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RESUMO
Introdução
1
Este texto é produto do seminário
É importante, para o que se segue, distin-
“Narcisismo e Identificação”, que acon-
teceu no Instituto da SBPSP no segundo guir entre um exercício de psicanálise aplicada e
semestre de 2005. Trata-se de uma sín- uma interpretação psicanalítica. Cada um tem a
tese do debate sobre o filme O Clube da sua hora e o seu lugar.
Luta, com o qual encerramos o seminá- Este é um texto de psicanálise aplicada.
rio. A proposta foi interpretá-lo à luz
dos textos estudados durante o curso.
Isto significa que um filme foi usado, durante o
Devo a Luís Claudio Figueiredo a suges- seminário, para ilustrar, com um bom exemplo, a
tão deste filme. Agradeço também por teoria; para praticar e firmar a compreensão dos
sua leitura dedicada e comentários preci- conceitos estudados — como se fosse um novo
osos.
*
conceito de português, ou de matemática; para
Membro Efetivo e Analista Didata da
SBPSP. Todos os co-autores são analis- reconhecê-los em sua forma viva e encarnada
tas em formação no Instituto de Psicaná- no “material clínico” do filme. A teoria nos é dada
lise da SBPSP. a priori; pode, então, ser aplicada ao filme. E
isto em dois sentidos: como bússola, ori- anteriormente em lugar algum. Exige tra-
entando nosso olhar e escuta, sensibili- balho, um trabalho de imaginação e de
zando-os para determinados aspectos, an- criação, e não de tradução/ aplicação.
tes invisíveis, ou sem sentido, do que Vejamos. Em certo momento do
estamos vendo e ouvindo. E como uma filme funda-se o Clube da Luta, em que o
espécie de “dicionário” que nos permite objetivo dos sócios não é bater e vencer a
fazer uma aproximação, ou uma versão, luta. É apanhar e perder. O exercício
da linguagem cinematográfica em lingua- parte de uma teoria pronta, que podemos
gem psicanalítica. O importante é que a facilmente reconhecer: a dor física é uma
teoria entra e sai intacta (ou quase intacta, defesa, serve para estancar outra dor
pois alguma transformação sempre é ine- pior, a dor psíquica. Não estranhamos
vitável quando algo é usado) deste exer- mais a cena do filme. Ela foi encaixada no
cício. Se o exercício for bem feito, o filme já sabido. Entendemos.
pode se tornar bem interessante graças a Já a postura interpretativa, ao con-
este recurso. E a teoria se mostra absolu- trário, toma em consideração, potencializa
tamente viva. No caso, a teoria sobre o a sensação de total estranheza que expe-
narcisismo, sobre a identificação, e sobre rimentamos diante da cena. Além disso,
os fenômenos de massa. Diante de um apanhar nos repugna, e nos repugna por-
paciente espera-se que um psicanalista que não faz sentido em nossa cultura —
não faça qualquer aplicação da teoria, embora seja natural para os personagens.
mas sim uma interpretação. A teoria será Nossa estranheza e repugnância são um
usada para orientar sua escuta, e também ponto de partida possível para a interpre-
brotará, redescoberta, da interpretação. tação. E então imaginamos que os perso-
Já uma interpretação (de um filme, nagens têm razão: apanhar pode ser a
do discurso do paciente) é outra coisa. única maneira, no mundo contemporâ-
Não partimos de uma teoria pronta. Mu- neo, de não ser cooptado pelo sistema, de
nidos de um certo olhar, de uma certa manter um mínimo de autonomia com
escuta, ou, mais precisamente, adotando relação ao objeto primário. Mas, ao mes-
uma certa postura diante do objeto, pro- mo tempo, cria-se um sistema de franqui-
curaremos criar-achar uma “teoria do as mediante o qual o Clube da Luta passa
filme”. Não procuramos a tese central, a ser aberto por todo o país. O movimento
manifesta, do filme (o filme é sobre x). de autonomia foi cooptado pelo sistema
Ao contrário, prestamos atenção a cenas capitalista. Enfim, esta compreensão, que
que nos parecem destoar, de alguma fica em aberto, já nos exige e sugere um
maneira, do senso comum, que não pare- movimento interpretativo que vai além de
cem se encaixar em teses fáceis, ou em qualquer teoria já dada.
