s e n t a a c l í n i c a d a s psi- coses c o m o unia expe- riência limite, em que PSICOSES NA é n e c e s s á r i a u m a série de a t o s a n a l í t i c o s p a r a c r i a r as c o n d i ç õ e s d o INFÂNCIA: t r a t a m e n t o . D e s c r e v e os diversos m o m e n t o s clí- n i c o s e a b o r d a os efei- IMPASSES E t o s e s t r u t u r a i s da a n á - l i s e p a r a as p s i c o s e s INVENÇÕES n ã o d e c i d i d a s da i n - fância. Apresenta ainda os impasses desta clí- n i c a , p o r m e i o de u m caso paradigmático. Psicose na i n f â n c i a ; Leda Mariza Fischer Bernardino ato analítico; trata- mento psicanalítico
THE CLINIC OF INFANTILE
PSYCHOSIS: IMPASSES AND INVENTIONS This paper presents Enquanto psicanalistas, temos uma aborda- the psychosis clinic as an experience-limit in gem estrutural da questão das psicoses na infância. which a chain of analytica Is actings is Seguimos um caminho desbravado por nossos ante- necessary to create the treatment conditions. It cessores. Freud descobriu o valor das palavras, da describes the several clinical moments and approaches the instauração da transferência e dos mecanismos defen- structural effects of the psychoanalysis to the sivos que m a r c a m nossa instalação na l i n g u a g e m , non-decided infantile psychosis. It also abrindo o caminho para um diagnóstico estrutural. presents the impasses in this clinic through a paradigmatic case. Melanie Klein nos mostrou que a criança, e mesmo Infantile psychosis; analytical acting; a criança psicótica, pode ser receptiva aos efeitos psycho analytical treatment destas palavras. Winnicott apontou-nos o campo da
ilusão e da transicionalidade como essenciais para o
s u r g i m e n t o de u m s u j e i t o . L a c a n , p o r s u a v e z ,
abriu as possibilidades de uma clínica do significan-
te, não necessariamente verbal. Françoise Dolto des-
dobrou as conseqüências disto na escuta das crianças
em situação de risco e de seus pais. M a u d M a n n o ¬
ni ampliou as alternativas de atendimento mostrando
suas possibilidades institucionais. Enfim, não nos fal-
tam referências teóricas e práticas neste campo.
e a análise são apenas um ponto de partida, pois não temos idéia do c a m i n h o que faremos a cada vez, n e m sabemos m u i t o bem aonde vai dar. É u m a clínica temerária: sabemos que i m p l i c a ris- cos, mas não sabemos quais serão. A escuta das crianças que são assim diagnosticadas e que recebe- mos para tratamento representa u m desafio. Enfrentar este desafio pressupõe que teremos de apostar. Por isso, tomando como inspira- ção Marie-Christine Laznik-Penot - quando fala da clínica do autis- mo como uma clínica ao avesso, pelo trabalho de construção que aí se produz, em contraponto à desconstrução esperada de uma análise tradicional -, arrisco-me a dizer que há u m a outra inversão que é necessário produzir: um só-depois que tem de estar posto de saída. Assim, proponho que, nesta clínica das psicoses na infância e do autismo, os atos analíticos devem ser postos a priori, para fundar a possibilidade da análise primeiramente do lado do analista, para tes- t e m u n h a r de seu desejo de c o n d u z i r este processo. Só-depois de vários atos analíticos desta ordem é que se poderá instaurar uma análise propriamente dita, quando ela chega a se produzir. Primeiramente, ao recebermos o novo paciente com esse diag- n ó s t i c o , a p o s t a m o s que há u m sujeito em c o n s t i t u i ç ã o a l i , por mais longínqua que esta hipótese possa parecer. Apostamos nosso desejo nisto: fazemos da antecipação subjetiva nosso primeiro ato analítico para com a criança. Em segundo lugar, e