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THEATRO JOSÉ DE ALENCAR 

CURSO PRINCÍPIOS BÁSICOS DE TEATRO – CPBT  


Segundo Módulo: Introdução à arte de representar  
Textos compilados 
 
➤ ​INTRODUÇÃO 
 
A  proposta teórica e prática aqui apresentada se fundamentam na compreensão 
tradicional  da  dramaturgia  teatral.  Essa  dramaturgia  segue  os  conceitos  ‘aristotélicos’ 
de  começo,  meio e fim; caráter, moralidade, encadeamento das ações em um crescente 
de conflitos, que atinge o ápice e resulta na catarse. 
Escolhemos  esses  conceitos  para  introduzir  os  elementos  da  dramaturgia  por 
considerar  que  o  enredo  das  grandes  tragédias,  do  drama  de  circo,  dos  folhetins 
exibidos  na  televisão  em  formato  de  novela,  são  próximo  de  nossa  compreensão  do 
que seja o “drama”. 
 
O  que  é  o  teatro?  O  que  é  o  ator?  O  que  é  o  personagem?  O  que  é  ação 
dramática? Essas são algumas questões que serão abordadas nesta apostila. 
 
Em  momento  posterior  passaremos  a investigar outros conceitos dramatúrgicos 
surgidos  a  partir  do  final  do  século  19;  quando  veremos  as  vanguardas  e  os 
reformadores  do  teatro  (BARBA).  Só  então,  seguiremos  na  investigação  para 
discutirmos o teatro contemporâneo e o conceito de ator/performer. 
 
➤ O QUE É TEATRO? 
O TEATRO É A PRIMEIRA INVENÇÃO HUMANA 
BOAL, Augusto. In: O arco-íris do desejo. Rios de Janeiro, Civilização Brasileira, 1996. 
 
O teatro é a primeira invenção humana e é aquela que possibilita e promove todas 
as  outras  invenções  e  todas  as  outras  descobertas.  O  teatro  nasce  quando  o  ser 
humano  descobre  que  pode  observar-se  a  si  mesmo:  ver-se  em  ação.  Descobre  que 
pode ver-se no ato de ver - ver-se ​em situação. 
 
Ao  ver-se,  percebe  o  que  é,  descobre  o  que  não  é,  e  imagina  o que pode vir a ser. 
Percebe  onde está, descobre onde não está e imagina onde pode ir. Cria-se uma tríade: 
EU  observador,  EU  em  situação,  e  o  Não-EU, isto é, o OUTRO. O ser humano é o único 
animal  capaz  de  se  observar  num  espelho  imaginário  (antes  deste,  talvez  tenha 
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utilizado  outro  o  espelho  dos  olhos  da  mãe  ou  o da superfície das águas - porém pode 
agora  se  ver  na  imaginação,  sem  esses  auxílios).  O  espaço  estético,  como  veremos 
neste livro, fornece esse espelho imaginário. 
 
Esta  é  a  essência  do  teatro:  o  ser  humano  que  se  auto  observa.  O  teatro  é  uma 
atividade  que  nada  tem  a  ver  com  edifícios  e  outras  parafernálias.  Teatro  -  ou 
teatralidade  -  é  aquela  capacidade  ou  propriedade  humana  que  permite  que  o  sujeito 
se  observe  a  si  mesmo,  em  ação,  em  atividade.  O  autoconhecimento  assim  adquirido 
permite-lhe  ser  sujeito  (aquele  que  observa)  de  um  outro  sujeito  (aquele  que  age); 
permite-lhe  imaginar  variantes  ao  seu  agir,  estudar  alternativas.  O  ser  humano  pode 
ver-se  no  ato  de  ver,  de  agir,  de  sentir,  de  pensar.  Ele  pode  se  sentir  sentindo;  e  se 
pensar pensando. 
 
Um  gato  caça  um  rato,  um  leão  persegue  sua  presa,  porém  nem  um  nem  outro 
são  capazes  de se auto observarem. Quando, porém, um ser humano caça um bisonte, 
ele  se  vê  caçando,  e  é  por  isso  que  pode,  pintar,  no  teto  da  caverna  onde  vive,  a 
imagem  de  um  caçador  -  ele  mesmo  -  no  ato  de  caçar  o bisonte. Ele inventa a pintura 
porque antes inventou o teatro: viu-se vendo. Aprendeu a ser espectador de si mesmo, 
embora  continuando  ator,  continuando  a  atuar.  E  este  espectador  (Spect-Ator)  é 
sujeito  e  não  apenas  objeto  porque  também  atua  sobre  o  ator  (é  o  ator,  pode  guiá-lo, 
modificá-lo). Spect-Ator: agente sobre o ator que atua. 
 
No  início,  Ator  e  Espectador  coexistem  na  mesma  pessoa;  quando  se  separam, 
quando  algumas  pessoas  se  especializam  em  atores  e  outras  em  espectadores,  aí 
nascem  as  formas  teatrais tais como as conhecemos hoje. Nascem também os teatros, 
arquiteturas  destinadas  a  sacralizar  essa  divisão,  essa  especialização.  Nasce  a 
profissão  do  ator.  A  profissão  teatral,  que  pertence  a  poucos,  não  deve  jamais 
esconder  a  existência  e  permanência  da  vocação  teatral,  que  pertence  a  todos.  O 
teatro é uma atividade vocacional de todos os seres humanos. 
 
➤O QUE É O ATOR? 
BOAL, Augusto. In: O arco-íris do desejo. Rios de Janeiro, Civilização Brasileira, 1996. 
 
O  Ser  Humano  é  em  pequena  parte  e  com  boa  margem  de  erro  -  cognoscível. 
Sabe-se  mais  sobre  o  seu  soma  e  menos  sobre  sua  psique.  E  dos  seus  elementos 
psíquicos,  sabe-se  mais  sobre  os  que  são  conscientes  e,  sobre  os  que  não  o  são, 
podem-se  propor  hipóteses,  fazer  conjecturas.  Pode-se  assim  pensar  que  o 
inconsciente  é  como  uma  panela  de  pressão;  aí  estão  todos  os  demônios  e  todos  os 
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santos,  todos  os  vícios  e  todas  as  virtudes.  E  tudo  isso  é  potência,  que  o  ator  deve 
despertar  para  dominar.  Temos,  cada  um  de  nós  -  em  nós  -  tudo  o  que  têm  todos  os 
demais  homens,  todas  as  demais  mulheres.  Eros  e  Thanatos.  Temos  a  lealdade  e  a 
traição,  somos  corajosos  e  covardes,  audaciosos  e  pusilânimes.  Tudo  pura  potência, 
fervendo  nu  caldeirão,  panela  hermética.  Temos  -  tanto,  tanta  riqueza,  e  bem  pouco, 
tão pouco sabemos do que temos e quase nada do que somos. 
 
