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Henri Bergson

o Pensamento e o Movente
Ensaios e conferências

Tradução
BENTO PRADO NETO

Henri Bergson nasceu em Paris em 1859. Estudou na École


Normale Supérieure de 1877 a 1881 e passou os dezesseis anos
seguintes como professor de filosofia . Em 1900 tornou-se pro-
fessor no College de France e, em 1927, ganhou o Prêmio Nobel
de Literatura. Bergson morreu em 1941. Entre outros livros, escre-
veu Matéria e memória, O riso, A evolução criadora e Cursos sobre a
filosofia grega (todos publicados por esta Editora).
Martins Fontes
São Paulo 2006
íNDICE
Esta obra foi publiCtldo origil'Ullmenlt em fran cis com o trlulo
LA PENSÉ-E ET LE MOUVANT por Pressn Univvsil/lirts de Franu, Paris .
Copyright C PrtsstS Univtrsililins de Fronu.
Copyrighl C 2005. Uworia Martins Fontes Editorll Ltdl2.,
São Paulo, para 11 p~ntt ediçtfo.

I' ~diçio 2006

Tr.Jduç,io
BENTO PRADO NETO

Aco mpillnhillmento edilori.J1


MlIria FtrnOnlÚl Alvarts
Revisões gráfiCl.s
SDndra G2rcia Corles
Solange Mllrlins
Dinarte Zorulnd/i do SilVd
Produçl0 gráfica
G"o/do AltItS Nota introdutória ... .................................................. .... 1
PõIIginaçiolFololilOs
Studio 3 ~nlJOl lJimt"to Editorill/
r.Introdução (primeira parte) ............................ .. 3
Dilldoe lntemaaorWl de CataJogação na Publicaçio (OP)
11. Introdução (segunda parte) .. .. .... ........ ............ .. 27
(Câmara Bruilein do livro, Sp, Brasil) m. O possível e o real.. ...... .... .... .... .. ...................... . 103
DergSOI\, Henri, 1859-1941. IV. A intuição filosófica ......................................... . 123
O pensamenl9 e o m ovente : ensaios e conferências / Henri
Bergson ; tradução Bento Prado Nelo. - São Paulo: Martins
V. A percepção da mudança .................. .. ............ . 149
Fontes, 2006. - (Tópicos) VI. Introdução à metafísica .. .. .................... .. ...... .. .. 183
TItulo o ri ginal: la pensée et le mouvanl VII. A filosofia de Claude Bernard .. .. .................... .. 235
ISBN 85-3J6..2229-5 VIII. Sobre o pragmatismo de William James -
1. Bernard, Claude, 1813-1878 2. Filosofia 3. James, WiIliam, Verdade e realidade .......................................... . 245
1842-19104. Metafísica - Discursos, ensaios, confe~nda5
5 . Ravaisson, Félix, 1813-1900 I. TIt ulo. 11. Série.
IX. A vida e a obra de Ravaisson .......................... . 259
05-8568 COO-l94
indices pUiII cilltálogo sistemático:
1. Filosofia francesa 194

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102 o PENSAMENTO E O MOVENTE

tos em "princípios gerais" aplicáveis ao resto das coisas. CAPITULO III


Contra essa maneira de filosofar, toda nossa atividade fi - O POSSÍVEL E O REAL
losófica foi um protesto. Tivemos assim que deixar de Ensaio publicado na revista sueca
lado questões importantes, às quais facilmente teríamos Nordisk Tidskrift em novembro de 1930'
dado um simulacro de resposta prolongando até elas os
resultados de nossos trabalhos precedentes. Só respon-
deremos a tal ou tal dentre elas se nos for concedido o
tempo e a força para resolvê-la nela mesma, por ela mes -
ma. Senão, gratos ao nosso método por nos ter dado o
que acreditamos ser a solução precisa de alguns proble-
mas, constatando que não podemos, de nossa parte, ex-
trair mais que isso, ficaremos por aqui. Não se é nunca
obrigado a escrever um livro 12 .