conseqüentemente, apostamos que este pequeno sujeito a surgir será permeável aos efeitos das palavras. Apostamos nossa enunciação nisto: não importa o que ou como o d i g a m o s , nosso segundo ato analítico para com estes p e q u e n o s pacientes é u m a chamada à fala, u m convite à p o s s i b i l i d a d e de apropriação da linguagem. A terceira aposta que fazemos é no brincar e na instauração de um campo lúdico entre nós e a criança. Queremos encantá-la com o faz-de-conta que povoa o universo infantil. Nosso terceiro ato analítico é escolher um objeto, seja qual for, que nos pareça dizer respeito ao que já ouvimos/percebemos da criança, como um atributo possível para lhe oferecer, que a represente além de seu corpo real, n u m a iniciação ao Imaginário. Uma quarta aposta é nossa "prontidão para a leitura": estamos sempre dispostos a ler, no menor risco, traçado, ou simples gara- tuja, uma marca, uma letra, um desenho, que testemunhe da passa- gem da criança por ali. Nosso quarto ato analítico é tomar estas marcas como formas, escrituras, histórias, que nos são d i r i g i d a s enquanto mensagens a decifrar. Finalmente, uma vez as apostas feitas, jogamos nossa primeira cartada: tentamos penetrar neste m u n d o aparentemente a-simbólico, marcando-o com u m não, enuncia- r a m e n t e na f a m í l i a e d e p o i s no mos u m l i m i t e , a l g u m a i n t e r d i ç ã o , campo social. que pode ser referente a uma demar- T o m a n d o cada qual na sua par- cação no espaço físico, a a l g u m a ticularidade, vamos percorrer com ação ou s i m p l e s m e n t e ao corpo da estes analisantes um caminho no qual criança. Pode até mesmo marcar um esperamos promover: limite pessoal: aquilo que nos é im- • A construção de um mito de possível suportar. Um limite qualquer origem, ponto de partida simbólico, que interrompa o gozo - a passivida- em que os significantes familiares per- de do ser/estar objeto - e provoque mitem deduzir um determinado lugar, perplexidade, isto é, rompimento de tanto na família quanto nas gerações. significações. É o m o m e n t o em que • A construção do pequeno podemos interpretar: a criança subita- outro, q u a n d o o analista, e n q u a n t o mente nos olha, nos percebe, acusa parceiro imaginário, serve de referên- recebimento. Propomos fazer do sig- cia especular de identificação, inter- no que esta criança é para seu outro mediando o anonimato da função do - enquanto única verdade possível, e Outro. que é prisão - uma disjunção, tentan- • A construção de uma ima- do separar a colagem S1 e S2, para gem corporal torna-se então possível: inaugurar o deslizamento significante. o corpo deixa de ser real, puro ob- Se a esse p r i m e i r o l a n c e d o jeto d e v i d o ao O u t r o , p a r a se tor- jogo seguem-se respostas, é sinal de nar u m a referência i m a g i n á r i a e u m que a criança deu abertura para nos- e s q u e m a s i m b ó l i c o de s u s t e n t a ç ã o sa presença em seu m u n d o e, assim, egóica. aceitou jogar o jogo. Somos então, • Finalmente, esperamos que o qual p r i n c i p e z i n h o perante a flor , 1 p r o c e s s o v e n h a a d e s e m b o c a r na eternamente responsáveis por aquela construção de um Outro. Faltante, que cativamos: porque a fizemos pe- desejante, enigmático, instigador das netrar no cativeiro da linguagem..., p e r g u n t a s f u n d a m e n t a i s : quem sou ? sem o qual nossa liberdade seria só eu. /quem sou eu para o Outro/que loucura, como apontou Lacan. quer ele de mim? Começa o jogo. Como defini-lo? Talvez pudéssemos dizer que o Q u a i s são suas regras, seu objetivo? objetivo do jogo é j u s t a m e n t e este: Vai haver vencedor? deparar