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EXPRESSÃO CORPORAL: UMA ABORDAGEM PSICOMOTORA

Sabrina Toledo

O termo “expressão corporal” foi criado na década de 1950 pela bailarina e, posteriormente, psicomotricista Patricia Stokoe,
para dar conta de um novo tipo de linguagem corporal que estava sendo criado e desenvolvido. Stokoe elege o nome
expressão corporal para o seu novo conceito de dança, o qual possibilita ao homem transmitir seus pensamentos, idéias e
emoções através do corpo. A expressão corporal é uma atividade artística que se baseia primordialmente no movimento, no
gesto ou na quietude do corpo.

Ela nasce de sentimentos, sensações, imagens e idéias e se baseia na percepção dos sentidos e na motricidade, integrando as
áreas motoras e psíquicas do ser humano. Este artigo mostra o momento histórico que proporcionou o aparecimento da
expressão corporal, seus objetivos, técnicas, metodologia e, principalmente, a sua essência psicomotora.

O nascimento da expressão corporal está intimamente relacionado com a evolução ocorrida na dança no Ocidente. De acordo
com Garandy (1980: 14), em sua origem, a dança era, antes de tudo, uma relação ativa entre o homem e a natureza, num
movimento sincrônico ao cosmos. No Egito de 6 mil anos atrás, quando amanhecia e a “dança dos astros” chegava ao fim, os
homens, angustiados por não perceberem mais no céu o movimento das estrelas, imitavam-no num balé simbólico,
ensinando a seus filhos as leis que regiam os dias, as estações e permitiam controlar as cheias do Nilo. Era o nascimento da
astronomia. Identificar-se com as forças da natureza e imitá-las, pela dança, era uma necessidade primordial da humanidade.

Nas línguas européias, a palavra dança (danza, dance, tanz) deriva da raiz tan, que significa tensão em sânscrito. Dançar seria
viver e exprimir intensamente toda e qualquer relação do homem com o mundo, a natureza e os deuses. No entanto, com o
passar do tempo, a dança foi se transformando e sendo progressivamente reduzida a manifestações organizadas e
disciplinadas pela sociedade. Apesar de muitos historiadores apontarem a dança como a mais antiga das artes, ela é
paradoxalmente – em sua forma mais culta – a de mais recente aparição na história da humanidade.

Tal organização foi radicalizada com o advento do cristianismo no Ocidente, quando houve um corte completo na relação da
dança com o mundo místico. Ela deixa de ser um momento de catarse coletiva e passa a ter como finalidade única os
espetáculos de arte, o entretenimento. Surge, então, a primeira forma organizada de dança que o Ocidente cria, o balé
clássico, focado na técnica e na beleza plástica.

Muitos séculos se passaram para que o balé começasse a ser questionado por alguns bailarinos. Dentre estes, destacaram-se
as americanas Isadora Duncan e Ruth Saint Denis, responsáveis por uma grande revolução artística que culminou no
nascimento da segunda grande escola de dança ocidental: a dança moderna.

De acordo com Ossona (1988: 12), as diferenças entre essas duas escolas são estruturais, pois a dança moderna não nasce da
evolução do balé clássico, ela já nasce “anticlássica” por sua natureza, o que cria muitas contradições entre as duas escolas.
Na dança clássica, por exemplo, o bailarino é um ser ideal que dança entregue ao movimento, e este não é necessariamente
um meio expressivo. Na oposição disso está a dança moderna; nela o movimento é sempre uma forma de questionar e de
exprimir sentimentos e emoções da humanidade. O bailarino moderno não dança apenas pelo amor ao movimento, ele dança
porque precisa comunicar algo. Ele não é um ser ideal, mas um homem comum, que usa o seu corpo para expressar os
conflitos, dúvidas e esperanças do mundo contemporâneo.

O esforço em vencer a resistência gravitacional, que qualquer bailarino faz para dançar, também possui duas visões bem
diferentes. No balé clássico, a resistência não deve ser nunca percebida, o bailarino é como um ser etéreo, que não sofre as
influências das leis da física, e realiza movimentos complexos com aparente facilidade. O esforço intenso que o bailarino faz
é camuflado, e sempre dirigido somente contra a gravidade, nunca contra o espaço ou o chão.

