Segundo Stanislávski, a comunicação indireta com o público está
diretamente ligada com todas as outras formas de comunicação, pois é através da comunicação direta em cena que a comunicação indireta (com o público) ocorre integralmente. A diferença é que nas formas de comunicação direta, o contato do ator é “direto e consciente” e, na comunicação indireta o contato é “indireto e inconsciente”, mas ambos são recíprocos, ou seja, a comunicação com a plateia é fundamental para o ator, mesmo acontecendo de forma indireta. (STANISL ÁVSKI, 2017, pp. 251- 252). Diz Stanislávski:
– Se você quer uma ideia melhor daquilo que recebe do público,
tente se livrar dele e atuar para uma casa completamente vazia. É isso que você quer? Por um momento, eu mesmo me coloquei no lugar de algum pobre ator atuando para uma casa vazia... e senti que não poderia fazer isso até o fim. – E por que é assim? – perguntou Tortsov depois que eu admiti isso. – Porque, então, não há nenhuma conexão entre o ator e a plateia, e, sem isso, não pode haver atuação. Atuar sem público é como cantar em um espaço com uma acústica ruim, cheios estofados e de tapetes. Atuar para uma sala lotada e receptiva é como cantar em uma sala com uma boa acústica. O público cria, por assim dizer, uma acústica psicológica. Ele registra aquilo que nós fazemos e devolve sua própria vida, os sentimentos humanos de volta para nós. (STANISLÁVSKI, 2017, pp. 251-252).
Cito aqui quatro exemplos de comunicação indireta: 1) o que o
ator, diretor e teatrólogo russo Konstantín Stanisl ávski denomina de “comunicação indireta” (com o público) ou “comunicação com um grupo de objetos” (STANISLÁVSKI, 2017, p. 251); 2) o que, a partir das pesquisas do diretor e pesquisador russo de teatro e cinema Serguei Eisenstein , pode ser chamado de “movimento expressivo atrativo” (OLIVEIRA, 2 008, p. 105); 3) o que o professor e pesquisador teatral italiano Gabriele Sofia e a 54
pesquisadora brasileira Ana Paula Zanandréa relacionam com a reação dos
“neurônios-espelho” (SOFIA, 2012, p. 99; ZANANDRÉA, 2013, pp. 4 -5); 4) e a comunicação como função dos níveis de dramaturgia (narrativa, orgânica ou dinâmica e evocativa), como configura o diretor e teatrólogo italiano Eugenio Barba (BARBA, 2014, p. 38-40). O multiartista Serguei Eisenstein, antes de se tornar cineasta, foi aluno do ator e diretor russo Vsevolod Meyerhold, tendo sido um encenador teatral muito interessado na linguagem circense, na estética expressionista e, assim como Meyerhold, pouco afeito ao naturalismo. Segundo a professora e pesquisadora teatral Vanessa Teixeira de Oliveira, em seu livro Eisenstein Ultrateatral: movimento expressivo e montagem de atrações na teoria do espetáculo de Serguei Eisenstein, o encenador e cineasta russo, influenciado por Meyerhold, começara a estruturar, juntamente com Serguei Tretiakóv, o conceito de movimento expressivo no teatro e, mais tarde, o que ele define como montagem de atrações, ambos os conceitos com ideias sobre as formas de “atração” que a obra de arte em cena – no teatro e também no cinema – tem sobre o espectador. (OLIVEIRA, 2008, pp. 104 - 105). Diz Oliveira:
Eisenstein e Tretiakóv reinterpretam a teoria da expressão de
William James, segundo a qual, grosso modo, um estado psicológico deriva de uma expressão fisiológica. “Não choramos porque estamos tristes, estamos tristes porque choramos” – é a famosa frase que resume sua teoria. Conforme Bulgakowa, a teoria de James é, por eles, combinada com a hipótese do médico inglês Carpenter de que “a observação de um movimento (mesmo de uma imagem imaginada de um movimento) produz sobre os músculos d o observador condições semelhantes, mas enfraquecidas”. Carpenter foi o primeiro que descreveu esse fenômeno ideomotriz, comprovado mais tarde pelo método eletrofisiológico. “Você já pôde observar esse efeito sobre o seu corpo: quando você vê um filme com perseguições muito energéticas ou um combate violento, você sente uma tensão física sobre seus próprios músculos”. É nessa perspectiva que o espectador, ao ver a execução de um movimento expressivo atrativo, reproduziria reflexivamente e de maneira mais fraca, o movimento executado pelo ator. (OLIVEIRA, 2008, p. 105). 55
Mesmo sendo algo já percebido desde o começo do século,
Gabriele Sofia apresenta em seu artigo Teatro e neurociência: da intenção dilatada à experiência performativa do espectador, a ideia de “neurônios- espelho”, a partir de pesquisas em neurociência, iniciadas recentemente, nos anos 1990, que buscam confirmar as reações físicas daqueles que veem uma ação sendo realizada, ou seja, um espectador. Diz Sofia:
(...) a relação entre intenção e eficácia da ação também tem
correspondências em alguns estudos de âmbito neurobiológico: refiro-me às pesquisas sobre o mecanismo dos neurônios -espelho, iniciadas nos anos 1990 por Giacomo Rizzolatti e sua equipe da Universidade de Parma. Os neurônios -espelho foram inicialmente identificados como neurônios visomotores que se ativam tanto quando um macaco executa uma ação, quanto quando o mesmo macaco vê um outro macaco ou um ser humano fazer a mesma ação (Gallese et al., 1996). A revolução que essa descoberta representou reside no fato de que pela primeira vez foi encontrado um mecanismo de ligação direta (isso é, não filtrada por um mecanismo cognitivo explícito) entre a descrição sensorial e a ativação motora nos processos de percepção e compreensão de uma ação (...). (SOFIA, 2012, p. 99).
