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RESENHA

Por
Kátia Gally Calabrez

RENAUDE, Claude Pujade, Linguagem do Silêncio – Expressão Corporal. São Paulo/SP:


Summus, 1990. ISBN 85-323-0320-X.

A autora RENAUDE, nascida em 1932, é uma escritora francesa, publicou maus de


vinte romances, contos e coleções de poesia, bem como trabalhos criativos. É uma das
ganhadoras do prêmio de Guilda dos escritores Franceses pelo trabalho de sua vida.
Professora de dança, ministrou cursos de Expressão Corporal na Universidade de Paris-
VIII e é autora de vários textos pedagógicos relacionados ao corpo e à sala de aula.
A obra estabelece uma interligação inteligente das diversas linhas de trabalho
corporal; faz uma sumula abrangente, não escamoteando as incompreensões e
preconceitos que ainda permeiam a expressão corporal parte de sequencias de
movimentos, analisa as reações, descobertas relacionamentos, surpresas dos
participantes dos grupos de trabalho. Levanta depoimentos pessoais, enfatizando o
questionamento permanente. Escreve de modo poético, não tecnicista e mostra a inter-
relação permanente entre grafismo, música e gestualidade. Analisa os bloqueios, o
relaxamento o “escutar do silencio”, compondo um todo desmistificador e belo, útil a
temperaturas, dançarinos, professores de educação física e sobretudo educadores.
O que se passa através do corpo, além do corpo, como se move e se emociona.
Deixar surgir imagens e mistura-las; oscilar entre o prazer e a angústia, a criação e a
retração. Às vezes, a palavra dita verbal consegue reencontrar suas raízes corporais.
É preciso modificar as relações humanas; falar as palavras chave (comunicação,
criatividade, convívio). Não se esquecer de se exprimir corporalmente. A formação
corporal faz parte integrante da preparação ao ofício do ator. Convida a se descobrir, se
dinamizar, se desbloquear, se liberar, se exprimir, se comunicar. A expressão corporal
vive de empréstimos; utiliza seres humanos e técnicas provenientes de outros setores.
Trata-se de fazer: vivendo, criando, cantando, dançando, mexendo, respirando.
No cartaz da expressão corporal, é possível encontrar: exercícios de alongamento,
ritmo, respiração, descontração, seguidos ou não de uma improvisação livre sobre uma
música. Aprender a colocar o corpo, como a voz; bem dizer, expressar-se bem, no palco
ou na cidade; o gesto aí conforma-se às normas de uma estilização imposta. A
improvisação, coletiva ou individual, efetua-se sobre um roteiro elaborado. Sessões
inspiradas na dinâmica de grupo, onde a palavra pode ser temporariamente suprimida.
São propostas situações que provocam o corpo muito diretamente. Toda proposta de
criação artística é eliminada. O acento é posto sobre a implicação pessoal na experiencia,
sobre sua ressonância afetiva.
Corpo utensiliado, deve servir à ação; à expressão das emoções, dos sentimentos;
refletir uma subjetividade primeira no tempo e valor. Se há expressão corporal; é por
redução do corpo a um emissor de sinais; instrumento mais do que linguagem.
O corpo não se revela essencialmente no agir; pode falar intensamente na
imobilidade do relaxamento ou da situação analítica.
Comunicamos, portanto, vamos reproduzir. A expressão corporal torna-se a
rodagem do sistema; o corpo está novamente funcionalizado.
A dinâmica de grupo interessa-se pelos processos de comunicação não-verbal,
quer eles subentendam o intercâmbio falado, quer apareçam nos silêncios. A linguagem
do corpo é parasita, imitação ou revezamento da palavra.
A gestaltterapia convida os sujeitos a centrar-se sobre suas sensações corporais
imediatas, os sentimentos que afloram no aqui e agora. As técnicas do despertar
sensorial propõe redescobertas com as sensações elementares: tocar, respirar, salivar,
contatos do corpo. A descarga emocional, choros, gritos, a expressão gestual violenta.
Todo bloqueio tônico, postural, remete a uma origem e história. A dissolução da couraça
muscular, rígida, permitiria fazer surgir afetos há muito tempo recalcados. O relaxamento
das tensões acumuladas desde a infância favorecia a liberação de uma energia
encurralada. O corpo reencontraria espontaneidade e leveza perdidas. O sujeito, seu
dinamismo. Certos animadores amalgamam com alegria muitas dessas técnicas numa
mesma sessão ou entrevista. Massagem, desbloqueio muscular e vocal, expressão
corporal poderiam preparar um trabalho pelo sonho acordado ou uma psicoterapia de
grupo.
As diferentes partes do corpo são inventariadas e hierarquizadas em função da
