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Como aluno do curso de Artes Cênicas: Licenciatura em Teatro e ator formado pelo curso de
Formação do Ator/atriz, da Escola Técnica de Artes da Universidade Federal de Alagoas, senti falta
de um aprofundamento centrado nos processos corporais e criação, pois quando este acontecia era
completamente distante do que eu necessitava para desempenhar os papéis que me eram propostos
pelos diretores.
Tenho o objetivo de me tornar professor de teatro e diretor, pretendo assim focar meu
trabalho no teatro físico. Neste estilo teatral é fundamental uma preparação corporal meticulosa.
A relevância da monografia proposta reside no fato de pesquisar, esclarecer e, sobretudo
compreender como ocorre um processo de montagem teatral pautado no trabalho de corpo e como
um estudo aprofundado do trabalho corporal do ator e da atriz pode contribuir para o desempenho
de papéis.
Para tal dirigi a peça O Apocalipse, de Georges Bourdoukan, na disciplina montagem I, para
o módulo três do Curso de Formação do Ator/atriz da Escola Técnica de Artes da Universidade
Federal de Alagoas, no ano de 2007, orientado pela Profa. Dra. Nara Salles.
No primeiro capítulo faço uma abordagem teórica acerca do trabalho corpóreo-vocal do ator
e uma relação com a minha compreensão de como esta teoria foi levada à prática. No segundo
capítulo faço uma descrição do processo criativo, de montagem e das apresentações da peça
proposta.
Capitulo 1 – Referencial teórico e relação com o processo de montagem da peça O Apocalipse.
Ao longo dos anos tanto no Curso de Formação do Ator/Atriz, no qual me formei em 2006 e
no Curso de Artes Cênicas: Licenciatura em Teatro, no qual sou formando, venho me preocupando
com a questão relativa aos estudos do corpo visando sempre a uma melhoria na construção de
personagens e no desempenho de papéis, este motivo me instigou a realizar esta monografia. Neste
capítulo descrevo o horizonte teórico e a metodologia abordada.
Segundo Patrice Pavis (1999), o corpo do ator e da atriz deve estar preparado para agir entre
a espontaneidade e o controle absoluto, entre a naturalidade e o estado de marionete, manipulado
pelo encenador. O corpo também pode ser visto como um simples suporte de criação teatral, tomado
pelo sentido psicológico, intelectual ou moral, ou seja, o corpo se apaga à frente da verdade cênica,
sendo usado apenas como intercessor do ritual teatral, sem significado próprio. Em outra visão, o
corpo é um material auto-referente, assim não expressa uma idéia nem uma psicologia, ficando
remetido a si mesmo. A partir do controle e manejo de seu corpo, o ator e a atriz conseguem
produzir emoções. Esta visão de um corpo material é o que mais tem sido estudado na
contemporaneidade, ao menos no que diz respeito ao teatro experimental; os encenadores de
vanguarda, após terem se emancipado do trabalho textual e psicológico, tentam significar este
corpo. O signo iônico, como denomina Pavis (1999) está entre o objeto e sua simbolização,
tornando-o arquétipo corporal: hieróglifo (ARTAUD e MEIERHOLD apud PAVIS:1999),
ideograma (GROTOWSKI apud PAVIS:1999); este corpo torna-se fio condutor do desejo do
espectador de identificar-se com o mesmo. Esta simiotização colide com o comparecimento
dificilmente codificável do corpo e da voz do ator e da atriz.
Pavis (1996), no mesmo artigo, cita Michel Bernard, quando este determina os sete
operadores da pragmática do jogo corporal:
E ainda dentro da pragmática do jogo corporal desenvolvida por Michel Bernard, Pavis,
acrescenta mais dois pontos: “os efeitos do corpo” e a “propriocepção do espectador”:
Na visão de Michael Chekhov (2003), o ator e a atriz têm que considerar seu corpo como
aparelho de transmissão de idéias criativas, deve alcançar uma completa consonância entre corpo e
psicologia. Existem atores e atrizes que são capazes de compreender com perfeição seus papéis e de
senti-los intensamente, contudo não são capazes de expressar ao espectador esta compreensão e este
sentimento, pois eles estão presos aos seus corpos subdesenvolvidos. Não é caso de desesperança,
pois todo e qualquer ator e atriz têm, em maior ou menor grau, resistência ao seu próprio corpo. O
exercício físico é fundamental para o ator e a atriz vencer essas dificuldades, mas não qualquer
exercício como esgrima, ginástica, dança, acrobacia, exercícios calistênicos e luta; o corpo do ator e
da atriz deve passar por uma preparação corpórea especial, especifica, de acordo com os requisitos
exigidos por sua profissão. Uma vez que o ator e a atriz devem conviver em harmonia com seu
corpo e seu estado psicológico, sua preparação corporal deve abrangê-lo totalmente; este corpo é
extremamente sensível aos impulsos criativos psicológicos; a psicologia deve fazer parte do
desenvolvimento corporal do ator e da atriz. E o corpo por sua vez deve absorver qualidades
psicológicas, gradativamente para serem impregnados e convertidos em uma membrana sensitiva,
que funciona como fio receptor e condutor de imagens. Chekhov fazia uma ampla relação do corpo
com a psicologia.
