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UNIVERSIDADE SANTA ÚRSULA

FERNANDA QUINTINO GENTIL

RESUMO DO TEXTO “DIÁLOGOS ENTRE A GESTALT-TERAPIA E A DANÇA”

RIO DE JANEIRO

2020
O texto apresentado fala da experiência vivida em um projeto do Instituto de
Psicologia, realizado em parceria com o curso de dança. Foi oferecido um espaço de
experimentação artística que possibilitou o trabalho da corporeidade e da expressão.

Supervisionadas por uma professora de psicologia e uma de dança, uma estagiária


de psicologia e duas de dança formaram o trio de condutoras da oficina realizada para doze
adolescentes que, através de atividade que os familiarizassem com o aspecto expressivo e
conscientes de seus corpos, pudessem realizar oficinas de dança, música e vídeo, e, à partir do
material produzido destas oficinas, transformar em uma apresentação dos alunos na Escola de
Educação Física da UFRJ. O projeto é abordado à partir do referencial de Merleau-Ponty, da
Gestalt-Terapia e dos Fundamentos da Dança de Helenita Sá Earp.

Merleau-Ponty busca resgatar a experiência no mundo como fonte de produção de


sentidos. Elegeu o corpo e a expressão como temas centrais em sua obra. Sua abordagem do
corpo está direcionada à vivência corporal e à motricidade, propondo que o corpo, sempre
situado no mundo com o outro, produz um tipo de conhecimento prático, expressividade que
institui sentidos para o mundo, a partir da situação. Earp busca uma metodologia progressiva
que oferece princípios corporais para que todo o ser chegue à plenitude da dança. Ela parte
dos movimentos básicos do corpo, dos movimentos naturais feitos pelas articulações e das
habilidades motoras realizadas espontaneamente que tem a capacidade de se tornarem dança,
de acordo com as combinações, pausas e intensidades aplicadas e assim construir um todo
chamado dança.

Inspirados nessas referências, percebemos a arte e o fazer artístico como campos


férteis para novas possibilidades expressivas, por meio das quais há o despertar do corpo,
núcleo de significação da existência. A arte é vivência-corpo, não um recurso, mas campo de
possibilidades para uma experiência e se movimenta para criar sentidos, possibilitando uma
postura mais crítica frente a essa realidade contemporânea homogeneizadora, automatizante e
cristalizadora.

A arte utilizada como aliada à educação, ocupa um lugar de saber transformador.


A dança é uma das artes mais acessíveis, pois seu elemento central é o corpo, e é como corpo
que experenciamos o mundo, desde o nascimento até a morte. O texto explora a dança como
um fazer artístico de grande potencial para o trabalho com expressão.
A professora enfatizou que não é possível dar dança antes de ‘dar corpo’ a estes
adolescentes e para explorar o corpo é necessário saber o quão potente ele é e o quanto ele
pode falar. Earp concebe o humano como “homem tridimensional”, uma totalidade composta
pelas dimensões física, mental e emocional, não apenas pela fisicalidade. Entretanto, essas
dimensões nem sempre estão presentes na experiência de modo equilibrado. Além do aspecto
físico do corpo, é imprescindível que o emocional e o mental estejam integrados, para que
haja consciência corporal. É possível ampliar a consciência corporal não só pelos exercícios
motores, mas também pelo trabalho com aspectos menos materiais que ela chama de “energia
aplicada”. A manipulação da energia aplicada propicia ao dançarino a possibilidade de
enxergar o movimento no corpo e por isso há a necessidade de reconhecer este corpo e
identificar o seu papel no espaço onde se insere, através da prática. O corpo presente em cena
é resultado dessa complexidade de dimensões, que formam uma totalidade.

Para a Gestalt-Terapia, o todo resulta da integração de suas partes, ou seja, o todo


é sempre uma síntese. O corpo é a nossa primeira mídia, nosso primeiro meio de
interatividade e comunicação. Ele representa uma dimensão vital dentro das relações
interpessoais. O corpo possui uma linguagem rica, profunda e matizada. A Gestalt-Terapia
não busca a realidade corpórea em si, não é uma terapia corporal, mas propõe que a terapia
seja voltada para a ampliação da awareness. Estar consciente de algo é saber que se precisa
fazer e onde deseja chegar, mesmo sem saber o “resultado” sabe-se o caminho. É se deixar
afetar e ser afetado por este caminho, sendo constantemente transformado. Um trabalho que
visa, pela reintegração mente-corpo, o resgate de possibilidade expressiva de gesticulação
espontânea na relação com o mundo e o outro.