Se  dentro  de  nós,  é  tudo  potência,  impossível  seria  manifestá-la  em  todos  os 
seus  desejos.  Dentro  de  nós  temos  tudo:  somos  uma  PESSOA.  Porém  tão  rica  e 
multifacetada,  tão  violenta,  torrencial,  intensa e multiforme, que temos que coibi-la. E o 
cerceamento  de  nossa  liberdade  expressiva  e  realizadora  pode-se  dar,  e  se  dá,  pelo 
menos  de  duas  formas:  pela  coação  externa,  social,  ou  pela  escolha  interna,  moral. 
Faço  ou  deixo  de  fazer  mil  coisas  e  ser  de  mil  maneiras,  coagido  por  agentes  da 
sociedade  que  me  obrigam  ou  proíbem.  Leque  de  agentes  que  inclui  polícia  e  família, 
universidades  e  igrejas,  juízes  e  publicitários.  Dizem-me  o  que  se  permite  e  o  que  se 
proíbe.  Em  grande  parte,  aceitamos. Ou decidimos nós mesmos, e nos obrigamos a ser 
como  somos, a fazer o que fazemos e deixar de fazer o que nos parece mal. Existe uma 
moral  externa  e  outra  para  uso  interno.  Ambas  obrigam,  ambas  proíbem.  E  aquela 
PESSOA  que  somos,  continuamos  a  ser,  porém  aquilo  que  realizamos  em  ATO,  de 
toda a nossa POTÊNCIA, é bem menor. A esta redução chamamos PERSONALIDADE. 
 
Temos  todos  uma  PERSONALIDADE  que  sempre  é  uma  brutal  redução  de 
nossa  PESSOA.  Esta  ferve  na  panela,  aquela  escapa  pela  válvula.  E  assim  nos  saímos 
todos  bem.  Parecemos  ser  apenas  a  parte  de  nós  mesmos  que  é  perdoável.  O  resto 
guardamos  com  cuidado,  escondido.  Nossos  demônios  e  nossos  santos,  contudo, 
continuam  vivos,  bem  vivos,  fervendo,  e  podem  às  vezes  aparecer  em  sintomas, 
úlceras  e  equizemas,  se  não  em  coisa  pior.  Somos  todos  gente  muito  sadia  e  nossos 
rostos  sorriem. Imaginamos um ator que seja assim. Seus problemas estão resolvidos e 
suas  preocupações  apenas  normais.  Digamos que se trata de alguém "normal". Dentro 
das normas, aceito em sociedade de pessoas normais. 
 
Esse  ator  normal,  no  entanto,  exerce  um  ofício  estranho  e  perigoso:  interpreta 
personagens.  Onde  irá  buscá-los?  Em  primeiro  lugar,  quem  são  eles,  esses,  assim 
chamados  personagens?  Digamos  francamente:  do  ponto  de  vista  médico,  são  todos 
neuróticos,  psicóticos,  paranoicos,  melancólicos,  esquizofrênicos  gente  doente.  São 
belos,  enquanto  literatura;  mas,  como  realidades,  necessitam  urgentes  cuidados 
médicos.  Personagem  de  teatro  é  doente:  esta  é  uma  afirmação  que  podemos 
generalizar  sem  grande  medo  de  errar.  E  só  por  isso  vamos  ao  teatro.  Quem  se 
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animaria  a  sair  de  casa  para  assistir  a  uma  peça  na  qual  um jovem e belo casal de boa 
saúde,  ambos  apaixonados,  assistem  à  saída  para  a  escola  de  seus  adoráveis  filhos, 
levando-os até a porta e atravessando um jardim florido diante dos olhares admirativos 
e  solidários dos vizinhos cordiais quando, de repente, chega o carteiro e - Oh! Pasmem! 
-  traz  boas  notícias:  ambas  as  sogras  estão  em  perfeito  estado  de  saúde,  fazendo  um 
cruzeiro pelas ilhas gregas... Fazia sol. 
Interpretar é um ato perigoso
 
Quem  gostaria  de ver uma peça assim? O teatro ficaria às moscas. Porque o que 
nos  move  a  ir  ao  teatro  é  sempre  a  briga,  o  combate: queremos ver loucos e fanáticos, 
ladrões  e  assassinos.  E,  é  claro,  um  pouco,  bem  pouco,  de  gente  boa,  apenas para dar 
uma medida da maldade. Queremos o insólito, anormal. Assim, o nosso ator sadio deve 
interpretar  um  personagem  doente.  Onde  irá buscá-lo? Não na sua Personalidade, que 
de  maldades  está  isenta,  mas  sim  na  sua  Pessoa,  dentro  do  caldeirão,  porque  aí 
continuam  todos  os  diabos  em  ebulição.  Assim,  ele,  que  já  havia  conseguido 
domesticar  as  suas  feras,  vê-se  agora  outra  vez  obrigado  a  despertá-las.  Eis  que  a 
profissão  do  Ator  é  muito  insalubre  e  perigosa.  Atores  deveriam  fazer  jus  ao  mesmo 
salário  de  insalubridade  que  recebem  os  mineiros  que  penetram  nas  profundezas  das 
minas  de  carvão  ou estanho, ou dos astronautas que se elevam às vertiginosas alturas, 
infinitas.  Atores  especulam com a profundidade da alma, e com o infinito da Metafísica. 
Os  atores  provocam  o  leão com vara curta. Suas personalidades sadias vão buscar, em 
suas  pessoas,  enfermos  e delinquentes. Atores há que se adoentam. Nossa profissão é 
insalubre.  Mas,  em  defesa  da  sua  saúde,  o  ator  pratica  o  teatro  consciente  do  ato. 
Presente em sua sensibilidade, criatividade e intuição estética. 
 