Já Sônia Machado de Azevedo (2004), relata que é impraticável trabalhar impecavelmente o
corpo do ator e da atriz sem se fazer uma incursão em sua competência interpretativa. Se o corpo é
indispensável à interpretação, por sua vez a preparação corporal tem que encontrar meios para
aperfeiçoar o corpo do ator e da atriz. Sem dúvida, existe uma necessidade de se investigar tal
trabalho, a fim de alcançar um método de conexão entre o corpo, a percepção e a imaginação
artística, criativa. O ator e a atriz devem, ao mesmo tempo, alcançar uma disponibilidade corporal e
interior, exercitando sua inteireza no contato com o papel a ser desempenhado. Contudo, deixando
vivo em cena uma permanente vitalidade, vivendo cada ação cênica no seu tempo sem antecipações
ou preocupações com as ações das cenas seguintes, o que tornaria impraticável o fluxo de energia
vital cênica. Se há um canal de viabilidade do intencional, esse canal possui mão dupla, podendo ser
estimulado do exterior trazendo a tona reações e vivências concretas de impulsos corporificados. O
canal expressivo é o eixo de ligação continua externo-interno, logo, a imagem aliada a energia
constituem a máscara.
A preparação corpóreo-vocal, quando a serviço da interpretação, agrupa objetivamente a
descoberta e emprego dos recursos psicofísicos do ator e da atriz por meio do acesso contínuo das
investidas para as formas: como “isca” para novas investidas e assim por diante, um teste das
possibilidades visíveis e invisíveis da metamorfose constante. Este treino de constante
transformação revela ao intérprete um leque de possibilidades interpretativas acerca das muitas
facetas de sua personalidade em reciprocidade artística, conectadas em contornos significantes,
tornando-se componente essencial do campo corpóreo. A exposição crescente e sistematizada dos
recursos particulares do ator e da atriz descobre respostas individuais e, ao mesmo tempo, uma
estruturação significante. A transformação deste intérprete, seja ela de caráter interior, ou exterior,
necessita de um tempo previsto para que as ações sejam realizadas. A precisão é fundamental para
que tal aconteça, é fundamental para o ator - atriz perceber o ritmo destas ações e executá-las em
consonância com os outros atores-atrizes e com o espetáculo, portanto o trabalho corporal é
imprescindível.
Para Roberto Mallet (2004), reafirmando o estudo de Stanislavski (1964) o corpo é a matéria
prima do ator e da atriz, as ações físicas que ele realiza conforma esse corpo; o fato do ator e da
atriz ser sua própria matéria, facilita a constante interação com o psiquismo. “Um movimento
corporal terá ressonâncias na memória e nos sentimentos, assim como uma lembrança ou um
pressentimento tem ressonâncias corpóreas” (2004, p. 47). A atuação é a composição e execução de
várias ações realizadas; um jogo muscular de vetores e contra-vetores destacado pelo corpo do ator
e da atriz, criando um texto legível. Assim,
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Núcleo Interdisciplinar de Pesquisas Teatrais - UNICAMP
Ferracini (2003) no estudo sobre o treinamento técnico diz que alguns elementos devem ser
trabalhados para a construção da ação física:
Dilatação Corpórea
Manipulação de Energia
Desequilíbrio ou Equilíbrio Precário
Oposição
Base
Olhos e Olhar
Equivalência
Variação de Fisicidade
Precisão
Impulsos
o ator deve ser capaz de decifrar todos os problemas do seu corpo que lhe sejam
acessíveis. Deve saber como dirigir o ar e as partes do corpo onde o som deve ser
criado e amplificado, como numa espécie de amplificador. O ator comum conhece
apenas a cabeça como amplificador... Mas o ator que pesquisa, intimamente, as
possibilidades do seu próprio organismo, descobre que o número de
amplificadores é praticamente ilimitado... Descobre que não basta empregar a
respiração abdominal no palco... Descobre que a dicção aprendida na escola de
teatro muito freqüentemente provoca fechamento da sua laringe. Deve adquirir a
habilidade de abrir conscientemente, e saber quando ela está aberta ou fechada...
