Você está na página 1de 5

Danilo Silva do Nascimento

00271001

1)
Explique, com suas palavras, a relação hermenêutica da importância dos filmes que
Cavell explora nos primeiros capítulos de The World Viewed, indicada já no prefácio da
obra.

Em “The World Viewed”, Stanley Cavell fala sobre a essência do cinema e de sua
importancia para a compreensão da experiência humana. É uma abordagem interpretativa
que ressalta a importância cultural, emocional e filosófica do cinema em nossas vidas.
Para entender isso, é necessário investigar como Cavell pensa o cinema, a saber, uma
forma de arte que vai além da mera observação, nos instigando a uma reflexão ativa sobre
questões existenciais e filosóficas.
Neste sentido, importa reconhecer que Cavell enxerga os filmes como textos a serem
interpretados, de mesmo modo que obras literárias ou peças de teatro. Para ele os filmes
refletem a realidade, mas também a reconstrói e reinterpreta significativamente. Por isso,
ver um filme envolve a busca por significado além da superfície daquilo que está sendo
passado na tela, ou seja, uma interpretação mais profunda, sendo necessária uma
participação ativa do espectador na interpretação do que é exibido.
Cavell também sugere que filmes são meios para explorar questões existenciais e
filosóficas, como identidade e amor, morte, que nos faz refletir sobre nossas próprias
vidas e experiências. Por exemplo, Assistir ao “O sétimo selo”, de Bergman, terá uma
certa afetação em alguém que está preocupado com o valor existencial e filosófico da
morte e deus, provocando uma reflexão mais profunda em relação a sua própria existência
e a morte.
Cavell destaca a importância da subjetividade na experiência cinematográfica.
Diferentes espectadores podem interpretar um filme de maneiras diversas, com base em
suas próprias experiências, valores e perspectivas. Uma pessoa que tem uma doença
terminal terá uma afetação completamente diferente (talvez horripilante) assistindo ao “o
Sétimo Selo”. Portanto, envolve uma concepção de diversidade de interpretações
possíveis e em como essas interpretações possíveis e diferentes pontos de vista podem
enriquecer nossa compreensão de um filme.
É importante perceber a noção de que o cinema é capaz de desafiar e ampliar nossas
concepções de mundo. Os filmes, segundo Cavell, têm o poder de nos fazer questionar
sobre nossas crenças e nos convidar a aceitar novas possibilidades. Por exemplo, um
filme experimental pode subverter as convenções narrativas, fazendo com que os
espectadores repensem sua compreensão dessas estruturas e abrindo portas a um novo de
narrar.
Além disso, filmes têm o potencial de nos conectar de maneiras profundas e
significativas, seja com nós mesmos ou com outros. Através de um filme podemos
experimentar uma sensação de empatia em relação aos personagens, podemos
compreende-los, mesmo que sua realidade e contextos sejam pouco ou muito diferentes
das nossas. Isso é fundamental, pois mostra como o cinema é capaz de unir pessoas de
diferentes origens e experiências ao redor de ideias e emoções compartilhadas.
Cavell enfatiza a importância do cinema como algo que pode ser enriquecedor, que nos
desafia, que nos leva a um aprofundamento e empatia sobre nós mesmos e sobre o mundo
ao nosso redor. Refletir em como os filmes representam questões existenciais e filosóficas
e reconhecer a diversidade de interpretações faz com que participemos ativamente na
busca por um significado e por valor nas obras cinematográficas.

2) Qual a interpretação que Jônadas Techio faz do filme Rashomon (1950) e no que ela
difere da leitura que ele chama de "epistemológica"?

No artigo intitulado “Cinema como filosofia? Uma introdução ao debate, e uma análise
de Rashomon como caso-teste,” Jônadas Techio explora a relação entre cinema e
filosofia, argumentando que o cinema pode nos oferecer contribuições genuínas para a
filosofia. Para sustentar essa perspectiva, Techio identifica obstáculos que frequentemente
impedem que o cinema seja considerado uma forma de fazer filosofia. Esses obstáculos
estão relacionados a visões restritivas sobre racionalidade, cognição, significado e, por
extensão, filosofia e cinema. Techio entende que o cinema, quando analisado de maneira
mais ampla, pode ser uma ferramenta de reflexão sobre questões filosóficas.
Rashomon, lançado em 1950, apresenta uma narrativa complexa. O filme retrata um
crime ocorrido em uma floresta, envolvendo um samurai assassinado, sua esposa e um
bandido. O enredo é apresentado por meio de quatro relatos conflitantes de testemunhas
oculares, cada um com sua própria perspectiva e interpretação dos eventos. Techio
defende que o filme deve ser interpretado a partir de uma interpretação existencial. O
monge está aflito porque não há verdade, não há certezas além da morte, a única certeza
é a morte do samurai. O monge está passando pelo processo niilista.
Para Techio, Rashomon transcende a mera ficção cinematográfica e oferece uma reflexão
profunda sobre a natureza da realidade e da existência humana. O filme nos leva a
questionar a subjetividade da percepção e a complexidade da verdade. Para isso, o autor
introduz um “interlúdio heideggeriano” que explora a importância dos estados de ânimo
na nossa relação com o mundo. Ou seja, são modos fundamentais de ser e compreender
o mundo.
Em resumo, a interpretação de Jônadas Techio sobre Rashomon difere da abordagem
epistemológica tradicional, pois ele enxerga o filme como um filme que nos convida a
refletir filosoficamente sobre a multiplicidade de perspectivas, a incerteza e a natureza
subjetiva da verdade, e o niilismo. O cinema, segundo Techio, pode ser uma fonte rica de
insights filosóficos, desde que estejamos dispostos a olhar além das limitações
convencionais e explorar sua profundidade e complexidade.
3) Com base em um dos autores trabalhados no semestre, ou seja, Julio Cabrera ou Stanley
Cavell, escreva uma leitura interpretativa de algum filme a sua escolha. A resposta deve
incluir uma fundamentação num destes autores, bem como uma apresentação introdutória
do filme e, claro, explicitar como você vê a filosofia neste filme.