Perigoso  ou  não,  é  aí,  nas  profundezas  da  Pessoa  que  o  Ator  deve  buscar  seus 
personagens.  Do  contrário,  será  apenas  um  prestidigitador,  um  ​jongleur  que  fará 
malabarismos  com  seus  personagens,  sem  com  eles  se  confundir;  um  marionetista, 
que  manipulará suas marionetes, porém à distância ou, no máximo, um manipulador de 
fantoches  que  permite  o  contato,  porém  apenas  epidérmico,  com  seus  personagens. 
Não,  o  Ator  não  trabalha  com  fantoches,  marionetes  ou  bolas  e  bastões:  trabalha com 
seres  humanos,  trabalha consigo mesmo, na descoberta infinita daquilo que é humano. 
Só  assim  se  justifica  sua  arte;  o  contrário  seria  artesanato.  Que  louvável  é  também, 
mas não é arte. O artesanato produz modelos preexistentes; a arte descobre essências. 
 
Resumindo:  a  personalidade  sadia  do  ator  busca,  na  riqueza  da  pessoa,  seus 
personagens  não  tão  sadios  como  ele,  gente  doente.  Permite-se,  então,  o  exercício  - 
dentro  dos  precisos  limites  do  palco  e  da  hora  -  de  todas  essas  tendências  associais, 
desejos  inaceitáveis,  comportamentos  proibidos,  sentimentos  malsãos.  No  palco,  tudo 
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se  permite,  nada  se  proíbe.  Os  diabos  e  os  santos  da  pessoa  do  ator  têm  plena 
"liberdade  de  se  expandirem,  de  viverem  o  orgasmo  do  espetáculo,  de  se 
transformarem  de  potência  em  ato.  Mimeticamente,  empaticamente,  o  mesmo 
acontece  com  Diabos  e  Santos  análogos  que  são  despertados  nos  corações  dos 
espectadores.  Isto,  com  a  esperança  de  que  todos  se  cansem  e  readormeçam.  Neste 
baile,  santo  e  diabólico,  santos  e  diabos,  de  atores  e  espectadores,  se  extenuariam, 
retornando  à  obscuridade  inconsciente  das  pessoas  e  restaurando  a  saúde  e  o 
equilíbrio  das  personalidades,  que  poderiam  assim  reintegrar-se  sem  susto  às  suas 
vidas  sociais.  Depois  dos  paroxismos  carnavalescos  do  teatro,  a quarta-feira de cinzas 
é mais um dia de trabalho. 
 
Ser  ator  é  perigoso  por  quê?  Mesmo  tendo  todas  as  seguranças  da  profissão, 
mesmo  tendo  todas  as  proteções  dos  rituais  teatrais,  mesmo  que  se  estabeleçam 
teorias  sobre  o  que  é  a  ficção  e  o  que  é  a  realidade,  mesmo  assim  esses  personagens 
despertados  podem  se  recusar a voltar a dormir, esses leões podem se recusar a voltar 
para  o  zoológico  das nossas almas e às suas jaulas. Se assim for, podemos pelo menos 
contemplar  a  hipótese  contrária:  uma  personalidade  doente pode, teoricamente, tentar 
despertar  personagens  sadios,  e  isto  com  a  intenção,  não  de  ré  enviá-los  ao 
esquecimento,  mas  de  misturá-los  à  sua  personalidade.  Se  tenho  medo,  tenho  dentro 
de mim o corajoso; se posso acordá-lo, posso talvez mantê-lo desperto. 
 
Quem  sou  eu:  pessoa,  personalidade,  personagem?  Fatalistamente,  podemos 
determinar  que  somos  como  somos,  pronto,  acabou-se.  Criativamente,  podemos 
imaginar  que  as  mesmas  cartas  do  baralho  podem  ser  redistribuídas.  No  baile  das 
potências,  os  atos  emergentes  não  são  os  mesmos,  sempre.  Nossa  Personalidade  é  o 
que  é,  mas  é  também  o  que  se  torna.  Sendo-se fatalistas, não há o que fazer; se não o 
formos, pode-se tentar.  
 
➤ O QUE É O PERSONAGEM E O QUE É O ATOR? 
PALLOTTINI,  Renata.  Dramaturgia  -  Construção  do  Personagem.  São  Paulo:  Ática, 
1989. 
 
Antes  de  qualquer  coisa,  podemos  dizer: o personagem ou a personagem, tanto 
faz,  para  se  referir  a  este  ser  que  é  imitação de gente. Ser composto pelo poeta (autor, 
ator)  a  partir  da  realidade,  o  personagem  não  reúne,  em  todo  caso,  todos  os  traços 
passíveis  de  serem  encontrados  num  ou  em  muitas  pessoas,  mas  são  seus  modelos. 
Personagem seria, isso sim, a imitação, e, portanto a recriação dos traços fundamentais 
de pessoa ou pessoas, traços selecionados pelo poeta segundo seus próprios critérios. 
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Vejamos o que nos conta uma boa história clássica da cultura grega: 
O  culto  de  Dioniso,  deus  estrangeiro,  vindo  da  Trácia,  é  também  um  culto  agrícola. 
Dioniso  é  o  deus  da  vinha  e  da  embriagues.  Por  isso,  a  princípio,  os  conservadores 
gregos  viam  com  suspeita  os  seus  ritos,  considerando-os  pretextos  para  atrozes 
dissoluções,  Mas,  no  fim,  Dioniso  triunfa.  Parece  que,  desde  o  princípio,  a  máxima 
solenidade  ritual  desse  culto  consistia  numa  festa  campestre  durante  a  qual  os 
iniciados  caçavam  um  animal  que,  de  algum  modo,  encarnava  o deus adorado. Música 
dança,  vinho  e  talvez  a  fumaça  de  certas  sementes  excitavam  os  fiéis  à  orgia  mística; 
estando  eles  disfarçados  com  peles  e  chifres  de  animais  selvagens,  chegam  a  uma 
espécie  de  furor,  que  os  induz  a  precipitar-se no rastro do animal sagrado, o qual, uma 
vez  encontrado,  é  morto,  despedaçado e devorado, numa furiosa confissão humana de 
sede do divino e confuso anúncio da "comunhão" cristã. (D'AMICO, 1960). 
 