Gostaria de voltar aqui a um assunto do qual já fa -
Janeiro 1922 lei, a criação contínua de imprevisível novidade que pa-
rece desenrolar-se no universo . De minha parte, acredito
experimentá-la a todo instante. Em vão me represento o
detalhe daquilo que irá me ocorrer: como minha repre-
sentação é pobre, abstrata, esquemática, em comparação
com o acontecimento que se produz! A realização traz
consigo um imprevisível nada que muda tudo. Devo, por
exemplo, assistir a uma reunião; sei quais pessoas ali en-
contrarei, em volta de que mesa, em que ordem, para a
discussão de que problema. Mas que essas pessoas ve-
nham, sentem-se e falem como eu esperava que fizessem,
que digam o que eu de fato pensava que diriam: o conjun -

1. Esse artigo era o desenvolvimento de algumas concepções apre-


sentadas na abertura do "meetillg filosófico" de Oxford, no dia 24 de se-
12. Esse ensaio foi concluído em 1922. Simplesmente lhe acrescen- tembro de 1920. Ao escrevê-lo para a revista sueca Nordisk Tidskrift, que-
tamos algumas páginas relativas às teorias físicas atuais . Naquela épo- ríamos testemunhar o pesar que experimentávamos por não poder dar
ca, ainda não estávamos de posse completa dos resultados que expuse- uma conferência em Estocolmo, conforme o costume, por ocasião do Prê-
mos em nossa obra recente: Les deux sollrces de [a morare el de la re[igion, mio Nobel. O artigo só havia sido publicado, até O presente momento,
Paris, 1932. O que explica as últimas linhas do presente ensaio. em IJngua sueca.
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to dá-me uma impressão única e nova, como se fosse ago - compreende os seres vivos, conscientes, que estão enqua-
ra desenhado num único traço original por uma mão de drados pela matéria inorgânica. Digo vivos e conscien-
artista. Adeus, imagem que eu me havia formado dessa tes, pois considero que o vivo seja de direito consciente;
reunião, simples justaposição, antecipadamente figurá - torna -se inconsciente de fato ali onde a consciência ador-
vel, de coisas já conhecidas' Concedo que o quadro não mece, mas, mesmo nas regiões nas quais a consciência
tenha o valor artístico de um Rembrandt ou de um Velás - dormita, no vegetal, por exemplo, há evolução regrada,
quez: ele é igualmente inesperado e, nesse sentido, igual- progresso definid o, envelhecimento, enfim, todos os sig-
mente original. Alegar-se-á que eu ignorava o detalhe nos exteriores da duração que caracteriza a consciência .
das circunstâncias, que eu não dispunha dos persona- Por que, aliás, falar de uma matéria inerte na qual a vida
gens, de seus gestos, de suas atitudes, e que, se o conjun- e a consciência se inseririam como num quadro? Com
to me traz algo novo, é porque me fornece um acréscimo que direito pomos o inerte primeiro? Os antigos haviam
de elementos. Mas tenho a mesma impressão de novida- imaginado uma Alma do Mundo que asseguraria a con-
de diante do desenrolamento de minha vida interior. Ex- tinuidade de existência do universo material. Despojan-
perimento essa mesma impressão, mais viva do que nun- do essa concepção daquilo que ela tem de mítico, eu di -
ca, diante da ação desejada por mim e da qual eu era o ria que o mundo inorgânico é uma série de repetições ou
único senhor. Se delibero antes de agir, os momentos da de quase- repetições infinitamente rápidas que se somam
deliberação oferecem -se à minha consciência como os em mudanças visíveis e previsíveis. Eu as compararia às
esboços sucessivos, cada um deles único em seu gênero, oscilações do pêndulo do relógio: estas estão emparelha -
que um pintor faria de seu quadro; e o próprio ato, ao se das à distensão contínua de uma mola que as liga entre
realizar, por mais que realize algo desejado e, por conse- si e da qual escandem o progresso; aquelas ritmam a vida
guinte, previsto, nem por isso deixa de ter sua forma ori- dos seres conscientes e medem sua duração. Assim, o ser
gina. - Seja, dirão; talvez haja algo de original e de úni - vivo dura essencialmente; ele dura, justamente porque
co num estado de alma; mas a matéria é repetição; o elabora incessantemente algo novo e porque não há ela-
mundo exterior obedece a leis matemáticas; uma inteli - boração sem procura, nem procura sem tateio. O tempo
gência sobre- humana, que conh ecesse a posição, a dire- é essa hesitação mesma, ou não é absolutamente nada.