Em contrapartida, na dança moderna, o ar pode adquirir densidades diferentes de acordo com a relação subjetiva que o
bailarino vive com o espaço. Dependendo da intensidade, velocidade e direção do movimento, produzem-se no espaço
diferentes “qualidades de movimentos”. O esforço que o bailarino moderno faz para dançar é visível, se dá em várias
direções – contra o solo, o ar, o outro – e, assim, se torna um elemento expressivo da dança. O equilíbrio, que é um aspecto
altamente valorizado na dança clássica, é normalmente desprezado na moderna, pois para esta concepção de dança, o
movimento nasce exatamente da ruptura do equilíbrio físico.

A relação do bailarino com o espaço é outra diferença marcante entre essas duas formas de arte. Na dança clássica, tal
relação nunca é vista como um meio expressivo; às vezes formam-se grupos no palco com desenhos espaciais decorativos,
mas o espaço nunca é um parceiro do bailarino. O mundo circundante não exerce nenhuma influência em seu estado de
espírito. Já na moderna, o bailarino projeta suas emoções no espaço e recebe estímulos e respostas dele o tempo todo. O
espaço é um companheiro do bailarino que expressa sentimentos ao público, num constante diálogo.
Quando, na década de cinqüenta, a expressão corporal começou a ser pensada por Stokoe, a dança moderna já havia sido
criada pelas pioneiras: Isadora Duncan e Ruth Saint Denis, e também por outros importantes criadores como Ted Shawn,
Martha Graham, Mary Wigman e Doris Humphrey. A partir das influências da dança moderna e de seus criadores, Stokoe
relatou mudanças essenciais na sua conduta como bailarina: a descoberta de novas maneiras de articular o corpo, de manejá-
lo expressivamente e o uso de esforços e qualidades de movimentos, ainda desconhecidos por ela.

Com o tempo, porém, ela percebeu que enquanto se libertava dos estereótipos do balé clássico, adquiria outros estereótipos,
os da dança moderna. Para ela, não adiantavam todas as inovações que a dança moderna trazia para os bailarinos, se ela não
pudesse criar seus próprios movimentos expressivos. Stokoe se questionava até que ponto poderia se sentir ela mesma ao
repetir os movimentos de outras pessoas. Mesmo quando ela se identificava com eles, não eram movimentos seus, mas
emprestados, e na melhor das hipóteses não teria feito mais do que recriá-los.

Na busca por uma linguagem corporal que manifestasse seus sentimentos, a autora identificou-se com o trabalho
desenvolvido por alguns pesquisadores, como Laban, o qual publicou algumas obras sobre a “arte do movimento humano” e
influenciou a teoria da autora sobre a dança como a expressão artística própria de cada ser humano. Nesta prática, o
instrumento principal é o próprio ser humano. Ele se expressa por meio dele mesmo, sendo em si o criador e o criado, sem a
necessidade de recorrer a elementos ou instrumentos alheios a ele. Isto difere esta prática de outras artes, como a música que
se expressa pelo instrumento musical, a pintura pela tinta, ou o poeta pela palavra.

A expressão corporal está integrada ao conceito de dança, pois Stokoe (1987: 17) entende que a dança é a expressão corporal
da poesia latente em todo ser humano. Cada movimento é único, e diz respeito à vida e à história de quem o realiza. Stokoe
faz parte desse novo paradigma, que resgata o elo entre a dança e a vida, a emoção, a expressão. Esse é um dos grandes
diferenciais da autora na sua maneira particular de compreender o movimento humano. Ela amplia e radicaliza
brilhantemente o conceito de dança.

Para ela, qualquer ação funcional pode converter-se em dança, desde que se mude o objetivo da ação e se agregue uma
organização temporal-espacial-energética a ela. Mesmo uma ação banal, como o ato de coçar-se, por exemplo, pode se
transformar em dança se for realizada com o intuito de exprimir algo a alguém, e de maneira organizada e rítmica. Não há o
movimento “belo” ou “feio”, o que importa é o movimento em si, o qual sempre contém uma grande carga expressiva.

