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INSTITUTO DE ARTES
CAMPINAS
2017
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CAMPINAS
2017
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AGRADECIMENTOS
Agradeço, neste momento, as pessoas que foram cruciais durante todo este
processo:
Primeiramente ao meu filho, Leon. Que nasceu durante os últimos meses deste
trabalho e que já se mostra generoso ao me ajudar nos caminhos dessa vida.
Meus pais, Ceires de Oliveira e Carlos Augusto Pintanel, por todo apoio
imensurável. Minha irmã, Luana, por encurtar sempre as distâncias físicas que existe
entre a minha pessoa e minha família.
“Os Barulhentos”, grupo do qual faço parte e que me ajuda a pensar o ator sempre
no coletivo, sempre na relação e nunca na solidão. São eles: Cadu Cardoso,
Domitila Gonzalez, Clara Rocha, Gustavo Pompiani, Lia Maria, Lucas Horita, Lucas
Paranhos, Murilo Zimbetti, Marina Campanatti e Thalita Trevisani. E ao diretor do
grupo, Rodrigo Spina, que sempre me ajudou a ampliar os meus olhares e que tem
grande parcela neste trabalho.
Aos meus amigos Adriano Moraes e Marcelo Silva: minha trajetória jamais será
sozinha depois de nossos encontros.
RESUMO
ABSTRACT
Key words: Actors training; Bioenergetics; Actors - Study and teaching; Body -
theatrical representation; breath.
9
LISTA DE FIGURAS
SUMÁRIO
Introdução:
Manifesto de Abertura
1
Esse modo de fazer está presente, por exemplo, na prática de grupos como: Grupo de Teatro Ói
nóiz aqui traveiz (RS), Teatro da Vertigem (SP), Lume Teatro (SP), Odin Theater (Dinamarca), entre
outros.
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2
Um manifesto normalmente é composto por um programa artístico. Porém, o meu manifesto de
Abertura não pretende criar um programa artístico. A sua efetividade está em apresentar um impulso
que me move e que levará essa prática atoral a cena. Indicando de maneira sutil que o manifesto
aqui só tem valor se ele tornar-se ação. Nesse sentido, há uma distância entre a escrita e a ação.
Mantenho a escrita do manifesto por ela evidenciar algo que está escondido, algo que não foi
desvelado e que precisa tornar-se linguagem. A dificuldade que tive foi de transparecer através deste
texto o que só pode ser visto na sala de trabalho e em cena.
3
Como será visto mais adiante, “bioenergética” é o que a própria palavra diz: energia do organismo
vivo. Aqui, neste texto, uso a bioenergética tendo como referência a “análise bioenergética” de
Alexander Lowen (1910-2008), psicanalista norte-americano. A análise bioenergética é um conjunto
de técnicas e exercícios corporais que visam a aumentar a vitalidade da pessoa, aprofundando sua
respiração, sua relação com a realidade que o cerca, aumentando, assim, sua auto-percepção e
expressão. A análise bioenergética procede junto ao trabalho analítico, que será mencionado no
contexto desta pesquisa apenas para entendermos melhor as proposições orgânicas relatadas aqui
com o propósito artístico.
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Me refiro à velocidade em que as informações são distribuídas no mundo de hoje através dos meios
de comunicação. Informacionista no sentido de que os conteúdos ficam em segundo plano.
5
Diretor russo da virada do século XIX para o XX Fundador do Teatro de Arte de Moscou, foi
responsável pelo mesmo no período de 1898 a 1938. Stanislavski pesquisou a fundo o trabalho de
criação do ator. Suas pesquisas e montagens influenciaram quase a totalidade das escolas teatrais
no ocidente.
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Cabe ressaltar que tive a oportunidade de ver todas essas obras nos últimos anos. O Teatro Oficina
de São Paulo está a cada ano em cartaz, seja com espetáculos novos ou de repertório. Théâtre du
Soliel tive a oportunidade de ver quando estavam de temporada no Brasil. Os outros espetáculos
vieram pela Mostra Internacional de Teatro de São Paulo no ano de 2015. Foquei nessa minha fala
nos artistas de teatro ou da fronteira dele. Mas outros artistas contemporâneos também se utilizam
das tecnologias de nosso tempo em suas obras. Destaco os vídeos artes do norte-americano Bill
Viola e o italiano Romeo Castelucci, com suas obras que misturam teatro, performance, vídeos e
outras mídias e experimentações.
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7
O livro "O Teatro Pós-Dramático" (2007) de Lehmann e "A arte da performance" (2009) de Glusberg
analisam várias obras e é uma fonte confiável da pluralidade da cena contemporânea.
8
Isso é uma das leituras possíveis daquela época. O que quero ressaltar aqui é que antigamente, na
Europa especificamente, os atores estavam a serviço de um texto dramático (como nas obras de
16
Racine, Molière, Shakespeare, etc). É com o surgimento da figura do diretor e das pedagogias de
formação do ator que o próprio trabalho corporal dos atores cria novas relações entre: técnica,
poética e composição cênica.
9
Ver um ator como Zé Celso Martinez Corrêa em cena no Teatro Oficina em São Paulo, como na
obra Bacantes, não é apenas ver o personagem Tirésias. Mas também ver um homem de mais de 70
anos em cena, com 50 anos de teatro. De cabelos brancos, pele enrugada e flácida por causa da
idade. Relacionam-se em Zé Celso: o personagem da peça, a figura pública dele e a sua fisicalidade.
10
Antonin Artaud, nascido em Marseille, França, no dia 14 de setembro de 1896. Ator, escritor e
encenador francês. Suas ideias sobre teatro são polêmicas, mas influenciaram e influenciam o teatro
até hoje. O tema "teatro ritual" é muito associado aos escritos de Artaud. O principal livro publicado no
Brasil que reúne alguns de seus textos é "O Teatro e seu Duplo" (2006) publicado pela Martins
Fontes e utilizado como referência neste trabalho.
11
Essas ideias me acompanham desde a época em que participei do projeto de extensão Núcleo de
Teatro da UFPel (2008-2013), cuja direção era de Adriano Moraes de Oliveira. Minha formação
teatral, filosófica, acadêmica se deu nesse lugar e com a parceria que se iniciou com Oliveira. Sou
mais do que grato e agradecido por isso. No entanto, devo ressaltar aqui que essas duas
17
perspectivas de trabalho atoral são um dos modos de ver a ação do ator na nossa sociedade. Servem
apenas para expor um ponto de vista e para desenrolar os pensamentos de meu discurso.
12
"Toda a vida das sociedades nas quais reinam as modernas condições de produção se apresenta
como uma imensa acumulação de espetáculos.Tudo o que era vivido diretamente tornou-se uma
representação" (DEBORD, 1997, p.13).
13
O teatro é inúmeros lugares. Como minha formação é em licenciatura tenho plena consciência de
que o artista ou o professor de teatro, possui um ramo enorme de ações diante da sociedade e das
necessidades artísticas. A divisão aqui em duas formas de lidar com o fazer teatral serve apenas para
evidenciar um pouco mais o que levantei sobre a relação entre o mundo e a arte contemporânea.
18
Meus apoios
Amor, trabalho e conhecimento são as fontes da vida.
Deveriam também governá-la.
Wilhelm Reich
sexualidade vivida livremente. Por causa disso, foi contra todo o tipo de
restrição, de moral e de tabu impostos pela sociedade ao homem.
Por sua obra ser extensa e abarcar várias áreas de saberes,
concentro-me em seus escritos que abrangem questões psicanalíticas e
político-sociais.15 Seu conceito de caráter que trago para pensar o trabalho do
ator torna-se aqui crucial. Pode-se ler “caráter” como “couraça”. Para Reich,
havia dois tipos principais de caráter: o genital (saudável) e o neurótico
(doente). Caráter é o "indicativo da atitude do ser frente ao mundo,
atravessado por relações estabelecidas nos encontros que não cessam de
ocorrer enquanto houver vida" (SOARES, 2003, p.15).
Tentarei, digo abertamente, atualizar alguns escritos de Reich. Seus
estudos estavam vinculados ao início do campo da psicologia. Como suas
ideias eram muito polêmicas para aquela época, e diria que até hoje em
certos pontos, os seus escritos e suas falas tendem a ser muito duras, no
sentido cientificista e numa tentativa de defesa de seus pontos de vista: além
de partir do pressuposto que todos entendem as teorias de Freud, há um alto
grau de relatos de análise de pacientes e de dados de laboratório, onde o
vocabulário se torna de difícil acesso. Por isso que muitas vezes podemos ler
Reich e interpretar suas falas como sendo muito impositivas. Considero
frutos de seu tempo esse "temperamento".
A noção de caráter de Wilhelm Reich é a palavra-guia para
podermos nos aproximar de sua obra e entender, dentro deste contexto que
exponho, os mecanismos orgânicos que bloqueiam a livre circulação de
energia no corpo (REICH, 1975). Couraça refere-se às estruturas rígidas que
existem em nós e que diminuem a nossa flexibilidade, vista aqui como a
capacidade do ator de se deslocar para se relacionar com o outro
(STANISLAVSKI, 1979).
A proposição do norte-americano Alexander Lowen (1910-2008),
que estudou e se formou com Reich, seria a atualização e a continuação da
15
Divido aqui a vida de Reich em quatro momentos: 1918-1930, quando vive em Viena (encontro e
desencontro com Freud); 1930-1933, quando vive em Berlim (onde os estudos e atividade como
combatente social são mais explícitos); 1933-1939, período de seguidos exílios (vive na Dinamarca,
Suécia e Noruega); 1939-1957, período em que vive e morre nos Estados Unidos. Reich revisitou ao
longo de sua vida toda seus escritos e por causa disso não me focarei em uma fase específica de sua
obra.
20
16
Jerzy Grotowski, diretor polonês que institui a noção de teatro-laboratório. Seguidor do trabalho de
Stanislavski, seu percurso que teve como início nos anos de 1950 e se estendeu até a sua morte na
década de 1990, tem grande influência no trabalho teatral da atualidade. Sua ideia de via negativa é
levada em conta neste trabalho: “A „via negativa‟ é um modo de trabalho de ator em que a ação
percebida pelo espectador é resultado de eliminação. O ator elimina tudo aquilo que é supérfluo:
todas as convenções, todos os maneirismos, todo o aprendizado formal do teatro anterior para
encontrar aquilo que lhe é próprio: ele mesmo.” (OLIVEIRA, 2011, p.74)
21
17
Os procedimentos organizados por Stanislavski (1863-1938) para possibilitar aos atores uma
criação mais verossímil para sua época servem como referência principal. Para Stanislavski, nós
somos incapazes de fixar as emoções, mas temos a capacidade de fixar um percurso de ações
físicas. A apropriação dessa linha de ações físicas, tendo a capacidade de repeti-la com precisão em
cada apresentação, poderá criar a possibilidade de crença do espectador pela personagem criada.
Os principais procedimentos são: o “se” mágico; as circunstâncias dadas; círculos de concentração
de atenção; a linha contínua de ações; divisão do texto dramático em unidades e objetivos.
18
Fernando Arrabal (1932-) dramaturgo e roterista espanhol, Alejandro Jodorowski (1929-) diretor de
teatro e cinema chileno e Roland Torpor (1938-1997) desenhista e pintor francês, foram os três
principais nomes do "Movimento Pânico", filhos do surrealismo, buscavam a criação artística a partir
de uma irrupção dos impulsos, tanto aqueles criativos como os destrutivos do ser humano. Tradições,
costumes, normas, leis, tudo isso deveria ser ultrapassado para que surgisse uma nova arte. O teatro
pânico se aproxima do dito "teatro do absurdo", porém se encontra muito distante pela sua principal
característica: o happening.
22
19
Therese Bertherat (1931-2014), francesa, fisioterapueta e criadora da antiginástica. A partir de seu
encontro com Françoise Mézières, Bertherat estuda formas de trabalhar a aridez e rigides muscular.
Seu trabalho leva em conta os pensamentos, emoções e afetos, de acordo com a pessoalidade de
cada um. O foco principal de seu trabalho está com o encurtamento da muscular posterior do corpo.
20
Michel Foucault (1926-1984) filósofo francês muito importante para a contemporaneidade. Seus
principais estudos estão voltados para a relação entre o poder e o conhecimento, e como estes são
usados para o controle social através das instituições. Seus textos sobre sociedade disciplinar,
sociedade de controle, "filosofia dos dispositivos”, tecnologias de si, história de sexualidade, etc,
influenciaram e influenciam e muito os estudos do teatro contemporâneo.
21
Emil Cioran (1911-1995), nascido na Romênia, foi escritor e filósofo, sua principal obra se chama
"O breviário da decomposição". Cioran é considerado um dos grandes filósofos niilistas do século XX.
23
22
Os grifos são próprios do autor.
24
onde alguém deve sair ferido, isto é, tocado de forma direta: o ator e/ou o
espectador. Ferido no sentido de ser modificado, de haver algo que penetra
no ser, que deixa marcas. São essas marcas adquiridas durante meu trajeto
que constituíram o meu imaginário e o meu fazer teatral. São estes duelos e
seus encontros futuros que me fazem continuar.
Por ter uma formação em teatro licenciatura, há um lado
pedagógico que me atrai dentro de minha investigação. Lembro-me agora da
ideia da "Arte como Veículo" de Grotowski para expor essa relação
teatro/ensino. A arte aqui não é vista como um produto, mas processual e
isso não exclui a produção de um espetáculo ou a ideia deste. O que venho
frisar é que o caminho, para ser íntegro, aqui pode levar uma vida inteira.
Mas é justamente o conhecimento desse fato, a atenção que nos envolve para
esse trajeto que se torna crucial. Essa questão me leva a dizer que não estou
propondo uma fórmula ou um método específico de fazer teatral. Estou
justamente baseando-me em práticas pedagógicas já conhecidas do campo,
unidas à uma perspectiva de prática que chegou a mim durante o meu trajeto
pessoal: a bioenergética.
Neste sentido, abordo primeiramente a prática como pesquisa no
texto a seguir. Parto da premissa de que o teatro possui um potencial
riquíssimo de formação do sujeito (interação entre aprendizagem e ensino).