ção e a velocidade de todos os átomos e elétrons do uni - Suprimam o consciente e o vivo (e só poderão fazê -lo
verso material num dado momento, calcularia todo e qual - por um esforço artificial de abstração, pois, mais uma vez,
quer estado futuro desse universo, como o fazemos com o mundo material talvez implique a presença necessária
relação a um eclipse do solou da lua. - Concedo-o, a ri - da consciência e da vida), vocês obterão de fato um uni -
gor' caso se trate apenas do mundo inerte, muito embo- verso cujos estados sucessivos em teoria são antecipada -
ra a questão comece a se tornar controversa, pelo menos mente calculáveis, como as imagens, anteriores ao desen -
no que diz respeito aos fenômenos elementares. Mas esse rolamento, que estão justapostas no filme cinematográ -
mundo é apenas uma abstração. A realidade concreta fico. Mas, então, para que o desenrolamento? Por que a
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realidade se desdobra? Como se dá que não esteja des- gem, com a matéria que nos é fornecida pelo passado e
dobrada? Para que serve o tempo? (Falo do tempo real, pelo presente, pela hereditariedade e pelas circunstân-
concreto, e não desse tempo abstrato que não é mais que cias, de uma figura única, nova, original, imprevisível como
uma quarta dimensão do espaço'.) Tal fora, outrora, o a forma dada à argila pelo escultor. Desse trabalho e da -
ponto de partida de minhas reflexões. Há cerca de cin- quilo que ele tem de único somos advertidos, sem dúvi-
qüenta anos, eu estava fortemente ligado à fil osofia de da, enquanto ele se faz, mas o essencial é que nós o fa-
Spencer. Percebi, um belo dia, que nessa filosofia o tem - çamos. Não temos que investigá- lo a fundo; não é se-
po de nada servia, que ele nada fazia. Ora, o que não faz quer necessário que dele tenhamos plena consciência,
nada não é nada. No entanto, eu me dizia, o tempo é como tampouco o artista precisa analisar seu poder cria-
algo. Então ele age. O que poderia ele fazer ? O simples dor; ele deixa esse cuidado para o filósofo e contenta -se
bom senso respondia: o tempo é aquilo que impede que com criar. Em compensação, é preciso que o escultor co-
tudo seja dado de um só golpe. Ele retarda ou, melhor, nheça a técnica de sua arte e saiba tudo o que se pode
ele é retardamento. Ele deve portanto ser elaboração. aprender acerca dela: essa técnica concerne sobretudo
Não seria ele então veículo de criação e de escolha? A àquilo que sua obra terá em comum com outras; é co-
existência do tempo não provaria que há indeterminação mandada pelas exigências da matéria sobre a qual ele
nas coisas? O tempo não seria exatamente essa indeter- opera e que se impõe a ele como a todos os artistas; re-
minação? Se tal não é a opinião da maior parte dos filó - mete, na arte, àquilo que é repetição ou fabricação, e não
sofos, é porque a inteligência humana é feita justamente mais à própria criação. Sobre ela se concentra a atenção
para tomar as coisas pela outra ponta. Digo a inteligên- do artista, o que eu chamaria sua intelectualidade. Do
cia, não digo o pensamento, não digo o espírito. Ao lado mesmo modo, na criação de nosso caráter, sabemos mui -
da inteligência, com efeito, há a percepção imediata, por to pouco acerca de nosso poder criador: para aprendê-lo,
cada um de nós, de sua própria atividade e das condições precisaríamos nos voltar sobre nós mesmos, filosofar e
nas quais esta se exerce. Chamem-na como quiserem; é escalar de volta a inclinação da natureza, pois a nature-
o sentimento que temos de sermos criadores de nossas za quis a ação, ela não pensou muito na especulação. Tão