É a partir desse entendimento do movimento humano que Stokoe desenvolveu o seu trabalho de expressão corporal, criando
uma metodologia própria de ensino. Ela atuou como educadora dentro da área específica do ensino artístico, lecionou para
crianças, adolescentes e adultos e atuou na formação de professores de expressão corporal. Autora de sete livros, destacou
em sua obra a importância da expressão corporal como uma atividade artística que tem efeitos terapêuticos e profiláticos,
uma vez que promove mudanças importantes na relação do indivíduo consigo mesmo e com o outro.

Objetivos gerais da expressão corporal

O desenvolvimento da linguagem corporal estimula o processo de afirmação da personalidade, bem como sensibiliza e
conscientiza o indivíduo em relação ao seu próprio corpo, tanto no que diz respeito à sua movimentação quanto à sua
expressividade. Segundo Stokoe (1992: 14), esse é o principal objetivo da prática da expressão corporal, mas também há
outros tão importantes quanto:

Desenvolver a sensopercepção e a sensibilidade.


Diminuir a dicotomia mente-corpo.
Enriquecer a imaginação e desenvolver a criatividade.
Liberar a afetividade.
Desenvolver o instinto de pesquisa corporal.
Desenvolver a capacidade de aprendizagem.
Desenvolver a capacidade de projeção e comunicação.
Cultivar o prazer pelo lúdico.
Desenvolver uma atitude aberta, reflexiva, crítica e transformadora, na qual o indivíduo aprenda a observar e a ser
observado, criticar e ser criticado, transformar e transformar-se.
Tornar o indivíduo mais consciente de si e liberto dos bloqueios que dificultam a relação com o outro.

METODOLOGIA
Em todo trabalho de expressão corporal, independentemente da faixa etária do grupo, há uma metodologia a ser seguida, ou
seja, etapas que podem aparecer juntas ou separadas, mas que devem ser sempre levadas em conta. Essas etapas são:
pesquisa, expressão, criação e comunicação. Veremos, a seguir, cada uma delas.
Pesquisar os objetos para poder conhecê-los e transformá-los, é o primeiro passo de uma prática de expressão corporal.
Entende-se por objeto o próprio corpo do indivíduo, o corpo do outro e materiais de diferentes usos.
A pesquisa é dividida didaticamente em duas partes: pesquisar as qualidades do objeto e a maneira como usá-lo. Trata-se de
uma investigação pessoal a partir através da sensação, da percepção e do movimento. Por exemplo, em relação ao próprio
corpo, pode-se pesquisar as mãos, observando: textura, tamanho, ossos, articulações, cor, flexibilidade, temperatura, cheiro,
e também todas as ações que podem ser feitas com elas: torcer, esfregar, bater, alisar, amassar, tocar, estalar os dedos, etc.
Pode-se fazer essa mesma pesquisa também em relação às mãos do outro.

Já em relação aos objetos, como um bambolê, pode-se pesquisar todas as qualidades dele (tamanho, textura, cor, forma,
temperatura) e todas as ações possíveis de ser realizadas com ele, desde as mais usuais – rodá-lo na cintura, pular dentro dele
de diferentes formas, lançá-lo para o outro – até as mais diferentes e criativas. Pode-se perceber quais partes do corpo se
assemelham à forma do objeto em questão e construir no chão um boneco usando todos os bambolês juntos.

Ao trabalhar com objetos, o profissional deve estar atento aos aspectos mais sutis que aparecem. Para Lapierre (1987: 48), o
objeto é um dos mediadores da comunicação que estabelecem uma fusionalidade simbólica. Ele pode servir como mediador
de contato, pois quando intercalado entre dois corpos, o objeto preenche o espaço que os separa e possibilita sentir o corpo
do outro, seus gestos, tensões. Ele também pode funcionar como objeto substitutivo, que se carrega de afetividade e toma
simbolicamente o lugar da mãe, do adulto amado, compensando sua ausência.