Aproximamo-nos de uma linguagem artística em que tornar a experiência em
linguagem é a principal ação. Estou falando de um crescimento de si dentro
da experiência teatral. "O ator reina no perecível", dizia Albert Camus em "O
mito de Sísifo" (2010, p.82). Assim, não temos como agarrar nas mãos ou
aprisionar o fenômeno teatral, ele é irrepetível. É o exercício de percepção e
atenção que deve ser explorado ao máximo aqui: tudo para poder reviver o
caminho trilhado como se fosse sempre a primeira vez. Não o produto, mas o
processo.
No entanto, somos feitos de automatismos. Não só concernentes
aos músculos, mas às percepções, ideias, concepções e lógicas. O processo de
25
[ Nota introdutória ]
23
Pela ótica reichiana não existe couraças e sim a couraça. Coloco nossas couraças aqui como que
ampliando o olhar não só para o indivíduo, mas também as próprias estruturas sociais, acadêmicas,
poéticas, em que estamos inseridos.
26
24
José Angelo Gaiarsa (1920-2010), natural de Santo André, é um psiquiatra brasileiro. Seu trabalho
tem como foco a terapia somática. Seus livros falam sobre o exercícios de propriocepção como
caminho de saúde física e psicológica: o que pra ele não havia distinção. Sua principal influência era
Wilhelm Reich, que foi um psicólogo e cientista cuja ênfase de seus estudos e práticas era o corpo
humano e a energia cósmica orgone.
27
"Sabe como é que eu imagino a felicidade? Acho que, quando a gente é feliz, a gente está
junto de alguém que tem a pele muito fina e depois a beijamos nos lábios e tudo se encobre
de uma névoa rósea e o corpo da pessoa se transforma numa multidão de espelhinhos e
quando olhamos para ela somos refletidos milhões de vezes, e passeamos com ela
montados nas zebras e nas panteras em volta de um lago e ela nos puxa por uma corda e
quando olhamos para ela chovem penas de pombos, que, caindo no chão, relincham como
potros jovens e entramos depois num quarto e começamos a passear de mãos dadas pelo
teto... (fala precipitadamente)... e as cabeças se cobrem de serpentes que nos acariciam, e
as serpentes se cobrem de ouriços que nos fazem cócegas e os ouriços se cobrem de ouro,
cheios de presentes, e escaravelhos de ouro..."
25
Sugiro como leitura sobre o tema: ASLAN, Odette. O ator no século XX: Evolução da
técnica/problema da ética. São Paulo: Perspectiva, 1994, e: ROUBINE, Jean-Jacques. A arte do
ator. Rio de Janeiro: Zahar, 2011.
30
26
O movimento plasmático é a antítese principal da vida vegetativa. Ela existe em todos os seres
vivos: desde os mais simples, como as amebas, até os mais complexos como o homem (do nível
celular até o organismo como um todo). A antítese é formada pelo acúmulo e dispêndio de energia.
Em Reich (1975) essa função biológica compreende tanto ao campo psíquico como ao somático. O
ritmo da vida aqui tem a seguinte antítese: prazer (expansão) e angústia (contração). É o fluxo
contínuo entre esses extremos que deve ser buscado.
31
Diretrizes artísticas
como um todo orgânico integrado, sem a normativa clássica que separa o corpo e a
mente27.
Encaro as manifestações físicas e psíquicas como expressão da energia
vital do ser humano: a capacidade artística entrelaçaria essas e outras
manifestações, criando diálogos, imagens simbólicas, expressões próprias e novas
concepções artísticas. Aproximo-me, então, da escola de Stanislavski, na qual o ator
deve trabalhar sua flexibilidade na potencialidade de deslocamento para realizar o
outro (personagem, tipo, figura, etc). O ator se coloca no lugar do outro para
encontrar em si a ação artística adequada. A dimensão de possibilidades, nesse
meu ver, é pessoal. Não há uma referência objetiva de leitura ou código de
linguagem, como nas escolas gramaticais do ballet, no Mimo Corporal, no teatro Nô
etc. Os princípios que enumerei no começo dessa Ação são uma das possibilidades
de aproximação com essa escola de pensamento stanislavskiano: o ator como
sujeito de pesquisa de si mesmo.
Deve-se levar em conta as mudanças nos trabalhos corporais no início do
século do XX, tanto na dança como no teatro. O corpo foi tomando aos poucos um
poder de significação, de comunicação, abrindo espaço para receber teor de
fascínio: nenhuma outra arte possui o corpo como ocupação central de seu evento
como as artes da cena – o teatro, a dança e a performance. O espectador está
diante de um artista que trabalha seu corpo, suas possibilidades, além das próprias
"figuras" da obra artística: "é estreita a via pela qual o teatro pode valorizar o corpo,
entre a significação destituída de sensualidade e uma corporeidade como signo"
(LEHMANN, 2007, p. 334). Não no sentido da exibição do corpo por si, mas -
influenciado pelos campos da psicologia, da antropologia, de semiótica, das
somáticas - o corpo passou a ser um lugar de registro de memórias, construção de
nexos, vivência de sentidos e significados. Como mencionado na abertura, a
supremacia do texto dramático e da representação começa a entrar em crise28.
27
Aconselho a leitura do livro de Christine Greiner "O corpo: pistas para estudos indisciplinares"
(2005) que possibilita um panorama dos estudos sobre o corpo. O seu livro toca em temas como:
estética, política do corpo e experiências artísticas.
28
Cornago (2016) evidencia essa cena do século XX em que a representação entra em crise e a
ação ganha o protagonismo. Os exemplos desse caminho vão desde os Simbolistas, evocando em
suas peças objetos e coisas em vez de personagens reais, passa pelo teatro de Meyerhold, que
exige um "movimento" do espectador para completar a ação da cena, e chega até mesmo a textos
dramáticos como "Fim de Partida" de Samuel Beckett em que um dos personagens fala: "Corremos o
risco de estar representando algo?" Como já dito antes, a representação no teatro é problematizada e
a ação toma lugar de destaque.
34
29
Se analisarmos a história recente do teatro, perceberemos uma nova maneira de transgredir e/ou
ressignificar o corpo em cena. O representacional estaria ligado à representação dramática do ator e
o “apresentacional” enfatiza a ação do ator em primeiro lugar. "Neste sentido, é frequente que
performers elejam a atitude teatral convencional como uma espécie de inimigo, um obstáculo a ser
superado. A ação performática seria distinta e até oposta à atuação teatral porque não se construiria
como representação: não simula, não "está no lugar de" outra coisa, mas é capaz de produzir um
acontecimento singular, sem um referente preciso" (QUILICI, 2015, p.107-108).
35
negativa de Grotowski. Naquele momento que percebi que a entrega do ator para os
exercícios se relacionavam com a entrega da ação feita na cena teatral. O que quero
afirmar aqui é que estas práticas iniciais que tive, me fizeram relacionar sempre o
treinamento com a cena teatral de forma orgânica.
Pautado nesse alicerce, minha busca por tentar ultrapassar as tensões
musculares e as “resistências do organismo”, com o objetivo de conhecer/acessar o
corpo e atingir o sujeito criador em sua abrangência e integridade, fez com que me
deparasse com meus próprios limites físicos para o trabalho cênico. No processo de
autodescoberta, algumas vezes ultrapassei meus limites corporais ao ponto de me
machucar, o que, ao invés de me potencializar, afastou-me da prática artística por
um curto período. Apesar de naquele momento acreditar na necessidade de romper
algumas resistências físicas do corpo visando o encontro de uma expressão mais
ampla e versátil, percebi que em meu treinamento não estava respeitando meu
organismo e acabei por me questionar sobre os exercícios que fazia, sobre qual era
o meu ideal de corpo para a cena.
Orientado na época pelo prof. Oliveira entrei em contato com os textos de
Therese Bertherat (1931-2014). Foi com Bertherat que iniciei os meus estudos
somáticos e passei a compreender o corpo e a mente como algo uno; predispus-me
a rever minhas experiências como local de construção de conhecimento. Nos
momentos em que me machuquei foi justamente porque o modelo ideal de corpo ou
aquilo que eu imaginava ser a forma "certa" de atuar (que hoje associo a uma noção
pré-concebida de corpo, provinda de uma dimensão externa), se apresentava para
mim como principal preocupação.
O que passou a me guiar para pensar a preparação do ator, no seu
processo de relaxamento e flexibilização, foi o conceito de via negativa de
Grotowski:
30
Aqui, as palavras "terapêuticas" como "cura" podem causar não só um estranhamento como um
desvio ao foco desse trabalho. Todavia, estou dialogando com o campo da psicologia, a literatura é
diferente da teatral. Buscarei com todo o esforço falas de Reich, Lowen ou de qualquer outro
psicólogo, que se aproximem não só do nosso trabalho, como possibilite uma melhor compreensão
de seus enunciados, sem querer desmerecer de forma alguma o rico atravessamento terapêutico
presente nas artes.
31
Destaco, para se ter uma ideia das polêmicas e atitudes de Reich, o seu projeto social SEXPOL
(1929-1934): "O movimento Sexpol é uma importante organização que para além da difusão de
higiene sexual (métodos anticoncepcionais, aborto livre, etc...) empreendeu reivindicações mais
gerais como o direito ao alojamento e à crítica da moral burguesa, dos valores tradicionais do
casamento e da virgindade. Reich marca aqui a ruptura com a prática política dos partidos
tradicionais" (RODRIGUES, 1981, p.15). Apesar da adesão de militantes e operários da época, as
ações de Reich não eram bem vistas pela igreja e pelo governo.
38
32
Thomas Hanna (1928-1990) foi um filósofo norte-americano. Além de ter sido uma das primeiras
pessoas a falar sobre educação somática, ele passou a sua vida pesquisando autores e práticas que
possibilitassem aos seres humanos serem livers fisicamente e intelectualmente. Sua principal obra,
utilizada aqui nesse trabalho, se chama: "Corpo em Revolta: a evolução-revolução do homem no
século XX em direção a Cultura Somática do século XXI" (1976).
33
Com o passar dos anos, Reich foi revendo a sua própria obra. Isso resultou na transformação de
concepções de vários conceitos deles. A última revisão e atualização de Wilhlem Reich da obra
"Análise do Caráter" data de 1948.
34
Método de terapia inventado por Sigmund Freud. Em seu início, tinha o objetivo de ser usado no
lugar de outras técnicas usadas na época, principalmente o hipnotismo. O método de livre associação
permite que aquilo que vem à mente seja dito, havendo liberdade para se fazer as associações que
surgirem. Com essa prática, Freud, a partir da interpretação dos sonhos, poderia acessar o
inconsciente de seus pacientes.
39
35
É importante ressaltar que o diálogo entre campos de saberes é algo que se tornou mais possível e
acessível em nossos dias do que na época de Wilhelm Reich. Um exemplo é a própria Lorene Soares
que é uma psicóloga brasileira que trabalha com análise bioenergética e dança tango. Sua obra traça
diálogos e conexões entre esses campos de maneira muito enriquecedora ao ponto de ter se tornado
uma de minhas referências nesse trabalho. A diferença aqui é que sua formação é de psicologia e a
minha em teatro. Esses diferentes pontos de partida são interessantes de serem notados nas escritas
que fazemos. O que ressalto é a riqueza da transdisciplinaridade de nossos tempos. Darei mais
exemplos ao longo do texto.
36
Transcrevo aqui uma explicação de Lowen, no livro "Medo da Vida" (1986) sobre o Complexo de
Édipo. Acredito que ela seja clara e resumida: "Freud foi atraído para a história do Édipo [mitologia
grega] porque acreditava que os dois crimes deste personagem, matar o pai e casar-se com a mãe,
40
coincidem com os "dois desejos primais das crianças que, insuficientemente reprimidos ou então
realimentados, formam, talvez, o núcleo de toda psiconeurose". Esse núcleo tornou-se conhecido
como complexo de Édipo. Anteriormente, Freud tinha escrito "Pode ser que estejamos todos fadados
a dirigir nossos primeiros impulsos sexuais para nossas mães e nossos primeiros impulsos de ódio e
violência contra nossos pais; nossos sonhos convencem-nos de que isso é verdade." (LOWEN, 1986,
p.12-13)
37
Quero ressaltar aqui que na literatura de Reich é possível encontrar os tipos de caráter para cada
fase do desenvolvimento. Não é o intuito de meu trabalho detalhar esses por menores, mas sugiro
como leitura o próprio livro sobre análise de caráter já mencionado anteriormente.
41
38
Figura 1 - Diagrama da unidade energética do corpo a partir de Reich (LOWEN, 1982, p.124).
38
Os processos biológicos são vistos na bioenergética tanto pelas suas antíteses como por sua
unidade. O caráter, a couraça, seria a interrupção desse fluxo de energia, visto como um todo. Esse
diagrama serve apenas como uma ilustração do impulso sexual.
39
"O ego é o processo psíquico encarregado da realidade e cuja função é satisfazer as necessidades
do organismo de qualquer forma que pareça melhor naquele meio ambiente específico. Funciona
42
das pulsões sexuais. Quando os mecanismos que o ego produz surtem bons efeitos,
eles "defendem" ou acham uma "boa" resolução para estes impulsos, produzindo o
enrijecimento. O medo de causar angústia semelhante em outras situações provoca
a reação de repetição de comportamentos diante de situações mesmo que
diferentes do trauma inicial.
Por causa dessas situações, do meio em que se encontra, o homem
acaba por fazer um investimento energético em seus mecanismos de defesa, não
para obter prazer, mas uma "segurança" diante das situações em que se encontra.
Muitas dessas condições, para Reich, são oriundas da ordem social e da maneira
como a estrutura econômica atua na vida das pessoas.
Os pais ou as pessoas responsáveis pela educação seriam os principais
responsáveis pela formação do caráter por "apresentarem" à criança a maneira em
que a educação da sociedade é baseada. No caso de nossa sociedade: uma
educação, em geral, repressora e autoritária. Isso acontece porque executam o
conjunto de normativas que a sociedade aprova. Esses mandamentos estão
atrelados à própria couraça: não só dos educadores, mas da própria sociedade.
também para perceber e avaliar o self (si mesmo). Sofre pressões tanto do meio quanto dos métodos
de condicionamento educativos. Estas restrições poderão ser vantajosas e necessárias do ponto de
vista da sobrevivência ou então mutiladoras, se relacionadas a medos neuróticos. [...] O
funcionamento do ego depende em grande extensão, contudo, da capacidade do organismo de
funcionar como um todo, ou seja, depende do grau do e do tipo de couraça." (BAKER, 1980, p.52)
43
40
Os grifos são do autor citado.