intenções, de nossas decisões, de nossos atos e, por isso logo não mais se trate simplesmente de sentir em nós
mesmo, de nossos hábitos, de nosso caráter, de nós mes - um elã e de nos assegurarmos de que podemos agir, mas
mos. Artesãos de nossa vida, a té mesmo artistas quando de voltar o pensamento sobre ele mesmo para que apreen-
o queremos, trabalhamos continuamente na modela - da esse poder e capte esse elã, a dificuldade torna -se
considerável, como se fosse necessário inverter a direção
2. Com efeito, mostramos, em nosso Essai sur les don nées immédia- normal do conhecimento. Pelo contrário, temos um inte-
tes de la conscience, Paris, 1889, p. 82, que o Tempo mensurável poderia resse capital em nos familiarizar com a técnica de nossa
ser considerado como "uma quarta dimensão do Espaço". Tratava-se, é
claro, do Espaço puro e não da amálgama Espaço-Tempo da Teoria da
ação, isto é, em extrair das condições nas quais esta se
Relatividade, que é algo inteiramente diferente. exerce tudo o que pode nos fornecer receitas e regras ge-
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rais sobre as quais se apoiará nossa conduta. É só por Estimo que os grandes problemas metafísicos são
obra e graça da repetição que tivermos encontrado nas geralmente malpostos, que eles freqüentemente se re -
coisas que haverá novidade em nossos atos. Nossa facul- solvem por si mesmos quando lhes retificamos o enun -
dade de conhecer é portanto essencialmente uma po- ciado, ou ainda que são problemas formulados em ter-
tência de extrair o que há de estabilidade e de regulari- mos de ilusão, que se desvanecem assim que olhamos de
dade no fluxo do real. Trata-se de perceber? A percepção perto os termos da fórmula . Nascem, com efeito, do fato
apodera-se de abalos infinitamente repetidos que são de transpormos em fabricação aquilo que é criação. A
luz ou calor, por exemplo, e contrai-os em sensações re- realidade é crescimento global e indiviso, invenção gra -
lativamente invariáveis: são bilhões de oscilações exte- duaI. duração: como um balão elástico que se dilatasse
riores que são condensadas aos nossos olhos, numa fra - pouco a pouco assumindo a cada instante formas inespe -
ção de segundo, pela visão de uma cor. Trata -se de con- radas . Mas nossa inteligência representa-se a origem e a
ceber? Formar uma idéia geral é abstrair das coisas di- evolução da realidade como um arranjo e um rearranjo de
versas e cambiantes um aspecto comum que não muda partes que não fariam mais que mudar de lugar; teorica-
ou que pelo menos oferece para nossa ação um flanco mente, portanto, ela poderia prever qualquer estado de
invariável. A constância de nossa atitude, a identidade de conjunto: pondo um número definido de elementos es-
nossa reação possível ou virtual à multiplicidade e à va - táveis, brindamo- nos implici tamente, antecipadamente,
riabilidade dos objetos representados, eis aquilo que a com todas as combinações possíveis. Isso não é tudo. A
generalidade da idéia marca e desenha em primeiro lu- realidade, tal como a percebemos diretamente, é um ple-
gar. Trata -se, por fim, de compreender? É simplesmente no que não cessa de se inflar e que ignora o vazio. Tem
encontrar nexos, estabelecer relações estáveis entre fatos extensão, assim como tem duração; mas essa extensão
que passam, desentranhar leis: operação tanto mais per - concreta não é o espaço infinito e infinitamente divisível
fei ta quanto mais precisa é a relação e mais matemática com que a inteligência se brinda como um terreno no
a lei. Todas essas funções são constitutivas da inteligê n- qual construir. O espaço concreto foi extraído das coisas.