O  primitivo  cortejo  de  Dioniso,  diz  ainda Silvio D’Amico, é composto de sátiras e 
mênades,  a  tornar  manifesta  a  união  entre  os  homens  e  a  natureza  selvagem. 
Festeja-se  tudo,  celebra-se  para  tudo,  desde  a  colheita  da  uva  até  a  morte  e 
ressurreição  da  vinha,  lembrança  da  morte  e  ressurreição  do  próprio  deus.  Ritos 
estrangeiros,  festa  quase  bárbara,  celebração  seguida  ou  precedida  de  embriagues, 
cantos,  corridas  selvagens  pelas  montanhas,  morte  de  animais,  uso  de  seus  restos, 
tudo  isso  que,  como  se  disse,  despertava  o  medo  e  a  estranheza,  as  celebrações  a 
Dioniso  ficaram,  durante  muito  tempo,  relegadas  aos  campos,  longe  das  cidades, 
civilizadas  e  apolíneas.  Custou  para  que  o  culto  a  Dioniso  fosse  assimilado,  aceito  e 
domado,  para  posterior  estilização  e  estetização.  Atenas,  de  início,  mandava  ao  culto 
uma  delegação,  e  nunca  o  consentiu  dentro  de  seus  muros,  diz-nos  Maria  Helena  da 
Rocha  Pereira.  Inteligentemente,  "retirava-se  ao  culto  o  seu  ferrão",  domesticando-o, 
para,  por  via  das  dúvidas,  pleitear  o  favor  do  novo  deus,  estrangeiro,  sim,  mas  que  se 
mostrava, sem dúvida, cheio de energia e encanto, além de ter muitos seguidores. 
 
Os  grandes  festivais  dionisíacos  da  Ática  vêm,  assim,  muito  mais  tarde  a  ser 
celebrados  e  diferem  já,  substancialmente,  da  festa  selvagem  e  campestre  dos 
primeiros  tempos.  Já  aí  devidamente  legalizado,  o  culto  a  Dioniso  passa  a  ser  oficial  e 
sujeito  ao  espírito  ático,  organizado  e  harmônico.  Celebra-se  agora,  portanto,  a 
Dioniso,  com  outra ordem e solenidade; mas, é claro, das origens provém sempre a real 
natureza  do  deus;  ele  continua  a  ser  a  divindade  ligada  ao delírio, às coisas do corpo e 
da ebriedade. Nunca perdeu sua natureza total, de ruptura e diversidade. 
 
Em  algum  ponto  do  processo,  dentre  as  corridas,  as  caçadas,  a  bebida  e  a 
comida,  o  disfarce,  o  prazer,  ocorreu uma mudança. Nas festas se cantava; cantava-se, 
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nesse  segundo  momento,  como  se  sabe,  o  ditirambo.  Daí  provém,  desse canto lírico, a 
origem  da  tragédia  canto  do  bode, ou canto do sátiro. Um conjunto de pessoas, o coro, 
iam  em  direção  ao  altar  a  fim  de  oferecer  o  sacrifício  a  Dioniso.  Um  dia, o coro teria se 
dividido  em  dois  coros;  um  passou  a  responder,  cantando,  ao  outro;  dialogavam,  por 
intermédio  dos  seus  corifeus.  Mas  ainda  estavam  cantando,  contando,  louvando  ou 
lamentando  a  sorte  de  outra  pessoa.  Ele  (o  deus)  tinha  morrido,  tinha  sido 
despedaçado, tinha ressurgido; ainda se tratava de alguém de quem se falava. 
 
Em que momento terá alguém, um dos corifeus, talvez, falado em nome do deus, 
assumindo  a  sua  existência?  Quando  foi  que  o  primeiro  ator  falou na primeira pessoa? 
Por  que  o  fez?  Ele  é,  sem  dúvida,  uma  projeção  pessoal  das  invocações  do  coro;  um 
grupo  de  pessoas  excitadas,  meio  ébrias  de  vinho  e  música,  ébrias  de  entusiasmo, 
suscita  a  fictícia  aparição  do  próprio  Dioniso  que,  a  partir  daí,  passa  a falar e a agir em 
seu  próprio  nome,  num  verdadeiro  aqui  e  agora.  Imaginemos  então  que  antes  existia 
só  um  coro,  depois esse coro se divide em dois e logo em seguida alguém sai do coro e 
proclama – “Eu sou Dionísio”. É provável que daí tenha nascido a personagem e o ator. 
 
➤ O PERSONAGEM DE TEATRO, O QUE É? 
PALLOTTINI,  Renata.  Dramaturgia  -  Construção  do  Personagem.  São  Paulo: 
Ática,1989 
 
A  palavra  teatro  abrange  ao  menos  duas  acepções  fundamentais:  o  imóvel  em 
que  se  realizam  espetáculos  e  uma  arte  específica,  transmitida  ao  público  por 
intermédio  do  ator. Evidentemente, é ao teatro transmitido pelos atores que vamos nos 
deter.  Esta  arte  específica  pela  qual,  através  da  presença  física  do  ator  ou  mesmo  da 
voz  do  ator,  ou  mesmo  do  ator  sem  voz,  representa-se  uma  “história”  para  um  grupo 
de  pessoas.  Já  na  menção  ao  ator  começa  a  sugerir  o  que  é  o  personagem,  uma  vez 
que  os  atores  nada  mais  fazem  senão  representar  personagens,  ​fazer-de-conta  que 
são  outras  pessoas  que  não  eles próprios e, através dessas pessoas ficcionais, veicular 
o conteúdo de uma peça de teatro. 
 
O  teatro  de  que  falamos  trata  de  atores  vivos  e  não  da  gravação da imagem de 
atores,  caso  do  cinema  e,  de  certa  forma,  da  televisão,  reapresentar  uma história, uma 
trama,  um  enredo,  uma  criação imaginária, como se ela estivesse acontecendo de novo 
naquele  momento.  De  novo,  e  pela  primeira  vez,  todas  às  vezes.  Sempre  que  se  fala 
em  teatro,  acabamos  pôr  recorrer  à sapiência de Aristóteles; não custa fazê-lo de novo 
e  ver  o  que,  na  sua  Poética,  encontrável  e  conhecida  em  muitas  e  variadas  edições  e 
traduções,  diz  ele: ​A tendência para a imitação é instintiva no homem, desde a infância. 
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Neste ponto distingue-se de todos os outros seres, por sua aptidão muito desenvolvida 
para a imitação. 
 