com u m a falta e encontrar N ã o há i n s t r u ç õ e s : o jogo vai o desejo como enigma, e podería- se m o n t a n d o na m e d i d a do j o g a r . mos chamá-lo de Édipo. Sessão a p ó s sessão, t r a t a r e m o s de Teria esse j o g o u m a d e f i n i ç ã o c o n s t r u i r , com os m a t e r i a i s que se do vence-dor? Seria aquele que aban- a p r e s e n t a m (no d i s c u r s o dos p a i s , d o n a o gozo de ser... objeto, p a r a nos significantes da criança, no seu s u p o r t a r dividir-se entre a dor e a fazer ou no seu dizer), as diferentes delícia de viver, ou seja, para dese- operações psíquicas que constituem jar... verbo intransitivo? u m s u j e i t o , que p e r m i t e m sua in- Nem sempre o jogo se presta a serção no m u n d o h u m a n o , primei- esse mesmo itinerário, nem tampou¬ co ele é linear. A análise pode ser o l u g a r de i n v e n t a r u m o u t r o j o g o , mais particular, u m a construção u m pouco diferente das outras, que tenta cobrir com c i m e n t o ( I m a g i n á r i o ) as rachaduras (Simbólicas) dos alicerces. Isto permite manter-se n u m jogo ou, na i m i n ê n c i a da saída, saber recons- truí-lo segundo esta experiência. Referimo-nos às duas possibilida- des de evolução de u m a psicose-não decidida (que é como pensamos toda psicose, na infância), a partir de um tratamento psicanalítico: 1) a possibilidade de construção de u m a metáfora paterna, que permi- te a definição da estrutura no senti- do de u m a escolha s i n t o m á t i c a neu- rótica; ou, na i m p o s s i b i l i d a d e disto, 2) a construção de uma metáfora delirante, que permite a u m a estrutu- ra psicótica elaborar u m o u t r o tipo de a m a r r a ç ã o que não a fálica, mas que segura a circulação n u m m u n d o fálico. C o m isso estamos afirmando que os efeitos de u m a a n á l i s e para u m a criança, diagnosticada como psicótica, quando há realmente análise, são sem- pre estruturais. C o n d u z i r esse jogo não é tarefa fácil - a transferência real que aí entra em j o g o n e m s e m p r e é s u p o r t á v e l . Nesta clínica, são freqüentes as ocor- rências de danos físicos (analistas que recebem tapas, chutes, mordidas, que são alvos de objetos, que são derru- bados literalmente); sem falar nos da- nos aos materiais (brinquedos quebra- dos, paredes p i n t a d a s , chão do con- s u l t ó r i o estragado, r o u p a s r a s g a d a s , pintadas); ou nos que atingem o inte- rior do corpo (resultados psicossomᬠticos, para o analista, dos efeitos do trabalho). Na maioria das vezes, é uma clínica bem pouco discreta: são comuns os gritos, os barulhos fortes, as irrupções no consultó- rio invadindo os horários de outros pacientes, os "escândalos" na sala de espera, no saguão. Enfim, como n u m jogo de azar, a cada novo encontro é pre- ciso refazer novamente as apostas, sendo aconselhável ter "uma car- ta na m a n g a " para as surpresas do percurso. P o d e r í a m o s nos p e r g u n t a r , c o n t i n u a n d o a a n a l o g i a c o m o jogo: com que capital o analista aposta, afinal? A resposta é: sua subjetividade. Estes tratamentos são m o v i d o s f u n d a m e n t a l m e n t e pelo nosso desejo. Sem ele, não h a v e r i a fichas para jogar, e só restariam a criança-objeto e o adulto que está preso com ela neste gozo louco e fora-de-jogo. Se é do desejo do analista que se trata, cabe uma questão éti- ca: o que sustentaria nosso desejo, que, supomos, já foi suficiente- m e n t e a n a l i s a d o para se colocar fora do c i r c u i t o n e u r ó t i c o do "desejo de curar" inicial que nos i m p u l s i o n o u a jogar? Responderíamos que é nossa própria transferência