Para Nietzsche, sua época estava em plena decadência, padecendo de uma doença que ele
chama de niilismo, que é o processo de esvaziamento de sentido de um individuo,
perdendo sua base moral, o que leva esse individuo a um mundo de incertezas. O niilismo
é fundamental em sua filosofia. No filme “O Sétimo Selo”, de Ingmar Bergman, vemos
o cavaleiro Block passando por esse processo. O niilismo é uma profunda vontade de
nada, e seu ápice é o suicídio. Por séculos o homem compreendeu o mundo como algo
finito por meio da metafisica e pelos instrumentos de conhecimento do mundo, como a
lógica. O homem se distancia do mundo ao seu redor, tornando-se um animal fantástico
que precisa saber por que existe. Quando todas essas certeza caem por terra, a única coisa
que lhe resta é a morte.
Para a superação de viver em um planeta sem sentido e sem justificativa, Nietzsche utiliza
o o conceito de jogo para expressar a nova relação do homem com o mundo,
compreendido como constante vir a ser, ou devir. Nesse novo mundo a verdade perde sua
força, prevalecendo a interpretação e o perspectivismo. O Mundo é, então, caótico,
infinito e inconstante, tendo que ser interpretado pelo individuo a partir de sua própria
visão de mundo, tal atividade é criadora de sentidos. Assim como o homem cria na arte,
ele também deve estar apto a criar novas metas e visões da mundo para si, superando as
antigas significações, explorando as possibilidade que ainterpretação moral da existencia
abriu. Assim, quando o homem supera o niilismo ele não teme viver em um mundo sem
Deus, de puro devir, criando novos valores.
Nietzsche quer superar a moralidade vigente até então, que para ele era a fonte da
decadência e da doença moderna. Para ele a origem dessa concepção de moral como valor
superior estava no cristianismo. Assim, para ser capaz de viver em um mundo infinito e
sem verdades o homem precisaria ser capaz de fazer novas interpretações e criar valores
sobre a vida.
O Sétimo Selo conta a história de um cavaleiro que recebe a inesperada visita da morte.
No entanto, desafia a morte a jogar xadrez como um modo de adiar que ela o leve. O
filme apresenta muitos personagens, no entanto, dois merecem destaques: o cavaleiro e
seu escudeiro. Apesar de serem personagens distintos, nesta interpretação acredito que
são faces de uma mesma moeda, ou seja, modos diferentes de pensar e de viver de um
homem passando pelo processo niilista, herdeiro da modernidade nietzschniana. O
cavaleiro, Block, é assolado por duvidas quanto a fé, questionando a existência de Deus.
O escudeiro, Jons, é livro, sem as amarras morais, que aceita o acaso divino.
A morte de tão certa e real, de tão verdadeira no mundo, se materializa para Block. O
cavaleiro não está preparado, diz que não entendeu a vida. Block então ganha tempo para
tentar adquirir conhecimento sobre a vida propondo um jogo de xadrez com a morte.
Em um certo momento, o escudeiro Jons pergunta ao um pintor de uma capela, que está
executando seu trabalho, o que a pintura representaria. O artista responde que “a dança
da morte” e que a razão para pinta-la é para lembrar que a morte é para todos. O escudeiro
diz que as não ficarão felizes. O pintor no entanto questiona “porque é que deveriam
sempre ficar felizes?”, indignado como se as pessoas não pudessem sentir e suportar a
infelicidade. No fim ele conclui que “eu pinto, cada um vê como quer”. O pintor está
ciente da morte de Deus e conhece a única certeza do mundo, a saber, a morte. Ele
compreende que a existencia não é feita apenas de felicidade, de coisas boas e etc, mas
que faz parte da vida as tristezas, a dor, o sofrimento e etc. Em seu conceito de amor fati
Nietzsche diz: “aprender a ver como belo aquilo que é necessário nas coisas: - assim me
tornarei um daqueles que fazem belas as coisas. [...] amor ao destino; seja este, doravante
o meu amor!”. Ou seja, Nietzsche aceita a vida por completo, com todas as suas dores e
alegrias, aceitando o acaso e tudo que for inevitável.
Na mesma cena, o escudeiro completa dizendo que “.... Desprezo a morte, zombo de
Deus, rio de mim mesmo e sorrio para as mulheres. Meu mundo é meu e só acredito em