44
Vocês estão aqui para observar e não para copiar. Os artistas têm de
aprender a pensar e sentir por si mesmos e a descobrir novas
formas. Nunca devem contentar-se com o que um outro já fez. [...]
Vocês dois podem ficar sentados aí nessas cadeiras assistindo ao
nosso ensaio. Talvez encontrem nele algumas coisas aplicáveis à
sua maneira de pensar. Se alguma coisa excitá-los, usem-na,
apliquem-na a vocês mesmos, mas adaptando-a. Não tentem copiá-
la. Deixem que ela os faça pensar e ir avante. (STANISLAVSKI,
2010, p.17)
45
Quando a energia retida pelo caráter é muita, ela funciona como uma
represa: uma espécie de coordenador, de distribuidor de energia, transformando-a
em trabalho, em processos criativos do homem. Se essa energia fica estagnada,
acaba-se acumulando-a em excesso, podendo haver uma sensação de pânico, de
desorganização e de angústia, como se fosse explodir.
Para Reich (1975) a autorregulagem da energia corporal seria um dos
fatores que contribuiriam para a vida saudável, para a flexibilização dessa couraça.
O oposto a isso seria a regulagem moralista, que teria sua prática voltada ao sentido
da obrigação por causa de costumes, de tradições e, em sua maioria, de vontades
externas a sua pessoa. Obviamente, para ele, a análise de caráter seria uma das
principais ações a serem feitas. No entanto, foco meu olhar para as bases orgânicas
de suas falas: a fluência da energia, o impulso vital, que são o que mais me chamam
a atenção. Falarei brevemente agora da função do orgasmo, entrando ainda mais
nessa aproximação da bioenergética com o potencial criativo do ator.
pode emitir o som da vogal "a" para ajudar. Pode exagerar no movimento. Perceba
que você provoca mecanicamente uma excitação em seu corpo. Seu olhar dilata e
até mesmo a sua respiração fica mais fluida. Você poderá sentir um leve
formigamento no rosto e nas mãos, por exemplo. Tudo dentro do normal: é a
excitação que chega na perifeira do corpo.
O corpo é vida e nós a procuramos. Buscamos meios para a energia
vazar, passar, fundir com o outro. As dinâmicas que o caráter estabelece para que a
carga ou a descarga do prazer aconteça diferem-se em duas estruturas possíveis: a
neurótica e a genital.
O caráter genital é capaz de alternar as tensões (cargas) e as satisfações
de suas pulsões energéticas (descargas). O caráter neurótico seria aquele em que
há um crescente na estase da libido (tensão crônica) e consequente dificuldade de
satisfação das pulsões energéticas. Suas necessidades pulsionais não são
atendidas e funcionam de acordo com princípios moralizantes.
Ler Reich, para mim, sempre foi pensar o teatro na terceira pessoa do
plural. Estamos inseridos em um espaço de criação que muitas vezes é
ultrapassado por outras necessidades ou princípios que não são artísticos. A
princípio, a pessoa de teatro trabalha já na contramão do sistema econômico e
social, pois não é o lugar para se enriquecer financeiramente ou tornar-se o mais
apto dos políticos, nem mesmo o rosto mais bonito da televisão, pensando no que
conversamos até agora. No meu ver, o ator opera na chave do prazer. A sua
profissão, em si, é um exercício em público de sublimação.
A quantidade de imagens construídas colocando o teatro como um ato
sexual, uma explosão de sentimentos, uma catarse etc, daria uma boa conversa.
Mas tudo isso tem a sua razão. O teatro é uma espécie de processo de
“desencouraçamento” social. Não só para o ator ou para a atriz, mas principalmente
para o espectador. É o lugar dos fantasmas, dos medos, daquilo que é revelado.
Representamos a nossa morte e nossa própria crucificação no palco. A sociedade
sofre de uma “peste emocional” (REICH, 1975), ela é encouraçada. O teatro
proposto, pensado e analisado aqui, por esse viés reichiano, seria o local onde a
materialização da fatalidade de nossa vida, de nossos tempos, se torna carne.
Aquilo que Artaud chama de flagelo.
resolveu consultar o oráculo de Delfos para saber o seu destino. O oráculo previu
que ele iria matar seu pai e casar-se com sua mãe. Édipo acreditava que Políbio era
o seu pai, já que o havia criado desde tenra idade. Para evitar esse destino, Édipo
partiu de Corinto. No caminho para Beócia, foi abordado por um viajante que o
mandou sair de sua frente. Em meio à discussão que se desdobra em briga, Édipo
mata, com seu cajado, o viajante desconhecido.
Depois de assassinar o viajante, seguiu até Tebas, que estava sendo
aterrorizada pela Esfinge - um monstro com cara de mulher, corpo de leão e asas de
pássaros. A Esfinge apresentava uma charada para qualquer viajante que passasse
por ela e todos aqueles que respondiam errado à sua pergunta eram devorados.
Creonte, que assumiu o trono de Tebas após a morte de seu irmão Laio, prometeu
que aquele que livrasse a cidade das investidas da Esfinge, não só receberia a
coroa da cidade, como se casaria com a rainha viúva, Jocasta. A pergunta da
Esfinge era: "que animal anda de quatro patas de manhã, duas ao meio-dia, e três à
noite?" Édipo acertou a charada respondendo: "o homem!" Quando a Esfinge
escutou a resposta, lançou-se no mar morrendo afogada.
Édipo, então, passou a ser tratado como herói por ter matado a Esfinge:
virou rei de Tebas, casou-se com a rainha e governou a cidade por mais de vinte
anos. Teve quatro filhos: Eteócles, Polinices, Ismênia e Antígona.
As Erínias, como se chamava o destino, lançaram uma praga terrível
sobre a cidade de Tebas, assolando-a com seca e fome. Consultando o oráculo
novamente, Édipo soube que, enquanto o assassino de Laio não fosse descoberto e
expulso da cidade, Tebas permaneceria naquela situação. Em sua investigação,
então, ele descobriu que foi ele quem havia matado seu pai, involuntariamente,
naquela estrada para Beócia, e que havia se casado com sua mãe. Por vergonha,
Jocasta se enforcou e Édipo cegou a si próprio. Acompanhado por sua filha
Antígona ele abandonou a cidade tornando-se um andarilho. Depois de longos anos,
achou um refúgio em Colonus, cidade que se tornou sagrada por ser o último asilo
de Édipo.
Em um determinado momento, Lowen, ao rever novamente a lenda de
Édipo se pergunta: "Teria acontecido só porque eles tentaram evitar seu destino?" A
força dessa pergunta surgiu justamente porque as pessoas neuróticas são
incapazes de aceitarem a si mesmas. A luta que travam para evitar seu destino
52
mover. Ela até pode querer fazer isso ou aquilo, mas não consegue, não tem
controle sobre isso. Obviamente, se estivesse doente, com pneumonia, por exemplo,
deveria fazer repouso justamente para que a sua energia seja devidamente
direcionada para que melhore. Agora, pensemos no oposto: uma pessoa que está
excitada de alegria porque é seu aniversário e todos os seus amigos estão vindo.
Essa excitação a faz ter vontade e disposição para arrumar isso, preparar aquilo,
recepcionar as pessoas, dançar, cantar etc.
No teatro é necessário estar disposto. É preciso um estado de presença
do ator em que nada o impeça de agir. Isso pode ser difícil, principalmente para
aqueles que já entraram sozinhos dentro de uma sala de trabalho. Sempre há um
motivo para não fazer isso, não gastar energia, de se privar por motivo externo ao
trabalho etc. O estado de disposição amplia o nível de energia. O ator que tem
energia e atitude modifica o meio em que se encontra. É algo físico, que vai contra a
lei da entropia. Segue o ritmo do desenvolvimento da vida: dinâmica e organizada.
O corpo energético é luminoso. A pessoa possui um brilho, "está radiante"
dizemos no dia a dia, resplandece de alegria. Não estou falando de sermos atores
felizes, com o sorriso largo o tempo todo. Estou falando de energia que é emitida
para o espaço e que é percebida pelo outro. E quando pratico os exercícios da
bioenergética e vou criando vínculos com o fazer teatral, a partir do meu
conhecimento da linguagem e de procedimentos de criação, percebo que é sim
possível movimentar essa energia dentro de nós, essa capacidade de estar apto ao
trabalho artístico.
Assim, para mim, tornou-se foco de pesquisa para a preparação de atores
os estudos da bioenergética que, para Lowen, são definidos da seguinte maneira:
41
O corpo não tem memória, ele é memória. O que devem fazer é desbloquear o "corpo-memória".
Se começam a usar os detalhes precisos nos exercícios "plásticos" e dão o comando a vocês: agora
devo mudar o ritmo, agora devo mudar a sequência dos detalhes etc., não liberarão o corpo-memória.
Justamente porque é um comando. Portanto é a mente que age. Mas se vocês mantém os detalhes
precisos e deixam que o corpo determine os diferentes ritmos, mudando continuamente o ritmo,
mudando a ordem, quase como pegando os detalhes do ar, então quem dá os comandos? Não é a
mente nem acontece por acaso, isso está em relação com a nossa vida. Não sabemos nem mesmo
como acontece, mas é o "corpo-memória", ou mesmo o "corpo-vida", porque vai além da memória. O
"corpo-vida" ou "corpo-memória" determina o que fazer em relação a certas experiências ou ciclos de
experiências de nossa vida. Então qual é a possibilidade? É um pequeno passo ruma à encarnação
de nossa vida no impulso. (GROTOWSKI&FLASZEN, 2007, p.173)
55
Corpo-couraça
44
Figura 3 - Manequim de Barcelona - Salvador Dalí - 1927
Utilizo essa pintura de Dalí para nos auxiliar a entender melhor sobre a
couraça muscular de caráter conforme apresentada por Reich. Longe de ter feito
uma abordagem mecanicista do corpo, como na medicina moderna, Reich foi
pesquisando, durante as décadas de seu trabalho, vários procedimentos de análise
de caráter somados a uma série de exercícios de respiração, exercícios expressivos
e manipulações diretas de tensões musculares para liberar essas couraças (REICH,
1975).
No início da Ação falei sobre a imagem do palimpsesto. Essa imagem
possui um quê disso. Um corpo que tem um centro, um olho, camadas e mais
camadas, cores, texturas, relevos. De quantas intimações somos feitos? E nossas
identificações? Nossos papéis sociais na vida nos fazem múltiplos. Não somos um
44
Os quadros que apareceram nesse trabalho foram descobertos em leituras de textos do Gaiarsa
(1982). É muito comum em livros de psicologia o uso de histórias de mitologia, de teatro, de literatura,
de obras visuais, etc. Utilizo de quadros aqui que me tocam com poder de síntese de meus
pensamento e de pulsão para seguir trabalhando.
58
só! Somos milhares e ao mesmo tempo, quando mais longe do centro do desenho
mais vago são os contornos, menos humano é a figura. Mais escura, mais quadrada,
mais dura.
Para além de uma analogia sobre termos um cerne, gosto de pensar que
quanto mais fundo vamos em nós, mais nos aproximamos das imagens e
características que nos tornam humanos. As grandes obras de arte possuem esse
poder de acesso. Nesse sentido, olhando o grande olho da figura vejo a pluralidade
que somos. A nossa capacidade intrínseca de metamorfose em cada momento de
nossas vidas.
O reflexo do orgasmo, da fluência livre e regular da energia corporal
ajudaria essa liberação de tensões. O psicólogo brasileiro Marcus Vinícius Câmara
(1997) observou que, ao privilegiar na clínica as funções energéticas (carga-
descarga) e biológica (tensões musculares), Reich não abarca um corpo que é
produto e produtor de uma rede de saberes/poderes (CÂMARA, 1997). Essa
perspectiva é influenciada pela noção de corpo dócil de Foucault (2014). Na pintura
"Manequim de Barcelona" de Dali, por exemplo, os blocos na volta do corpo podem
ser lidos como os conflitos e as repressões externas aos aspectos biológicos do
homem.
O corpo-couraça não se limita a ser somente esse corpo reprimido
sexualmente, com a energia presa ou não fluida. É um corpo em mutação, produto e
produtor de suas interações. Não podemos, assim, ver o corpo apenas pelo campo
energético, psíquico, somático, mas também pelas redes de saberes e poderes.
Corpo fluido
45
Faço a citação de um livro que indica também outras relação entre arte e psicologia. O livro em
questão é de Vera Lucia Paes de Almeida intitulado "Corpo Poético: O movimento expressivo em C.
G. Jung e R. Laban" (2009), publicado pela Editora Paulus. Como está escrito em sua introdução: "A
minha proposta busca uma integração das duas linhas de pensamento - JUNG e LABAN - com
ênfase nos aspectos psicológicos criativos, derivados do contato com a dimensão arquetípica da
dança. Para isso, me utilizo da linguagem simbólica da alquimia, segundo a visão junguiana, para
situar o movimento e suas qualidades dentro de um referencial poético: os quatro elementos [terra,
água, fogo e ar]" (2009, p.12).
46
O trajeto de Grotowski dentro do teatro é dividido em fases. Marco de Marinis, por exemplo, dividi
em cinco fases (DE MARINIS, 2004: teatro como representação. Parateatro, Teatro das Fontes,
Dramacomo Objetivo e Arte com Veículo. Apenas quero deixar claro que minha pesquisa é em cima
da fase onde Grotowski realiza apresentações perante espectadores,Teatro como Representação, do
período que vai de 1957 à 1969.
61
47
"O imaginário concentra-se na análise de conjuntos de imagens que estruturam o pensamento e a
vida humana desde sempre. São essas imagens, como um grande reservatório da humanidade, que
nutrem as pesquisas desse campo tão vasto; o campo do imaginário opera com métodos em que o
imponderável, o imensurável, o caos, entre outras formas típicas do movimento humano, são
considerados também como elementos constitutivos dos trajetos da humanidade" (OLIVEIRA, 2011,
p.135).