teorias já prontas. O resultado é algo que Feita essa distinção, passemos à
nos surpreende, já que não estava dado exposição de nosso exercício. Antes, po-
rém, uma palavra sobre o processo de do, sob a mira de um revólver, por outro
produção deste texto. No início do curso, cujo rosto não vemos. Este pergunta algo
antes da leitura dos textos de Freud e como2: “Conhece Tyler Durden? Sabia
comentadores, foi proposto aos alunos de seus planos para explodir os edifíci-
que assistissem ao filme, e que, ao final do os?”. A resposta, “eu sei porque ele
seminário, o vissem novamente para o sabe”, lança-nos de chofre no campo do
debate na última aula. Segundo os alunos, duplo: eu e ele somos o mesmo no que diz
a diferença entre o antes e o depois do respeito a esse saber. Ficamos curiosos
curso foi notória. Antes, era um “filme para descobrir qual a relação entre esse
muito violento”, que repugnou especial- sujeito e Tyler Durden (Brad Pitt). O
mente às mulheres. Depois, passou a ser filme todo é o flashback que nos permi-
um filme instigante para todos. Este texto tirá responder a essa questão.
é a elaboração, feita pela coordenadora, a Somos apresentados ao protago-
partir do debate final. A co-autoria foi nista, personagem torturada pela insônia
dada apenas aos colegas que apresenta- crônica. Adentramos esse universo mar-
ram suas idéias por escrito. cado por um retraimento de tipo esquizóide.
O mundo, as pessoas, as coisas, estão a
O filme abre com uma viagem por uma enorme distância deste homem que
algo que vai parecendo uma trama de não consegue repouso — no duplo senti-
neurônios com um caráter um tanto sur- do de dormir e de encontrar alguma paz
realista, os quais parecem, finalmente, interior. Percebemos seu doloroso isola-
transformar-se em pele. De certa forma mento afetivo, o que o mantém num esta-
é a sinopse do filme, antecipando que do de angústia crônica, causa da insônia.
viajaremos pelo interior de um espaço “Que tipo de porcelana me define
mental, e que testemunharemos a tentati- como pessoa?” é uma de suas falas no
va de construção de uma pele psíquica. A início do filme. O vazio existencial é tão
atmosfera surreal da cena sugere que o intolerável que desejaria morrer. Este
filme pode ser entendido como um sonho, homem — qual é mesmo o seu nome? —
ou melhor, como um pesadelo, em que não chega a ser um cidadão do mundo,
situações e personagens carregam signi- apesar de viajar muito para a companhia
ficados cambiantes de acordo com o de seguros da qual é um medíocre funci-
momento em que surgem. onário. Cidadão dos aeroportos e aviões,
A primeira cena já é violenta e esses não-lugares em que se criam víncu-
bastante enigmática. Vemos um homem los fugazes e descartáveis, tenta preen-
(o ator Edward Norton) sendo interroga- cher o vazio existencial com objetos-
2
Tal como na apresentação de material clínico, não é a fidedignidade objetiva dos diálogos do filme que
nos interessa, mas a fidelidade ao sentido que captamos.
fetiches. Sua compulsão a consumir coi- encontrada por Jack é uma solução psicó-
sas caras, de griffe, tem a função de tica. O filme narra a história de seu
garantir minimamente a sustentação de adoecimento e de sua cura, mas o interes-
seu narcisismo precário. “Compro, logo se maior reside no fato de colocar em
sou.” Ao longo do filme, veremos entrar evidência a produção de um fenômeno de
em cena uma ideologia anti-consumista massa a partir de um sintoma individual.
