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O conhecimento das habilidades motoras e sensoriais de que todo ser humano dispõe
é o caminho para a identificação mais precisa dos limites pessoais e o início de sua
superação. Além das primeiras percepções das alterações na qualidade expressiva
através do uso efetivo dos sentidos em suas atuações (ativas e receptivas) em ações
simples, os alunos iniciam um processo de aprendizagem consciente sobre a
estrutura óssea, muscular e seus funcionamentos. Aprendem a reconhecer e a
explorar os movimentos possíveis de serem realizados pelas articulações, os
princípios mecânicos como peso (reconhecimento da força da gravidade), apoios,
alavancas e equilíbrio (relação de forças) e, principalmente, os direcionamentos
ósseos, que através das oposições geram o aumento dos espaços articulares e da
flexibilidade do tônus muscular. Também são propostos exercícios para que
aprendam a explorar o espaço (direções, planos e ritmos), a realizar o desenho
preciso do movimento no espaço (começo, meio e fim), a experimentar outras
qualidades de movimentos, através de combinações diferentes de ritmo, tônus
muscular e desenho do movimento no espaço.
Dessa forma, Klauss buscava propiciar ao intérprete os meios para alcançar uma das
primeiras qualidades exigidas em sua atuação: a presença cênica. Trabalhando
conscientemente sua relação com o mundo exterior – espaço, outros intérpretes e
público – através do uso ideal de seus sentidos e dos elementos técnicos, poderia
alcançar a atenção, a prontidão e o tônus necessários para realizar seus movimentos
com a clareza e a objetividade desejadas ao jogo cênico. A criatividade e a verdade
cênica do movimento viriam da sensibilização estimulada pela técnica. Propunha
aos alunos a percepção das reações – movimentos e sensações - provocadas pelos
mais diferentes estímulos internos e externos, das alterações das sensações na
execução do mesmo movimento (ou parte dele) a partir da experimentação de novas
combinações de seus fatores. Propunha também que os movimentos não fossem
gratuitos (mover por mover) mas respostas conscientes aos estímulos do mundo
exterior sem obsessão ou intelectualização. Além da ampliação do vocabulário, o
processo permite o aprofundamento de suas qualidades, podendo tornar o corpo do
intérprete plenamente expressivo. Klauss afirmava que
É difícil manifestar um sentimento, uma emoção, uma intenção, se me oriento mais por formas
condicionadas e conceitos preestabelecidos do que pela verdade do meu gesto. O que confere
autenticidade e expressão a um dado movimento coreográfico é precisamente o poder que ele tem
de traduzir certas emoções, sentimentos ou sensações, de tal forma que seria impossível traduzi-los
de outra forma ou através do recurso de outra linguagem. (VIANNA e CARVALHO, 1990, p. 102 e
103)
Grotóvski denominava sua técnica de via negativa, acreditando que a pergunta como
se pode fazer isso? só deveria ser feita uma vez na vida.
(...) tão logo entramos nos detalhes, ela não deve mais ser feita, pois – no momento mesmo de
formulá-la – começamos a criar estereótipos e clichês. Então devemos fazer a pergunta: ‘Que é que
não devo fazer?’... devemos perguntar ao ator: ‘Quais são os obstáculos que lhe impedem de
realizar o ato total, que deve engajar todos os seus recursos psicofísicos, do mais instintivo ao mais
racional?’ Devemos descobrir o que atrapalha na respiração, no movimento e – isto é o mais
importante de tudo – no contato humano. Que resistências existem? Como podem ser eliminadas?
Eu quero eliminar, tirar do ator tudo que seja fonte de distúrbio. Que só permaneça dentro dele o
que for criativo. Trata-se de uma liberação. Se nada permanecer é que ele não era um ser criativo.
(GROTÓVSKI, 1992, pp.178)
Condução da vida, portanto, não significa abolição da hierarquia espontânea da cotidianidade, mas
tão-somente que a ‘muda’ coexistência da particularidade e da generacidade é substituída pela
relação consciente do indivíduo com o humano genérico e que essa atitude – que é, ao mesmo
tempo, um ‘engagement moral, de concepção do mundo, e uma aspiração à auto-realização e à
autofruição da personalidade – ‘ordena’ as várias e heterogêneas atividades da vida. A condução da
vida supõe, para cada um, uma vida própria, embora mantendo-se a estrutura cotidiana; cada qual
deverá apropriar-se a seu modo da realidade e impor a ela a marca de sua personalidade. É claro
que a condução da vida é sempre apenas uma tendência de realização mais ou menos perfeita. E é
condução da vida porque sua perfeição é função da individualidade do homem e não de um dom
particular ou de uma capacidade especial. (HELLER, 1974, p.40)
(...) a corrente mais recente das ciências cognitivas, a teoria da enação, propõe que a cognição não é
a reconstituição de um mundo externo pré-dado, nem uma projeção de um mundo interno pré-dado.