No que diz respeito a etapa de expressão, o objetivo seria comunicar sentimentos, idéias, emoções, desejos, usando todo o
potencial do corpo. Essa idéia parte do princípio de que quanto mais meios de se expressar tiver o homem, mas rica será a
sua existência. À medida que os indivíduos vão desenvolvendo a capacidade de percepção, sensibilidade e imaginação com a
prática da expressão corporal, as possibilidades de comunicação crescem e se tornam mais ricas e amplas. Para que esse
desenvolvimento aconteça, são empregados diferentes estímulos e incentivos, recursos sonoros e musicais, situações
imaginárias e objetos lúdicos.

Expressar-se corporalmente não significa uma catarse de gestos, mas sim expressar algo a alguém, transmitir ao outro uma
mensagem com início, meio e fim. É aprender a exteriorizar uma linguagem corporal e se comunicar por meio dela.
A etapa da criação é essencial no trabalho de expressão corporal. Sendo um dos objetivos principais dessa prática estimular a
criatividade latente em todo ser humano, todos os momentos dessa atividade são criativos. Na pesquisa, por exemplo, pode-
se pedir para diferenciar as partes “duras” e “moles” do corpo, o que provavelmente levará o aluno a descobrir formas
criativas de experimentar o próprio corpo nessa tarefa.

No entanto, deve haver um momento reservado especificamente para a parte de criação, dando ao indivíduo a possibilidade
de movimentar-se livremente a partir de um estímulo, que pode ser um tema, um objeto, um sentimento proposto, um
estímulo sonoro. As interferências do profissional neste momento são praticamente inexistentes. Posteriormente, pode-se
propor a repetição dos movimentos realizados espontaneamente, o que gera novo aprendizado, aprofundamento e
enriquecimento do vocabulário de movimentos. Dessa forma, é possível que aos poucos os participantes aprimorem seus
movimentos, tornando-os mais claros e precisos, tanto em relação à sua forma, quanto ao seu tempo e intensidade.

A criação também pode ser chamada de imaginação. Nesta fase, pode-se imaginar o corpo transformado em algum objeto,
bicho, ou personagem, e viver este estado corporalmente. Pode-se também fazer uso de objetos imaginários que estimulem a
criatividade. A imaginação será a tônica das propostas, pelas quais se chega à criação. Esta fase se caracteriza pelo uso do
corpo e dos objetos de uma forma criativa e lúdica, diferente de como são usados cotidianamente.

A última etapa a ser descrita é a comunicação. Assim como nas outras, a comunicação está presente em todos os momentos,
exatamente porque é um dos objetivos centrais deste trabalho. No entanto, a autora separa três níveis de comunicação: a
intracomunicação, a intercomunicação interindividual e a intercomunicação grupal. Na intracomunicação ocorre um diálogo
da pessoa com ela mesma, como, por exemplo, na etapa de pesquisa, na qual a pessoa pesquisa no próprio corpo as
qualidades ou ações possíveis, dialogando consigo mesma. “Conhecer-se, sentir-se e expressar-se significa entrar numa
relação intrapessoal” (Stokoe, 1992: 18).

Já na intercomunicação interindividual, o aluno se comunica com o outro ao pesquisar algo no corpo alheio, ou quando imita
alguém ou quando estabelece uma coreografia improvisada a dois. E na intercomunicação grupal ocorre a comunicação com
todo o grupo, na qual todos interagem juntos e interferem no movimento alheio. Todas essas comunicações possibilitam
transformar e adequar a linguagem pessoal com a dos outros, para encontrarem juntos o diálogo corporal. Para que isso
ocorra, se faz necessário estabelecer uma regra que Stokoe considera fundamental: a relação de respeito e confiança entre os
membros do grupo.