com função libertária: a personagem gos- Entretanto, Jack vai pedir ajuda
taria de romper com o sistema que o para o sofrimento causado por sua insônia
aprisiona a essa rotina ininterrupta e ab- a um médico. “Quer saber o que é sofri-
surda de trabalhar para consumir. No mento?”, diz ele. “Freqüente o grupo de
trabalho, nosso homem tem uma relação auto-ajuda de homens com câncer de
de submissão rancorosa ao chefe, que, testículo. Aquilo sim é que é dor.” A
tanto quanto ele, é um rato preso na posteriori entendemos que sua insensibi-
ratoeira da falta de sentido da vida. lidade reedita a falta de continência do
Afinal, o protagonista tinha ou não objeto primário. Em seguida temos a pri-
um nome? Durante o debate, tomamos meira aparição de Tyler, imagem quase
nossa dúvida como indício contratransfe- imperceptível, pois dura uma fração de
rencial da problemática narcísica tratada segundo. A seqüência temporal entre a
no filme. Por outro lado, vários colegas se falta de acolhimento do médico e a ima-
lembravam dos nomes fictícios que assu- gem fugaz de Tyler sugere que o precário
mia nos grupos de auto-ajuda que passou equilíbrio mental de Jack começa a ruir
a freqüentar, o que nos fez pensar em quando o sujeito desespera de encontrar
falso self. Enfim, seu nome era Jack. Um seu objeto. Essa imagem já faz parte do
nome tão comum quanto sem graça e, pródromo do surto psicótico que o acome-
principalmente, sem sobrenome, identifi- terá.
ca à maravilha esse sujeito que se sente Aceitando a sugestão do médico,
um nada, um ninguém, anônimo entre Jack começa a freqüentar o grupo de
tantos outros Jacks que existem por aí. auto-ajuda, embora seja perfeitamente
Certamente não tinha a força e a sonori- saudável. A dor desses pacientes termi-
dade de Tyler Durden, nome da persona- nais é “de verdade”, em contraste com a
gem marcante que entrará em cena adi- irrealidade de seu cotidiano. Por identifi-
ante, e de que tivemos notícia na primeira cação, ele encontra uma forma de entrar
cena do filme. em contato com suas próprias dores,
A tentativa desesperada para sair mesmo sendo incapaz de dizê-las. Come-
do anonimato, para dar um sentido à sua ça a sentir-se “re-humanizado” graças à
existência, e para escapar da ratoeira do continência do grupo e, principalmente,
consumo como modo de vida, pode ser de Bob, personagem que terá um papel
considerada o eixo do filme. A saída bastante significativo. Devido ao câncer,
“A mentira dela refletia a minha”, diz Agora ele habita a psicose franca. A casa
Jack. A garota funcionará, ao longo do retrata bem essa atmosfera afetiva: é um
filme, como objeto externo, real, altamen- lugar lúgubre em que tudo está em ruínas,
te investido, e terá a função de resgatá-lo um lugar sufocante, reflexo do que Jack
da loucura. vive interiormente.