A cognição é uma ação encarnada. Com o uso do termo enação, sublinha que os processos
sensoriais e motores, a percepção e a ação são fundamentalmente inseparáveis na cognição vivida.
Eles não estão associados nos indivíduos por simples contingência, mas porque evoluíram juntos.
Pela palavra encarnada, ressalta dois pontos: primeiro, a cognição depende dos tipos de experiência
que decorrem do fato de se ter um corpo dotado de diversas capacidades sensório-motoras; em
segundo lugar, estas capacidades individuais sensório-motoras se inscrevem elas mesmas em um
contexto biológico, psicológico e cultural mais amplo. (NEVES, 2000, p. 8)
O estímulo da percepção através da atenção voltada para as ações do cotidiano pode
conduzir à descoberta da plasticidade, da fluidez de nosso sistema nervoso e,
conseqüentemente, de nossa capacidade de transformação na atuação (ativa e
receptiva) com o meio externo. A partir de um estudo, que não se restringe à sala de
aula, sobre sua atuação em ações simples e rotineiras, o aluno poderá desenvolver o
processo prático da “reflexão encarnada”:
(...) Se a prática da atenção/consciência deve ter como resultado trazer a pessoa para mais perto da
sua experiência comum, e não para mais longe dela, qual pode ser o papel da reflexão? ... Essa
pergunta nos traz para o cerne metodológico da interação entre a meditação da atenção/consciência,
a fenomenologia e as ciências cognitivas. O que estamos sugerindo é uma mudança na natureza da
reflexão de uma atividade abstrata desincorporada para uma reflexão incorporada (atenta) aberta.
Por incorporada queremos nos referir à reflexão na qual o corpo e mente foram unidos. O que essa
formulação pretende veicular é que a reflexão não é apenas sobre a experiência, mas ela própria é
uma forma de experiência – e a forma reflexiva de experiência pode ser desempenhada com
atenção/consciência. Quando a reflexão é feita dessa forma, ela pode interromper a cadeia de
padrões de pensamentos habituais e preconcepções, de forma a ser uma reflexão aberta – aberta a
possibilidades diferentes daquelas contidas nas representações comuns que uma pessoa tem do
espaço de vida. Nós denominamos essa forma de reflexão de reflexão atenta, aberta. (VARELA,
THOMPSON, ROSCH, 1993, p. 43)
Klauss Vianna, estimulado por sua insatisfação com relação à metodologia aplicada
na formação do bailarino e também nos processos criativos, desenvolveu suas
pesquisas teórico-práticas sobre o movimento partindo de seus conhecimentos sobre
uma técnica de representação codificada - o balé clássico - visando tornar
inteligente o corpo do intérprete, capaz de produzir obras e manifestações
verdadeiramente artísticas.
O conhecimento das habilidades motoras e sensoriais de que todo ser humano dispõe
é o caminho para a identificação mais precisa dos limites pessoais e o início de sua
superação. Além das primeiras percepções das alterações na qualidade expressiva
através do uso efetivo dos sentidos em suas atuações (ativas e receptivas) em ações
simples, os alunos iniciam um processo de aprendizagem consciente sobre a
estrutura óssea, muscular e seus funcionamentos. Aprendem a reconhecer e a
explorar os movimentos possíveis de serem realizados pelas articulações, os
princípios mecânicos como peso (reconhecimento da força da gravidade), apoios,
alavancas e equilíbrio (relação de forças) e, principalmente, os direcionamentos
ósseos, que através das oposições geram o aumento dos espaços articulares e da
flexibilidade do tônus muscular. Também são propostos exercícios para que
aprendam a explorar o espaço (direções, planos e ritmos), a realizar o desenho
preciso do movimento no espaço (começo, meio e fim), a experimentar outras
qualidades de movimentos, através de combinações diferentes de ritmo, tônus
muscular e desenho do movimento no espaço.
