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Tomei a liberdade de adicionar nas páginas que se seguem as minhas Reflexões sobre a
preparação vocal do ator, que fundamentam meu trabalho e ainda, 2 propostas de Oficinas
que contemplam conteúdos pedagógicos.

IV - REFLEXÕES ALEATÓRIAS SOBRE A PREPARAÇÃO VOCAL


DO ATOR INSPIRADA NO TRABALHO DE FÁTIMA TOLEDO

Acredito que todos os seres humanos sejam iguais,


mas a história de vida de cada um faz com que sejam diferentes

 Princípios do trabalho vocal


o “O teatro pode ser esta grande mentira, mas o ator precisa buscar a verdade,
as sensações verdadeiras”. Eugênio Barba
o Tudo que deve ser procurado para viver uma situação em cena encontra-se
dentro do próprio ator e por meio da ação manifesta-se em diferentes
qualidades de movimentos do corpo / voz
o O foco do treinamento é a pessoa em si
o Busca da verdade na interpretação
o Trazer para o espetáculo, a verdade em ação, para que possamos ver o
humano, no ator
 Proposta
o Mudança de olhar: de “construção do personagem” para “viver a situação”.
o A maioria vê a atuação como construção de personagem, mas prefiro ver a
atuação como estar em situação, vivendo de fato aquela circunstância
o Em cena, queremos ver aquele ser humano vivendo situações fictícias, e não
O ATOR, A PERSONAGEM
 Condição sine qua non
o Mas para que isso aconteça, o ator precisa ter sensibilidade para viver em
um mundo ilusório e imaginação para construir ações reais neste mundo
 Sobre os exercícios
o Quem é mais livre se conduz melhor, tem imaginação forte, e se permite
viver outras vidas
o Outros estão aprisionados na imagem que eles têm deles mesmos, em
valores estabelecidos... e precisam ser libertados e formados para terem
liberdade de viver outras vidas que por vezes vai de encontro aos seus
princípios
 Etapas do Processo
o Desbloquear as tensões do corpo/voz para ter um instrumento mais
responsivo
o Estimular o autoconhecimento para poder estar em contato consigo mesmo
e viver a situação cênica
o Etapa 1
 Desbloquear a energia, soltar corpo/voz
 Despertar o prazer de estar em cena, de buscar e revelar, de jogar.
 Trabalhar com o desejo e não com o medo que mantém as mesmas
resistências, mesmas posturas... o não ouvir, o não falar
 Ser livre o suficiente para se entregar àquela situação e viver aquela
situação
 Vivências: Yoga. Meditação Dinâmica e Kundalini. Bioenergética:
Reich e Lowen
o Etapa 2
 Autoconhecimento
 Descobrir quem é esta pessoa: quais seus valores, referências sobre
determinados universos, sonhos
 Identificar e tirar as “máscaras”, que são os papéis que nós vivemos
no dia a dia, para não atuar em função do egocentrismo
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 Desenvolver o autoconhecimento para dominar e libertar a própria


imaginação e atuar em função de si mesmo
 Vivência: jogos como “eu amo, eu odeio, eu tenho medo, eu
quero...”.