cia. E a inteligência nã o se afasta da verdade enquanto se Estas não estão nele, é ele quem está nelas. Só que, assim
prende, ela amiga da regularidade e da estabilidade, àqui- que nosso pensamento raciocina sobre a realidade, faz do
lo que há de estável e de regular no real. à materialidade. espaço um receptáculo. Como tem o costume de juntar
Ela toca então num dos lados do absoluto, como nossa partes num vazio relativo, imagina que a realidade col-
consciência toca no outro quando apreende em nós uma mate não sei que vazio absoluto. Ora, se o desconheci-
perpétua eflorescência de novidade ou quando, alargan- mento da novidade radical está na origem dos problemas
do-se, simpatiza com o esforço indefinidamente renovador metafísicos malpostos, o hábito de ir do vazio para o ple-
da natureza. O erro começa quando a inteligência preten- no é a fonte dos problemas inexistentes. Aliás, é fáci l ver
de pensar um dos aspectos como pensou o outro e apli - que o segundo erro já está implicado no primeiro. Mas eu
car-se a um uso para o qual não foi feita. queria primeiro defini-lo com maior precisão.
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Digo que há pseudoproblemas e que são os proble- substituição, ou antes, uma de suas duas faces, aquela
mas angustiantes da metafísica. Reduzo-os a dois. Um que nos interessa; assinalamos assim que queremos di -
engendrou as teorias do ser, o outro as teorias do conhe- rigir nossa atenção para o objeto que se foi e desviá -la da -
cimento. quele que o substituiu. Dizemos então que não há mais
O primeiro consiste em se perguntar por que há ser, nada, entendendo com isso que aquilo que é não nos in -
por que algo ou alguém existe. Pouco importa a nature - teressa, que nos interessamos por aquilo que não está
za daquilo que é: digam que é matéria, ou espírito, ou mais aí, ou por aquilo que poderia ter estado aí. A idéia
ambos, ou que matéria e espírito não se bastam e mani - de ausência, Oll de nada, ou de nulidade, está portanto
festam uma Causa transcendente: de qualquer forma, inseparavelmente ligada à de supressão, real ou possível.
quando consideramos existências, e causas, e causas des- e a própria idéia de supressão não é mais que um aspec-
sas causas, sentimo-nos arrastados em urna corrida sem to da idéia de substituição. Temos aí maneiras de pensar
fim. Se nos detemos, é para escapar da vertigem. Sempre das quais nos servimos na vida prática; importa particu-
constatamos, sempre cremos constatar que a dificuldade larmente à nossa indústria que nosso pensamento saiba
subsiste, que o problema ainda se põe e não será nunca atrasar-se com relação à realidade e permanecer preso,
resolvido. Não o será nunca, de fato, mas não deveria ser quando necessário, àquilo que era ou àquilo que poderia
posto. Põe-se apenas quando nos figuramos um nada ser, ao invés de ser acaparado por aquilo que é. Mas
que precederia o ser. Dizemo- nos: "poderia não haver quando nos transportamos do domínio da fabricação
nada" e espantamo-nos então de que haja algo - ou Al- para o da criação, quando nos perguntamos por que há
guém. Mas analisem essa frase: "poderia não haver nada". ser, por que há alguma coisa ou alguém, por que o mun-
Verão que se defrontam com palavras, de modo algum do ou Deus existe e por que não o nada, quando nos po-
com idéias, e que "nada" não tem aqui significação algu - mos, enfim, o mais angustiante dos problemas metafísi-
ma. "Nada" é um termo da linguagem usual que só pode cos, aceitamos virtualmente um absurdo; pois se toda
ter sentido se permanecemos no terreno, próprio ao ho- supressão é uma substituição, se a idéia de uma supres-
mem, da ação e da fabricação. "Nada" designa a ausên- são não é mais que a idéia truncada de uma substituição,
cia daquilo que procuramos, daquilo que desejamos, da- então, falar de uma supressão de tudo é põr uma substi -