Pode-se  discordar  do  filósofo  no  que  toca  à  exclusividade  que  concede  ao 
homem  do  poder  de  imitar;  mas  sem  dúvida  está  aí  a  raiz  da  criação  teatral.  Sem 
dúvida,  levando-se  em  conta  todas  as  implicações  possíveis da palavra imitar - recriar, 
procurar  a  origem  primeira,  reinventar,  está  aí  o  princípio  da  ação  teatral  e  da  criação 
do  personagem.  Diz  ainda  Aristóteles, falando da imitação dramática: ​Como a imitação 
se  aplica  à  ação  e  a  ação  supõe  personagens  que  agem,  é  absolutamente  necessário 
que  estas  personagens  sejam  tais  e  tais  pelo  caráter  e  pelo  pensamento  pois  é 
segundo  estas  diferenças  de  caráter  e  pensamento  que  falamos  da  natureza  de  seus 
atos. 
 
Aristóteles  fala  aqui,  pela  primeira  vez,  em  ​ethos  e  diánoia  -  respectivamente  o 
caráter  e  o  pensamento;  Eles  são  o  princípio  da  caracterização  do  personagem  de 
teatro,  segundo  as  tradições  ocidentais  aristotélicas,  e  isto  é  o  básico  na  sua 
construção.  O  ator  é  o  portador  do(a)  personagem,  o  seu  suporte  físico.  Um  ser 
humano  carrega  outro  ser  humano,  este,  agora,  imaginado.  Mas,  imaginado,  como? 
Que  pontos  de  contato  guardam  o  personagem  com  a  pessoa  ator? Poder-se-ia dizer, 
grosso  modo,  que  todos;  personagem  ​é  pessoa  imaginária;  para  a  sua  construção,  o 
autor  reúne  e  seleciona  traços  distintivos  do  ser  -  ou  de  seres  -  humanos,  traços  que 
definam e delineiem um ser ficcional, adequado aos propósitos do seu criador. 
PERSONAGEM  E VEROSSIMILHANÇA
O  autor/ator,  na  criação  de  um  personagem,  desenha  um  esquema  de  ser 
humano;  preenche-o  com  as características que lhe são necessárias, dá-lhe a cor que o 
ajudarão  a  existir,  a  ter  foros  de  verdade.  Uma  verdade  é  claro,  ficcional.  Não  se  trata 
de  ter  um  personagem  que  seja  a  cópia  real  de  uma  pessoa  qualquer,  viva,  existente, 
conhecida  do  autor.  Mas  de  criar  um  ser  de  ficção,  “que  reúna  em  si  condições  de 
existência; que tenha coerência, lógica interna, veracidade. Um ser que poderia ter sido, 
não necessariamente um ser que é”. 
 
O  problema  da  verossimilhança  pode  ser  tocado  aqui;  fazer  um  personagem 
verossímil,  ou  seja,  semelhante  à  realidade,  não  significa  criar  um  ser  comum,  trivial, 
nem  mesmo  um  ser  necessariamente  realista.  Pode-se  fazer  uma  fada  que  voa,  e 
fazê-la  verossímil;  basta  que  ela  seja  fada,  apresentada  e  caracterizada  como  tal.  A 
consequência,  isto  é,  a  sua  possibilidade  de  voar,  será  uma  consequência,  lógica  e 
necessária,  da  sua  qualidade  inicial  de  fada.  Portanto,  dentro  do  contexto  de  uma 
história  ou  peça  que  trate  de  fadas,  a  fada  voadora  é  verossímil.  Então,  temos  aqui  o 
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personagem,  esse  contorno  de  ser  humano  feito  por  um  criador,  mais  ou  menos 
preenchido  de  detalhes,  imitador  de  uma  pessoa,  que  está  destinado  a  cumprir  um 
papel  na  peça  de  teatro,  dizendo,  fazendo,  agindo,  mostrando-se  por  gestos, atitudes, 
entonações, levando adiante a ação dramática que é a essência da obra teatral. 
 
Para  composição  do  personagem  o  ator  deve  ficar  atento  às  indicações  que  o 
autor  revela  através  das  falas  dos  personagens.  São  indicações  de  seu  ser.  Ficamos 
sabendo,  em  geral,  de  início,  de  seu  sexo,  idade,  conformação  física,  postura, 
qualificação  social  (que  se  reflete  na  aparência);  recebemos  indicações  às  vezes 
bastante  nítidas  de  suas  roupas,  feições,  tiques,  hábitos,  gestos.  E  isso  ocorre  porque, 
no  processo  de  conhecimento  do  ser  humano  pelo  ser  humano,  a  apreensão  da 
aparência  física  é,  via  de  regra,  o  primeiro  passo,  e  esta  apreensão  é  feita  de um todo, 
por  assim  dizer  a  um  primeiro  olhar;  no  entanto,  o  conhecimento  da  alma,  da  psique, 
dos  sentimentos,  ideias,  emoções,  caráter  de  um  ser humano por outro, é obra de toda 
uma vida - e às vezes uma vida não basta para essa tarefa.  
 
O  autor  dramático  reconhece  estas  limitações  da  nossa  percepção;  no  seu 
trabalho  de  criação  de  um  ser  humano,  que  se  adapte  aos  seus  objetivos,  mas  que, 
obviamente,  toque  e  convença  o  seu  público,  o  autor,  tendo  selecionado os traços que 
vai  usar  no  seu  desenho,  aplica-os  ao  espaço  da  criação  dramática.  Cabe-lhe  criar  um 
ser  ficcional  que,  através  da  imitação,  fale,  se  movimente,  mostre  seus  sentimentos  e 
emoções,  dê  vazão  ao  fluxo  de  suas  ideias,  tudo  isto  obedecendo  a  um  plano  de 
trabalho  que  se  baseia  na  evolução  da  ação  dramática,  e  que  conduz  a  um  fim,  a  um 
alvo,  à  meta final que o autor se propôs e propôs aos personagens, condutores de todo 
o  processo.  Estes  personagens,  em  geral  interagindo,  dando  e  recebendo,  falando  e 
ouvindo,  agindo  e  sofrendo  a  ação  (o que é, também, agir, do ponto de vista dramático 
e  dialético),  influenciando  e  recebendo  influências,  serão  tais  por  razões  suas,  de  cada 
um,  e  também  por  razões  de  cada  um  dos  seus  interlocutores.  A  peça  teatral  é  uma 
organização  de  seres  e  atos,  e  nada,  pode  funcionar  independentemente  do  conjunto. 
Os personagens levam à frente o enredo, que empurra, por sua vez, os personagens ao 
seu  final,  enquanto personagens, dentro do universo da obra teatral. E o ator? Quem é? 
É  aquele  que  investe  sua  sensibilidade,  inteligência,  criatividade,  corpo,  voz  para 
representar o personagem. 
 