para com a psi- canálise, que nos faz buscar - no pequeno sujeito em perigo - o en- cantamento da descoberta da palavra, que abre para o "jogo da vida". Mas nem só de encantos, como vimos, se compõe nossa prá- tica. E, como sugeria Lacan, convém estarmos advertidos do que encontraremos pela frente, no que se refere ao desejo do analista. Poder se autorizar enquanto tal passa por u m a formação que deve m u i t o à clínica de crianças e à clínica das psicoses. Os impasses da clínica psicanalítica com crianças psicóticas permitem repensar esta trajetória. Desenvolveremos esse ponto a partir de uma pequena história, que pretendemos tomar não em seu d e t a l h a m e n t o , e sim c o m o paradigma desta clínica. Trata-se da história do tratamento de u m a criança psicótica, que se iniciou há quinze anos. A história se passa tendo como cenário uma instituição públi- ca, em que coube à analista substituir uma outra profissional e dar c o n t i n u i d a d e aos tratamentos que esta iniciara. Esta profissional, como ficou logo evidente, seguia u m a a b o r d a g e m p s i c o m o t o r a convencional. O protagonista dessa história, Adão, é um menino de 6 anos, que vem, j u n t o com sua mãe, para u m a p r i m e i r a entrevista. Ele iniciara o trabalho aos 3 anos, devido à "hiperatividade". Observo que ele não consegue expressar-se: suas frases são incompletas, feitas de palavras desconexas, é muito difícil compreendê-lo. Além disso, não se detém em n e n h u m a atividade espontaneamente, embora a mãe relatasse que ele realizava bem os exercícios propostos pela terapeuta anterior. É verdade que Adão apresentava hiperatividade, falta de coorde- nação e de orientação no tempo e no espaço. M a s estas eram as menores das suas d i f i c u l d a d e s , na m e d i d a em que ele não sabia nada sobre si e tampouco sua família conseguia lhe propor algo. Sua mãe era uma mulher frágil, depressiva e extremamente ligada a ele, representante de sua infância perdida e inenarrável. Seu pai, classicamente ausente, era detentor de um discurso de estilo paranói- co que encontrava boa acolhida em suas atividades políticas n u m órgão de classe. Detenhamo-nos um m o m e n t o aqui para refletir. U m primeiro impasse já pode ser a p o n t a d o como p a r a d i g m á t i c o desta c l í n i c a das psicoses na infância: a imprecisão do diagnóstico, que, ao não detectar as características psicóticas, não indica os riscos psíquicos a que está exposta a criança, impelindo-a, e aos seus responsáveis, para tratamentos que visam alguns sintomas, os mais aparentes e m e n o s a d a p t a d o s , que a c a b a m p r o d u z i n d o efeitos i a t r o g ê n i c o s , pois promovem u m a fixidez das defesas e confirmam os mecanis- mos psicóticos. Deparamos aí também com a falta de transferência no campo médico, psiquiátrico, dos profissionais de saúde mental em geral, para com o discurso psicanalítico e para com a psicanálise como al- ternativa terapêutica nos casos de psicose na infância. Por trás de argumentos como alto custo, demora em produzir resultados, não indicação para casos mais graves, que demonstram um desconheci- mento do que se tem publicado a respeito na literatura psicanalítica nos últimos setenta anos, o saber médico faz parceria com o discur- so neoliberal, ao serviço da adaptação e mecanização do h o m e m , em detrimento da valorização dos aspectos subjetivos, que fazem o elemento humano enquanto tal. No caso de Adão, tratava-se de uma criança de 6 anos, inteli- gente, ativa e extremamente criativa graficamente, que apresentava sintomas psicóticos de desconexão, dificuldades de relacionamento interpessoal, uso ecolálico