ESTÍMULOS
Os estímulos empregados na prática da Expressão Corporal são os mais variados: os diferentes tons de voz do profissional,
imagens abstratas que ele traz, músicas, objetos, histórias, poesias, gravuras, quadros, enfim, uma infinidade de elementos
utilizados com o objetivo de enriquecer ainda mais as propostas. Didaticamente, esses estímulos foram separados em:
estímulos sonoros, literários, visuais e a partir de objetos. Veremos, a seguir, cada um desses elementos.
O objetivo geral do estímulo sonoro é desenvolver a expressividade corporal a partir do recurso musical. São muitos os
estímulos sonoros utilizados na expressão corporal: a voz, os instrumentos musicais, os CDs, o som dos objetos e o som de
partes do corpo em contato com outras partes ou objetos. E muitos são os estímulos específicos: discriminar os sons,
responder corporalmente e de maneira criativa a diferentes estímulos sonoros, produzir sons a partir da voz, do corpo, dos
instrumentos e dos objetos, integrando-os ao movimento e outros. O uso de onomatopéias, fonemas, sons e palavras serve de
estímulo para o movimento.

Qualquer gesto pode ser enriquecido quando acrescentado de um som, e vice-versa, como quando é sugerido que brinquem
com a melodia dos seus próprios nomes junto com movimentos espontâneos. O som ajuda a desenvolver a expressividade
corporal e dá um ritmo e uma intensidade ao movimento.
De acordo com Lapierre, a voz são todos os sons vocais que saem do corpo para penetrar no corpo do outro, restabelecendo
assim uma penetração simbólica. O ritmo da voz é equivalente ao acalanto e pode recriar um acordo tônico a distância. Cabe
ao profissional estar atento às sutilezas de cada estímulo.

Já em relação aos estímulos literários, diferentes recursos da literatura e da palavra são adotados para enriquecer a prática da
expressão corporal. O uso da literatura – poemas, contos e histórias – possibilita que se selecionem personagens, emoções ou
situações do texto literário para ser dramatizados corporalmente.

Quanto aos estímulos visuais, diferentes recursos plásticos são utilizados para o desenvolvimento da criatividade corporal.
Podemos, por exemplo, trabalhar movimentos associados a cores, como se cada parte do corpo pintasse o espaço de uma cor
diferente. Outra proposta seria apresentar livros de arte para que os participantes escolham um quadro e o reproduza numa
tela imaginária usando diferentes partes do corpo como pincéis coloridos. Dessa forma, alguns objetivos são alcançados:
aprimoramento da percepção visual, desenvolvimento da percepção das formas e cores, e a integração de todos esses
aspectos de forma criativa às práticas de expressão corporal.

Os objetos também são considerados estímulos visuais e podem ser usados nas quatro fases metodológicas da expressão
corporal. Na fase de pesquisa, ao entrar em contato com um objeto, o indivíduo recebe informações oriundas do próprio
objeto, enquanto olha, toca, manipula. Na fase da expressão, pode se expressar diferentes sentimentos ou idéias a partir do
objeto. Já na fase de criação, ele pode criar e repetir seqüências de movimentos que serão compartilhadas com os demais
alunos. Dentre os objetos mais usados na expressão corporal podemos citar: cordas, bambolês, filós, tecidos, lençóis, bolas,
bambus etc.

CONSCIÊNCIA CORPORAL
As sensações humanas podem ser divididas em interoceptivas, exteroceptivas e proprioceptivas. Segundo Saboya (1995), as
interoceptivas nos dão sinais do meio interno do organismo, como glândulas e vísceras, assegurando a regulação das
necessidades elementares à sobrevivência. Já as exteroceptivas dizem respeito aos cinco sentidos: visão, audição, olfato,
paladar e tato. O paladar e o tato são sentidos que se dão por contato direto com as superfícies, enquanto a visão, a audição e
o olfato se dão a distância, ou seja, com um intervalo de tempo.

Já as proprioceptivas são as sensações de motricidade, postura, peso e localização do nosso corpo no espaço. Elas estão
ligadas aos receptores localizados dentro dos canais circulares, os quais informam as mudanças de posição da cabeça, e
também aos receptores periféricos localizados nas articulações e nos músculos, os quais nos garantem a percepção e
regulação do movimento corporal.

Segundo Chaui (2000), no século XX, com a Fenomenologia de Husserl e com a teoria da Gestalt, a filosofia passou a
apontar para uma nova concepção do conhecimento sensível, a qual mostra que não há diferença entre sensação e percepção.
Nunca temos sensações parciais, que depois o espírito juntaria e organizaria como percepção de um objeto único. Sentimos e
percebemos formas, isto é, totalidades estruturadas dotadas de sentido e significação.