Estrutura dramática e composição de personagem. 
 
Os  conteúdos  aqui  expostos  são  preliminares  para  compreensão  dos  elementos  da 
estrutura  dramatúrgica  e  composição  de  personagem.  Para  tal,  são  considerados  os 
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fundamentos  do  teatro  tradicional  ocidental  em  que  Aristóteles  e  Constantin 
Stanislavski  são  referências.  Propomos  também  leituras  introdutórias  de  Sigmund 
Freud sobre a psique e o conceito de arquétipo do psicoterapeuta Carl Gustav Jung.  
 
De quais elementos dispomos para compor o personagem? 
 
Seguem  alguns  elementos.  Os  itens  1,  2,  3  e  4  referem-se  ao  personagem 
propriamente  dito.  Os  itens  5,  6,  7,  8,  9  referem-se  aos  elementos  gerais  da 
dramaturgia. 
 
1  –  Personagem  =  (imitação  de  gente  /  ficcional  ou  real  /  qual  sua  função  na  trama?  / 
protagonista x antagonista) 
2 – Objetivo = (qual o seu desejo? / paixão / doença, aqui como uma obsessão) 
3 – Conflito = (interno / externo) 
4 – Antecedentes = (frustrações / traumas / formação do caráter) 
5 – Consequências = (construtivas / destrutivas) 
6 – Tema = (urgências) 
7 – Local = (espaço / geopolítica / cultura) 
8 – Tempo = (período histórico / contexto histórico) 
9 – Desenlace = (reflexão / ética) 
 
➤ O QUE É AÇÃO DRAMÁTICA? 
AÇÃO  DRAMÁTICA  E  CONFLITO  -  PALLOTTINI,  Renata.  Dramaturgia  -  Construção 
do Personagem. São Paulo: Ática,1989 
 
Mas  o  que  é  ação  nesse  sentido,  ou  seja,  o  que  é  ação  dramática?  O  que  é 
conflito?  Aristóteles  não  nos  dá  todas  as  respostas;  talvez  as  tenha  dado  no  seu 
tempo,  mas  não  chegaram  a  nós.  Diz-nos  apenas  (no  que  nos  interessa  mais  e  sem 
descer  a  grandes  minúcias)  que a ação deve ser completa, tendo começo, meio e fim, e 
uma  certa  grandeza  ideal.  Isto,  que  parece  elementar,  não  o  é  de  maneira  alguma; 
sabemos  por  experiência  própria  quão  difícil  é  escolher  o  ponto  ideal  da  fábula  a  ser 
imitada, para começar a imitação. 
 
Mas  o  que  são  ações?  É  ação,  no  sentido  que  se  busca,  qualquer  ato  humano? 
Ao  comer,  o  homem  está  praticando  um  ato,  está  fazendo  alguma  coisa.  Estará  ele 
agindo  dramaticamente?  Ou  requerer-se-á,  da  ação  dita  dramática,  com 
consequências  dramáticas,  certa  carga  moral  que  os  simples  atos  até  fisiológicos  não 
têm? 
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MT WEBERIANO. AÇÃO
COM SENTIDO.

  
A  ação dramática provém da execução de uma vontade humana, com intenção e 
buscando  cumprir  essa  intenção.  Nasce  da  necessidade  humana  de  ver  a  ação 
representada;  mas  não  pacificamente,  e  sim  através  de  um  conflito  de  circunstâncias, 
paixões  e  caracteres,  que  caminha  até  o  desenlace  final.  Conflitos  são  elementos 
essenciais  à  caminhada  da  ação  dramática  e, portanto, à poesia dramática. A ação tem 
como  base  a  intenção  da  personagem  na  busca  de  ver  seus  desejos  realizados.  Os 
acontecimentos  parecem  nascer  da  vontade  interior  e  do  caráter  das  personagens. 
Estes,  ao  buscarem  realizar  seus  desejos,  sairão  de  suas  zonas  de  conforto  e  se 
depararão  com  obstáculos  que  provocarão  mais  conflitos,  resultando,  no  que 
chamamos  aqui,  de ação. Explica Hegel que: A ação é a vontade humana que persegue 
seus  objetivos,  consciente  ou  não  do  resultado  final.  A  ação  dramática  é  a  ação  no 
drama,  que  o personagem ativa quando vai em busca dos seus objetivos consciente do 
que quer. É a ação de quem quer e faz. Da pessoa moral, consciente, com caráter.  
 
Poderíamos  dizer  que  ação  dramática  é  o  movimento  interno  da peça de teatro, 
um  evoluir  constante  de  acontecimentos,  de  vontades,  de  sentimentos  e  emoções, 
movimento  e  evolução  que  caminham  para  um  fim,  um  alvo,  uma  meta,  e  que  se 
caracterizam  por  terem  a  sua  caminhada  pontilhada  de  colisões,  obstáculos,  conflitos. 
Ação  é  um  dos  conceitos  mais  discutidos  e  analisados  da  história  da  dramaturgia. 
Numerosas  teorias  têm  sido  apresentadas  sobre  o  assunto  e  livros  inteiros  escritos 
para  definir  essa  ideia;  não  é  fácil  assenhorear-se  da  noção  de  ação  dramática.  Mas, 
uma  vez  que  se  tenha  claro  esse  conceito,  uma  vez  que  se  consiga  identificar  a  ação, 
diferente  de  puro  movimento  externo,  diferente  do  simples  enunciar  de  teorias  ou  de 
sentimentos,  ter-se-á  caminhado  muito  no  conhecimento  da  estrutura  do  drama.  A 
ação,  deflui  do  conflito;  duas  posições  antagônicas,  uma  vez  colocadas  dentro de uma 
peça,  onde  serão,  defendidas,  pelas  palavras,  sentimentos,  emoções,  atos  dos 
personagens,  que  tomarão  atitudes  definitivas  em  consequência  de  suas  posições, 
acabarão fatalmente por produzir ação dramática. 
 