48
"O sensível opera no entremeio do conhecimento direto e indireto. Não é apenas um fazer, isto é,
um agir, mas um deixar-se agir. Reeducar-se é ter a coragem de olhar-se desnudado" (OLIVEIRA,
2011, p.139).
62
1
ARRABAL, 1977, p.74-75. (?)
64
Início de trabalho
2
Esses exercícios podem ser encontrados na bioenergética e em outras práticas somáticas, assim
como em aulas de dança e de teatro. Nos últimos anos, podemos perceber o aumento de artistas que
se utilizam de outras técnicas corporais para trabalhos de preparação e de criação nas artes da cena.
Os exemplos mais claro que dou são justamente o corpo docente do Programa de Pós-Graduação
em Artes da Cena da UNICAMP. Onde podemos ver professoras que trabalham o método
Feldenkrais como a profª Dra. Sílvia Geraldi e o sistema Laban/Bartenieff pela profª Dra. Marisa
Lambert.
65
Inspire e expire amplamente. Ceda ao chão. Sinta seu corpo tocar o chão.
Depois sinta o chão tocar o seu corpo. Abra os olhos. O que mudou agora? Você
ainda está conectado à aquelas sensações e ao chão? Por último, perceba se seu
maxilar está rígido, tenso ou relaxado, solto. Tente relaxar essa região colocando a
língua para fora, abrindo a boca, fazendo umas caretas.
Dessa maneira começamos a nos aproximar de nosso momento
presente, como estamos aqui e agora, para então continuarmos.
3) Agora em pé. Com os pés afastados, pouco mais que a largura dos
quadris, com os artelhos levemente voltados para dentro. Incline-se para frente
tocando o chão com as pontas dos dedos (LOWEN, 1985, p.15). Você não estará
apoiando o seu peso nas mãos. Elas servem apenas para manter o equilíbrio. O
peso do corpo está nos pés. Os joelhos estão levemente dobrados, a cabeça está
solta e a respiração é livre. Respire. Aos poucos, vá transferindo o peso de seu
corpo para o peito dos pés. Erga um pouco os calcanhares. Respire sempre.
Perceba a respiração. Estique os joelhos aos poucos, não é para deixá-los
3
A referência aqui do livro do Lowen se dirige diretamente a um capítulo de exercícios sobre
respiração. No entanto, o que proponho aqui é uma somatória de exercícios de bioenergética e de
teatro. Seria muito desrespeito meu com tudo o que aprendi até hoje copiar um exercício diretamente
de um livro para tentar manter um "purismo". O objetivo aqui é elencar elementos que estimulem o
trabalho corporal, a percepção proprioceptiva, relação com o espaço, etc.
66
4
Essas e outras opiniões sobre o ator em formação e algumas de suas dificuldades advêm de
minhas experiências como professor de teatro no período em que estive na graduação em Teatro
Licenciatura pela UFPEL (2008-2014), e como estagiário no Programa de Estágio Docente que
realizei no semestre 2016/2 na disciplina Ateliê em Prática de Dança II, ministrada pela Profa. Dra.
Marisa Martins Lambert, e, principalmente, no semestre de 2017/1 na disciplina Improvisação Teatral
I, ministrada pelo prof. Dr. Marcelo Lazzaratto. Esta última experiência foi crucial, pois além de ter
acontecido durante o processo de escrita da dissertação, me permitiu observar alunos de teatro
iniciando sua relação com a linguagem teatral e as dificuldades que se apresentam no início desta
trajetória.
68
5
Chamo a atenção que o excesso de consciência também pode ser um problema. O ator pode não
permitir-se realizar ações ou jogar-se mais livremente por tentar ter o controle total da cena e do que
está realizando. Numa outra interpretação podemos ver atores que não realizam certa ação por não
pertencer a sua lógica de raciocínio, sua ideologia, sua moralidade, etc. O deslocamento desse tipo
de atitude para um outra pode ser bem dificultoso. Temos que ver isso não é uma regra.
6
"Conduzir. [...] 1. Ir na companhia de, guiando, orientando, e/ou em sinal de respeito, ou de cortesia;
levar. [...] 2. Guiar, dirigir, governar. [...] 3. Comandar, governar. [...] 4. Transportar, carregar. [...] 5.
Ter capacidade para transportar." (FERREIRA, 2009, p, 520)
69
7
Aqui pensando na estrutura de caráter, como mencionado na Ação 1.
70
Isso passa por um olhar mais atento sobre a respiração e grounding através da
bioenergética. Um caminho que aprendo com Bertherat é sobre a importância do
trabalho contínuo, que perpassa o reconhecimento do meu espaço próprio, meu
corpo, minha casa. Desse lugar eu partirei para o encontro, na relação com este
lugar acolhedor, não só para mim, mas para os outros. Ao meu ver, essa abertura é
a arte, esse lugar que nos preenche o vazio, que nos faz estar conectados. Um
encontro, como a vida deve ser: uma sucessão de encontros.
Aviso que, ao trabalhar a respiração, o grounding, entro em contato com
fluxos de energia, de imagens, de desejos e de impulsos. As formas estruturam-se e
se reestruturam, abrem novos caminhos. Quando estamos conectados à vida, a
tônica é a dinâmica da contínua mudança. Assim, entramos agora a respiração e
grounding na bioenergética como lugar de aprendizado proprioceptivo, de
autoconhecimento e de autoexpressão.
A respiração bioenergética
Um indivíduo saudável não possui limites, e sua energia não fica confinada na
couraça muscular. Toda sua energia está consequentemente disponível para o prazer
sexual ou para qualquer outro tipo de expressão criativa.
“Bioenergética” de Alexander Lowen
Freud focou seus estudos no que se referia à fala, ao gás (ar) que sai em
vibração de dentro de nós8. Na voz, pode-se perceber muito sobre os impulsos, os
afetos, os instintos, desejos da pessoa, sobre a sua carga energética e sua
disposição para a vida. Por outro lado, falar sobre a respiração, sobre ar, sugere-nos
imagens, muitas vezes matriciais, de concepções religiosas, podendo ser até
mesmo um meio de conceber o espírito. Na tradição judaico-cristã, tudo que está "lá
no alto", perto do "céu", na atmosfera, é relacionado a seres superiores, perto da
imagem do paraíso. Na mitologia grega acontece o mesmo. Os deuses, com suas
forças invisíveis como o ar, vivem lá no alto, interferindo nas nuvens, no vento, na
tempestade, na seca.
O ar encontra-se por todos os lados e dentro de nós. É como se
fizéssemos parte de um todo. Enquanto ele estiver nos enchendo, estaremos vivos,
o contrário é a morte, nosso último suspiro. A história bíblica de Adão faz parte de
nosso imaginário justamente por isso. Deus criou o homem a partir do barro da terra
e a seguir insuflou-lhe ar nas narinas e ele viveu.
O ar é vida. Podemos supor aqui que o Espírito nasce com a ideia de que
somos tomados, como a ideia de inspiração, por algo que não vemos: ar. Gaiarsa
então pensa: seria por isso que falamos sobre o "vazio" dentro do pulmão? Um vazio
criador? O ar entra neste espaço, preenchendo-o de vida. A prática do pranaiama
dos hindus tem como objetivo refinar a percepção e o controle da respiração,
desenvolvendo a relação com o ar - atmosfera (GAIARSA, 1987). Esse exercício de
consciência, de meditação, tem relação com esse "vazio criador", com a percepção
do Divino10 em mim.
8
Refiro-me aqui a "Técnica de Associação Livre" já descrita anteriormente.
9
Os grifos são do autor.
10
O Divino aqui está associado a essa ideia de que o ar está em todos os lugares, Onipresente; que
a atmosfera é Infinita; que o ar é transparente e luminoso, Luz; as palavras não só existem como
caminham pelo ar, logo o ar contém todas as palavras, Onisciente. Essas ideias podem ser
72
associadas à imagem de Deus. A palavra 'Spiritus' do latim significa "que sopra”. A 'alma' em
hebraico significa sopro, hálito. "As ideias relativas às coisas concretas era alguma coisa invisível,
mas muito atuante; uma operação potencialmente formativa, capaz de gerar e definir os objetos ao
modo como a laringe e a boca "formam" as palavras. Todas as coisas tinham uma essência ou um
espírito capaz de "explicá-las", isto é, todas as coisas tinham um nome! Todas as coisas eram
"pensamento divino" - palavras de Deus" O UNI-VERSO (por que UNI?) É UM POEMA! E UMA
DANÇA" (GAIARSA, 1987, p.18). Essa fala de Gaiarsa me atraie, pois, através dos mitos religiosos,
aproxima-se de uma maneira mais clara do que Reich observou durante a sua trajetória: a energia
que há dentro de nós é a mesma dos cosmos. Que a energia orgone é cósmica e está presente em
todos os seres vivos (REICH, 2003).
73
11
Chamo a atenção que não se trata de se jogar simplesmente para os impulsos, emoções e ações.
O ator deve ter consciência do que está fazendo na hora de uma criação teatral, para poder repetir o
caminho construído e se aproximar da experiência gerada.
74
Uma vez lançado na sua fúria, para não cometer um crime, o ator
precisa infinitamente de mais virtude do que o assassino de coragem
para conseguir executar o seu; e, neste ponto, pelo seu gratuito é
que a ação de um sentimento no teatro surge como qualquer coisa
infinitamente mais válida do que um sentimento realizado (ARTAUD,
1988, p.33).
12
Esse exercício eu realizei pela primeira vez num curso de Terapia Corporal Reichiana, ministrada
pelo psicólogo Dimas Calegari, no ano de 2016. Comecei a usar esse exercício no trabalho atoral por
trabalhar com o processo de expiração, aprofundamento da respiração e circulação de energia.
76
não ser feito de qualquer maneira. Conforme o passar do tempo, a expiração vai
ganhando mais continuidade e o uso da voz torna-se cada vez mais necessário e
crucial. A voz ajuda as outras partes do corpo a se conectarem e a vibração é uma
das respostas físicas. Ao terminar o exercício, tente responder as seguintes
perguntas:
do envolvimento do ator com a sua ação, com o objeto de cena, com o colega 13.
Quando um ator tem o olhar vago em cena, quando uma ação dele não possui uma
objetividade clara ou quando o engajamento não é pleno, é bem possível que a
atenção do espectador acabe se perdendo. O envolvimento do ator na sua ação
estabelece uma qualidade básica ao teatro, independente da estética teatral.
Ao meu ver, esse engajamento, envolvimento do ator é uma premissa
básica para o trabalho. É uma atitude ética, uma necessidade artística e existencial.
Isso pode ser aprendido e cultivado, mas o impulso de fazer, esse "sangue nos
olhos" para criar e se encontrar com o outro, depende da pessoa, do ator. Alguns
exercícios da bioenergética nos auxiliam a estar mais perceptíveis a estes impulsos,
a estes quereres que projetam não só ações no espaço, no mundo, nas imagens,
mas também possibilidades de atuação e relação.
Stanislavski fala em 'Círculos de Atenção' (1979) para explicar
tecnicamente o que o ator pode fazer para conduzir a sua atenção e deixá-la clara
para o espectador. O “pequeno círculo de atenção” seria o próprio ator: sua cabeça,
braços, mãos, roupa que veste, a cadeira que está sentado ou não, etc. Neste
círculo, os detalhes podem ser vistos mais minuciosamente, e "também exercer
atividades mais complicadas, como, por exemplo: definir matrizes de sentimento e
de pensamento" (STANISLAVSKI, 1979, p.109). O “círculo médio” aumenta a área
de abrangência da atenção. Pensemos no palco inteiro: o cenário, o chão, os
colegas de cena, etc. Com uma área maior, o nosso olhar precisa de mais tempo
para notar tudo e de mais clareza para o espectador acompanhar as ações do ator.
O “grande círculo” englobaria a plateia e também o espaço imaginário, algo que está
além das paredes do teatro ou do espaço de apresentação.
Embora compreenda que Stanislavski em muitas vezes faz referência ao
trabalho do ator com o texto dramático, o leio sempre como um grande mestre que
me permite pensar sobre o meu fazer teatral. Independente da estética teatral na
13
O capítulo "Fé e Sentimento da Verdade" (1979) de Stanislavski coloca um dado interessante.
Aquilo que acontece em cena deve ser convincente para o ator, para seus colegas e para os
espectadores. A fé e o sentimento da verdade estariam ligados à crença do ator em sua ação e na
emoção sentida, enfim, numa situação dramática que, em muitos casos, é análoga ao nosso
cotidiano. No entanto, até essa verdade possui um limite que é próprio do teatro. "Você não deve
exagerar sua preferência pela verdade e a sua aversão pelas mentiras, porque isso o leva a exagerar
sua atuação da verdade, apenas pela verdade, e isto, por si só, já é a pior das mentiras. Procure,
portanto, ser fio e imparcial. Precisamos da verdade no teatro até o ponto em que podemos acreditar
nela" (1979, p.154). Isso amplia sua interpretação quando pensamos nas várias formas de se fazer
teatro: tragédia grega, teatro de rua, palco italiano, etc.
79
Deite-se, com os joelhos fletidos e com a planta dos pés tocando o chão.
Tente ficar o mais confortável possível nessa posição. Aproveite para relaxar e
deixar a força da gravidade agir. Sinta o seu corpo cedendo ao chão. Repare se a
sua respiração está leve e profunda e se não há tensões musculares que bloqueiem
o fluxo respiratório pelo seu corpo.
A pelve se moverá naturalmente em cada respiração subirá na expiração
e descerá na inspiração. Também a garganta se move para frente na expiração.
Utilizo aqui os desenhos de Lowen que mostram esse movimento:
81
14
Refiro-me a um aspecto geral de nossa cultura. Não somos estimulados a nos entregar aos nossos
desejos e as emoções que vivemos. Algo que já foi falado várias vezes durante o texto, mas que aqui
reitero para não pensar que todas as pessoas são assim e que aqui me refiro ao ato de ceder em
diversos contextos e impulsos. Em processos criativos de teatro a multiplicidade de circunstâncias
dramáticas, performáticas e de relação são inúmeras. Para esses momentos, muitas vezes
desconhecidos, que o ator deve se preparar para encontrar e se entregar.
83
crueldade que não é só individual, não só de um povo, mas que pertence ao espírito
humano.