Um dos principais objetivos do trabalho de expressão corporal é desenvolver a percepção, isto é, tornar o indivíduo mais
consciente das suas sensações e percepções, tanto das exteroceptivas quanto das proprioceptivas. Ao despertar os sentidos, o
indivíduo pode perceber melhor o corpo, suas possibilidades e limitações e, a partir disso, passar a usá-lo de uma forma mais
adequada, tendo menos gasto de energia e obtendo uma melhor postura.

O trabalho de consciência corporal está sempre presente na expressão corporal, independentemente da faixa etária do grupo.
Ao entrar em contato com o seu próprio corpo e atentar para o seu movimento, o indivíduo potencializa sua propriocepção e
seu esquema corporal, podendo transformar antigos hábitos corporais. Para que o trabalho da expressão corporal transforme
e aprofunde as percepções, é preciso que ocorra aprendizagem, ou seja, que o conhecimento seja assimilado e gere mudanças
internas no indivíduo, e, para isso, é necessário que esse aprendizado se dê de forma prazerosa e lúdica.

QUALIDADES DE MOVIMENTO: TEMPO, PESO, ESPAÇO E FLUXO


As qualidades de movimento usadas por Stokoe em todo o seu trabalho, foram desenvolvidas inicialmente por Rudolf Von
Laban. Exprimir sentimentos e emoções através dos movimentos do corpo humano era a meta de Laban, o qual realizou uma
profunda investigação dos padrões de comportamento como instrumento de análise gestual, postural e relacional. Laban
estruturou duas linhas complementares de abordagem do movimento: a Harmonia Espacial, que foca o estudo das tensões
espaciais, e a Teoria dos Esforços, que tem como foco o estudo das tensões rítmicas. A partir dessa abordagem, Laban
propõe a classificação e o entendimento do movimento a partir de quatro fatores distintos: tempo, peso, espaço e fluxo, e a
variação desses fatores dá ao movimento diferentes sensações que expressam distintas idéias. São as variantes temporais,
energéticas (peso), espaciais e de fluidez que dão expressão ao movimento corporal e que possibilitam a pesquisa das ações
físicas propostas por Laban.

Em relação ao tempo, os movimentos podem ser realizados de forma rápida ou lenta. Uma ação rápida, apressada, expressa
uma necessidade imediata, uma urgência, enquanto que ação lenta dá a idéia de calma, mudança gradual, descanso. A
experiência da rapidez pode ser alcançada, por exemplo, por meio de saltos repentinos, giros velozes, pequenos gestos de
cabeça ou mãos. Já os movimentos lentos podem ser realizados com a integração de gestos com os movimentos
respiratórios, ou em deslocamentos calmos de partes do corpo. Situações dramáticas também são um ótimo recurso para
vivenciar as mudanças de qualidades do movimento do lento para o rápido e vice-versa. Podemos sugerir, por exemplo, a
imagem de estar passeando tranqüilamente num bosque quando, de repente, cai uma chuva forte.

Já em relação ao peso, o movimento pode ser leve, ou seja, delicado, numa sensação de ser carregado pelo ar, de minimizar o
peso corporal, ou pode ser forte, numa sensação de que o ar oferece uma grande resistência ao movimento, e é necessário
esforço para vencer essa resistência, o que transmite a idéia de luta, imposição, determinação. Para a expressão corporal,
assim como para a psicomotricidade, as práticas corporais têm grande repercussão na subjetividade humana. A capacidade
de realizar movimentos fortes ou leves em momentos apropriados desenvolve a vitalidade do indivíduo no seu cotidiano, e
ajudando-o a não ser passivo diante da vida. O sujeito que pode vivenciar essas qualidades do movimento de maneira
criativa e prazerosa passa a poder usar as ações leves ou fortes de acordo com as necessidades que a vida apresenta. Ele
aprende que não precisa ser sempre um indivíduo delicado, cuidadoso, pois há momentos na vida que é preciso ser forte,
determinado. Como exemplo de atividades, pode-se pedir para que se ande delicadamente ou firmemente, que se soque o ar,
ou o acaricie, que se torça o corpo, ou flutue. As sugestões dramáticas como empurrar um piano pela sala ou andar
suavemente como se não quisesse acordar ninguém em casa também são ótimas fontes de estímulo. O acompanhamento
musical adequado é muito útil nesse tipo de atividade. Usam-se ritmos fortes e sons graves, como os do agogô, para
estimular os movimentos fortes, e sons mais aveludados e ritmos mais lentos, como os da flauta, para ajudar na expressão da
leveza.

