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Thomas Richards

trabalhar com
Grotowski
sobre as ações físicas

MW, COM UM PRE FÁCI E O ENSAIO


Z “DA COMPANHIA TEATRALÀ ARTECOMO VEÍCULO”
MINS pr IpRZY GROTOWSKI

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Grotowski Fala
no Hunter College

À primeira vez que ouvi Grotowski falar de ação física foi


numa conferência que ele fez em 1985, no Hunter College
de Nova York. Ele deu uma palestra sobre Stanislávski. En-
tre outras coisas, falou do trabalho de um ator russo que viu
atuar num drama de Tolstói, Os Frutos da Civilização. O per-
sonagem que o ator interpretava falava praticamente durante
um ato inteiro. Trata-se de um professor interessado em fe-
nômenos parapsicológicos que visita a casa de alguns ami-
gos e tenta convencer os presentes sobre suas teorias. O ato
inteiro gira em torno do discurso que esse professor faz para
Os outros personagens. Grotowski disse que a probabilidade
do espetáculo ser chato era muito alta e que a tarefa do ator
era realmente difícil: ele tinha que dominar um monólogo
enorme que, pior ainda, era uma palestra. Mas foi um espe-
táculo de alto nível. Por quê? Graças ao uso que o ator fez do
-—método das ações físicas”.
Grotowski disse que os únicos acessórios usados pelo ator
eram, por exemplo, os pequenos objetos cotidianos de um pro-
fessor. À medida que Grotowski falava, ele usava os objetos que
se encontravam em cima da mesa, à sua frente: cachimbo, lim-
pador de cachimbos, tabaco etc., lembrando com seu próprio

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32 TRABALHAR COM GROTOWSKI SOBRE AS AÇÕES FÍSICAS

corpo, em alguns momentos, o trabalho desse ator, recriando


suas ações na nossa frente.
Sim - continuou Grotowski -, esse ator estava dando uma
palestra para os outros personagens, mas qual eraa sua “parti.
“tura fisica”? Era a luta por atenção, o reconhecimento dos aliados
e dos adversários (através da observação dos ouvintes), bus-
cando o apoio dos aliados, dirigindo seus ataques aos perso-
nagens que ele suspeitava que fossem os adversários etc. Era
a partitura de uma batalha, e não de uma palestra. Grotowski
tentou se lembrar: será que ele utilizou seus pequenos objetos?
Pegar um cigarro, acendê-lo...? Grotowski disse que a dança
do ator com esses pequenos objetos podia ter sido uma série
de atividades vazias. Mas foi o por quê e o como que fizeram
com que fossem ações físicas, e não atividades. Imaginemos,
por exemplo, que o personagem pegue um cigarro; na ver-
dade ele está despistando, ganhando tempo para pensar em seu
próximo argumento. Depois ele bebe um copo dágua; mas na
realidade faz isso para observar os outros, para ver quem está
ao seu lado, quem concorda com ele. Talvez ele se pergunte:
“Será que eu os convenci, ou não? Sim, a maioria deles está
convencida, menos aquele cara sentado na poltrona!” Então
ele retoma seu discurso para “quebrar” esse sujeito, dirigindo
todo o seu ataque contra ele.
O próprio Grotowski começou a fazer as pequenas ações
físicas do personagem, e nós nos tornamos seus parceiros,
ouvindo: ele utilizou as atividades com seus objetos pessoais
(pipa, copo dágua etc.) e as transformou em ações físicas diri-
gidas a nós, observando quem estava ao seu lado e quem não
estava. Quem era seu inimigo? Uma batalha ativa para nos
convencer começou a ganhar vida.
O ator russo de quem Grotowski falou, usando uma par-
titura de ações físicas na relação com seus parceiros, transfor-
mou o enorme monólogo numa batalha. Alguns anos depois,
descobri que o ator que interpretou o professor descrito por
Grotowski foi Vasily Toporkov, o discípulo de Stanislávski que
escreveu em profundidade sobre o “método das ações físicas”
em seu livro Stanislavsky in Rehearsal. Grotowski considera
esse livro o mais importante documento - ou descrição - sobre
o modo de Stanislávski trabalhar o “método das ações físicas”