Ora,  quem  conduz  a  ação,  produz  o  conflito,  exercita  a  sua  vontade,  mostra  os 
seus  sentimentos,  sofre  por  suas  paixões,  torna-se  ridículo  na  comédia,  patético  na 
tragédia,  ri,  chora,  vence  ou morre, é o personagem. O personagem é um determinante 
da  ação,  que  é,  portanto,  um  resultado  de  sua  existência  e  da  forma  como  ela  se 
apresenta.  O  personagem  é  o  ser  humano  (ou  um  ser  humanizado, antropomorfizado) 
recriado  na  cena  por  um  artista-autor,  e  por  um  artista-ator.  Às  vezes,  como  foi  dito, 
esses  dois  artistas  se  confundem;  temos,  então  às  peças,  que  não  têm,  ou  quase  não 
têm,  texto  previamente  determinado.  O  ator  se  apodera  do  papel  de  autor  e  cria  a 
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partir  de  roteiros  básicos.  Ele  quase  consegue  concentrar  em  si  todo  o  fenômeno 
teatral,  inda  mais  se  lembrarmos  a  novidade  que  significa  a  figura do diretor, invenção 
bastante  moderna.  O  que,  no  entanto,  o  ator  não  pode  é  suprir  a  ausência  de  público. 
Sem  público  o  teatro  não  acontece.  Um  espetáculo  teatral  sem  público  é,  na  melhor 
das hipóteses, um ensaio geral. 
 
➤ AFINAL O QUE É TEATRO? 
OBRY, Olga. O teatro na escola 
 
O  que  é  teatro?  Para  que,  existe  ele?  Por  que  se  vai  ao  teatro?  Procuremos, 
antes  de  mais  nada,  compreender  o  sentido  de palavra teatro. A primeira vista, ele nos 
parece  demasiadamente  simples:  "Teatro  é  um  lugar  onde  sé  representa".  Ou,  ao 
contrário,  muito  complexo.  A  palavra  Teatro  que,  na  antiguidade  grega,  designava  um 
lugar  de  reunião,  onde  se  celebravam,  primeiro,  cerimônias  em  homenagem  a  Ceres  e 
Baco,  divindades que presidiam às colheitas e às vindimas, aplicou-se, em seguida, aos 
edifícios  erigidos  para  receber  os  cidadãos  de  uma  cidade  vindos  para  assistirem  aos 
concursos  de  poesia  lírica  e  às  representações  dramáticas,  e  aplica-se  ainda  hoje  a 
qualquer  conjunto  de  construções,  seja  qual  for  a  sua  importância  e  seu  caráter 
arquitetural, onde se desempenham espetáculos os mais variados. 
 
A  palavra,  grega  "Teatron"  é  um  derivado,  do  Verbo  "teaomai"  (olho,  observo, 
sou espectador). O  teatro  seria  assim  um  local  para  observar.  Mas  esta  simples 
verificação  ainda  não  projeta  luz  alguma  sobre  sua  razão  de  ser.  Os  gregos,  que  nos 
legaram  quase  toda a nossa terminologia teatral, foram os primeiros a constituírem tais 
"observatórios"  de  espetáculos.  Os  homens  têm  necessitado  de  espetáculos  desde  os 
tempos imemoriais. 
 
A  palavra  teatro,  na  verdade,  abrange uma variedade muito grande de sentidos. 
Designa  o  edifício  onde  se  representam  peças.  Não  se  diz:  "Vamos  ao  teatro?"  Mas 
também  designa  a  parte  do  edifício  onde  trabalham  os  atores,  tanto  quanto,  a  arte 
teatral:  "os  trabalhadores  do  teatro;  ele  tem  interesse  pelo  teatro;  ele  serve à causa do 
teatro".  Ainda  se  chama  teatro  a  literatura  dramática:  "O  teatro  de  Shakespeare,  o 
teatro  de  Molière".  Dão  o  mesmo  nome  ao  efeito  dramático  específico  visado  por  esta 
literatura  e  mesmo  pela  "mise-en-scène". Elogia-se uma peça dizendo dela: “isto é que 
é  teatro";  condena-se  outra,  afirmando  que  "não  é  teatro".  Esta  longa  enumeração 
parece-me  reunir  tudo  ou  quase  tudo  o  que  se  entende  geralmente,  ideias  e  projetos, 
pela palavra teatro. 
 
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Entretanto,  quando  digo  "teatro",  não  estou  pensando  em  nenhum  desses 
elementos.  Não  penso  no  que  é  apenas  a  exploração comercial do meu natural pendor 
pelo  teatro.  O  teatro,  na  minha  concepção,  é  incomensuravelmente  mais  vasto  do  que 
o  palco.  Ele  é  muito  necessário  e  mais  precioso  para  humanidade  do  que  todas  as 
descobertas  da  civilização  moderna.  Podemos  passar  sem  elas,  como,  aliás,  o  temos 
feito  durante  milhares  de  anos  e  como  o  atesta  indiscutivelmente  a  história  os  nossos 
antepassados  primitivos.  Nunca,  porém,  um  homem,  pôde  viver sem teatro, tal como o 
entendo. 
 
➤ O "INSTINTO" DO TEATRO 
OBRY, Olga. O teatro na escola  
 
“Quais  são  as  bases  psicológicas  do  nosso  amor  ao  teatro?  Sobre  que 
sentimento se funda ele?"  
 
SENTIDO AMPLO DE "TEATRO": TEATRALIDADE.

Em  sentido  amplo,  teatro  está  em  toda  parte,  dentro  de  nós  e  à  nossa  volta, 
misturado  a  todos  os  nossos  atos  individuais,  fundidos  como  tudo  o  que  observamos 
objetivamente.  O  homem  possui  um  instinto  sobre  o  qual,  apesar  da  sua  inesgotável 
vitalidade,  nem  os  historiadores,  nem  os  psicólogos,  nem  os  estetas  disseram,  até 
agora,  com  uma  única  palavra.  Quero  dizer  o  instinto  de  transfiguração,  o  instinto  de 
opor  às  imagens  recebidas  de  fora,  outras  imagens  arbitrárias  criadas  no  íntimo  de 
uma  mente,  o  instinto  de  mudar  as aparências oferecidas pela natureza em outra coisa 
qualquer  -  um  instinto,  enfim,  cuja  essência  se  revela  no  que  eu  chamarei  de 
teatralidade. 
 
O  instinto  de  teatralização,  acha  sua  melhor  definição  no  seu  desejo  de  ser 
“outro",  de  fazer  alguma  coisa  "diferente",  de  criar  um  ambiente  que  se  "opõe"  à 
atmosfera  de  cada  dia. Aí, está um dos principais motivos da nossa existência e do que 
nós  chamamos  de  progresso,  evolução,  desenvolvimento,  em  todos  os  domínios  da 
vida.  Todos  nós  nascemos  com  este  sentimento  na  alma,  todos  somos  seres 
essencialmente teatrais. 
 