quilo que esperamos. Com efeito, supondo que a expe- tuição que não seria uma substituição, é contradizer-se a
riência nos apresentasse alguma vez um vazio absoluto, si mesmo. Ou a idéia de uma supressão de tudo tem exa-
este seria limitado, teria contornos, seria portanto ainda tamente tanta existência quanto a de um quadrado re-
algo. Mas na verdade não há vazio. Somente percebe- dondo - a existência de um som, j7atus voeis - ou então,
mos e, mesmo, somente concebemos o pleno. Uma coi- caso represente algo, traduz um movimento da inteligên -
sa só desaparece porque outra a substituiu . Supressão cia que vai de um objeto para o outro, que prefere aque -
significa assim substituição. Ocorre que dizemos "supres- le que acaba de deixar àquele que encontra diante de si
são" quando consideramos apenas uma das metades da e designa por " ausência do primeiro" a presença do se-
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gundo. Pusemos o todo, depois fizemos desaparecer, uma duas c.?isas: fora de nós, uma ordem; em nós, a repre -
por uma, cada uma de suas partes, sem consentir em ver sentaçao de uma ordem diferente, que é a única que nos
aquilo que a substituía: é, portanto, a totalidade das pre- mteressa. Supressão, portanto, significa sempre substi -
senças, simplesmente dispostas em uma nova ordem, tuição. E a idéia de uma supressão de toda e qualquer or-
que temos diante de nós quando queremos totalizar as dem, isto é, a idéia de uma desordem absoluta envolve
ausências. Em outros termos, essa pretensa representa- então uma contradição verdadei ra, uma vez que consis-
ção do vazio absoluto é, na realidade, a representação do te em já não deixar senão apenas uma única face para a
pleno universal por um espírito que salta indefinidamen- operação que, por hipótese, compreendia duas faces. Ou
te de uma parte para outra, com a resolução tomada de a idéia de desordem absoluta não representa mais que
sempre considerar apenas o vazio de sua insatisfação ao uma combinação de sons, f1atus voeis, ou, caso responda a
invés do pleno das coisas. O que equivale a dizer que a algo, traduz um movimento do espírito que salta do me-
idéia de Nada, quando não é a idéia de uma mera pala- canismo para a finalidade, da finalidade para o mecanis-
vra, implica tanta matéria quanto a de Tudo, com, em mo, e que, para marcar o lugar onde está, prefere indicar
acréscimo, uma operação do pensamento. a cada vez o ponto onde não está. Portanto, querendo su-
Diria o mesmo acerca da idéia de desordem. Por que primir a ordem, brindamo-nos com duas ou mais ordens.
o universo é ordenado? Como se impõe a regra ao irre- O que equivale a dizer que a concepção de uma ordem
gular, a forma à matéria? De onde vem que nosso pen- que viria acrescentar-se a uma "ausência de ordem" im-
samento se reencontre nas coisas? Esse problema, que se plica um absurdo e que o problema se desvanece.
tornou, nos modernos, o problema do conhecimento após As duas ilusões que acabo de assinalar são na reali -
ter sido, nos antigos, o problema do ser, nasceu de uma dade uma só e mesma ilusão. Consistem em acreditar que
ilusão de mesmo tipo. Desvanece-se caso consideremos há menos na idéia do vazio do que na do pleno, menos no
que a idéia de desordem tem um sentido definido no do- conceito de desordem do que no de ordem. Na realidade,
mínio da indústria humana ou, como dizemos, da fabri - há mais conteúdo intelectual nas idéias de desordem e de
cação, mas não no da criação. A desordem é simplesmen - nada, quando estas representam algo, do que nas de or-
te a ordem que não procuramos. Não podemos suprimir dem e de existência, uma vez que implicam várias ordens,
uma ordem, nem mesmo pelo pensamento, sem fazer várias existências e, além disso, um jogo do espírito que
surgir outra. Se não há finalidade ou vontade, é porque inconscientemen te faz malabarismos com elas.