A partir das questões levantadas tanto sobre o “movimento
expressivo atrativo”, sobre a “reflexologia” e, principalmente, sobre os “neurônios-espelho”, Ana Paula Zanandréa apresenta em seu artigo O sexto sentido do ator: a importância da percepção cinestésica no teatro , a noção de que essas questões já eram percebidas artisticamente desde Platão, na Grécia Antiga. Diz Zanandréa:
Tratando-se de uma das grandes descobertas da neurologia no
século passado, os neurônios espel ho vêm ao encontro do que é sabido há muito tempo no domínio das artes. Desde Platão se discute sobre os efeitos morais e físicos da mimese no espectador. A confirmação científica que os atos cênicos agem no mais íntimo do espectador legitimam a ideia de q ue o teatro contagia o público. (...) Atualmente, as pesquisas sobre os neurônios espelho complementam os estudos anteriores, avançando a discussão. Eles são ativados quando o observador olha uma ação, a representação de uma ação ou apenas a sua imagem, pr ovocando uma comoção 56
em diferentes intensidades para cada caso citado. Desta forma,
além de decifrar ao cérebro o movimento dos demais seres, esses neurônios impelem à ação. (ZANANDRÉA, 2013, pp. 4-5, grifo meu).
Já Eugenio Barba considera vários níveis de organização das
formas de dramaturgia, que são a “dramaturgia narrativa”, a “dramaturgia orgânica ou dinâmica” e a “dramaturgia evocativa”. Barba atribui a todos esses níveis importantes funções comunicativas, mas destaco a “dramaturgia orgânica ou dinâmica” como uma forma possível de comunicação indireta. Diz Barba:
No nível da dramaturgia orgânica ou dinâmica, eu trabalhava com
ações físicas e vocais, figurinos, objetos, músicas, sons, luzes, características espaciais. (...) A dramaturgia orgânica é o sistema nervoso do espetáculo, a dramaturgia narrativa é seu córtex, a dramaturgia evocativa é aquela parte de nós que, em nós, vive no exílio. A dramaturgia orgânica faz com que o espectador dance cinestesicamente em seu lugar ; a dramaturgia narrativa movimenta conjecturas, pensamentos, avaliações, perguntas; a dramaturgia evocativa permite que ele viva uma mudança de estado. (BARBA, 2014, p. 40, grifo meu).
No teatro para crianças, essa comunicação ator-plateia – que se
estabelece como um contato “indireto e inconsciente” (como dizia Stanislávski), com as “contrações involuntárias” do público (como observou Eisenstein) ou uma “dança cinestésica” na cadeira por parte dos espectadores (como aponta Barba) – é extremamente importante e pode definir reconstruções cênicas e dramatúrgicas a partir da observação dessa relação. Por fim, o professor e pesquisador teatral Gilberto Icle, em seu livro O ator como xamã, trata de uma questão fundamental para a construção do processo de comunicação cênica – direta ou indireta: a consciência no trabalho do ator. Com isso, Icle considera duas concepções do que significaria “consciência”: a consciência de si (enquanto 57
autoconhecimento) e a consciência do outro (enquanto julgamento moral).
(ICLE, 2009, pp. XIV-XV). No entanto, ele também considera que a consciência de si leva a uma “relação mais profunda com o outro ou com os outros” (ICLE, 2009, p. XV). Diz Icle:
Na história do trabalho do ator, o conhecimento de si foi o foco
central das preocupações de artistas e pesqui sadores dos comportamentos cênicos, o que não significa que a compreensão do outro ou da criação coletiva esteja afastada desse universo de preocupações; ao contrário, o conhecimento de si no trabalho do ator sempre conduziu para uma relação mais profunda com o outro ou com os outros, tanto colegas de cena e/ou grupo, quanto com o público. (ICLE, 2009, p. XV, grifo meu).
Com isso, este projeto busca, em cada um dos processos, a partir
das entrevistas realizadas, questões que apontem o direcionamento para o público específico de crianças, tanto no processo dos ensaios, quanto nas apresentações em si.