Já a variante espacial diz respeito a direções do movimento, ou seja, as atitudes em relação ao espaço, dividindo-se em
movimento direto ou indireto. A atitude indireta é flexível, ondulante, apresenta várias partes do corpo indo para lugares
diferentes ao mesmo tempo, já a direta se traduz numa tensão generosa e ativa para um determinado ponto do espaço, sem
desviar a atenção para o objetivo do movimento. A qualidade indireta pode ser explorada em movimentos ondulantes, giros,
gestos que rodeiam o corpo. Já a direta pode ser vivida em gestos que cortam o espaço em linhas retas. Um exemplo de
atividade é mostrar dois lugares diferentes da sala e solicitar que o indivíduo percorra o espaço entre esses dois pontos de
maneira direta e depois como se tivesse que passar por obstáculos e desvios imaginários.

Em relação ao fluxo, ele pode ser livre ou contido. O fluxo livre é fluente, difícil de ser interrompido bruscamente, pois são
movimentos mais livres e soltos, como as ações de sacudir, ou balançar o corpo de um lado para o outro. Já o fluxo contido é
controlado, restrito e pode ser interrompido com facilidade, como, por exemplo, o mover-se vagarosamente pela sala. É
preciso ressaltar que a qualidade de movimento temporal é distinta da relacionada à fluidez, pois apesar de os movimentos
lentos serem, de uma forma geral, mais fáceis de ser interrompidos do que os rápidos, não quer dizer que todas as ações
lentas sejam contidas e as rápidas livres.

As variantes temporais, energéticas, espaciais e de fluidez presentes em qualquer movimento devem ser trabalhadas
gradativamente ao longo de um trabalho de expressão corporal. As qualidades de tempo e peso, por serem as mais evidentes
em nosso cotidiano, são as primeiras a ser trabalhadas e muitas vezes de maneira concomitante. Os fatores espaciais e de
fluidez só devem ser trabalhados quando os participantes já tiverem vivenciado e compreendido bem as qualidades
anteriores, independentemente da faixa etária que tiverem.
Segundo Laban (1978: 114): “O conjunto das várias atitudes poderia ser o seguinte: uma atitude relaxada ou enérgica, quanto
ao peso; uma atitude linear ou flexível no espaço; uma atitude curta ou prolongada frente ao tempo e uma atitude liberta ou
controlada em relação à fluência”.

Observando os fatores de qualidades de movimento, Laban destacou oito ações básicas de esforço, que são combinações cuja
exploração enriquece o vocabulário de movimentos. Tais ações devem ser vivenciadas dramaticamente para que possamos
compreender melhor as qualidades de movimentos. Apresentaremos a seguir as oito ações básicas de esforço e as respectivas
qualidades de velocidade, peso e espaço experimentadas em cada ação descritas por Laban (1978).

OITO AÇÕES BÁSICAS DO MOVIMENTO E SUAS QUALIDADE DE


MOVIMENTO
Socar: rápido, forte e direto.
Talhar: rápido, forte e indireto.
Pontuar: rápido, fraco e direto.
Sacudir: rápido, fraco e indireto.
Pressionar: lento, forte e direto.
Torcer: lento, forte e indireto.
Deslizar: lento, fraco e direto.
Flutuar: lento, fraco e indireto.