há mecanismo; se o mecanismo fraqueja, é em proveito Pois bem, reencontro a mesma ilusão no caso que
da vontade, do capricho, da finalidade. Mas, quando es- nos ocupa. No fundo das doutrinas que desconhecem a
peramos uma dessas duas ordens e encontramos a ou- novidade radical de cada momento da evolução, há mui -
tra, dizemos que há desordem, formulando o que é em tos mal-entendidos, muitos erros. Mas há, sobretudo, a
termos daquilo que poderia ou deveria ser, e objetivan - idéia de que o possível é menos que o real e de que, por
do o nosso pesar. Toda desordem compreende assim essa razão, a possibilidade das coisas precede sua exis-
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tência. Estas seriam, assim, antecipadamente represen - nhor fala ainda não é possível." - "Mas é preciso que ela
táveis; poderiam ser pensadas antes de serem realizadas. o seja, uma vez que se realizará." - "Não, ela não o é.
Mas é o inverso que é verdade. Se deixamos de lado os Concedo-lhe, no máximo, que ela o terá sido." - "O que
sistemas fechados, submetidos a leis puramente mate- o senhor entende com isso?" - "É muito simples. Que um
máticas, que são isoláveis pelo fato de a duração não os homem de talento ou de gênio su~a, que ele crie uma
atingir, se consideramos o conjunto da realidade concre- obra: ei-la real e, por isso mesmo, ela torna-se retrospec-
ta ou muito simplesmente o mundo da vida e, com mais tivamente ou retroativamente possível. Ela não o seria,
forte razão, o da consciência, descobrimos que há mais, não o teria sido, caso esse homem não tivesse surgido. É
e não menos, na possibilidade de cada um dos estados por isso que lhe digo que ela terá sido possível hoje, mas
sucessivos do que em sua realidade. Pois o possível é que ainda não o é." - "Essa é boa! O senhor não vai sus-
apenas o real com, em acréscimo, um ato do espírito que tentar que o porvir influencia o presente, que o presente
repele sua imagem para o passado assim que ele se pro- introduz algo no passado, que a ação nada à contracor-
duziu. Mas é isso que nossos hábitos intelectuais nos im- rente do tempo e vai imprimir sua marca lá atrás?" - De-
pedem de perceber. pende. Que possamos inserir algo real no passado e tra -
Durante a grande guerra, jornais e revistas desvia - balhar assim de marcha a ré no tempo, nunca o preten-
vam-se por vezes das terríveis inquietudes do presente di. Mas que possamos ali alojar o possível, ou antes, que
para pensar naquilo que ocorreria mais tarde, uma vez o possível vá ali se alojar por si mesmo a todo instante,
a paz restabelecida. O futuro da literatura, em particular, isto não é de se duvidar. Ao mesmo passo que a realida -
preocupava-os.Vieram um dia me perguntar como eu me de se cria, imprevisível e nova, sua imagem reflete-se
o representava. Declarei, um pouco confuso, que não me o atrás dela no passado indefinido; descobre-se assim ter
representava. "O senhor não percebe pelo menos, me sido, desde sempre, possível; mas é nesse momento pre-
disseram, certas direções possíveis? Admitamos que não ciso que começa a tê-lo sido sempre, e eis por que eu di -
se possa prever o detalhe; o senhor terá pelo menos, o zia que sua possibilidade, que não precede sua realidade,
senhor, filósofo, uma idéia do conjunto. Como o senhor a terá precedido uma vez que a realidade tiver apareci-
concebe, por exemplo, a grande obra dramática de ama - do. O possível é portanto a miragem do presente no pas-
nhã?" Sempre me lembrarei da surpresa de meu interlo- sado; e, como sabemos que o porvir acabará por ser pre-
cutor quando lhe respondi: "Se eu soubesse o que será sente, como o efeito de miragem continua sem descanso
a grande obra dramática de amanhã, eu a faria." Vi per- a se produzir, dizemo-nos que, em nosso presente atual,
feitamente que ele concebia a obra futura como encer- que será o passado de amanhã, a imagem de amanhã já