A  teatralidade é pré-estética, quer dizer, ela existe desde tempos imemoriais. Do 
tempo  em  que  os  humanos  ainda  não articulavam palavras. A teatralidade tem a idade 
da  humanidade,  pois  faz  parte  da  natureza  dos  seres  humanos  no  seu 
aperfeiçoamento  nos  processos  de  comunicação.  Consideramos  que  o  teatro  é 
pré-estético,  porque  nasce  antes  mesmo  do  conceito  de  estética.  Antes  do  teatro  ser 
teatro,  como  entendemos  hoje,  as  pessoas  faziam  teatro  sem  saber  que  aquilo  era 
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teatro.  A  teatralidade  é  mais  primitiva  e  de  caráter  mais  fundamental  que  o  nosso 
senso  estético.  A  arte  teatral  é  pré-estética  e não estética, pela simples razão de que a 
transformação  que  é,  contudo,  a  essência  de  qualquer  arte  teatral,  é  mais  primitiva, 
mais  fácil  de  realizar  que  a  formação,  que  é  a  essência  das  artes  estéticas. E creio que 
nos  princípios  da  história  da  cultura  humana,  a  teatralidade,  desempenhou  o  papel  de 
uma  espécie  de  “pré-arte".  Se  aceitarmos  esta  tese  do  "instinto"  primitivo  de 
teatralidade  que  "impele  o  selvagem,  como-o  impelem  a  fome,  o  apetite  sexual  ou  o 
amor",  teremos  a  chave  de  muitas  coisas  que  parecem  misteriosas  dentro  do  teatro  e 
fora dele. 
 
As  origens  do  Carnaval  encontram-se  em  festas  licenciosas  que  se  praticavam 
no  mundo  antigo  em certas épocas do ano. Mas, o seu lado teatral não será muito mais 
importante  do  que  o  lado  erótico?  Não  era instinto teatral, a vontade de transfiguração 
que  regia  as  saturnálias  romanas,  quando  os  escravos  tomavam,  por  poucos  dias,  o 
papel  dos  amos,  e  estes  o  dos  escravos?  Não  ser eu mesmo, ser outro, tomar férias do 
"ego"  de  todos  os  dias,  por  meio  de  uma  fantasia,  uma  máscara,  de  uma  voz  fingida, 
de  uma  cabeleira  postiça,  de  um  andar  nunca  que  não  é  o meu, de atitudes que nunca 
assumiria na vida real?  
 
Não  é  isto  a  regra,  fundamental  da  folia?  "O  Carnaval",  diz  o  Dicionário  de 
Teatro  de  Artur  Pougin,  "é  um  espetáculo  que  os  homens  representam  para  eles 
próprios,  e  onde  são,  a  um  só  tempo,  atores  e  espectadores".  Quem  assistiu  ao 
carnaval  de  rua,  no  Rio  de  Janeiro,  ainda  em  plena  glória,  antes  da  segunda  guerra 
mundial,  sabe  que  este  espetáculo  valia  uma  boa  representação  teatral,  com  a  única 
diferença de que os espectadores passivos, os turistas, estavam em minoria e os atores 
formavam  a  maioria  esmagadora.  Das  crianças aos anciões, sem exclusão de mulheres 
de  todas  as idades, a cidade "caía na folia". Cozinheiras, lavadeiras, carregadores, e até 
mendigos,  juntavam  os  centavos  a  custo  de  sacrifícios  e  privações,  para  adquirirem 
uma  deslumbrante  fantasia,  rica  e  brilhante  como  um  traje  de  ópera.  Espetáculo 
completo  para  todos  os  sentidos:  música  difundida  por  alto-falantes  pelas  ruas  a  fora, 
orgia  de  cores  e  cheiro  sufocante  dos  lança-perfumes,  misturado  com  os  das  comidas 
"a  baiana"  cozinhadas  em  barracas  ao  ar  livre.  "Foi  um  dos  mais  belos  espetáculos  a 
que  já  assisti",  confessaria  Louis  Jouvet,  pasmado  em  meio  à  multidão  delirante. 
Danças rituais dos povos primitivos, jogos da infância, folia do carnaval: teatro antes do 
teatro.  Matéria  prima  teatral.  Tendência  ou  "instinto"  teatral,  no  estado  natural,  antes 
de  aprimorar-se  ao  contato  das  outras  artes.  Corpo  do  espetáculo  teatral,  à  espera  da 
literatura  dramática  para  contribuir  ainda  mais  pela  sua  perpetuação.  Mas,  também, 
fonte  a  qual  todo  aquele que pretenda fazer teatro verdadeiro deverá voltar de quando 
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em quando, para reanimar seu espírito.  
 
➤ ​BIBLIOGRAFIA 
 
“O arco-íris do desejo”.Autor: Augusto Boal.Ed. Civilização Brasileira – 1996 
“O teatro na escola”Autora: Olga Obry Edições Melhoramentos. 
“Dramaturgia  –  construção  do  personagem”Autora:  Renata  Pallottini.  Editora  Ática  – 
1989 
“Introdução à dramaturgia”. Autora: Renata Pallottini Ed. Brasiliense 
ASLAN, Odete. O Ator no século XX. São Paulo, Perspectiva: 1994  
BERTHOLD, Margot. História mundial do teatro. São Paulo: Perspectiva, 2001. 
BOAL,  Augusto.  (2005).  Teatro  do  oprimido  e  outras  poéticas  políticas.  Rio  de  Janeiro: 
Civilização Brasileira. 
CARLSON, Marvin. Teorias do teatro. São Paulo: EdUnesp, 1997. 
GASSNER, John. Mestres do teatro I. São Paulo: Perspectiva, 1988 
GROTOWSKI.  Em  busca  de  um  teatro  pobre.  Ed.  Civilização  Brasileira.  São  Paulo. 
1971.  
ROUBINE​,  ​Jean-  Jacques.  ​Introdução  às  teorias  estéticas  do  teatro.  Tradução  André 
Telles. Rio de Janeiro. Jorge Zahar Ed., 2003 
ROUBINE, Jean-Jacques. A linguagem da encenação teatral. Rio de janeiro: Jorge Zahar, 
1998. 
Teatro laboratório de Jerzy Grotowski 1959 -1969. São Paulo: Perspectiva, 2007 
ROSENFELD, Anatol. O Teatro épico. São Paulo: Perspectiva, 1985 
 
 
  
 
 

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