o Etapa 3
 Ativar o sensorial, as sensações relacionadas com o texto
 Ferramentas: situações associativas e/ou ativação do sensorial
(corpo/voz no despertar dos sentidos)
 Criamos situações que vão refletir a dinâmica emocional da cena e
despertar no ator as sensações relacionadas com o texto. O ator
precisaria movimentar-se dentro desta atmosfera e quando o texto
chega são só as falas que chegam, o restante já está lá
 Se vamos direto ao texto, fica tudo muito construído e esvaziado,
mecânico e não vivido, as ações internas ficam deslocadas, não são
colocadas no corpo/voz
 Vivência: as improvisações conduzem ao texto
o Etapa 4
 O texto vem sozinho na improvisação e muitas vezes é o mesmo
texto escrito pelo autor. Quando chega, já existe ali aquela pessoa
vivendo aquelas circunstâncias
 No Teatro, o que se faz ali é o que a gente não faz na vida real pois
existe uma licença poética para isso e é preciso aprender a se permitir
viver assim. Mas não é para ser uma cópia da vida. Na vida a gente
tem muita dificuldade de dizer “eu te amo” mas no teatro podemos
dizer isto com mais facilidade
 Vivência: ensaios com o Texto e montagem/encenação
 Referências
o Que referências ele tem daquele universo que o texto está abordando? Do
feminino, masculino, vida na favela, campo de concentração, ditadura
o O leque de possibilidades de cada um destes universos: poder, sedução...
Como são as diferentes formas de exercer o poder? E a sedução?
 Situações associativas
o É trabalhada quando o ator nunca teve o menor contato com a realidade da
história que vai viver
o Vamos encontrar juntos um fato que tenha sido significativo e é esta
sensação que ele vai buscar quando necessário e não o fato em si
o Explo: alegria: não é preciso buscar um fato na minha vida que tenha me
deixado feliz, mas eu preciso ativar a sensação de estar alegre, a sensação
física que esta alegria me traz
 Ativar o sensorial para despertar sensações
o Cada um tem o seu modo de ativar sensações
o Podemos chegar por meio do corpo mas para isso é preciso imaginação
o Primeiro, despertar o sensorial. A cena vem depois
 Atmosfera da cena dada pelas sensações
o Não ativar a emoção que é algo muito instável, inseguro; é selvagem,
perigosa, escraviza e pode desencadear um estado indomável que não nos
interessa
o Você não domina a emoção mas a sensação sim
 Generosidade
o É preciso ser generoso para aceitar e entender que o ator não precisa viver
toda aquela emoção sozinho. Ele pode deixar que outro viva por ele, o
espectador
o Tem ator que não deixa a gente ver a cena
o Entram em cena com “compromissos”
o Deixar o outro te levar, se entrega para a cena
 Memória emotiva
o É do espectador; é ele quem tem lembrar aquela situação de perda, ligar a
morte à alguma lembrança e então, se emocionar; o ator vive a sensação
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 Ação
o Prazer de buscar e estar revelando
o Se perder o antes e o depois, entra em cena sem gancho
o É contínua, uma seqüência que existe em função de um foco central
 Estética das sensações
o A estética vem das sensações e é conseqüência da cena
o Pode existir em função do movimento humano que não pode superar a
sensação, pois vem dela
o Quando o ator imprime no texto uma questão que é sua e que não está bem
resolvida como, por exemplo, a perda... não lidou com a perda e aí trabalha
com ela no texto e mistura tudo, perde o foco, perde a estética. A dor, para
ser uma dor estética tem que ser uma dor do passado, trabalhada, elaborada e
não algo recente que está sendo vivenciado pois senão desloca para a “cura”.
Quer resolver seus problemas usando o texto, e não serve. É a dor dele e não
a dor que tem que ser vivida naquela situação. Acaba trazendo o texto para
si e não vai até o texto
 Leitura atmosférica do texto
o Temos que “ler” a atmosfera da cena que está sendo vivenciada. Cada cena
tem a sua atmosfera, não é uma atmosfera única
 Quando tiramos o texto do papel
o Qual foi a dificuldade? O universo, a referência? Que caminho você fez?
o Explo: Revelar a vida, o universo de uma mulher em dor... : O ator tem que
olhar para esse universo; não pode estar deslocado da força feminina:
mulher, bicho, fêmea, deusa. Se faltar o conceito, ficou desumano nas idéias
o Cuidado com preconceitos: homossexualismo, favela, gente rica
o A história da nossa vida às vezes é o bastante enquanto referência de
diferentes universos
o O ator vive, o autor critica o “social”.
o Fez sua interpretação e não deu conta pois não se viu dentro dele e...
idealizou
o Em vez de buscar e trazer, imaginou e criou esteriótipos
o Não soube escolher, enxugar... perdeu-se entre as muitas informações que op
texto trouxe
o Não ouviu o texto e se defendeu dele o tempo todo
 Tudo construído, não existe a verdade em ação.
o “rolou” o esforço em mostrar a cena mas não rolou a cena... e a vimos em
função de determinados signos... mas não pudemos ver a relação entre os
personagens, a situação em cena
o Figurino, maquiagem, cenário, adereços já contam, o ator não precisa contar
mais
 Tempo
o É o tempo real do sensorial que dita o tempo da cena, a transição entre um
momento e outro
o Cada um tem seu tempo. O tempo ritmo interior determina o tempo-ritmo da
cena (?)
o Ao terminar a cena, tem que ter o tempo de sustentar aquela atmosfera,
sustentar o silêncio
o O tempo também é marcado pelos momentos fortes e fracos da cena, o que
dá tonicidade, ritmo
 Tempo na fala
o Esperar a deixa de texto e não a deixa da situação
o Cortar a fala do outro, não respeitar turnos
o Dificuldade em dar pausas e silêncios
o gaguejar ou engavetar frases (distribuição de unidades de fala no tempo),
velocidade rápida com prejuízo da articulação
 Foco
o Não tem um foco único, vê muitas coisas ao mesmo tempo, vê todo aquele
universo e não participa
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o Às vezes não encontra nada dentro e se perde. Pega o que estiver na mão e
joga
o Às vezes o ator apresenta conflitos no espaço “foco”. E vai no conflito e não
no foco
 Foco externo(?).
o Direcionalidade: de onde fala? De cima? Postura arrogante, fala alto. De
baixo? Fala fraco, sem projeção

V - TREINAMENTO DE VOZ PARA O ATOR

OFICINA 1. EXPRESSÃO VOCAL


Tem como principal objetivo tornar a voz do ator um instrumento sensível, que
responda prontamente às suas intenções trazendo, desta forma, a verdade em ação, para que
possamos ver o humano em cena. O foco do treinamento está na pessoa pois partimos do
principio de que o que interessa de fato não é construir personagem, nem atuar a partir de si
próprio e sim, atuar a partir do conhecimento de si mesmo.