da l i n g u a g e m e delírio psicomotor, ao mesmo tempo que u m a abertura para as intervenções do Outro e u m a possibilidade de fazer apelo ao Outro por meio de suas pro- duções. Poderíamos falar em u m a psicose não-decidida: ele se apre- sentava, na transferência, ora n u m a posição psicótica, ora n u m a posição neurótica. Essa criança passara três anos de sua vida, anos fundamentais em termos dos aspectos instrumentais e estruturais do seu desenvol- vimento, fazendo exercícios de lateralidade, de esquema corporal, de percepção, e t c , sem que ninguém fosse ouvido quanto ao seu lugar na família, sem que se questionasse seu desejo (justamente o motor de todo desenvolvimento) e muito menos houvesse u m a preocupa¬ ção em lhe dar um lugar de palavras, do " c a t e q u i s t a " que tenta e x p l i c a r de falasser! aos não iniciados nos conceitos psi¬ O neuropediatra que o avaliara c a n a l í t i c o s os b e n e f í c i o s de u m a inicialmente, quando procurado pela "cura pela palavra", tendo de contar analista para uma interconsulta, mos- com a boa vontade do interlocutor, trou o laudo que elaborara, evidenci- m u i t a s vezes perplexo d i a n t e desta a n d o a p e r p l e x i d a d e que A d ã o lhe a l t e r n a t i v a , d i r i g i d a a c r i a n ç a s que provocara: por conta da hiperativida¬ m u i t a s vezes nem reagem aos sons. de, ele indicara uma lista variada de Podemos, com o t e m p o e após al- p r e s c r i ç õ e s , q u e i a da m e d i c a ç ã o guns seguimentos de casos em con- t r a n q ü i l i z a n t e aos atendimentos em j u n t o , ser bem-sucedidos nesta em- psicologia, fonoaudiologia, psicomo- preitada e contar com alguns interlo- tricidade, psicopedagogia, até natação cutores. E n t r e t a n t o , restam os que e judô! não estão disponíveis para esta troca, Foi possível, por esse c o n t a t o , infelizmente um grande número p r o p o r u m a nova direção ao trata- hoje em dia, e que continuam enca- mento de Adão, com a concordância minhando as crianças - que recebem relutante do neuropediatra, um tanto às vezes precocemente e a i n d a com q u a n t o c é p t i c o sobre o a l c a n c e de defesas incipientes - para a alternati- um trabalho com as palavras. va de tratamento que está na m o d a P o d e m o s s i t u a r aí u m o u t r o no momento... impasse: a deficiência na formação R e t o m e m o s a t r a j e t ó r i a de dos profissionais que trabalham com A d ã o , que com 6 anos i n i c i o u seu a saúde mental e que não têm u m t r a t a m e n t o p s i c a n a l í t i c o . N ã o sem c o n h e c i m e n t o da p s i c o s e fora dos antes enfrentarmos m u i t a resistência critérios nosográficos da p s i q u i a t r i a p o r p a r t e d o s p a i s , t o m a d o s de tradicional, que propõe uma listagem s u r p r e s a p e l o q u e s t i o n a m e n t o do de sintomas patognomônicos, de me- tratamento anterior. Agora eram cha- dicamentos a eles dirigidos, e m u i t o m a d o s a se colocar e a contar sua pouco no que se refere a um atendi- história, o que nem sempre era fácil. mento clínico. Estes profissionais des- A mãe teve mais disponibilidade, na conhecem a psicose enquanto estrutu- medida em que descobriu, neste con- ra, b e m c o m o a i m e n s a l i t e r a t u r a texto, um filho que dizia alguma coi- que vem descrevendo, desde a época sa compreensível e lhe fazia apelos; e de Melanie Klein (1930), as possibili- também por ter encontrado u m ter- dades de intervenção mediante a psi- ceiro apaziguador na sua relação difí- canálise, até os dias de hoje, quando cil com este filho. Q u a n t o ao pai, d i s p o m o s de u m a vasta bibliografia