Não é um caminho fácil, visto que entraremos em contato com aquilo que
nos reprime. A violência que virá à tona será a mesma ou em maior grau que a
repressão. É preciso ter coragem. "Deve-se entrar em si mesmo armado até os
dentes" (VALÉRY,1997, p. 117). Não é à toa que Artaud utiliza-se de tantas imagens
violentas como carnificina, peste, tortura, sangue invertido, espíritos hostis etc., em
seus textos para referir a essas imagens as quais devemos enfrentar, atravessar,
dialogar, se relacionar.
O que quero aqui é acreditar na possível abertura do ser. Isso não é
pretensão de um novo homem, um novo ator ou um novo teatro. Como fala Valéry:
"Não estou virado para o lado do mundo. Tenho o rosto virado para o MURO. Não
há um trecho da superfície do muro que me seja desconhecido" (VALÉRY, 1997, p.
124). Esse talvez seja um dos meus impulsos mais fortes: de romper esses muros
que nos abafam. Como Artaud (2006, p.167), meu objetivo visa a esvaziar-me para
emitir esse grito: que eu abra espaço para as palavras certas, que a energia se
concentre e que a emoção saia no temperamento preciso. Assim penso: "Espero
que você esteja lá quando isso acontecer. Estou atento se vier o seu grito também".
Tenho os pés ligados à terra. Estou ciente de nossa realidade e do
caminho que quero percorrer. Vamos voltar a esse caminho. Agora me dirijo ao
grounding: o exercício de estar conectado ao real, ao presente, ao chão.
Grounding
16
Figura 8 - Exercício do arco (LOWEN, 1982, p.64)
- Se você sentir uma pressão na lombar, a mínima que seja, significa que
você tem uma tensão nesta parte do corpo. Sugiro que você comece a arquear-se
15
"Um exercício similar é feito pelos praticantes de Tai Chi. Tai chi é um programa de exercícios
chineses que vem sendo praticados há séculos na China. Almejam ao grounding da pessoa e
fornecer-lhe um senso de harmonia com o universo. Há semelhança entre esses exercícios e os da
bioenergética. Estes últimos tem um enfoque mais específico para aliviar determinados
problemas."(LOWEN, 1985, p.31)
16
A ilustração seria uma referência (e não um modelo) para o desenho de arco com o corpo.
85
lentamente e em um ângulo que não force tanto essa região. Vá devagar e no seu
tempo. É comum o corpo tremer (vibrar) nesta posição.
- Respire profundamente e procure relaxar as tensões do corpo que são
desnecessárias para se fazer o exercício. Não é necessário fazer força com as
pernas ou nas costas. O único esforço será nos tornozelos e nos pés que sustentam
o corpo, e mesmo assim será pequeno.
- Você consegue manter um arco perfeito? Se as suas nádegas estão
empinadas para trás ou empurradas para frente, você interrompeu o arco e a
energia não fluirá até os pés.
pessoas se assustam com certos exercícios teatrais, justamente por causa desse
caminho que é inverso ao da ascensão. O aterrar ou o cair nos faz entrar em contato
com nossas emoções mais basilares.
Para Lowen, um dos primeiros sentimentos que surgem quando nos
deixamos "cair" é a tristeza. Ceder e chorar. "Romper" em lágrimas, como dizemos
no dia a dia. "Caindo que se aprende" é uma expressão que sempre escutamos,
mas, com o passar dos anos, não nos permitimos a isso. Entramos cada vez mais
nas normas da sociedade moderna e temos pouco tempo para tanta coisa a fazer.
Não nos permitimos cair depois de certa idade.
Enquanto Reich trabalha a partir do segmento ocular em direção à pélvis,
Lowen organizou seu trabalho na relação do corpo com o chão. Desenvolver o
grounding é nos tornarmos uma espécie de "antena de recepção", como afirma
Lazzaratto em seu livro "Campo de Visão: Exercício e linguagem cênica":
com o mundo. Aspecto que Artaud já mencionava quase um século atrás, dizendo
que nossos padrões de percepção e de representação estavam cada vez mais
cristalizados. Até mesmo o teatro entraria nesse lugar como "espetáculo para os
olhos" (QUILICI, 2004, p.46). Artaud queria que o teatro voltasse a ser o jogo com os
nossos medos.
Do livro "Teatro da Crueldade", de Antonin Artaud (2006), destaco, entre
tantas características e perspectivas de olhares em sua obra, a valorização da ação
dramática no e a partir do corpo do ator. O corpo, para o artista francês, afeta o
espectador como agente direto de comunicação, muito mais do que um mero
informante de signos. Isso possibilitaria uma participação do espectador na cena
através dos sentidos, da percepção - que seria muito mais significativa que uma
compreensão racional da obra artística:
Para Artaud, não é somente o corpo que estabelece essa relação e sim o
espaço como um todo. A concepção de corpo aqui é pressuposto para se falar do
acontecimento teatral. Mas, para isso, a energia criativa deve ser canalizada e
ultrapassar o corpo cotidiano, visto por Artaud como rude, pesado, que interpreta
papéis sociais, que representa e que reprime os seus impulsos e suas intensidades.
O que quero pontuar é que Artaud instaura uma nova relação com o
corpo e uma necessidade de o ator ter uma prática física, mental e espiritual que o
leve a um atletismo afetivo (2006). O ator não deve prezar por um corpo atlético, no
sentido militar e esportivo, mas direcionar a sua energia para a preparação e a
atuação. O desejo é ser capaz de afetar o espectador e ser afetado pela obra.
Sobre essa "nova cultura do corpo" e, respectivamente, de teatro que
Artaud propõem, Quilici nos aponta:
Mas o homem não gosta de estar exposto; ele é alérgico ao lugar. E, enquanto
alérgico, converteu-se num animal blindado e, quando alguém aponta para o céu (como um
personagem de Bernhard) e diz: "Veja, ali está aberto, vejam, está aberto; a palavra a-ber-to
está redigida no firmamento", então, já não se percebe o que isso quer dizer, pois o homem
blindado gosta de viver no fechado e de medir a palmo. O homem blindado expulsou a
hospedagem: não está aberto à visitação dos afetos ou da palavra.
1
Relato 1:
para manter uma respiração mais livre e o corpo mais enraizado. Essa
disciplina particular já contribuía e muito para uma postura, para um estado
de disponibilidade dentro da sala de trabalho. Mas como trabalhar por
exemplo com um sentimento como a raiva?
Programei-me para iniciar um aquecimento. No entanto, ao deitar
no chão senti que aquilo me desmotivou, mudou meu foco de construir uma
cena a partir de Arrabal para uma atividade que levaria a uma
intelectualização daquilo tudo. Parti para a cena. Segui o impulso de querer
trabalhar com o sentimento da raiva e com o trecho que escolhi do texto
dramático. Este era o seguinte:
A primeira ação que fiz foi ler o texto que escolhi: um monólogo do
Imperador. Li até o trecho que havia memorizado antes do ensaio. Isso me
possibilitou já ter sido afetado pelo texto, por suas palavras, imagens e
situações. Mas, depois de lê-lo, fiquei em pé no fundo da sala e me perguntei:
"como começar a cena?"
Parti da situação em que o Imperador está acorrentado. Peguei uma
corda de uns oito metros de comprimento e amarrei-a no meu tornozelo, no
braço, na cabeça... Tentei movimentar-me amarrado pela corda e não
4
Esse é o início do trecho que utilizei para fazer a cena. A cena toda se utilizou do monólogo do
Imperador no final do Quadro II do Ato I, que vai da página 55 à 60 na obra (1976). Ao longo desta
AÇÃO 3 irei citando trechos que utilizei.
94
5
Quando digo que a imagem não me agradou estou me referindo a uma somatória de preceitos
artísticos nesse caso. Não é o agradar de satisfação, de gosto pessoal, etc. É o agradar relacionado
com o objetivo da cena como um todo. Esse objetivo pode fazer com que eu tenha que fazer algo do
qual eu não goste, não me sinta confortável, etc. A ação que estava experimentando nesse caso não
me agradou porque evidenciava uma confusão de gestos, muito ruído sonoro e uma certa
"incompatibilidade" com a cena textual. Tudo isso pode fazer parte da cena? Claro que pode. Mas
estava sozinho na sala e um processo de criação é feito de muitas escolhas. Nesse momento julguei
melhor por continuar improvisando outros modos de pudesse passar a imagem de que eu estava
acorrentado. Foi depois dessas improvisações que eu escolhi a ação que mais se conectasse com o
universo do texto e das minhas investigações.
6
A escolha da cadeira de madeira não é um mero fruto de uma inspiração. Escolher uma cadeira de
metal por exemplo, ou uma outra toda estofada, mais moderna, geraria outras interpretações. O fato
da cadeira ser rude e velha, contribuiu para eu ver nela o arquétipo de Arquiteto.
95
7
Tento de todo modo fazer perguntas para a cena, para o texto dramático, de modo que as possíveis
respostas ou a busca delas me façam agir diretamente no espaço de jogo. Essas perguntas podem
gerar tanto a composição do espaço cênico, a utilização de objetos, a feitura de figurinos e, claro, um
movimento, um ação.
8
Essa cena eu fiz na disciplina "Dramaturgias" do programa de pós-graduação da Unicamp. Naquele
momento trabalhei vários trechos da obra de Arrabal com outros colegas do programa.
9
Novamente sobre o que penso sobre a cena: eu, Elias, não sei laçar um cadeira com uma corda.
Essa impossibilidade real, que pode ser interpretada na cena como um movimento tosco, me fez
associar com o lado impotente do Imperador. Ao mesmo tempo que ele quer usar da força para
segurar o Arquiteto na ilha, o meio que ele se utiliza para isso mostra a sua inferioridade diante da
capacidade de ação que o Arquiteto possui.
10
LOWEN, 1985, p. 135.
96
minutos, sem perder o vigor, sem perder a força e a energia. Até a raiva vir à
tona.
Eu fazia esses exercícios de espernear, de socar, chutar, com uma
certa frequência. É necessário imaginar uma pessoa, ou uma situação que se
segurou a raiva, para depois descarregar esse sentimento junto com o
movimento. Unindo assim: movimento, pensamento e intenção. Nas
primeiras vezes que fiz esses exercícios a raiva acumulada me fazia chegar a
um ponto em que eu quase chorava. O corpo respira mais profundamente e
embora muscularmente estejamos mais ativos, a sensação de leveza que se
sente é maior do que antes de começar o exercício. Depois de um tempo
fazendo esse exercício é claro a facilidade que se tem em acessar uma
energia mais forte e pontual. Assim como a sensação que se deve
"descarregar" a raiva, a tensão, o estresse, em outros momentos.
Pensei depois de fazer a ação de chicotear a cadeira: "O Imperador
não descarrega toda a sua energia. Ele é impotente. Por mais que tente, ele
não vai se liberar." Então, a raiva era trabalhada na ação de açoitar.
Semelhante ao bater os pulsos, a chutar e espernear que está presente nos
exercícios expressivos da bioenergética. O que surgiria depois?11
Saí da sala assim que terminei de açoitar a cadeira furiosamente.
Como se o Imperador estivesse indo para a sua tenda. Havia me esquecido
que a corda estava amarrada no meu tornozelo. Assim que a corda toda
esticou, meu pé ficou e isso puxou a cadeira que estava lá dentro da sala. Era
impossível eu sair daquele lugar sem levar de arrasto o defunto-cadeira-
arquiteto. Eu estava preso. Melhor! Estava acorrentado! Volto correndo para a
sala e vejo a cadeira no chão. Como a peça de Arrabal é repleta de jogos
entre os personagens, a pergunta veio na hora: "É outro jogo do Arquiteto?"
11
É bom lembrar que não é necessário toda vez que você for fazer uma cena que precisa demonstrar
raiva, a ação de chicotear, espernear, etc, precisa estar na cena. Esses exercícios funcionam para
você entender como expressar esse sentimento, o que logicamente abrirá caminho para outros.
Assim, depois de um tempo a expressão desse como de outros sentimentos estarão mais claros e
mais sinceros. Podendo ser expressos desde um ação de bater uma porta porque você saiu de cena,
até a ação de olhar para o colega de cena. Se eu usei a ação de chicotear em cena não é com o
objetivo de transformar os exercícios da bioenergética numa nova gramática gestual. O intuito foi de
evidenciar esses impulsos, escancarando eles fisicamente. A aproximidade dos exercícios da
bioenergética com a cena aconteceu porque o texto do Arrabal permite essa abertura.
97
Sim! Tentei acordá-lo. Então percebi que o matei. Lambi o dedo e apaguei o
nome na cadeira, cerimonialmente.
Fui para a parede do fundo e fiz a cadeirinha12. Desolado, ali
comecei o texto que havia memorizado:
"Construirei para mim uma gaiola de madeira..."
Repeti toda a cena. Senti que criei um fio narrativo interessante.
Senti necessidade de criar uma postura inicial para o Imperador.
Uma espécie de apresentação daquela figura. Batendo os pés no chão e
puxando os testículos para cima, peito inflado como militar. Realizei a
sequência de movimentos que terminava numa postura bem específica: o
caráter rígido da teoria de Wilhelm Reich.
O TIPO RÍGIDO
1 - Distorções principais
- curva do corpo para trás;
- o pescoço e o ombro são rígidos e o peito é tirado para fora.
2 - A imagem que se ressente
- o corpo parece teso exprimindo uma espécie de desafio, uma
preparação à agressão.
3 - Experiência vivida pela pessoa com estas características
- ressente frustações, pois julga-se constantemente face a um
clima de hostilidade;
- deseja afirmar-se pelas suas opções, procurando ser
admirado;
- tem dificuldade em se relaxar. (RODRIGUES, 1982, p. 34-35)13
verdade dele aos poucos: está sozinho na ilha. "Firmar o pé é, para ele,
reconhecer que está ficando louco? Talvez. Não sei." Pensei em fazer essa
cena até cansar ou cair no chão. Isso poderia levar um bom tempo. Não sei.
Algo para se pensar. A cadeirinha cansa as pernas para mim também.
"Acorrentado. Enfim só!" Uma boa deixa textual para começar a
correr ainda amarrado pelo calcanhar na cadeira. Corri na volta dela.