 Etapa 1: Faxina Geral


o Antes de tudo existe um texto que vai ser trabalhado.
o Então, a proposta desta etapa inicial, que passa pelo autoconhecimento, é
“colocar para fora” todas as tensões que podem estar bloqueando o corpo e a
voz, sua movimentação integrada e espontânea, e criar um espaço interior
para novas sensações.
o Exercícios Bioenergéticos (Lowen - Bioenergética) e Meditações Ativas
(Dinâmica/ Kundalini - OSHO).
 Etapa 2: Repertório
o Esperamos que agora, livre das velhas tensões, o ator tenha espaço para ser
preenchido por outras sensações. Para isso, ele vai (re)vivenciar
determinadas situações e tomar conhecimento de como as sensações que daí
nascem se manifestam na sua voz e no seu corpo, (re)criando assim um
“repertório” para ser acessado em função de um foco que está no texto –
roteiro escolhido.
o Exercícios expressivos
 Etapa 3. Os diferentes universos.
o Explo de trabalho com texto que aborda o universo feminino: várias são as
possibilidades que este universo oferece: a mãe, a mulher, a prostituta, a
amante... Suponde que o texto coloca em evidência a figura da “mãe”.
Temos então um seu leque de possibilidades: mãe boa, mãe que abandona,
mãe possessiva... considerando ser este o primeiro e o mais importante
vinculo que estabelecemos na vida, a partir do qual, outras relações se
estabelecem.
o Propor situações que possibilitem a expressão da dinâmica emocional
relacionada com o tema proposto.
o Em seguida buscar as referências que o ator traz deste universo, por meio de
depoimentos, possibilitando também que ele possa integrar as experiências
vivenciadas ao longo da oficina.
o Buscar as referências que o dramaturgo traz deste universo.
 Etapa 4. Improvisação
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o Improvisações rápidas, de 5 minutos, para poder ver como os atores fazem a


passagem dos exercícios em função de um texto. Esperamos que nesta
improvisação ele se coloque inteiro na situação, que haja integração entre os
movimentos do corpo e da voz, para que possamos ver a verdade em ação, o
humano em cena.

OFICINA 2. CONHECENDO A SUA VOZ, SEUS LIMITES E POSSIBILIDADES

A voz do ator em cena recebe necessariamente determinados ajustes, em função do


espaço teatral, para que o público presente ao espetáculo seja por ela afetado. Dizemos
desta voz cênica que ela tem que ser “projetada” (Master S. 2005).

 ETAPA 1
o Princípios e objetivos do trabalho técnico com a voz
o Saúde vocal
o Noções sobre produção da voz
o A escuta: treinamento auditivo
o A voz do ator e a voz cênicas: conhecer e saber identificar cada um dos
recursos vocais usados e que podem ser potencializados tendo em vista o
trabalho cênico
o Principais dificuldades técnicas no uso da voz cênica
 ETAPA 2
o Integração corpo e voz no movimento e no espaço
o Aquecimento e desaquecimento vocal
o Respiração: apoio em intensidade forte
o Pausas, pausa respiratórias e uso do ar de reserva
o Tom de voz e modulação destes tons
o Tonicidade da palavra: a palavra que tem valor
o Intensidade da voz e variações de intensidade
o Velocidade e tempo-ritmo
o Ressonância
o Articulação de vogais e consoantes

Estratégias

 Jogos teatrais, improvisações, textos (recursos vocais em partitura)


 Exercícios direcionados a cada um dos parâmetros vocais tendo em vista a
respiração, a fonação, a ressonância e a articulação
 Usar textos teatrais e poesias abordando diferentes estéticas do Teatro ocidental
 Análise acústica
o Podemos desenvolver parte do treinamento usando a análise acústica
computadorizada que dá a possibilidade de “ver” a voz em tempo real: seu
tom as curva melódicas, a intensidade, onde fazemos pausas e respiramos
definindo cadências e ritmos, a velocidade das nossas falas e a articulação
das vogais e consoantes. Nos exercícios de aquecimento, e de ressonância,
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conseguimos focalizar e amplificar os harmônicos mais agudos do espectro,


na região do “formante do ator” - evento acústico relacionado com a nossa
percepção de voz projetada. E assim, podemos acompanhar a evolução da
preparação vocal avaliando, mais objetivamente, a qualidade da voz antes e
no final do curso, por meio do espectro médio de longo termo.

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