por sua vez, armou defesas maciças d i s c u t i n d o o d i a g n ó s t i c o , o trata- para não abalar suas certezas e apenas mento e o prognóstico para estes ca- concordou em que o trabalho ocor- sos. Nas i n t e r c o n s u l t a s , d e p a r a m o s resse, embora sem m u i t a disposição c o m u m a c a r ê n c i a c o n c e i t u a i e de para dar lugar a este filho. leituras, que impedem uma linguagem Temos nesse ponto um dos im- m í n i m a comum. Acabamos no papel passes mais importantes dessa clínica: a participação dos pais e sua abertura ao trabalho. O tratamento de crianças que se encontram num lugar psicótico avança na medida das possibilidades de falta por parte de seus pais. Se os outros parentais não se dispõem minimamente a questionar o lugar que vem sendo dado ao filho, o encaminhamento para a psicose é incontornável. No caso de Adão, era muito difícil para seus pais entenderem algo de seu sofrimento e lhe concederem um lugar de sujeito. Contudo, Adão foi conquistando u m lugar outro no setting analítico, principalmente por meio de seus desenhos, que eram sur- preendentes: i n i c i a l m e n t e , tratava-se de personagens em cenas de perigo, na beira do precipício, no meio de um i n c ê n d i o , quase caindo de um prédio, que ilustravam bem sua posição. Eram dese- nhos que despertavam a atenção pelo movimento que ele conseguia i m p r i m i r às figuras. Ao formular em palavras o sofrimento das personagens que ele desenhava, ao pôr alguma ordem nas palavras soltas que ele largava ao léu, a analista foi permitindo que Adão pudesse paulatinamente se reconhecer como falante. Ele reagiu pron- tamente, passando pouco a pouco a se expressar com frases inteligí- veis. A mãe, a partir deste reconhecimento, começou a reconhecer este filho, não mais como pedaço de carne e fonte de problemas, mas como alguém para quem era possível fazer planos. C o m suas c o n d i ç õ e s m e l h o r a n d o , chegou o m o m e n t o de Adão freqüentar a escola. Novo impasse aparece: como encontrar entre os pares e no ambiente escolar um lugar para sua diferença? Novamente é o momento da interconsulta - desta vez u m diálogo com o campo da educação. U m a orientação se fez necessária para as diversas professoras que Adão foi encontrando no seu percurso educativo. Adão foi alfabetizado sem problemas, mas tinha muitas dificuldades em matemática. Poder ouvir as professoras e acolher seu espanto diante desta criança "diferente" foi essencial para que elas pudessem reconhecer nele um aluno e trabalhar para sua inte- gração junto aos colegas. Sem esta assessoria, seria mais provável que Adão fosse marginalizado, ou mesmo afastado da escola. En- quanto analistas, não podemos nos poupar deste trânsito no cam- po social, em que somos chamados a dar conta de nossa prática e a intervir para garantir a seqüência do tratamento. Cinco anos após iniciarmos a análise, em função do desliga- mento da analista da instituição, tivemos que interrompê-la. Os pais alegaram não ter condições de pagar um tratamento em con- sultório, mesmo tendo ficado aberta a possibilidade de negociação do preço. Três anos depois, quando Adão estava com 14 anos, sua mãe voltou a demandar uma análise para ele, que vinha fazendo reite- rados pedidos neste sentido. A família estava em crise após a sepa¬ ração do casal. Seu pai, embora ti- vesse uma situação financeira melhor, em virtude de suas conquistas profis- s i o n a i s , relutava bastante em pagar este trabalho. Reiniciamos a análise, agora de um adolescente: Adão se coloca prio- ritariamente pela fala, embora ainda desenhe bastante. Faz pequenas histó- rias em quadrinhos, em que se trata de q u