A Gestalt-Terapia é uma clínica da experiência e suas bases se apoiam em


conceitos filosóficos e estéticos. Ela busca fazer os significados da existência à partir da
experiência no mundo, que pode ser compreendida como experiência estética. A experiência
estética é o movimento do sujeito em direção ao objeto, tornando-o estético. O que significa
recriá-lo e resituá-lo no plano de sua experiência, dando significado para a consciência.

Pensa-se numa corporeidade intencional, onde o sujeito não detém um corpo, ele é
o corpo: corpo comprometido e dirigido para a situação presente. Através do corpo se dá a
experiência estética, a experiência em estado bruto. A Gestalt-Terapia preconiza o estético, a
dimensão sensível, a forma e o como a experiência acontece.
A percepção estética acontece como um todo, uma totalidade que procura se
organizar de acordo com as condições de campo. O campo é a estrutura básica da experiência
humana que se dá por meio do processo de contato. O sujeito é visto como totalidade que
emerge inseparável do mundo onde ele habita. É um ser relacional. Diante da novidade que se
dá do encontro com o outro, se descentra, há um desequilíbrio, uma desintegração e isso exige
do sujeito um movimento para se integrar novamente. O processo de contato é um movimento
de ajustamento criativo que possibilita a reintegração desse sujeito com o outro, com a
diferença.

Para a Gestalt-Terapia a existência individual é entendida como criação. A


experiência existencial é vista como processo criativo de um corpo-sujeito imbricado no
mundo. Enfatiza-se o caráter criativo do self (sujeito) e visa-se ampliar a experiência no aqui-
e-agora da relação sujeito-mundo. A intenção é priorizar o espaço de contemplação e
admiração da existência, assim como de desvelamentos de significados e instauração de
sentidos. A ação criativa é expressão, um gesto motor (corporal) e espontâneo guiado pela
awareness, uma consciência-não reflexiva. É um saber da experiência que se dá sempre na
interação com o outro, no campo.

No adoecimento as ações são automáticas e dessensibilizadas, o sujeito caminha


para a repetição do status quo sem oferecer possibilidades de crescimento e ressignificação da
experiência, pois há um distanciamento desta. Uma mesma situação que se dá repetidas vezes
pode comprometer o processo de crescimento. O trabalho corporal da Gestalt consiste em
descontrolar o próprio corpo, ele próprio fará suas ligações e não é necessário procurar um
significado, pois este aparecerá fechando uma Gestalt e significando uma situação geral. A
Gestalt-Terapia visa resgatar a corporeidade, integrar, ampliar a awareness, restaurar um
corpo-sujeito, um corpo crítico e criativo e não permanecer como um corpo-objeto que
reproduz o que está dado. É por meio da ação expressiva e espontânea que brota da
experiencia que se abrem as possibilidades para a ressignificação da existência.

O termo ‘ganhar corpo’ pode ser compreendido agora, como esse movimento de
transformação de uma ação automática e dessensibilizada frente ao mundo para uma ação
criadora, nutritiva e significativa; de gestalten estagnadas para uma formação de figura
dinâmica, fluida e vigorosa. Pôde-se observar esse fenômeno acontecer ao longo da oficina.
O tema da conscientização corporal, ponto em comum entre a dança e a
psicologia, era o objetivo afirmado no planejamento da oficina. A primeira atividade proposta
chamava-se “(M)eu Corpo” e o objetivo foi introduzir e facilitar ao aluno a percepção,
atenção e domínio sobre ações do corpo como sendo movimentos do próprio “eu”
(desautomatização das ações). Salientar de forma lúcida sua relação com o ambiente, com os
demais e, principalmente, com suas sensações, através de princípios técnico-expressivos da
linguagem dança.

No início do projeto houve resistência da parte dos adolescentes, uma rejeição ao


novo. Dentre as reclamações, muitas queixas de dores pelo corpo, entretanto, à medida que
iam se experimentando nas oficinas, aos poucos, os corpos não reclamavam tanto, e era
notória a redescoberta com os novos movimentos, tornando-os cada vez mais naturais. O
desabrochar “gestáltico-dançante” era notável nos alunos que, cada um à sua maneira, trilhava
o caminho da espontaneidade, da criação e crescimento. No final das atividades, na roda de
conversa, as palavras que predominavam eram “felicidade”, “atividade”, “alegria” e
“diversão”.