Em uma viagem de avião conhece É de maneira bastante gradual que,
Tyler. A afinidade entre ambos é instan- ao longo do filme, vamos percebendo que
tânea e maciça, o que caracteriza as Tyler é Jack. O espectador é compensa-
relações de objeto narcísicas. Chama a do pela espera, e pelo ritmo algo descone-
atenção o fato de que ambos estão com a xo que deve tolerar até certo ponto do
mesma maleta executiva, o que nos re- filme. Esse suspense inteligente é a sur-
mete novamente à questão do duplo, presa e a grande sacada do filme —
anunciada na abertura do filme. O duplo, suspense que, infelizmente, se perde numa
por sua vez, vai-nos introduzindo aos pou- narração que já traz embutida uma certa
cos no campo da psicose. Parte da con- interpretação do filme, como essa que
versa entre os dois é sobre bombas, isto é, estamos apresentando ao leitor. No filme,
entra em cena a violência. Tyler tem uma vamos percebendo aos poucos que Tyler
vida bastante não-convencional: vive de é, em tudo, o oposto de Jack. Forte e
fabricar em casa sabão artesanal, o qual, corajoso, tem idéias próprias e é
como ficamos sabendo mais adiante, é carismático. É uma pessoa segura de si e
feito com gordura humana de lipoas- viril: é ele quem conquista a bela, sensual,
pirações. Como veremos, a gordura como Marla. Não se submete a nada, não de-
excedente é uma metáfora do consumo pende de nada e de ninguém. Tem espírito
do supérfluo do supérfluo, ardorosamente de liderança, todos o admiram, torna-se
combatido por ele. uma celebridade. Enfim, parece ter con-
Voltando dessa viagem, Jack des- seguido ser sujeito de seu próprio desejo,
cobre que seu apartamento explodiu e conduzindo sua vida como bem lhe pare-
está em chamas. É uma bela imagem da ce. Em certo momento fica claro que se
entrada no surto. A polícia investiga o que trata de uma construção delirante de Jack
aconteceu. Os restos mortais de seus e representa seu duplo. Em nossa inter-
caros e preciosos bens de consumo jazem pretação, Tyler representa o ideal de ego
pelas ruas, imagem do psiquismo frag- de Jack, com o qual se funde na psicose,
mentado. Não tendo para onde ir, telefo- tornando-se seu próprio ideal. Esses as-
na para Tyler, que se dispõe a ajudá-lo. pectos de Jack estarão ora mais confun-
Leva-o para sua casa, que é, em tudo, o didos (Jack-Tyler) ora mais discrimina-
exato oposto do apartamento bonitinho de dos (Jack e Tyler) ao longo do filme.
Jack. É uma casa abandonada, caindo Na noite após a entrada no surto
aos pedaços, sem qualquer conforto. seu “novo amigo” lhe pede: “Bata-me
com toda sua força”. Seu lado Tyler o para estancar a dor psíquica, como ocorre
autoriza a viver e expressar sua violência com certos pacientes que se cortam para
e Jack vivencia seu potencial destrutivo, aplacar sua angústia. No texto Além do
que, agora já desconfiamos, está na ori- princípio do prazer Freud (1920/1976b)
gem do surto. O que se vê, depois dessa nota que pacientes que passaram pelos
primeira luta, surpreende o espectador: traumas de guerra não desenvolvem uma
depois de apanhar bastante, Jack-Tyler neurose traumática caso tenham tido, ao
está feliz, satisfeito, sente-se bem, como mesmo tempo, um grave ferimento cor-
que saído de uma experiência revigorante. poral. O aporte de libido necessário para
Sente-se vivo. A dor física parece tornear refazer a integridade corporal funciona
os limites da própria existência, formando como um escudo, que protege o sujeito do
um eu coeso no lugar da experiência trauma psíquico. No filme, quanto mais
anterior de fragmentação. No registro da sangrenta a luta, quanto maior a dor física,
dor e dos hematomas dá-se a passagem mais o sujeito se sente vivo psiquicamen-
do eu corporal para sua dimensão psíquica. te. É outra leitura do que acontecia nos
Encontramos na internet3 uma in- grupos de auto-ajuda, em que a dor tam-
terpretação bastante interessante do efeito bém tinha uma função estruturante do
revitalizante de “apanhar” que tanto nos psiquismo.
intriga no filme. Segundo Marco Antonio Enfim, essa primeira briga funda o
Dassori, o filme “subverte a lógica do que virá a ser o Clube da Luta. A solução
sistema ao afirmar que o importante não sintomática de Jack-Tyler irá, aos pou-
é bater, mas sim apanhar. Ao “baixar a cos, se transformando em um fenômeno
guarda”, abrindo mão do conforto e da de massa. Em pouco tempo, muitos ou-
segurança, o indivíduo encontraria a ver- tros homens aderem de maneira entusias-
dadeira “liberdade”. Ou seja, se o sistema mada a essa atividade altamente estimu-
é vivido como uma mãe engolfante, de lante, depois de uma jornada de trabalho
cujas injunções não é possível escapar, a totalmente desvitalizado e desinvestido.