O principal objetivo de realizar seqüências de movimentos contrastantes em relação a qualquer um desses fatores numa
prática de expressão corporal é permitir ao indivíduo analisar a sensação e o resultado providos de cada experiência. Para
isso é importante que o profissional sugira diferentes imagens estimuladoras e dê liberdade para que cada um realize o
movimento da forma que desejar. Deve-se estimular também a alternância entre movimentos que partam de todo o corpo e
movimentos que priorizem determinadas partes do corpo, para que ambas as experiências sejam realizadas na pesquisa das
diferentes qualidades de movimento. Por exemplo, ao sugerir que se espante com a mão moscas imaginárias, o aluno vai
priorizar esta parte do corpo e vai realizar movimentos rápidos e indiretos, já essas mesmas qualidades de movimento podem
ser trabalhadas numa ação que envolva todo o corpo como a sugestão dramática de se estar andando muito atrasado para um
compromisso urgente, mas totalmente perdido na rua. Dessa forma, o indivíduo tem a possibilidade de experimentar as
mesmas qualidades de movimento com todo o corpo e só com uma parte dele. Embora possamos pesquisar corporalmente
cada um desses fatores de maneira isolada, é importante se ter claro que todos – tempo, peso, espaço e fluxo – estão
presentes em todo movimento humano, com maior ou menor ênfase de um ou outro fator.

CONCLUSÃO
Buscamos, nesse artigo, apresentar a base teórica da expressão corporal e demonstrar sua essência psicomotora. O
psicomotricista, na sua atuação clínica ou educacional, pode enriquecer o seu trabalho a partir do conhecimento, do estudo e
do aprofundamento da metodologia desenvolvida por Patricia Stokoe e apresentada neste artigo.
A expressão corporal é essencialmente psicomotora porque possibilita ao sujeito modificar a sua imagem corporal, ou seja, a
imagem inconsciente que faz de si, por meio de atividades que trabalham as emoções, a autoestima, a autopercepção e a
relação com o outro; pois ela é uma linguagem que permite as pessoas entrarem em contato com seus desejos e os
simbolizarem através de seus corpos. Além disso, a prática também atua sobre a integração do esquema corporal, ou seja,
permite que o indivíduo desenvolva a consciência do seu corpo e da localização deste no espaço.
Como toda atividade educativa e/ou terapêutica, este trabalho tem efeitos profiláticos. Stokoe relata mudanças importantes a
partir desta prática, como a relação do indivíduo consigo mesmo e com o outro, a aceitação do próprio corpo, o gosto pelo
jogo, a afirmação criativa, a exteriorização de afetos, a aceitação do grupo. Dessa forma, podemos afirmar que a expressão
corporal é essencialmente psicomotora, pois possibilita ao ser humano, a partir de uma vivência corporal rica, desenvolver
uma consciência de si mesmo como ser íntegro: sensível, material e espiritual, capaz de sentir, expressar-se e comunicar-se
com o outro.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICA

BRIKMAN, Lola. A linguagem do movimento corporal. São Paulo: Summus, 1989.


CHAUI, Marilena. Convite à filosofia. São Paulo: Ática, 2000.
COSTE, Jean-Claude. A psicomotricidade. Rio de Janeiro: Zahar, 1981.
GARANDY, Roger. Dançar a vida. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980.
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LAPIERRE, Andre. O adulto diante da criança. São Paulo: Manole, 1987.
MIRANDA, Regina. O movimento expressivo. Rio de Janeiro: Funarte, 1980.
OSSONA, Paulina. A educação pela dança: enfoque metodológico. São Paulo: Summus,1988.
SABOYA, Beatriz. Bases psicomotoras. Rio de Janeiro: Trainel, 1995
SHINCA, Marta. Psicomotricidade, ritmo e expressão corporal. São Paulo: Manole, 1991.
STOKOE, Patricia. La expresion corporal y el ninõ. Buenos Aires: Ricordi, 1967.
La expresion corporal. Buenos Aires: Paidós, 1977.
Expressão corporal na pré-escola. São Paulo: Summus, 1987.
Expressão corporal: guia didático para o professor, 1992.

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O presente artigo, revisado e atualizado, foi publicado originalmente em FERREIRA, Carlos Alberto de Mattos &
HEINSIUS, Ana Maria (Orgs). Psicomotricidade na Saúde. Rio de Janeiro: Editora WAK, 2010.

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