mim mesmo. Ridículo para todos e até para mim mesmo, sem sentido para o céu e
indiferente para o inferno”.
Em contraste, o cavaleiro vai até um confessionário, pensando estar se confessando com
um monge, sem saber que na verdade quem está no confessionário é a morte. Ele diz que
deseja se confessar, mas que seu coração está vazio, que sente repugnância e medo ao
olhar o próprio rosta que reflete todo esse vazio. O cavaleiro ainda completa: “Vivo em
um mundo assombrado, fechado em minhas fantasias”. Para Nietzsche, o ápice do
niilismo é o suicídio, mas apesar de essa não ser a escolha de Block, ele deseja a morte.
Block é a expressão do homem niilista que perdeu o sentido, que não tem mais um guia.
Porém ao ser indagado porque, então, ele a evita, o cavaleiro responde que a evita por
querer conhecimento. Block tem dúvidas da própria e fé, e teme por isso, mesmo que não
consiga ser capaz de deixar sua crença. Block não consegue atravessar o niilismo e
superar o que restou da sua antiga divindade.
Mais a frente, Block e seu escudeiro chegam a uma vila onde acontece um teatro. O
teatro diverte o público, e zomba da fé fazendo menções a passagens bíblicas. Para criticar
a fé, que usa o medo da morte, do inferno, de um deus cruel que castiga quem o contrapõe,
o diretor contrasta toda aquela alegria e leveza com a chegada de uma procissão com
doentes e aleijados, açoitando uns aos outros. A alegria e leveza torna-se horror. Todos se
ajoelham, menos Block e seu escudeiro.
Block conhece esses artistas, um deles é Jof, que vive fantasiando e tendo visões, ou
seja, criando seu próprio mundo. Ao conversar com a atriz, esposa de Jof, num campo,
comendo morangos juntos de um bebê (uma vida que está emergindo) surge o seguinte
dialogo, : “como isto é bom”. O cavaleiro responde: “um breve momento”. Ela diz: “como
sempre. Todos os dias são iguais. Não há nada de diferente”. Aqui transparece o conceito
de eterno retorno, de Nietzsche. Os artistas vivem tranquilamente, não temem nem Deus
e nem a morte, apreciando cada instante, sendo capazes de viver a mesma vida repetidas
vezes. Essa visão de mundo toca o cavaleiro e no seu próximo encontro Block está mais
leve diante da morte.
A cena da punição da mulher pela inquisição mostra como Block mesmo após as lições
dos artistas. Enquanto o escudeiro se mostra contrário aquela punição, Block se vê mais
uma vez questionando Deus, a morte, o inferno. Jons diz a block: “o que ela vê, pode me
dizer? Quem cuida dela? Um anjo, o diabo, Deus ou apenas o vazio?”. Diante do espanto
de Block, Jons mesmo responde: “o vazio”. Block recusa essa resposta, e o escudeiro
continua dizendo: “Estamos impotentes, pois vemos o que ela vê e tememos o mesmo”.
Jons, mais uma vez, demonstra saber lidar com a descoberta do vazio, da falta de sentido,
da falta de Deus. Block, por sua vez, não é capaz de lidar com isso.
No momento final da trama, Block e seus amigos chegam à sua casa. Uma tempestade
forte os assola. Durante o jantar a morte bate a porta, e todos temem, menos o escudeiro
que se levanta e vai atender a batida. Não há ninguém e Jons volta a se sentar na mesa. A
morte então aparece em cena, todos a veem. Block chora e suplica misericórdia a Deus,
o escudeiro então diz: “em sua alegada escuridão, onde devemos todos estar, não há
ninguém para ouvir suas lamentações e sofrimentos. Limpe suas lágrimas e enxergue sua
indiferença”. Em seu ultimo momento Block é tomado por temor e se volta novamente a
fé. Mesmo os ensinamentos dos artistas não foram capaz de fazer com que Block
atravessasse o niilismo. O único que fez isso foi o escudeiro. Jons, para Nietzsche, seria
um homem superior. Nietzsche diz: “Coragem tem aquele que conhece o medo mas vence
o medo, que vê o abismo, mas com orgulho.”
Na ultima cena, Jof e sua família sobrevive. Ele vê a morte levando os outros para
dançar. Assim, tanto para Nietzsche quanto para Bergman, a arte é de suma importancia
para a vida, uma vez que é somento através da fantasia e da criação que o homem
consegue superar a angustia de viver em um mundo sem Deus.

Você também pode gostar