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GROTOWSKI FALA NO HUNTER COLLEGE 33

Em sua palestra no Hunter College, Grotowski também fez


uma demonstração de outra ação física que era ao mesmo tempo
simples e muito complexa. “Vamos tomar como exemplo a ação
de lembrar” - ele disse. “Se alguém está se lembrando de alguma
coisa, deve observar o que acontece em seu corpo”. Grotowski
tentou se lembrar de algo: a posição de sua espinha dorsal mu-
dou, ficando mais ereta; sua cabeça inclinou-se um pouco para
baixo; sua mão ficou suspensa no ar. Ele falou que podia sentir
fisicamente que essa memória estava em algum lugar atrás dele;
nesse momento, para ele, estava em um lugar preciso, a pouco
mais de um metro atrás de sua cabeça. Isso parecia muito im-
portante: a memóriaestava localizada no espaço com precisão;
e quase imperceptivelmente, mas de forma clara, seu corpo se
curvou na direção desse lugar. Ele realizou todos esses detalhes
físicos com a intenção de recordar algum fato esquecido, e nós
vimos alguém a ponto de se lembrar de alguma coisa.
Nessa demonstração, qual era a ação física? Era o modo
de Grotowski buscar a memória, e por causa disso, seu modo de
manter a espinha dorsal, o ritmo de sua mão suspensa no ar,
a firmeza e a duração de seu olhar; era sua busca interior pela
memória exata que estava projetada no espaço, seu corpo per-
cebendo essa memória atrás dele, e curvando-se sutilmente para
trás, para encontrá-la. Podemos ler claramente o que ele estava
fazendo através das ações físicas do seu corpo, que estava bus-
cando algo, como se ta “Onde ela está? Onde ela está?”
Atividades não são ações físicas”, repetiu Grotowski várias
vezes. Em seguida, ele fez uma demonstração muito clara so-
bre a diferença entre atividades físicas e ações físicas. Fez isso
usando seu copo d'água: levantou o copo até a boca e bebeu.
Uma atividade - ele disse — banal e desinteressante. E aí ele be-
beu água nos observando, atrasando seu discurso para se dar
otempo de pensare de enquadrar seu adversário. A atividade
se converteu em uma ação física, viva. Agora ela tem um ritmo
específico |próprio, que nasceu daquilo que ele estava fazendo,o
que, por sua vez, nasceu das circunstâncias. Se eu lia seu corpo,
entendia sua intenção: “Será que ele nos colocou— nós, seus
adversários - no lugar que queria, ou não?” Ele bebe para se
dar o tempo de ver, de julgar, de criar uma estratégia específica
para, depois, passar ao ataque.

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34 TRABALHAR COM GROTOWSKI SOBRE AS AÇÕES FÍSICAS

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Quando Grotowski terminou de falar, fui procurá-lo. Nossa
conversa foi rápida. Lembrei-lhe que havia trabalhado com ele
durante duas semanas em Irvine no verão anterior, então per.
guntei se poderia participar do workshop que aconteceria na
segundos e
Itália no próximo verão. Ele pensou por alguns
respondeu: “Sim. Você e M. podem vir. Mais ninguém (M.
naquelas
era outro ator de Yale que trabalhou com Grotowski
De-
duas semanas na Universidade da Califórnia, em Irvine.
para Gro-
pois eu vim a saber que M. havia escrito uma carta
towski perguntando se poderia trabalhar com ele novamente
naquele verão).
Durante essa palestra no Hunter College, ouvi pela pri-
meira vez uma explicação teórica sobre o “método das ações
físicas” de Stanislávski. Naquela época eu pensei: “Entendi.
Como método parece bastante simples, é lógico. Está bem, essa
coisa é fácil demais; agora, como ter acesso à revelação inte-
rior?” Mas naquele verão, na Itália, eu começaria a aprender
que ter a compreensão de algo apenas com a mente é muito di-
ferente do que ser capaz de fazer algo. Saber algo é outra coisa,
está mais relacionado à capacidade que uma pessoa tem de fa-
zer, de pôr em prática. Depois dessa palestra, ingenuamente,
achei que minha compreensão mental do “método das ações
físicas” fosse suficiente.

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