Deve aprender a executar tudo isto inconscientemente, nas fases culminantes de
sua representação; e isto exige uma série de novos exercícios. (p. 20-1).
Quando Grotowski trata do teatro pobre ele estabelece uma série de ações que devem ser
realizada pelos atores:
O ator deve compor uma máscara orgânica, através dos seus músculos faciais;
depois, a personagem usará a mesma expressão, através da peça inteira... O ator
multiplica-se numa espécie de ser hibrido representando seu papel
polifonicamente. As diferentes partes de seu corpo dão livre curso aos diferentes
reflexos, que são muitas vezes contraditórios, enquanto a língua nega não apenas a
voz, mas também os gestos e a mímica. (p. 53)
O trabalho destes pensadores fez-nos refletir quanto ao fazer teatral e a forma de lidar com o
ator-atriz durante um processo criativo. Tentamos conduzir os alunos-atores-atrizes por um caminho
diferenciado do cotidiano de montagem teatral do Curso de Formação do Ator e Atriz, tendo em
vista minha experiência enquanto aluno, visto que mesmo dentro de uma escola de teatro
encontram-se resistência a um trabalho contemporâneo e conduzido por um aluno, mesmo que
concluinte da graduação.
A resistência talvez tenha ocorrido por parte da metodologia abordada. Esta metodologia não
seguia o habitual do curso. O primeiro passo foi trabalhar o corpo dos alunos-atores-atrizes,
oferecendo-lhes um novo estado corporal e um leque de possibilidades de movimentos com mais
organicidade, o que Burnier (2001) chamava de segunda natureza do ator e da atriz, o que aconteceu
paralelamente a um estudo teórico.
O trabalho realizado com os alunos-atores-atrizes estava pautado, na consciência, na
fragmentação e construção de um novo tônus corporal, o que viabilizou uma maior possibilidade do
uso do extra cotidiano, de maneira orgânica, natural.
O ator santo que Jerzi Grotowski pregava não foi objetivado na montagem, no entanto a
teoria de Grotowski foi importante para o processo, inclusive o livro, Em busca de um teatro pobre,
foi trabalhado com os alunos-atores-atrizes e apresentado em forma de seminário, e através dessa
leitura conseguiram conceber qual a real faina de um ator ou atriz, pretendíamos enfocar.
Este trabalho desenvolvido resultou na criação dos personagens a partir do corpo, todos
quando partiram para a construção das cenas, já tinham seu personagem construído fisicamente.
Durante este processo, o trabalho corpóreo-vocal dos alunos-atores foi aprofundado.
O segundo passo foi o conhecimento do texto a ser montado. O fato de O Apocalipse ser um
texto muito denso e extremamente informativo exigiu um profundo conhecimento, por parte de
todos os envolvidos no processo criativo, acerca da temática abordada no texto. Temática esta
desconhecida por grande parte do elenco e para sanar esta dificuldade foi necessário fazer uma
pesquisa informativa e imagética sobre a história da guerra no Líbano na década de oitenta. Mesmo
com este estudo percebi quem nem todas as questões foram solucionadas, mas isso esbarra,
acredito, numa questão cultural, pois a maioria dos alunos da Escola Técnica de Artes não se
preocupam em estar informados, em estudar, e apenas executam seus papéis superficialmente.
O terceiro passo consistia em escolher, conhecer e transformar o espaço de encenação. A
escolha pelo estacionamento foi feita pela Profª. Drª. Nara Salles e por mim, porque temos
identificação com a exploração de espaços alternativos, inusitados. Quando foi feito o
conhecimento do espaço e a sua transformação, que abordarei no segundo capítulo, demos
prosseguimento ao trabalho dos alunos-atores.