única maneira de recuperar um mínimo De acordo com as regras, os membros do
de autonomia com relação ao desejo do grupo podem lutar dois a dois, um contra
objeto primário é abrir mão do desejo de o outro, em dias da semana prefixados,
“vencer”. Desejar “apanhar” é, parado- dentro de um código de ética que deve ser
xalmente, a única maneira de buscar o respeitado. Se o grupo de auto-ajuda fun-
próprio desejo. cionava como uma família, continente das
A luta não se inscreve no campo do angústias dos seus membros, o Clube da
prazer erótico, mas no do alívio da dor Luta se mantém e se reproduz apoiado
psíquica. A dor física está sendo usada sobre outras funções psíquicas que reali-
3
Site http://adorocinema.cidadeinternet.com.br/filmes/clube-da-luta/critica22.html.
za para seus membros. Do ponto de vista sua outra vida — que, por sinal, é a
econômico representa um aporte de libi- nossa!), não precisariam trabalhar em
do narcísica que falta a esses sujeitos serviços de que não gostam, apenas para
desvitalizados. Do ponto de vista dinâmi- ganhar mais dinheiro. Poderiam dedicar-
co, sua ideologia representa a possibilida- se àquilo que realmente lhes dá prazer.
de de recuperação do narcisismo perdido. Há uma cena violentíssima na qual um
Opondo-se ao consumismo sentem-se li- oriental é ameaçado de morte, para ser
vres. Em outras palavras, o grupo oferece libertado com a condição de voltar a
representações valorizadas que susten- estudar veterinária, sua paixão antes de
tam a identidade do sujeito. ser um funcionário de uma loja de conve-
A depressão narcísica que está na niência. Os membros do grupo são obri-
base do surto de Jack cede quando a libido gados a ter, na ponta da língua, um
volta a circular e a investir novos objetos: pseudoprojeto pessoal ou um hobby que
o líder, mas também o eu-amado-pelo- lhes daria prazer. Obviamente, como “ter
líder. O grupo funciona como um um projeto ou um hobby” é uma imposi-
exoesqueleto que sustenta, de fora para ção do líder, não tem nada a ver com
dentro, as frágeis fronteiras egóicas dos prazer ou realização pessoal. Ao contrá-
sócios do clube. O grupo de auto-ajuda rio, a adesão sem crítica é tão alienante
era composto por sujeitos castrados, quanto o consumismo que combatem.
perdedores, em plena posição depressi- Enfim, é tão contraditório quanto preten-
va. Aqui, pelo contrário, o ego se percebe der levar um país à democracia na marra,
coincidindo com o ideal do ego, o que cria custe o que custar.
um estado hipomaníaco em que tudo é Com tal ideologia libertária, os só-
possível. O ideal narcísico de tolerar a dor cios do clube veneram Jack-Tyler como a
física, em lugar de fugir dela como os um salvador — ele os salvou da existên-
comuns mortais, é essencial para que o cia medíocre e desvitalizada da escravi-
ego se perceba como sendo, novamente, dão consumista. Por outro lado, Tyler
seu próprio ideal. Isto, aliás, é ilustrado exige obediência cega. Aos poucos, a
pela cena em que Tyler queima a mão de coisa vai crescendo e se organizando, até
Jack com um ácido que produz uma dor se transformar em um exército paralelo
excruciante — e Jack deve ser capaz de que visa combater, com ações terroristas,
ser homem o suficiente para suportar a as instituições que fomentam o consumo.
dor. O narcisismo dos membros do grupo se
A ideologia anticonsumista confe- sustenta totalmente no fato de pertence-
re um novo sentido à existência. Tyler rem ao Clube da Luta, o que os torna, a
sustenta que, se as pessoas não sentissem seus próprios olhos, superiores aos outros.
a necessidade de consumir bens absolu- Em termos freudianos, estão muito próxi-
tamente supérfluos (como Jack fazia em mos do ideal do ego proposto pelo líder.