Gritando de felicidade o texto do Arrabal. "Estou só, posso fazer o que
quiser, inclusive cantar uma música gaúcha14." Me deu vontade na hora. A
felicidade me fez cantar um refrão de uma música de Lisandro Amaral,
cantor tradicionalista gaúcho. Virei a cadeira, depois de repetir a cena, e a fiz
de cavalo. Assim, a cadeira que era uma cadeira, passava a ser o Arquiteto e
agora um cavalo. É difícil estar em cena sozinho e manter essas trocas de
imagens. Isso fazia me sentir que estava conquistando territórios na cena.
A cena seguinte da "circunferência do raio da prisão"15 não consegui
achar um modo de fazê-lo. O trecho é o seguinte:
14
Aviso para o leitor que nasci em Pelotas no Rio Grande do Sul e fui criado numa cidade do interior
do estado. Frequentei durante muito tempo Centro de Tradições Gaúchas. Por isso não me soou
estranho essa memória ter surgido.
15
"Assim também deve guiar-se o ator, não por uma infinidade de detalhes, mas por aquelas
unidades importantes que, como sinais, demarcam o canal para ele e o conservam na linha criadora."
(STANISLAVSKI, 1979, p.140)
99
com um tecido. Uma relação de afeto, sensível. Acredito que aqui cabe. Mas o
que? Que objeto? Como compor com a cena toda? Segui trabalhando.
Falar com o "lá fora" da sala quando o Imperador chama o
Arquiteto me pareceu interessante: o círculo de atenção se ampliava. Há um
mundo lá fora. "O que tem lá? O que os agrada? Porque o Imperador sai pela
porta? Porque o Arquiteto estaria para aquele lado?" Essas possibilidades de
leitura me agradavam.
Na cena da "Rotina" resolvi trabalhar com o movimento da pelve.16
16
Resolvi manter essa parte que fala sim de uma tentativa de pegar um movimento da bioenergética
e inserir ela na cena. Foi um fracasso obviamente. A cena é muito maior do que essa simplista
transposição. Mas fez parte do trajeto e foi importante para entender que nesse sentido a
bioenergética não serve para um processo de criação em teatro. Claro, há aquele dado que falei
antes de os exercícios da bioenergética nos fazem estar mais sensíveis aos processos energéticos e
de auto-expressão que vivemos. Isso auxilia na criação, mas só se o ator estiver conectado a esses
processos internos que se relacionam com o externo. Por isso que me inclino muito mais a pensar a
bioenergética como lugar de preparação para o ator, como investigação de si, do que como uma
manual para criação de partituras. A bioenergética abre as portas e as janelas da casa apenas. O
dono da casa que escolherá como será os móveis, a pintura das paredes, a disposição dos cômodos,
etc.
100
17
Aqui me questiono: até que ponto nós não ficamos presos a certos discursos? Será que em alguns
momentos eu me enrijeço por defender a bioenergética e por causa do Reich? Digo, o que aconteceu
aqui não foi forçar uma barra? Esses momentos de certas formas são importantes justamente por me
fazerem levantar essas perguntas e ter mais calma, mais atenção nos caminhos e escolhas que eu
faço.
101
Existe na justiça moderna e entre aqueles que a distribuem uma vergonha de punir, que
nem sempre exclui o zelo; ela aumenta constantemente: sobre esta chaga pululam os psicólogos e o
pequeno funcionário da ortopedia moral.
"Vigiar e Punir" de Michel Foucault
18
Intercalo entre os relatos algumas reflexões que realizei durante este trabalho com a bioenergética.
19
Dentro dessa polaridade que estou trabalhando há inúmeras outras. Ao ponto de ser necessário
criar outras para minimizar esta. O texto dramático de Fernando Arrabal permite que olhemos para
esses dois personagens, essas duas polaridades, não como algo estático, mas que é maleável, que
se transforma, transita, se apaga.
102
20
Fernando Arrabal não é o único a apresentar esses jogos e potencialidades em sua dramaturgia.
Jean Genet com suas peças como "O Balcão" e "As Criadas" também evidencia esses jogos das
máscaras sociais e a busca de uma inquietude de si, digamos. Na peça "As Criadas" de Genet, por
exemplo, as personagens Clara e Solange não conseguem decidir se matam ou não a Madame,
justamente por saberem que se matarem a sua patroa, elas deixaram de serem criadas. O que elas
abominam, mas que ao mesmo tempo são o que elas são.
104
Relato 2:
21
Ressalto que o movimento plasmático, o trabalho de espernear, de enraizar, não é seguido na cena
como uma transferência de movimentos e posturas da bioenergética para a cena, já falei sobre isso.
Aqui é uma tentativa de se utilizar da lógica desses exercícios e se utilizar como mote para
exploração de movimentos para a cena. Criar uma movimentação que aqueça o corpo, que faça
circular muita energia por uma movimentação forte e depois suspender o corpo, deixando a energia
tomar conta do espaço, é pensar numa dramaturgia voltada a questões energéticas.
108
22
Isso não é uma regra de trabalho. Durante minha trajetória realizei vários tipos de procedimentos
de aquecimento e de trabalho atoral. Desde aqueles onde a estrutura e o tempo de alongamento
eram seguidos rigidamente, até mesmo trabalhos em que se entrava diretamente na cena. O que
prezo dentro de meu trabalho, ainda mais quando estou sozinho numa sala, é como ativar as
energias necessárias para uma criação artística. Não é uma atividade para alongar as costas
primeiramente, embora isso possa ser necessário, mas é criar essa disposição atoral que está além
de um dia ruim de cansaço, de estresse, de preguiça, de desmotivação, etc. Trabalhar sozinho é
vencer alguns inimigos invisíveis e certas formas de auto sabotagem.
23
STANISLAVSKI, 1979, p.73-75.
109
24
Lembro aqui de algumas práticas somáticas cujos exercícios partem de uma escuta corporal. O
objetivo deles é deixar-se levar pelas vontades do corpo e não impor formas ou expectativas de
movimentação. Esses tipos de exercícios nos aproximam dos impulsos de movimentos e das
correntes energéticas do corpo. O caminho aqui é de uma escuta já dita antes no texto.
25
Mantenho essa parte no texto para evidenciar essas partituras que surgem no trabalho corporal,
mas que não fazem parte da estruturação final da cena, pelo menos não diretamente. Esse caso é
um exemplo desses materiais que surgem durante processo e do qual os espectadores não tem
acesso. Novamente, essa pequena partitura de movimento não foi utilizada diretamente na cena, no
entanto ela não só foi importante para o trabalho como demonstra essas experimentações que vão
fazendo o ator se aprofundando nos caminhos que surgem no processo criativo.
110
bate nas minhas costas. Bato na cadeira e a corda bate em mim. Fico mais
furioso por causa disso. Paro. Meu corpo está suando. O desenho do pênis na
cadeira, onde eu bati sem parar, está praticamente apagado.
Decido manter essa cena pelo grau de violência que há no uso de
poder contra o impulso sexual (analogias que vou criando). É a moralidade
versus o impulso orgástico. Cuspo na cadeira, piso nela. Acredito que isso
seja demais, mas não paro a ação, pois não posso ficar nessa categoria do
que é demais26. Talvez isso me leve a algo interessante. Aliás, se estou
sozinho na sala de trabalho, o que seria demais? Porque penso que uma ação
é demais, sendo que estou pesquisando? Porque trancamos os fluxos com
nossos pensamentos?
Paro o relato para abrir uma reflexão. Claro que alguns fluxos
também não se seguem por causa de músculos tensos, no entanto, como
criar com liberdade? Sinto que algumas noções que aprendi na minha
formação como a da atenção e da presença me fazem ficar, às vezes,
prisioneiro de certas formas de pensar/agir. Há um modo certo de atuar?
Que expectativa é esse que crio?
Estou tentando não cair num lugar de adestramento de novo, que
eu não me subordine por tentar escapar de uma outra questão. A noção de
escuta por exemplo: até que ponto esse abrir-se para o outro não pode ser o
medo de uma instabilidade, de uma inadequação? Penso que ao ler Reich
aprendo que as estruturas são importantes, mas que podem pender apenas
para as suas funções. Nos levando a uma certa rigidez. O trabalho do ator
guiado por essas abordagens reichianas tendem a nos pensar no fluxo, na
dinâmica, no movimento e não no estático, no fixo. O teatro por si só
apresenta essas duas facetas, obviamente. Mas essa investigação inicial, esse
processo de criação, deve ter o impulso da vida: preservando o movimento
espontâneo.
26
A minha dificuldade aqui é desvelar o processo criativo, por isso que quando digo "na categoria do
que é demais" estou explicitando uma necessidade de não criar barreiras tão rapidamente num
processo de investigação. Claro que a fronteira de se machucar seriamente ou de ferir alguém tem
que ser clara. No entanto, gosto de pensar que é mais fácil fazer cortes e diminuir intensidades do
que o inverso. Deixar-se ir sem preconceitos e moralismos pessoais numa criação de cena pode ser
muito enriquecedor.
112
27
Essas imagens advém de uma pesquisa individual sobre a obra de Fernando Arrabal: leitura do
texto dramático "O Arquiteto e o Imperador da Assíria"; de outras obras do movimento pânico; de
filmes de Arrabal e de seus colaboradores, como o Jodorowski; de imagens de outras montagens
teatrais das peças do "O Arquiteto e o Imperador da Assíria", etc.
113
Observações:
Pensei, no ensaio hoje, que os exercícios de bioenergética são um
modo de abrir os poros no corpo. É como se abrisse uma porta para um lugar
em que você quer usar tudo o que tem ali. Claro que há limites de contato e
de contágio. No entanto, os exercícios da bioenergética, que coloquei em
algumas cenas e fui transformando, me impulsionam para uma qualidade de
energia, uma necessidade de agir. Mas não acredito que essa transposição de
exercícios direto pra cena seja o caminho certo. É até mesmo limitador. Foi
apenas uma tentativa de pesquisa.
A bioenergética serve muito como preparação do ator, como
exercício de si, de propriocepção e aprofundamento da respiração. Ao
realizar esses exercícios a energia do corpo se modificava e a do espaço
também. Está num outro lugar o trabalho com a bioenergética. Porque sinto
que esta postura, essa ação, essa energia, essa maneira de se portar é ridícula
ou desconfortável? Quanto de moralidade, de preceitos, ideologias do ator
interfere na cena? Porque é estranho falar desse modo e estar agindo assim?
Como sentir, ao mesmo tempo, que isso tudo vive em mim?
O ridículo, por exemplo, pode ser um desses lugares de acesso, de
estar num lugar que não é meu. Talvez deva acrescentar “em outros lugares”.
Como no começo da cena, em que poderia haver uma dança inicial. Eu
dançando como uma bailarina de forró, de cabaré. Que distância isso tem de
mim? Essa diferença de movimento, de tônus, de contexto, permitirá que eu
me coloque em outro? Mais um ponto: quando grito "Arquiteto!" tenho que
realmente sentir que o Arquiteto é a última pessoa da terra além de mim!
Ficarei sozinho se ele se for. Como falar isso? Como passar essa sensação de
medo de ficar sozinho, de ser esquecido, de enlouquecer, de deixar de existir
pela falta de outro? Mas isso é teatro e não bioenergética!
114
O prazer e a criação
Para se chegar a uma forma, a uma postura "x", a uma ação, a um tom de
voz em uma construção de cena, o ator precisa gastar ou chegar a outros níveis de
energia. Apresentei, durante uma temporada na cidade de São Paulo, uma obra em
um espaço alternativo muito grande28. Quando estamos em um espaço amplo, até
em momentos em que o personagem tem que sussurrar ou está triste,
inconformado, etc. mesmo quando as ações parecem ser mais contidas, o
movimento corporal e a voz devem estar ampliados; e adequando-se às
necessidades espaciais. Foi o caso nesta temporada: as ações, os movimentos e as
energias que eram trabalhadas não tinham nada de cotidianos.
O teatro, para mim, é um acontecimento que deve ter uma centelha de
29
vida . Mas ela não é a vida. É uma expressão artística dela. Com poder de síntese
de uma ideia, de uma situação, de uma imagem. Para essa criação é preciso ter um
norte, um mote para trabalhar. No meu caso, é a ideia de perigo que se apresenta
como um dos caminhos. Penso que em uma peça teatral, alguém deve sair ferido.
Não fisicamente, mas é preciso haver um enunciado de vida e de morte no espaço,
para que essa arte gere desconforto30. Isso me lembrou uma pintura de Magritte
chamada "A tumba dos lutadores".
28
A obra a qual me refiro é "Diásporas" com direção de Marcelo Lazzaratto. Ela ficou em cartaz no
Sesc Pompéia durante os meses de maio e junho de 2017. O espaço em questão tinha capacidade
para 600 pessoas e o palco ficava no meio do teatro, como se fosse uma passarela.
29
Essa ideia está muito presente no livro "A porta aberta" (2010) de Peter Brook, que usei como
referência ao longo desse texto.
30
Essa é uma das tantas possibilidades de se fazer ou de se apreciar uma obra de arte. A gama de
produções de teatro contemporâneo é enorme. Seria muita pretensão minha diminuir todas essas
criações em apenas um fator ou vetor de concepção teatral. Novamente, o que exponho aqui é uma
visão particular que não abrangerá todos os pensamentos a cerca do fazer teatral.
115
Essa pintura me instiga a pensar que o prazer está ligado ao ato de criar.
Pensando no quadro acima: de que adianta ter uma grande rosa dentro de seu
quarto, se o mesmo está prendendo-a? Se nem a janela está aberta, não há sequer
uma corrente de ar e as cortinas estão paradas; quanto tempo essa flor tem de vida?
O teatro é um lugar de onde alguém deve sair ferido, visto que, para realizar o meu
desejo, eu preciso me movimentar e lutar por ele. Isso me expande ao ponto de
quebrar janelas, portas e paredes que me prendam. Essa sensação é prazerosa e
não quer dizer que todo o processo de criação é uma dor ou que tenha que passar
por uma crise profunda.
Se tivesse que dar nome a essa sensação de criação chamaria de
erotismo. O perigo do qual falei inicialmente se nutre disso. "Do erotismo é possível
dizer que ele é a aprovação da vida até na morte" (1987, p.11), diria Bataille na sua
obra "O Erotismo". Não estamos no campo da experiência ligada à vida e à paixão.