e s t õ e s de c o m p a r a ç ã o e n t r e homem e mulher, entre um amigo e outro, questões sobre origem, sobre trabalho. Mas seus personagens já não têm mais aquele movimento que ele conseguia i m p r i m i r quando criança. Adão intercala relatos de seu cotidia- no - relações com a m i g o s , garotas, professores -, com alguns temas deli- rantes - por exemplo, uma "coleção de ossos" que está fazendo em sua biblioteca. Observamos a psicose se d e f i n i n d o como estrutura. Seu pai, apesar de seus apelos, o a b a n d o n a francamente, embora c o n t i n u e a se relacionar bem com os outros filhos. A d ã o tem u m a i r m ã m a i s v e l h a e u m i r m ã o mais novo que passeiam com o pai, estudam em escola parti- cular, ganham roupas... enquanto ele estuda em escola pública e mal con- segue pagar sua a n á l i s e . Depois de um ano, Adão decide interromper as sessões: é-lhe m u i t o pesado não poder pagar por elas. Desde então, Adão passa ocasio- nalmente no consultório da analista para "dar n o t í c i a s " . Hoje está com 21 a n o s , c o n t i n u a a e s t u d a r n u m colégio público e, apesar da defasa- gem de algumas séries em relação aos colegas, tem alguns amigos. Da últi- ma vez que fez uma "visita", contou u m e p i s ó d i o t r a u m á t i c o que vivera um ano antes, quando se sentira ín¬ escuta deste paciente, que situou no justiçado em relação à atitude de um analista o garante do Outro, função professor: decidira vir dizer à analista indispensável para sua circulação no o quanto isto o abalara, pois ainda campo social. • não comentara o fato com ninguém. Quando de outra visita anterior, por e x e m p l o , veio para relatar que um REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS colega morrera num acidente. Vejamos o que a trajetória de Adão, mais além da sua singularida- K l e i n , M . ( 1 9 3 0 ) . A importância da forma- de, pode nos apontar enquanto tam- ção de símbolos no desenvolvimento bém p a r a d i g m á t i c a de u m a c l í n i c a do ego. Contribuições à psicanálise. das psicoses na infância. Apesar de São P a u l o ; SP: M e s t r e J o u , 1 9 8 1 . todos os impasses que ressaltamos L a c a n , J . (1 9 6 4 ) . O seminário, Livro XI, como integrantes de seu tratamento, Os quatro conceitos fundamentais da e que demandaram um manejo espe- psicanálise. R i o de J a n e i r o , RJ: Jorge
cífico a cada vez, pudemos acompa- Zahar, 1979.
nhar a i m p o r t â n c i a que há, para a Lazmk-Penot, M . - C . ( 1 9 9 7 ) . Rumo à pala-
vra - três crianças autistas em psicaná- c r i a n ç a com s i n t o m a s p s i c ó t i c o s e lise. São P a u l o , SP: Escuta. que acaba se estruturando como psi- cótica, no encontro com um psicana- lista. Faz toda uma diferença ter um interlocutor diante do qual é possí- NOTA vel ocupar um lugar de palavras. A experiência p s i c a n a l í t i c a funda este lugar, m u i t a s vezes c o n s i s t i n d o no 1 Referência à parábola de Antoine de único em que o sujeito pode encon- Saint-Exupéry, O pequeno príncipe. trar a l g u m r e c o n h e c i m e n t o , o que lhe é essencial para se manter fora de crise e sem o imperativo das passa- gens ao ato. É de extremo valor no desenrolar de seu destino, para um psicótico, o fato de ter compartilha- do com alguém a montagem de uma metáfora delirante, que permite a cir- c u l a ç ã o no universo fálico m e s m o n ã o d i s p o n d o do o p e r a d o r do Nome-do-Pai. Nesse p o n t o , p o d e m o s s i t u a r um último impasse, ligado à respon- sabilidade na condução da análise de um psicótico, na qual nos engajamos desde sua infância, quando é o caso: a disponibilidade permanente para a