vocabulário que é repassado de geração a
geração. No Lume1, acredita-se que só é possível uma codificação orgânica, se essa codificação
existir enquanto corpo, e no corpo enquanto memória. Existe no corpo uma memória muscular
como diz Stanislavski, Ap Burnier, (2001, p. 123), “memória muscular, esta memória que é tão forte
no ator” deve ser ativada, podendo ser utilizada e fixada as macro e micro-tensões, a finalidade
muscular. Para Ferracini, a codificação das ações física se dá através da repetição, exaustão e o
enclausuramento dos micro-elementos e das micro-tensões de cada ação física orgânica, tendo o
corpo como memória. Ainda, o ator e a atriz devem treinar não só o aspecto físico-mecânico, mas
especialmente a dimensão interior, a dinâmica de suas energias potenciais, mantendo uma relação
de via de mão dupla com o externo e o interno, este é o conceito de treinamento psicofísico.
Luís Otávio Burnier (2001), fala da necessidade de se criar uma segunda natureza para o
ator e a atriz. A prática teatral se dá em dois momentos: o ensaio e a apresentação. Enquanto que,
para a maioria dos outros artistas existe um terceiro momento em que o artista não está trabalhando
em sua obra, mas em si, no aprimoramento de sua técnica. Para que o ator e a atriz chegassem a
esse momento se fazia necessária a criação de um treinamento, assim se consolidaria uma dinâmica
baseada nos elementos treinamento-ensaio-representação. Ele então chegou a dois tipos distintos de
treinamento: treinamento energético e treinamento técnico.
O treinamento energético dá-se através de exercícios físicos intensos e contínuo, dinâmico,
para que sejam trabalhadas energias potenciais do ator. Para Burnier (2001), o ator e a atriz só
conseguiriam limpar seu corpo de energias “parasitas” e trabalhar com um fluxo energético mais
“fresco” e mais “orgânico” se estes atingissem o estado de esgotamento físico. Só ultrapassando os
limites do esgotamento físico é que o ator e a atriz conseguem “expurgar” suas energias primeiras,
físicas, psíquicas e intelectuais, ocorrendo assim um encontro com novas fontes de energias, mais
densas e orgânicas.
O treinamento técnico consiste em primeiro dar forma ao corpo e que esta forma possa
encontrar ecos dentro do próprio corpo, despertando impulsos interiores. Isso pode ocorrer de duas
formas: a primeira é o aprendizado via imitação de uma técnica já conhecida, ou o ator/atriz pode
também trabalhar com uma série de elementos corpóreos de várias técnicas diferentes; a segunda é
mais difícil e trabalhosa que a primeira, porque consiste em desenvolver uma técnica pessoal do
ator, partido do princípio de que em cada um de nós existe um movimento natural, que pode ser o
germe de uma técnica pessoal.

1
Núcleo Interdisciplinar de Pesquisas Teatrais - UNICAMP
Ferracini (2003) no estudo sobre o treinamento técnico diz que alguns elementos devem ser
trabalhados para a construção da ação física:

Dilatação Corpórea
Manipulação de Energia
Desequilíbrio ou Equilíbrio Precário
Oposição
Base
Olhos e Olhar
Equivalência
Variação de Fisicidade
Precisão
Impulsos

 Dilatação Corpórea – está relacionada com a organicidade e manipulação das energias


potenciais e pessoais do ator da atriz em relação às ações ou seqüência de ações;
 Equilíbrio – está relacionado à ênfase da presença material do ator e da atriz. Uma postura
onde o ator está fora de seu eixo de equilíbrio normal, ocasionando um equilíbrio precário e
diferente do cotidiano, provoca uma série de tensões musculares estabelecidas prontas a
impedir a queda do corpo. Que tem como conseqüência uma série de tensões orgânicas
específicas que comprometem e enfatizam o material do ator e da atriz.
 Oposição – o ator deve provocar oposições musculares de suas ações físicas causando assim
uma assimetria. Essa oposição muscular deve criar certas resistências e tensões, causando
uma maior intensidade energética e tônus muscular.
 Base – tem haver com a postura e a relação dos atores e das atrizes entre o chão, os pés,
pernas e o quadril. Esta base de sustentação do corpo deve viabilizar com segurança um
equilíbrio precário, e também deixar a coluna vertebral livre, para soltar-se sobre uma base
segura e fixa.
 Olhos no olhar – o olhar é determinante para a ação física, com ele o ator e a atriz podem
abrir ou fechar o campo de energia, criar uma relação com o espectador.
 Equivalência – o ator e atriz devem encontrar tensões musculares que permitam uma nova
relação de seus gestos e movimentos com o espaço/tempo. Deve encontrar um equivalente
orgânico em contra ponto ao clichê do cotidiano, recriando, reconstruindo e
redimensionando a ação física.
 Variação de fisicidade – é obtida pela consciência da técnica de fragmentação do seu corpo.
Assim cada ação do seu corpo pode ser analisada de acordo com seus impulsos e detalhes
individuais.
Acreditamos que o que Burnier (2001) se refere acerca da segunda natureza do ator e o
estado que ele deve chegar, seja semelhante ao que Grotowski (1971) tratava como o ator “santo”,
onde o ator deve chegar a uma “santidade secular”, para tal ele diz que deve existir um método
especial de treinamento e pesquisa. Grotowski diz também que devemos tomar cuidado com o
acúmulo de métodos, artifícios e truques, o que ele chama de “arsenal”, pois este pode não passar de
uma coleção de clichês, o que afastaria o ator de sua “santidade”, o tornando um “ator cortesão”. A
diferença entre o “ator cortesão” e o “ator santo”, segundo Grotowski é a mesma que há entre a
perícia de uma cortesã e a atitude de dar e receber que existe num verdadeiro amor: em outras
palavras, auto-sacrifício. Ele diz que o ator para se tornar “santo” é necessário que ele retire sua
máscara do cotidiano, desafie publicamente os outros, e que, se não exiba seu corpo, queime-o,
anule-o, liberta-o de toda resistência a qualquer impulso psíquico. Desta forma torna possível ao
espectador explorar um processo idêntico de autopenetração.
O ator que realiza uma ação de autopenetração é capaz de construir sua própria linguagem
psicanalítica de sons e gestos. Para tal,