Estamos falando de uma ação que é violenta porque viola o nosso íntimo e nos toma
de consciência.
31
"Se eu tivesse que expressar tudo isso numa frase só, diria que se trata de um problema de dar-se.
Devemos nos dar totalmente, em nossa mais profunda intimidade, com confiança, como nos damos
no amor. Aí está a chave. A autopenetração, o transe, o excesso, a disciplina formal - tudo isso pode
ser realizado, desde que nos tenhamos entre totalmente, humildemente, sem defesas.Este ato
culmina num clímax. Traz alívio. Nenhum desses exercícios nos vários campos do treinamento de
ator deve ser de superfície. Deve desenvolver um sistema de alusões que conduzam a um ilusivo e
indescritível processo de autodoação." (GROTOWSKI, 1987, p. 33).
32
"A pessoa enraizada pensa com o corpo todo, seus sentimentos e sensações participam
fortemente de todos os pensamentos. O termo understanding [entender] é uma expressão linda, pois
denota que o pensamento do indivíduo se baseia em seus sentimentos e sensações, assim como
advém deles, de sua sensação de conexão com a Terra e suas criaturas. Não é uma maneira egoísta
de pensar, focalizada basicamente no eu, mas sim no nós. É o que temos em comum com nossos
semelhantes que nos torna verdadeiramente humanos. Enfatizar a diferença resulta em perder a
sensação de vinculação, que é um atributo do enraizamento na realidade" (LOWEN, 2007, p.164)
117
33
Alguns dos exercícios eu realizo desde os anos que estive em Pelotas/RS. Quando ingressei no
mestrado me deparei com outros escritos de Lowen e dos estudos somáticos. Ainda hoje realizo
esses exercícios diariamente e antes de ensaios no meu grupo Os Barulhentos (SP).
119
34
"Não me entendam mal. Falo de "santidade" como um descrente. Quero dizer: uma "santidade
secular". Se o ator, estabelecendo para si próprio um desafio, desafia publicamente os outros, e,
através da profanação e do sacrilégio ultrajante, se revela, tirando a máscara do cotidiano, torna
possível ao espectador empreender um processo idêntico de autopenetração. Se não exibe seu
corpo, mas anula-o, queima-o, liberta-o de toda resistência a qualquer impulso psíquico, então, ele
não vende mais o seu corpo, mas o oferece em sacrifício. Repete a redenção: está próximo da
santidade." (GROTOWSKI, 1987, p.29)
120
Entendo que tais práticas criam certa tensão dentro do trabalho atoral ou
do grupo. Fiz uma peça que tinha em cena 10 atores35 e nunca houve um sentimento
de união nesse coletivo. Havia rupturas entre nós, distanciamentos que apareciam e
se evidenciavam em cena. Em um dia de apresentação um dos atores machucou a
perna em cena aberta, tendo que sair carregado. A apresentação continuou e foi a
primeira vez que o coletivo se uniu, que havia uma força interna surgida daquele
acontecimento de tensão e ausência, que fez todos estarem juntos. Parece que a
situação fez com que os atores percebessem que o "euzinho" de cada um era bem
menor do que a peça teatral e o próprio fazer artístico.
Claro que esse é um ponto de vista sobre o trabalho atoral, mas me
aproximo dessas práticas, que não são só um processo de subjetivação, e sim uma
dessubjetivação também (QUILICI, 2015). Falei durante o texto sobre a dicotomia
corpo/mente e afirmo agora que a sua conexão deve ser construída, porque ela não
é dada. Nós somos culturalmente ensinados que há essa "diferença", uma distância
entre essas duas instâncias.
Lowen afirma que o passado é o nosso corpo e é nele que está a nossa
alma36. O corpo é a materialidade que nos liga à vida e à natureza. Durante a nossa
formação, passamos por inúmeras etapas de desenvolvimento que estão
conectados à própria vida da Terra. O corpo está sujeito às leis da natureza e a
morte seria o máximo dessa ligação. No entanto, em nossa cultura ocidental o corpo
natural é praticamente depreciado. O que é valorizado são padrões de beleza
vigentes, de formas de se portar, etc. A mente consciente do homem pode ser a
principal diferença entre nós e os outros mamíferos. Dominamos os outros animais,
os tratamos com desprezo e estupidez, ao ponto de, em uma parte da história da
civilização, negarmos o nosso corpo porque justamente era a nossa parte "animal",
"instintiva"; ao contrário da mente. Seguindo essa tradição de pensamento, Lowen
fala:
35
Pelo teor de tensão entre os atores prefiro não mencionar o nome do trabalho.
36
Olhar a definição nas páginas 69-70 desta dissertação.
121
que, ao mesmo tempo em que trago essa ideia de corpo-couraça, tenho consciência
de não basta desmembrar-se das máscaras e da couraça, mas prestar atenção às
qualidades de relação com o mundo que essas experiências vão criar 37.
O corpo-palimpsesto, para mim, é uma imagem muito cara, pois acredito
piamente que é possível adentrar às nossas escrituras e "encontrar" lá as sementes
que estão sendo cultivadas. Por isso esse "refazer" o corpo pode ser lido como
evidenciar o movimento espontâneo da vida ou flagrar seus momentos de
dificuldades (como a estase). Não é um refazer no sentido de que o que havia antes
era ruim ou não servia, mas falo sim ligado à necessidade de encontrar um novo
vigor ou buscar recupera-lo em si, e dar uma nova organização às ações, aos
movimentos e à energia. E porque não um tornar a fazer? Estou falando tendo
sempre em mente um processo de criação. É necessário rigor e repetição das
nossas ações, justamente para poder manter a organicidade, a vivacidade da
cena38.
É na obscenidade (BATAILLE, 1987) que a arte corre os riscos
necessários e não os desnecessários. Enfrentar as nossas máscaras que nos
constituem é um risco necessário. Vamos pensar isso a partir da obra do "Arquiteto
e Imperador da Assíria".
37
Ou mesmo que já criaram. Como venho afirmando ao longo do texto não podemos negar aquilo
que somos, o nosso passado, nossas experiências, a formação na qual passamos, o lugar em que
fomos criados, etc. Tudo isso nos compõem de uma maneira muito forte e que não podemos negá-
las. O jogo de afirmar, de negar, de evidenciar, de proteger, de revelar, de reler, etc, é o que torna
esse trabalho rico e profícuo.
38
Antes afirmei que a estrutura, dentro da visão reichiana (1975), poderia fazer com que pensemos
ela como limitadora ou que evidencie uma função específica. No entanto, Reich também afirma que
são essas estruturas, de caráter por exemplo, que fazem com que nos identifiquemos e que os outros
nos identifiquem. Devemos ler essas formas de leitura sobre forma e conteúdo, sobre prisão e
liberdade de si, de uma maneira que não torne raso o estudo. Manter-se conectado com a cena
teatral e as infinitas possibilidades que há nas nossas capacidades de criação artística é um ótimo
exercício para não se endurecer discursivamente.
123
tão confortavelmente de mim? Parece que ele foi criado dentro de mim ou à minha
volta, seja pelo vício da projeção, seja pela ideia de que a mudança se inicia "lá"
(externo) para depois chegar "aqui" (interno), ou por inúmeros objetivos,
incalculáveis artifícios, etc. numa cultura que tenta a todo custo manipular o tempo,
modificar o espaço, agir para impor algo ou para que algo aconteça.
A reflexão segue porque o Imperador que há em mim, mesmo agindo de
forma que altere o exterior, afeta mais fortemente o “eu”.
39
GROTOWSKI, 1987, p.15.
125
40
O trecho aqui é composto pelas falas da peça e as rubricas são minhas anotações da cena criada
na disciplina de "DramaturgiaS" do programa de Pós-Graduação da Unicamp. O recorte da peça
inserido aqui se refere à cena final do Quadro I do Ato II (ARRABAL, 1976, p. 121-123).
126
Relato 3:
1
Alguns dos exercícios já foram descritos em outros momentos de meu texto. Outros podem ser
encontrados nas próprias referências que menciono neste trabalho.
129
2
Não usei durante o processo músicas. Sempre que realizava exercícios e pesquisas desse tipo me
mantinha no silêncio da sala. A opção aqui foi ampliar a escuta do movimento e que a atenção
ficasse voltada à relação do que eu fazia com os objetos, com o espaço, etc. No entanto, acredito que
a música pode ser um elemento muito potente na criação. Ela pode determinar qualidades de
movimentos, de imaginário, de intenções, e oferecer desafios ao ator. Assim como pode estimular a
escuta. Não só a auditiva, mas essa escuta integral em relação aos movimentos, aos gestos, ao jogo
com o ritmo da música - seja a favor ou contra -, etc.
3
Durante a escrita fui percebendo que não realizava algumas possibilidades de trabalho com os
materiais. Às vezes estamos em um fluxo de trabalho no qual não conseguimos fazer uma pausa
para pensar melhor sobre as ações feitas. A distância é um ótimo amigo da pesquisa em certas
ocasiões.
130
4
Experimento poético realizado no Núcleo de Teatro da UFPel em Pelotas-RS no período de 2011 a
2014, com direção de Adriano Moraes de Oliveira. O interessante aqui não é falar sobre o
experimento em si, mas de como as memórias daquele processo, das apresentações que realizei,
das imagens que construí e que estudei retornam em certos momentos. Foi uma surpresa boa que
aconteceu no dia em que essa memória me tomou. Brinquei um pouco com ela e pude relembrar toda
a minha trajetória até aqui. Não devemos esquecer o nosso passado e nossos esforços para estar
aqui.
131
5
Sempre que vou me "aquecer" ou conduzir um aquecimento para uma prática teatral, me pergunto:
"O que devo aquecer? E para o que?" Isso sempre me ajudou a rever minhas atividades pré-ensaio.
132
voltava à posição de antes. Uma mão desce, passando pelo corpo: peito,
estômago, umbigo, entra pela calça, toca o sexo... Sobe rapidamente até o
nariz e inalo o cheiro da mão: "Aí está sua mulher." Fecho os olhos. Tampo a
boca com as mãos para não falar. O texto segue.
Repito tudo, desde o começo. O início da cena toda não me agrada.
Sinto uns momentos de galope na cena. A imagem inicial de apresentação do
Imperador está legal, os movimentos do corpo para os quatro lados, acho
que fica interessante. Tira de um lugar da espera do texto do arquiteto etc.
Criar surpresas, sabotar expectativas, isso é um bom caminho para criar
ações. Gostei de usar a ação de arrumar o cabelo como se eu fosse o Reich,
que tem a cara do Imperador, para mim. Essa ação pode aparecer em outros
momentos da cena. Arrumar os cabelos: estirar o cabelo para cima, quanto
mais faço isso, mais o rosto se abre e o olhar também. Dar uma lambida nas
mãos que formam o cabelo. Como se montasse os cabelos com as mãos, em
vez de usar uma peruca.
Segundo ponto: bater as mãos antes de chamar o Arquiteto. A
referência aqui são as batidas de palmas antes de uma sequência de
movimentos da biomecânica do Meyerhold. Amarrei o pano na altura dos
mamilos, isso me deu uma sensação de estar usando um vestido, que me foi
bem visto, já que dá um ar de "sensualidade" ao Imperador. De novo: lembrar
de fazer os cabelos da mulher antes de dançar, como na cabeleira de Reich.
Depois fazer a ação de pegar a cadeira, desenhar na cadeira,
amarrar ela, puxar e bater na mesma. Não sei até que ponto isso me
interessa. As ações em si me parecem um pouco forçadas, no entanto, a
agressividade gerada, a violência explícita, o bater no desenho do pênis na
cadeira me agrada muito como síntese de uma repressão do poder da razão
sobre o poder os impulsos. A energia produzida e a intenção são fortes, a
ação que não me agrada. Como proceder em momentos assim?
Acho que o tom da cena do acorrentado, do raio e da circunferência
e o jeito de fazê-las me fazem ter a sensação de que estou forçando um jogo
que não funciona. "Vou seguir fazendo-a. Talvez não tenha achado o tônus
adequado. Até que ponto devemos abandonar uma ideia ou trabalhar para
que ela funcione?" A cena do estupro ficou melhor. A configuração dela em
134
choque com o chão, do sentimento que vem à tona. Se você fizer esse exercício,
saiba que é muito comum chorar pela descarga energética que ele propõe.
Temos medo de nos entregar a aquilo que é próprio do homem, aquilo
que nos é interno. Os movimentos sociais que a nossa sociedade promove
A nossa vida, essa que vivemos hoje, nesse mundo, nessa sociedade que
construímos, impede que esse despertar seja vivido. Ele é perigoso. Quando o
Imperador chega à ilha, caindo de seu avião, é como se ele tivesse a oportunidade
de refazer o seu mundo em um novo lugar. É nesta ilha que vemos os dois
personagens representantes da humanidade: seja na psique fragmentada do
Imperador, até a leitura arquetípica do Arquiteto. Ele é o personagem que está
envolvido com o mundo, tornando-se uno. Vive com os animais em uma juventude
eterna, sendo que uma de suas primeiras ações, na peça, é esconder-se enfiando a
cabeça na areia. Ele possui uma espécie de conhecimento que lhe é próprio, uma
maneira peculiar de acessar saberes que foi adquirida pela vivência e pela relação
que tem com o mundo, incluindo o próprio Imperador. E isso, para o Imperador, é de
difícil compreensão.
outros e das relações que se estabelecem. No entanto, é este homem neurótico que
procura, de todos os modos, achar uma cura.
O Imperador não abre mão da referência que tem de mundo. Cria na ilha
um novo modo de lidar com as suas frustrações, com seus sonhos e fantasias. No
entanto, é o homem frustrado. Ele é incapaz de criar, de imaginar uma outra
situação para se viver. Utilizando referências que tinha no mundo civilizado da
Assíria, ele não só reconhece os crimes que cometeu, como impõe ao Arquiteto que
o julgue, que o condene e o execute.
Reich nos faz estar entre os dois personagens. Tendemos, em alguns
momentos de nossa vida, muito mais para o lado do Imperador do que do Arquiteto,
é verdade, mas há esse exercício diário de levar adiante o compromisso com a arte
e consigo próprio sem endurecer. Em meus relatos é possível notar uma certa
abertura para os erros, para as dúvidas, para o lidar com certos problemas de uma
maneira tranquila e ter consciência de que é necessário pesquisar e refletir sempre.