quantidade de informação que elas podem emitir. Tenta-se determinar as menores
unidades significantes, equivalentes dos fonemas. A linguagem corporal é decodificada
segundo o modelo da teoria da informação.
Corpo anexado à palavra; emissor de sinais. A linguagem não se perder por
nenhuma redução., o corpo não fala por sinais; ele é portador de uma simbólica, remete a
uma história.
Corpo que não está mais a serviço de um texto anterior, mas que escreve ele
próprio seu texto no mesmo tempo em que se inscreve no espaço. O corpo libera-se da
escrita. Procura suas próprias leis, sua linguagem; faz barulho, move-se. Diferentes
lugares do corpo põem-se a falar. A boca, as mãos, os pés. Não mais que uma voz-que-
diz-um-texto, mas uma voz que renuncia temporariamente a sua função semântica para
reencontrar o prazer da expressão vocal. O corpo convida a arte dramática e o ator o
despojamento; o corpo é um lugar de um antiexpressionismo.
Indecência expressionista do rosto. Estilização despersonalizada do corpo.
Unicamente o rosto é impudico já que somente ele revela nossa pessoa intima, o que nos
somos. O corpo tem a faculdade de traçar no espaço, linhas grandes, que distraem das
da nossa forma. Também ele substitui o desenho do que nós somos, por aquele que
queremos. Estudar a mímica implica jogar perpetuamente com esta dupla necessidade.
Repetição meticulosa dos exercícios. Ritualização quase-sacralizada das sessões. Mas
também, revelação de um corpo que escapa às leis comuns para se reivindicar uma
anatomia fantástica.
A expressão corporal não visa o rigor e a estilização requeridos pela mímica
profissional. Ela não pretende necessariamente articular uma linguagem inteligível para
um espectador. Mantem-se às vezes numa violência de superfície. O corpo, longe de
servir-se de couraça muscular defensiva (como no esporte e dança), é o mediador através
do qual podem ser abordadas as resistências.
A relação expressiva do movimento com o pensamento ou com as emoções. O
gesto não vem em um segundo tempo para exteriorizar uma ideia ou um sentimento que
lhe seriam anteriores. É preciso evitar os gestos premeditados. Somente no momento em
que o gesto é feito é que ele deve estar ligado a uma associação espontânea. O corpo
não é a mímica do pensamento, nem um tradutor. A voz se origina sempre num trabalho
corporal. A exploração do elementar é superacentuada: improvisações. Eventualmente, o
texto nasce do jogo corporal e vocal. O corpo é um centro de energia, e não um motor: ele
acumula energias para gastá-las explosivamente, pelo esbanjamento, pelo jogo, pela
plenitude.
A expressão corporal pertence a todos e escapa. O corpo significa apesar dele. A
expressão corporal não tende por isto a uma liberação anárquica ou catártica,
respondendo unicamente a esta reivindicação amiúde formulada pelos participantes, de
poder se expressar livremente. Remete, com efeito, a um domínio. A técnica adquire
sentido quando, dando ao corpo uma certa estrutura, permite-lhe arriscar-se além da
estrutura. Ao desenhar seus limites sem por isso dar-lhes residência, ela autoriza-o por
isso mesmo a franqueá-los. Alternância de estruturações e desestruturações, comparável
ao processo terapêutico. Os gestos, bem como as palavras, são aprendidos, mas
permanecem vazios de sentido. A expressão corporal rompe, num primeiro tempo, com
as técnicas construídas; uma ruptura necessária; mas não poderia pretender escapar a
toda estruturação. A expressão corporal é as vezes apresentada como uma terapia.
A linguagem do corpo é muito frequentemente tomada pelo antiverbal. O não-
verbal não poderia tampouco ser considerado como um incomunicável. Se a expressão
corporal pode ter um impacto terapêutico, se um discurso é possível a partir do corpo, é
que este já é linguagem. Antes mesmo da entrada em cena da palavra, existe certamente
em expressão corporal circulação de significantes. A palavra pode suceder a implicação
corporal. A expressão corporal pode constituir um tempo de tomada de consciência ou de
desblocagem.
O corpo é local de projeção das fantasias particulares assim como dos mitos
sociais; responsável pelas inibições, pelas dificuldades. A expressão corporal não é mais
do que uma etapa.
A expressão corporal é tomada nesse perpétuo ir e vir desde a reapropriação à
mistificação. Pode marginalizar-se nas formas selvagens, mas esse gesto do corpo
arrisca-se a não ter nenhum impacto sobre o corpo social.

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