o ator deve ser capaz de decifrar todos os problemas do seu corpo que lhe sejam
acessíveis. Deve saber como dirigir o ar e as partes do corpo onde o som deve ser
criado e amplificado, como numa espécie de amplificador. O ator comum conhece
apenas a cabeça como amplificador... Mas o ator que pesquisa, intimamente, as
possibilidades do seu próprio organismo, descobre que o número de
amplificadores é praticamente ilimitado... Descobre que não basta empregar a
respiração abdominal no palco... Descobre que a dicção aprendida na escola de
teatro muito freqüentemente provoca fechamento da sua laringe. Deve adquirir a
habilidade de abrir conscientemente, e saber quando ela está aberta ou fechada...
Deve aprender a executar tudo isto inconscientemente, nas fases culminantes de
sua representação; e isto exige uma série de novos exercícios. (p. 20-1).

Quando Grotowski trata do teatro pobre ele estabelece uma série de ações que devem ser
realizada pelos atores:

O ator deve compor uma máscara orgânica, através dos seus músculos faciais;
depois, a personagem usará a mesma expressão, através da peça inteira... O ator
multiplica-se numa espécie de ser hibrido representando seu papel
polifonicamente. As diferentes partes de seu corpo dão livre curso aos diferentes
reflexos, que são muitas vezes contraditórios, enquanto a língua nega não apenas a
voz, mas também os gestos e a mímica. (p. 53)

1.2 – Relações entre a teoria e a concepção cênica de O Apocalipse

O trabalho destes pensadores fez-nos refletir quanto ao fazer teatral e a forma de lidar com o
ator-atriz durante um processo criativo. Tentamos conduzir os alunos-atores-atrizes por um caminho
diferenciado do cotidiano de montagem teatral do Curso de Formação do Ator e Atriz, tendo em
vista minha experiência enquanto aluno, visto que mesmo dentro de uma escola de teatro
encontram-se resistência a um trabalho contemporâneo e conduzido por um aluno, mesmo que
concluinte da graduação.
A resistência talvez tenha ocorrido por parte da metodologia abordada. Esta metodologia não
seguia o habitual do curso. O primeiro passo foi trabalhar o corpo dos alunos-atores-atrizes,
oferecendo-lhes um novo estado corporal e um leque de possibilidades de movimentos com mais
organicidade, o que Burnier (2001) chamava de segunda natureza do ator e da atriz, o que aconteceu
paralelamente a um estudo teórico.
O trabalho realizado com os alunos-atores-atrizes estava pautado, na consciência, na
fragmentação e construção de um novo tônus corporal, o que viabilizou uma maior possibilidade do
uso do extra cotidiano, de maneira orgânica, natural.
O ator santo que Jerzi Grotowski pregava não foi objetivado na montagem, no entanto a
teoria de Grotowski foi importante para o processo, inclusive o livro, Em busca de um teatro pobre,
foi trabalhado com os alunos-atores-atrizes e apresentado em forma de seminário, e através dessa
leitura conseguiram conceber qual a real faina de um ator ou atriz, pretendíamos enfocar.
Este trabalho desenvolvido resultou na criação dos personagens a partir do corpo, todos
quando partiram para a construção das cenas, já tinham seu personagem construído fisicamente.
Durante este processo, o trabalho corpóreo-vocal dos alunos-atores foi aprofundado.
O segundo passo foi o conhecimento do texto a ser montado. O fato de O Apocalipse ser um
texto muito denso e extremamente informativo exigiu um profundo conhecimento, por parte de
todos os envolvidos no processo criativo, acerca da temática abordada no texto. Temática esta
desconhecida por grande parte do elenco e para sanar esta dificuldade foi necessário fazer uma
pesquisa informativa e imagética sobre a história da guerra no Líbano na década de oitenta. Mesmo
com este estudo percebi quem nem todas as questões foram solucionadas, mas isso esbarra,
acredito, numa questão cultural, pois a maioria dos alunos da Escola Técnica de Artes não se
preocupam em estar informados, em estudar, e apenas executam seus papéis superficialmente.
O terceiro passo consistia em escolher, conhecer e transformar o espaço de encenação. A
escolha pelo estacionamento foi feita pela Profª. Drª. Nara Salles e por mim, porque temos
identificação com a exploração de espaços alternativos, inusitados. Quando foi feito o
conhecimento do espaço e a sua transformação, que abordarei no segundo capítulo, demos
prosseguimento ao trabalho dos alunos-atores.

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