Dessa forma, Klauss buscava propiciar ao intérprete os meios para alcançar uma das
primeiras qualidades exigidas em sua atuação: a presença cênica. Trabalhando
conscientemente sua relação com o mundo exterior – espaço, outros intérpretes e
público – através do uso ideal de seus sentidos e dos elementos técnicos, poderia
alcançar a atenção, a prontidão e o tônus necessários para realizar seus movimentos
com a clareza e a objetividade desejadas ao jogo cênico. A criatividade e a verdade
cênica do movimento viriam da sensibilização estimulada pela técnica. Propunha
aos alunos a percepção das reações – movimentos e sensações - provocadas pelos
mais diferentes estímulos internos e externos, das alterações das sensações na
execução do mesmo movimento (ou parte dele) a partir da experimentação de novas
combinações de seus fatores. Propunha também que os movimentos não fossem
gratuitos (mover por mover) mas respostas conscientes aos estímulos do mundo
exterior sem obsessão ou intelectualização. Além da ampliação do vocabulário, o
processo permite o aprofundamento de suas qualidades, podendo tornar o corpo do
intérprete plenamente expressivo. Klauss afirmava que
É difícil manifestar um sentimento, uma emoção, uma intenção, se me oriento mais por formas
condicionadas e conceitos preestabelecidos do que pela verdade do meu gesto. O que confere
autenticidade e expressão a um dado movimento coreográfico é precisamente o poder que ele tem
de traduzir certas emoções, sentimentos ou sensações, de tal forma que seria impossível traduzi-los
de outra forma ou através do recurso de outra linguagem. (VIANNA e CARVALHO, 1990, p. 102 e
103)
Grotóvski denominava sua técnica de via negativa, acreditando que a pergunta como
se pode fazer isso? só deveria ser feita uma vez na vida.
(...) tão logo entramos nos detalhes, ela não deve mais ser feita, pois – no momento mesmo de
formulá-la – começamos a criar estereótipos e clichês. Então devemos fazer a pergunta: ‘Que é que
não devo fazer?’... devemos perguntar ao ator: ‘Quais são os obstáculos que lhe impedem de
realizar o ato total, que deve engajar todos os seus recursos psicofísicos, do mais instintivo ao mais
racional?’ Devemos descobrir o que atrapalha na respiração, no movimento e – isto é o mais
importante de tudo – no contato humano. Que resistências existem? Como podem ser eliminadas?
Eu quero eliminar, tirar do ator tudo que seja fonte de distúrbio. Que só permaneça dentro dele o
que for criativo. Trata-se de uma liberação. Se nada permanecer é que ele não era um ser criativo.
(GROTÓVSKI, 1992, pp.178)
Klauss afirmava que suas reflexões estavam baseadas não apenas em informações
técnicas e científicas, mas também em suas experiências práticas. Portanto, seus
ensinamentos, sua concepção sobre a formação do artista, traduzem, desde sua
origem, uma visão não fragmentada do homem, de sua atuação em qualquer
atividade. A partir do vínculo entre a capacidade criativa e a singularidade de todo
homem como a resultante da relação dinâmica do indivíduo com o mundo, parece-
me clara sua intenção, via autoconhecimento, de capacitar o aluno no processo de
reconhecimento de suas potencialidades motoras, sensoriais e cognitivas de forma
integrada. Através do estudo do movimento consciente, o aluno pode compreender e
ser habilitado a reconhecer e explorar praticamente as relações entre essas
capacidades. É fundamental que o aluno reconheça as conexões entre movimentos e
sensações, sentimentos, imagens, palavras e vice-versa, em qualquer situação vivida.
Portanto, a adoção de ações cotidianas simples em sala de aula e a extensão da
experimentação além desses limites, justificam-se plenamente se o objetivo é
também valorizar o aspecto singular do ator.
Condução da vida, portanto, não significa abolição da hierarquia espontânea da cotidianidade, mas
tão-somente que a ‘muda’ coexistência da particularidade e da generacidade é substituída pela
relação consciente do indivíduo com o humano genérico e que essa atitude – que é, ao mesmo
tempo, um ‘engagement moral, de concepção do mundo, e uma aspiração à auto-realização e à
autofruição da personalidade – ‘ordena’ as várias e heterogêneas atividades da vida. A condução da
vida supõe, para cada um, uma vida própria, embora mantendo-se a estrutura cotidiana; cada qual
deverá apropriar-se a seu modo da realidade e impor a ela a marca de sua personalidade. É claro
que a condução da vida é sempre apenas uma tendência de realização mais ou menos perfeita. E é
condução da vida porque sua perfeição é função da individualidade do homem e não de um dom
particular ou de uma capacidade especial. (HELLER, 1974, p.40)
(...) a corrente mais recente das ciências cognitivas, a teoria da enação, propõe que a cognição não é
a reconstituição de um mundo externo pré-dado, nem uma projeção de um mundo interno pré-dado.
A cognição é uma ação encarnada. Com o uso do termo enação, sublinha que os processos
sensoriais e motores, a percepção e a ação são fundamentalmente inseparáveis na cognição vivida.
Eles não estão associados nos indivíduos por simples contingência, mas porque evoluíram juntos.
Pela palavra encarnada, ressalta dois pontos: primeiro, a cognição depende dos tipos de experiência
que decorrem do fato de se ter um corpo dotado de diversas capacidades sensório-motoras; em
segundo lugar, estas capacidades individuais sensório-motoras se inscrevem elas mesmas em um
contexto biológico, psicológico e cultural mais amplo. (NEVES, 2000, p. 8)