O processo do trabalho corporal deve ser gradativo, de tal forma que o indivíduo
assimile parte por parte a fim de compreender o todo. Um processo que dura a vida toda e que
permanecerá sempre em aberto. A dança era vista como entretenimento por estes jovens, e a
proposta do projeto exigia uma disposição para se descobrir e conhecer o novo. As
expectativas de aprenderem passos foi surpreendida pelas propostas do projeto – o que causou
certa resistência – que diminuía ao experenciarem e acrescentavam novas percepções aos seus
vocabulários de vida. E o projeto seguiu criando possibilidades para integrar as dimensões
física, mental e psicológica, resultando na ampliação da awareness. Atividades que buscavam
ampliar a presença, a percepção de si no espaço-tempo com o outro, ganhar corpo, foi o fio
condutor deste projeto.

O projeto dividiu-se em três etapas: experimentações artísticas livres, oficina de


corporeidade e oficina de montagem de espetáculo. A primeira era mais livre e menos
diretiva, foram usadas diversas linguagens artísticas sempre atreladas à questão corpo. Na
oficina de corporeidade trabalhou-se o contato com a linguagem dança e o fazer artístico, e na
terceira foi feita a roteirização e a composição do espetáculo onde será apresentada a síntese
das experiências vividas. Coletivamente foi construída uma coreografia e uma apresentação
de dança.
As vivências mais marcantes foram: as sílabas corporais, que consistia em
executar um movimento para cada sílaba do nome, trabalhando o movimento e o espaço,
conectando com as suas singularidades; os espaços mundanos, que dividia os espaços da sala
em espaços cotidianos e em cada um, eles deveriam se comportar de acordo com o ambiente,
trabalhando as sensações envolvidas com cada lugar, ampliando a awareness; molduras do
corpo, com molduras de quadro vazadas, o jovem emoldurava a parte que queria em
evidência, trabalhando a corporeidade e a singularidade de cada um; e, mapeando sentimentos
no corpo, que consistia em desenhar a forma do corpo deles deitados e preenchendo o
desenho de sentimentos. Em todas as vivências havia espaço para a fala individual ou em
pequenos grupos, sempre que isso se mostrava necessário, os condutores estavam atentos e
disponíveis para os jovens.

O resultado da oficina chamou atenção, especialmente o impacto em uma menina


de 14 anos que, ao final da apresentação no teatro de um espaço universitário, ambiente muito
diferente do dela, disse para a professora que a aguardasse que ela estudaria duro para passar
no vestibular de dança e ir estudar naquela universidade. Ao expressar fala falante – fala que
ocorre na dimensão pré-reflexiva que, acontece em ato e se expressa enquanto gesto corporal;
uma fala que se faz presente em situação e que aponta para um sentido – ela se descobriu.

Conclui-se que por mais diferente que os saberes pudessem parecer inicialmente,
tinham grande afinidades ontológicas, compreendendo o ser como capacidade expressiva dada
no mundo por meio da gesticulação corporal e do diálogo com o outro. Afinidade que se
reflete do ponto de vista epistemológico, trazendo, na origem de suas propostas conceituais e
metodológicas, concepções que permitem o diálogo interdisciplinar. A cada ensaio com os
adolescentes percebia-se que na medida em que iam se apropriando do sentido dos
movimentos que estavam produzindo, ganhavam corpo. A cada novo ensaio, uma maior
integração e um trabalho mais significativo. Os movimentos eram mais eles e eles eram mais
os movimentos. Eles e os movimentos erma um unitário de significações e experiências. O
movimento era figura em seus corpos e os gestos não deixavam dúvidas sobre seu próprio
sentido, seu lugar, seu propósito. Isso é awareness. Isso é ganhar corpo, consciência, presença
e corporeidade. É expressão e transformação aplicada.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALVIM, Mônica B.; MOLAS, Adriana. A potência política do corpo. Expressão e trans-form-
ação: arte e clinica com crianças e jovens na Mangueira – Curitiba – CRV, 2017.

O CORPO. Portal Educação, [s.d.]. Disponível em:


<https://siteantigo.portaleducacao.com.br/conteudo/artigos/psicologia/o-corpo/23661>. Acesso
em: 16-abr-2020.

Corpo, fala e expressão: diálogos entre a Gestalt-Terapia e a filosofia de Merleau-Ponty.


Revista IGT na Rede, v.9, nº17,2012, p.171–186. Disponível em
<https://www.igt.psc.br/ojs/include/getdoc.php?id=2154&article=405&mode=pdf>. Acesso
em 16-abr-2020.

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