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A TÉCNICA DA ESCULTURA NA TERAPIA DE CASAL

Uma técnica interessante que dá ao protagonista (cliente) de um processo terapêutico a


possibilidade de tornar perceptível, de maneira física, aquilo que ele sente dentro de si, é o que
em Psicodrama se denomina concretização. Esta exteriorização de sentimentos coloca o
protagonista em condições de tratar com eles em vez de apenas senti-los.
A concretização é possível porque o indivíduo, não dispondo somente das palavras para
expressar o seu mundo interno, pode construir uma situação que “mostre” a sua vivência,
utilizando o próprio corpo, o espaço em torno, os objetos e as relações com as pessoas
presentes.
Freqüentemente é a conflituosidade psíquica que é concretizada. Desta maneira o espaço físico
pode ser dividido em duas partes, cada uma representando uma parte do conflito. O protagonista
pode se deslocar de uma parte para a outra, representando (desempenhando um papel ) ora um
pólo, ora o outro, fazendo solilóquios, interrogando a outra parte, fornecendo respostas. Desta
maneira ele dá integração e evidencia aquilo que dentro dele era consciente apenas
parcialmente e que, de qualquer maneira, lhe parecia confuso.
A concretização tem uma clara possibilidade de aplicação quando o protagonista verbaliza
metaforicamente a sua vivência. Ele pode dizer: “sinto que um muro me separa dos meus pais”.
A concretização disto poderia se realizar, por exemplo, criando uma barreira física entre o
protagonista (cliente) e os egos-auxiliares (co- terapeuta) que fazem o papel dos pais. Esta
barreira poderia ser feita com qualquer coisa física que se opusesse objetivamente ao contato do
protagonista com os pais. Uma inversão de papel do protagonista com a barreira física e uma
“entrevista” a este último, poderia contribuir a aumentar a clareza sobre o que está acontecendo.
Na técnica da concretização também fazemos o uso da postura, isto é, de uma colocação
particular do corpo no espaço, e que expresse de maneira plástica o sentimento do protagonista.
Ela pode ser realizada pelo corpo do protagonista (cliente), por outro membro da família, pelo
cônjuge ou pelo corpo do ego-auxiliar (co-terapeuta). No primeiro caso o protagonista é
convidado a expressar o seu estado de espírito não com palavras (solilóquio, entrevista, etc),
mas assumindo uma postura. Esta concretização torna evidente a vivência do protagonista
(cliente) seja a quem conduz o trabalho (o terapeuta, ou outro profissional) como a quem assiste,
como no caso de uma família ou de um casal.
Denomina-se escultura à concretização expressa, através do corpo dos egos-auxiliares, ao
modo de perceber do protagonista. Este tipo de concretização é chamado de escultura por
analogia ao trabalho do escultor, o qual deve dar forma e expressão ao material sobre o qual
intervém.

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Podemos também definir escultura como uma “expressão plástica simbólica da estrutura
vincular de um sistema, obtida mediante a instrumentalização dos corpos de tal sistema – Lopez
Barbera E.
Finalmente podemos acrescentar que a escultura pode também ter vida, no sentido que pode
fazer pequenos movimentos repetitivos e caracterizadores, assim como fazem as pequenas
estátuas dos presépios móveis. Pode acontecer então que o pai (marido) levante e abaixe de
modo ritmado o braço com tom de ameaça, que a mãe (esposa) esteja alternadamente de frente
ou de costas para o protagonista (cônjuge), expressando desta maneira a sua ambivalência.
Às vezes a escultura pronuncia uma breve frase – sempre com uma cadência repetitiva
coordenada com o movimento – e que serve para completar o significado geral que o grupo
escultural deve expressar.

A Escultura de casal, de família ou de grupo é uma das técnicas não verbais mais usadas
recentemente.
Permite a expressão de idéias e de emoções através da utilização do corpo e do movimento.
Propõe-se recriar simbolicamente, no espaço, os estados de espíritos e relações emocionais,
através de uma representação tridimensional das relações entre os membros da família.
“A Escultura pode ser definida como a representação simbólica de um sistema, que utiliza os
aspectos comuns de todos os sistemas – espaço, tempo, energia; desta forma relações,
sentimentos, mudanças podem ser representados e experimentados simultaneamente”. 
Explicar em que consiste uma Escultura é tão difícil como descrever uma obra de escultura a
alguém que não a possa observar diretamente.
Esculpir é uma modalidade criativa e não verbal, em que o escultorpode representar as suas
próprias relações com os membros do seu grupo familiar, assim como as relações entre os
outros membros em um momento histórico e num dado contexto.
A técnica da escultura oferece a possibilidade de evitar racionalizações, resistências e rótulos.
Através da escultura o casal fica privado dos seus canais verbais mais significativos. Com efeito,
os conflitos são representados duma forma coreográfica, i.é duma forma concreta e situada
numa esfera visual, sensorial e simbólica, que dá aos participantes uma oportunidade de
comunicarem emoções uns aos outros.
O casal começa a pensar-se a si próprio como unidade sistêmica, em que cada um é uma parte
integrante daquela unidade e que influencia todas as outras partes.
É importante que compreendam e sintam que são eles que ativamente criam o seu próprio
sistema, cuja vida e regras dependem das decisões de cada um no confronto com o outro.
(Maurizio Andolfi ).