Ao mesmo tempo, deve-se deixar que as coisas aconteçam. Claro que cada
processo é um processo. Em certos casos devemos criar uma cena rapidamente e
nos utilizamos de nossa experiência para isso, mas, se temos tempo para pesquisar,
para processar, porque não deixar-se levar nessa cadência? A paciência e a
atenção são duas amigas do teatro e do trabalho em bioenergética. O corpo é como
um mosaico de sensações/emoções. Dependendo de como e onde somos tocados,
surgem as mais variadas ações ou respostas.
No entanto, nós não nos abrimos para isso. Estamos enclausurados na
figura do Zé Ninguém, uma figura que espera dos outros uma resposta, uma atitude
para mudar a sua vida, para criar. Entretanto, no teatro isso é muito complicado. O
ator deve entrar em cena e realizar a sua ação, não há como outro fazer isso por
ele. E se o ator não fizer isso com toda a sua vontade, com total doação de si,
estaremos diante de alguém que pode estar com a atenção voltada para outro lugar.
140
Por esse motivo, não podemos inferir sempre que o impulso é importante
no ato criativo, que a espontaneidade é genuína. Por mais que o impulso venha do
interior da pessoa, uma manifestação direta, ele pode ser o reflexo de um padrão de
comportamento, um hábito. Então, não podemos confundi-lo com a expressão de
um bloqueio. Essa "falsa" espontaneidade seria a manifestação de uma energia
presa. A repetição de exercícios, de movimentos, de alongamentos no teatro tem
justamente esse objetivo: ultrapassar essa primeira camada de proteção de
sentimentos e manifestações mais ricas e sutis.
A imagem e a sensação do prazer são fundamentais porque são o
elemento-chave da autoexpressividade. A sensação agradável que temos no prazer,
independente do ambiente externo, é que nos faz perceber que a auto
expressividade está relacionada à ação que realizamos em si, não importando tanto
141
jarro,ou de qualquer outra forma? Que relação podemos pensar entre esses
conteúdos e formas?
O trajeto melhor seria desaguar a ÁGUA / ELEMENTOS / SENSAÇÕES
do jarro de maneira fluida, o que não quer dizer monótona ou linear, mas VIVA. É o
trajeto, o percurso, a prática e os encontros que estabelecem os conceitos. O
caminho, dessa forma, não fica preso a um conceito, mas ao contrário: o conceito se
torna uma parada, um "congelamento" momentâneo do trajeto. É o caso do corpo-
couraça. Isso é um “paradouro” para mim: um local onde estaciono um tempo para
me abastecer, confirmar onde estou e seguir viagem mais tranquilamente.
O corpo é em si o inesperado, pois ele vai contra todas as ideias
preconcebidas de um ideal que está vinculado, em nossos tempos, a uma imagem
externa. É pelo corpo que experienciamos o mundo por diversos matizes, sendo que
muitos deles são contraditórios. O corpo se relaciona com o espaço e este com a
experiência. As experiências acontecem quando a gente não espera, não temos
esse controle. Até aqui, fiz uma assimilação entre a literatura da bioenergética e a
literatura do teatro. Lowen usa palavras como graça, graciosidade, beleza,
harmonioso etc. para falar dos movimentos corporais, do modo da pessoa se
expressar. Quando entramos no campo da arte, sabemos que algumas expressões
são bem questionáveis, principalmente quando falamos sobre o que é belo, sobre
beleza, por exemplo. O corpo não é uma máquina, ele reage de maneira sensível ao
seu meio. As sensações que sentimos são movimentos e/ou fluxos de excitação,
que nascem dentro de nós. O caminho que elas percorrem é do interior do
organismo até a sua superfície (como o movimento plasmático).
Com a bioenergética, pouco a pouco vamos reconhecendo esses trajetos,
esses fluxos de energia que se manifestam ou que têm a sua passagem bloqueada.
Quando nada os obstrui e esses fluxos chegam à superfície do corpo, então não só
os expressamos, como tomamos consciência deles ao ponto de dar-lhes nomes:
alegria, raiva, medo, nojo, compaixão, tristeza, paixão, remorso, etc.
Certa vez quando estava trabalhando com o corpo, senti uma onda
de excitação subindo pelo meio das costas até o pescoço. Percebi os
pêlos do alto das costas se eriçarem e então a onda passou pelo alto
da cabeça e desceu até os caninos. Senti o som de um rosnado se
avolumando em mim. Era uma onda de raiva animal profunda, como
um cachorro que arreganha os dentes e cujo dorso se arredonda
numa corcova de ataque. (LOWEN, 2007, p.144)
143
O dar-se conta desse fluxo é o que permite a sua repetição. Ou, melhor,
refazer o trajeto que levou a essa expressão. À semelhança de Artaud, que partia de
suas emoções e suas dores para compreender melhor aquilo que era humano,
Lowen, na fala acima, nos mostra que é possível e importante estarmos atentos às
nossas manifestações. Uma sala de trabalho teatral torna-se mais propícia porque
você estará investigando a fundo os movimentos e os fluxos. Você pode conduzir os
movimentos primeiramente, mas nunca terá controle quando esses fluxos
acontecerem pela primeira vez.
Um exercício interessante de se fazer é deixar que o corpo faça os
movimentos que deseja. Pode ser feito sozinho, mas acredito que a presença de
outra pessoa é fundamental. Nas primeiras vezes, é interessante ficar de olhos
fechados, isso aguça a escuta teatral, aquela escuta integral, do corpo, dos poros,
etc., a que nos permite estarmos abertos para o outro e para o espaço e, então,
deixar o movimento acontecer. Perceba (não com o pensamento racional, mas com
o do corpo) se quer levantar os braços, mexer o quadril, acelerar a respiração,
correr, esfregar-se no chão, etc. Pense que você quer abrir espaço para esses
microfluxos que temos no dia a dia, como, por exemplo, quando você está numa fila
de banco e tem vontade de espreguiçar a coluna, mas não o faz por falta de espaço.
Esse exercício segue a mesma diretriz, mas com espaço para poder se expressar.
O olhar do outro pode nos proteger de eventuais choques (no caso de nos
movimentarmos muito rápido e batermos na parede, o que é mais propício de
acontecer se estivermos trabalhando sozinhos, sem um olhar de fora, por exemplo)
e também para perceber qualidades de movimento, modos de expressar, tônus,
intensidades, etc. Esse exercício e tantos outros que passaram por esse trabalho
devem ser feitos com a atenção sempre aos fluxos que podem acontecer. Nossas
perturbações diárias, nossos medos, etc. impedem que esses fluxos aconteçam. Os
exercícios devem nos ajudar a recuperar esses caminhos que foram sendo
obstruídos.
São por esses caminhos que chegamos a aquilo que é mais íntimo, não
de nós, mas do que é humano. O personagem do Arquiteto é essa figura que é o
eterno, o arquetípico, o inconsciente coletivo, um ser atemporal e o Imperador, com
sua psicologia individual, é vinculado ao tempo cronológico (TAYLOR, 1984, p.44-
47). O Arquiteto é a superação da cisão entre natureza e cultura, entre o simbólico e
as forças vitais, ele é o homem aberto, permeável, pois se permite entrar em contato
com forças cósmicas que também o constituem.
COSMOS E ÁTOMOS
não há mistério na dita
força universal e eterna.
é igual e é a mesma que
te habita entre as pernas. (GAIARSA, 1982, p.13)
O Arquiteto não se julga sozinho. Ele está em contato com a ilha, com as
plantas, com os animais, com o Sol, com a noite. É a vinda do Imperador e a relação
que eles estabelecem faz com que o Arquiteto construa uma canoa e pense em ir
embora. O personagem Arquiteto é muito rico para ser trabalhado porque temos que
entrar em contato com certas fronteiras do humano: podemos lê-lo como outros
modos de ser, acessíveis ao homem. E, ao mesmo tempo em que isso acontece, o
Arquiteto não é o centro dos acontecimentos, ele é um modo de respirar com o
mundo.
Artaud (1996) enfatiza, em vários de seus textos, como o homem está
separado do mundo, no sentido de estarmos presos à cultura que criamos e às
diretrizes que dela nasceram. A figura da peste, então, seria "uma entidade psíquica,
e que não seria veiculado por um vírus" (1996, p.13). O Imperador seria tudo aquilo
que Artaud combate: essa ““consciência separada” que está na base dos sistemas
de pensamento e linguagens hegemônicos no Ocidente, expressando o sentimento
de impotência e revolta diante da nossa incapacidade de estarmos juntos à "vida"
(QUILICI, 2004, p.59)”.
Em Artaud, a palavra 'vida' tem um significado especial. Ela estaria indo
em outra direção que o pensamento "claro" e "discriminativo" no qual nossa
sociedade se baseia, pois a vida é dinâmica, irregular, informe. A "vida" para Artaud
145
7
Viver na contemporaneidade, ou melhor, ser contemporâneo é manter o olhar no seu tempo para
nele perceber, não as luzes, mas o seu escuro: "Todos os tempos são, para quem deles experimenta
contemporaneidade, obscuros" (AGAMBEN, 2009, p.62). O exercício de perceber esse escuro, que
abafa as luzes de nosso tempo, e interpretá-lo é um objetivo claro que proponho que realizemos nos
nossos cotidianos.
148
8
"1.Na Antiguidade, exaltação ou arrebatamento extraordinário daqueles que estavam sob inspiração
divina, como as sibilas, etc.; transe, transporte. 2. Veemência, vigor, no falar ou no escrever; flama. 3.
Exaltação criadora; inspiração, estro" (FERREIRA, 2009, p.768).
149
uma atenção sempre presente. Por causa dessa condição, sua forma torna-se
delicada, sua resistência não é durável. Ela tende a ser contingente, mas não
prolixa. É determinada pelo aqui-agora. Suas ações não se fixam em uma
continuidade amorfa: a dramaticidade está no envolvimento com o presente,
com a vida. Esta dinâmica é envolvida por movimentos, rupturas, silêncios,
espasmos, etc. O tônus é dado pelo desequilíbrio.
O ator aqui é desfragmentado. Ele é o espelho desses homens
contemporâneos que
O ator age no palco como se estivesse pedindo para ser salvo. Ele está
se destruindo. Ele evidencia o terror que é não poder voltar no tempo. Cada
gesto feito é uma inscrição no espaço, seja qual for a sua potencialidade. E
como tem história esse gesto! O ator é uma pessoa que carrega os nossos
mortos e o nosso imaginário junto a si, no paradoxo de que nunca terá total
consciência do peso de sua ação e do alcance que ele tem: isto seria
impossível. No entanto, o engajamento, o envolvimento tem que ser sempre o
máximo. É preciso crer que as ações que realiza findam toda a história que
havia antes. A ação do ator é a concretude do finito.
Mas como falar de algo que é incontável? O ator tem a possibilidade
de experimentar o fato de que todos vamos morrer. Porque é no teatro que
operam essas imagens que fazem parte do grande reservatório da
humanidade9, que nos ligam a essa memória anterior a nós mesmos. Pela
história de meu corpo correm mortes e vitórias, longos anos de espera e uma
paixão incontrolável, o olhar abismado pelo condor que cruza o céu e esse
sangue que escorre pelo meu rosto após mais uma batalha pela liberdade...
As imagens surgem e eu vou me sentindo mais conectado à vida.
A bioenergética permite que eu me perceba com o outro. Que esses
sentimentos e essas emoções são constituintes do que me torna eu, que me
torna finito. Pois sou um eterno estrangeiro, no palco me encontro. É ali que
deixo de ser o eterno imigrante e emigrante de mim mesmo. É ali que passo a
acreditar que não vim ao mundo por acidente e nem que o deixarei a esmo.
Sou essa ressonância atemporal daquilo que nos trouxe até aqui.
poética dentro da rigidez que vive o nosso tempo. Essa abertura, que não
acontece só no ator como na revelação daquilo que é essencial10, que invade a
imaginação do espectador (a plateia, o colega de cena, o próprio ator),
apresenta novas formas de ser e de agir no mundo.
As novas categorias de ser, as quais já mencionei, não têm a ver
com apresentar novas maneiras éticas de lidar com o mundo e criar uma
cartilha de como devem ser o homem e a mulher do futuro. Elas implicam
nesta necessidade de instalar-se, de estruturar-se, de afirmar que nos
encontramos no território do ESTAR. Somos seres comprometidos com a
ação. Causa e efeito: operar na incerteza e na crença do que se faz.
O corpo-couraça é erótico porque evidencia esse desmembrar-se,
esse desejo de ir a fundo em uma emoção e procurar como ela nasce, qual a
sua força de ação, de violência, de amor com o outro. Não se fechar em si,
mas abrir-se. O desnudar nos faz encontrar a morte. "A morte abre para a
negação da duração individual" (BATAILLE, 1987, p.23).
Pelo fato de desvelar esse segredo que faço teatro e que aposto na
bioenergética. Ela coloca em nossas mãos aquilo que põe o nosso ser em
questão. No teatro evidenciamos isso. Não entregamos nada “na bandeja”
porque revelações desse tipo não podem ser dominadas e nem supor quando
irão acontecer.
Porém, posso dizer que, no teatro, isso pode acontecer através da
ação do ator, de seu trabalho de abrir-se e oferecer-se ao outro.
Compartilhando a morte, a crueldade, ao mesmo tempo que revela, em força
bruta de exercício de lapidação, a Vida.
10
GROTOWSKI, 1987.
153
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS11
11
Baseadas na norma NBR 6023, de 2002, da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT).
154
Artigos
BONFITTO, Matteo. Do texto ao contexto. In: Revista Humanidades. Brasília,
edição especial, n. 52, p. 45-52,novembro, 2006.
CÂMARA, Marcus V. Constribuições para a atualização da noção de corpo na teoria
de Wilhelm Reich pela ótica foucaultiana. In: Congresso Encontro comemorativo
do Centenário de Wilhelm Reich. São Paulo: PUC/SP, Agosto de 1997. Disponível
em: http://www.ifp-reich.com.br/site/publicacoes/contribuicoes-para-a-atualizacao-da-
nocao-de-corpo-na-teoria-de-wilhelm-reich-pela-otica-foucaultiana/, acessado dia
07/11/2016 ás 23:42.
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