O Clube da Luta abre franquias Marco Antonio Dassori (no site já cita-
pelo país. Nos termos de hoje, Tyler do), o objetivo do Projeto Caos era
torna-se uma celebridade. Em termos
freudianos, ele se transforma no “pai da (...) minar a sociedade de consumo por
horda primeva”. Ou, segundo Janine meio de ações terroristas, tendo por alvo
Chasseguet-Smirgel (1992), ele se apre- organizações emblemáticas, como as em-
senta como uma mãe narcísica idealizada presas de cartão de crédito. Se no começo
a empreitada parece obter sucesso, irma-
que permite realizar, através de si, os
nando os personagens, a implementação
desejos mais regressivos de seus mem- do referido projeto resulta no nascimento
bros. O líder, longe de ser um pai, é aquele de uma organização de cunho nitidamente
que sustenta a ilusão de fusão regressiva fascista, militarizada e despersonalizante
com o objeto primário idealizado. que, ao negar o consumismo, também re-
jeita o humanismo.
A figura paterna é de fato expulsa,
excluída do grupo, como o Superego. Tudo Ao perder Bob, Jack não mergulha
se passa como se a formação coletiva em numa depressão narcísica. Ao contrário,
si constituísse a realização alucinatória da recupera seu lado mais humano e esta é
posse da mãe pela irmandade, de um modo a ocasião para que se dê o reconhecimen-
muito regressivo, o da fusão primária.
to da alteridade do objeto. O filme mostra
Entretanto, o chefe pode existir (basta
pensar nas massas nazistas). A meu ver,
que Bob é a primeira pessoa no grupo que
ele não saberia confundir-se com o pai: o pode ser chamado pelo nome e sobreno-
chefe é aquele que ativa o antigo desejo de me, e que merece um enterro digno.
união do Ego e do Ideal. Ele é o promotor Em seu processo de refazer conta-
da Ilusão (1992, p. 73). to com a realidade, começa a se interes-
sar por Marla, e preocupa-se em protegê-
A primeira parte do filme narra a la dele-Tyler. E começa a ser crítico,
psicotização de Jack, o processo de con- tanto com relação às ações predadoras
fusão entre Jack e Tyler, enquanto a do Clube, quanto com relação às franqui-
segunda mostra os caminhos de sua lenta as. Já não está fundido com a ideologia do
recuperação, isto é, da possibilidade de grupo. Agora fica horrorizado com o ideal
efetuar a discriminação e o luto pela que criou. Combatê-lo passa a ser seu
perda da fusão com o ideal narcísico. A novo ideal.
relação com a realidade começa lenta- Já fora do surto, percebe que ele-
mente a se recompor quando seu velho e Tyler havia criado um plano para destruir
querido amigo Bob morre em uma missão certos edifícios, símbolos do capitalismo e
do Projeto Caos — uma das atividades do consumismo. Vai à polícia e entrega-
colaterais do Clube da Luta a serviço da se. Quer reparar os estragos. Mas a
ideologia anticonsumista. Ainda segundo própria polícia pertence ao Clube da Luta,
14, pp. 89-119). Rio de Janeiro: Ima- Freud (J. Salomão, trad., Vol. 18,
go. (Trabalho original publicado em pp. 91-179). Rio de Janeiro: Imago.
1914.) (Trabalho original publicado em 1921.)
SUMMARY
RESUMEN
Marion Minerbo
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