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Fazendo a escultura, o casal poderá perceber as regras da relação de uma maneira mais clara
para ambos. O escultor poderá receber nova informação sobre a forma como seu
comportamento influencia de fato o outro, e vice versa.
A representação física e espacial de estados emocionais até aí desconhecidos, ou pelo menos
vagos e confusos poderá então ser utilizada para aprender modelos de comunicação mais
convenientes a ambos.
Na terapia de casal, em que o ponto nodal é o conflito sobre quem define as regras da relação, o
terapeuta pode convidar os cônjuges a criar uma escultura para representar o conflito ou como
eles se relacionam.

Podemos utilizar as seguintes consignas:


— Hoje iremos trabalhar de um modo diferente. Vamos olhar, conversar e refletir sobre a relação
de vocês utilizando uma outra linguagem. Uma linguagem diferente da linguagem verbal.
—Vamos usar uma técnica que se chama Escultura. Quando observamos uma escultura
percebemos e sentimos algumas coisas que, podem ser ou não aquilo que, quem a esculpiu,
quis transmitir.
—Vocês vão fazer uma escultura com os seus corpos e depois vamos conversar sobre isto.
—Imaginem como poderia ser representada a relação de vocês hoje. Uma escultura feita com os
seus corpos, como se fossem barro, argila, e que possa mostrar, dizer, representar vocês dois
na relação de casal.
—Imaginem primeiro…. Sem dizer nada.
—Entenderam o que vamos fazer?
— Coloque-se na posição que você se vê na relação, dando a distância em que você se vê com
teu parceiro/a, com a postura corporal, expressão do rosto, posição da mão, pé e cabeça
esculpida de modo a representar a dinâmica de vocês como casal.
—Procure não usar o verbal. Vai moldando com a mão.
 
Depois de concluída a escultura:
—Fiquem nesta posição. O que estão sentindo? Qual a emoção que prevalece, ou que é mais
forte? Vejam se associam a algo? Não falem nada. Respirem profundamente. Como sentem o
corpo?
O terapeuta fica de fora, observando, dirigindo o trabalho, dando mais alguns esclarecimentos,
se forem necessários. Deixa o casal por um determinado tempo e dá outra consigna.
—- Agora, eu vou entrar no teu lugar (de quem fez a escultura) e você fica de fora observando e
veja o que te ocorre, o que te chama atenção. (Dê um tempo).

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—- Agora você (que está de fora) entre no lugar do seu parceiro/a, na mesma posição que você
o/a colocou. Sinta e registre as sensações, emoções e pensamentos. O/A parceiro/a que está de
fora observa e registra as mesmas coisas.
 
Deixa um tempo.
—-Agora fiquem nas posições invertidas do início.
Depois coloco os dois para observarem, um por vez.
A partir daí, repito o mesmo procedimento com o outro cônjuge.
Depois de concluída esta etapa, posso passar para uma conversa com o casal sobre a
experiência, explorando o que sentiram, se concordam com a escultura do outro, se puderam
refletir sobre algo novo ou conhecido que acham importante, etc…
Podemos continuar com a técnica, caso achem adequado e o tempo permita com algumas
outras variações.

Variações: Pedir que voltem a fazer a escultura e que dêem movimento e/ou voz a ela, dando a
seguinte consigna:
—Imagine que esta escultura tem um movimento, faz um movimento, vai fazer um movimento no
futuro, fale algo, tenha um som…. Como seria?
Conversar sobre isto.

Podemos usar inúmeras consignas, dependendo do que estamos trabalhando com o casal, da
fase da terapia e da disponibilidade deles participarem da dinâmica.
Muitas vezes podemos pedir que façam a escultura do conflito que fez com que viessem para a
terapia ou que façam uma projeção no tempo de como estarão daqui a alguns anos, ou como
faria a escultura que pudesse representar a relação dos genitores, ou fazer uma escultura de
como gostariam que se relacionassem.
Como podemos ver, temos uma riqueza de possibilidades no uso desta técnica e vai depender
da criatividade do terapeuta e clientes, da disponibilidade dos clientes aceitarem fazer a
representação e da avaliação do momento da terapia e repercussão que está tendo no casal.
Podemos trabalhar somente com o casal, usar almofadas ou objetos para representar um dos
pares ou convidar um co-terapeuta para participar desta sessão para que fique nos lugares que
designarmos.
È uma técnica muito rica, mas também muito forte e pode causar um impacto grande em um
casal. Cabe ao terapeuta avaliar se deve continuar com a técnica ou interromper, caso ache que
não está sendo de utilidade naquele momento.

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Esta seqüência citada acima é apenas uma das maneiras que podemos trabalhar com esta
técnica da escultura, podendo ser utilizada com outras variações segundo a criatividade de
quem ou com quem a utiliza.
Pode ser trabalhada em apenas uma sessão ou em várias sessões dependendo da dinâmica
que surge.
Podemos aprofundar um tema importante para aquele momento do casal deste que não
exponha nenhum dos parceiros inadequadamente.
Concluindo, este é mais um recurso que podemos utilizar no trabalho com casais que acrescenta
às narrativas que trazem outros olhares que possam auxiliar para uma melhor negociação e
propostas de mudanças.

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