rada, desde aquele momento, em não sei que armário de está contida ainda que não a consigamos apreender. Pre-
possíveis; eu devia, em consideração às minhas relações cisamente ai está a ilusão. É como se nos figurássemos,
já antigas com a filosofia, ter conseguido junto a ela acha - percebendo nossa imagem no espelho diante do qual
ve do armário. "Mas, disse-lhe eu, a obra da qual o se - acabamos de nos postar, que a poderíamos ter tocado
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caso tivéssemos permanecido atrás do espelho. Aliás, preendido não é em nenhuma medida o virtual, o ideal-
julgando assim que o possível não pressupõe o real, ad- mente preexistente. Fechem a barreira, vocês sabem que
mitimos que a realização acrescenta algo à mera possibi- ninguém atravessará a via: não se segue daí que vocês
lIdade: o possível teria estado aí desde sempre, fantasma possam predizer quem a atravessará quando vocês a
que espera sua hora; ter-se-ia portanto tornado realida- abrirem. No entanto, do sentido inteiramente negativo
de pela adição de algo, através de não sei que transfusão do termo "possível" vocês passam sub-repticiamente, in -
de sangue ou de vida. Não se vê que é exatamente o conscientemente, para o sentido positivo. Possibilidade
contrário, que o possível implica a realidade correspon- significava, há pouco, "ausência de impedimento"; vocês
dente com, além disso, algo que a ela se acrescenta, já fazem dela agora uma "preexistência sob forma de idéia",
que o possível é o efeito combinado da realidade, uma o que é algo inteiramente diferente. No primeiro sentido
vez surgida, e de um dispositivo que a repele para trás. A da palavra, era um truísmo dizer que a possibilidade de
idéia, imanente à maior parte das filosofias e natural ao uma coisa preexiste à sua realidade: vocês entendiam sim-
espírito humano, de possíveis que se realizariam por plesmente com isso que os obstáculos, tendo sido trans-
uma aquisição de existência é, portanto, pura ilusão. Se- postos, eram transponíveis3 . Mas, no segundo sentido, é
ria o mesmo que pretender que o homem em carne e um absurdo, pois é claro que um espírito no qual o Ham -
osso provém da materialização de sua imagem percebi- let de Shakespeare se tivesse desenhado sob forma de
da no espelho, sob o pretexto de que há nesse homem possível ter-lhe-ia por isso mesmo criado a realidade: te-
real tudo aquilo que encontramos nessa imagem virtual ria sido então, por definição mesmo, o próprio Shakes-
com, em acréscimo, a solidez que faz com que se a pos- peare. Em vão vocês começarão por imaginar que esse
sa tocar. Mas a verdade é que é preciso mais, aqui, para espírito poderia ter surgido antes de Shakespeare: é que
obter o virtual do que para obter o real, mais para a ima- vocês não pensam então em todos os detalhes do drama.
gem do homem do que para o próprio homem, pois a À medida .que vocês os completam, o predecessor de
imagem do homem não se desenhará se não começar- Shakespeare se vê pensar tudo o que Shakespeare pen-
mos por nos brindar com o homem e será preciso, além sará, sentir tudo o que ele sentirá, saber tudo o que ele
disso, um espelho. saberá, perceber portanto tudo o que ele perceberá, ocupar,
É isso que meu interlocutor esquecia quando me por conseguinte, o mesmo ponto do espaço e do tempo,
questionava acerca do teatro de amanhã. Talvez também ter o mesmo corpo e a mesma alma: é Shakespeare ele
brincasse inconscientemente com o sentido da palavra próprio.
"possível". Hamlet era sem dúvida possível antes de ser
realizada, se entendermos com isso que não havia obs-
3. E ainda cabe perguntar·se em certos casos se os obstáculos não
táculo intransponível à sua realização. Nesse sentido par- se tornaram transponíveis graças à ação criadora que os transpôs: a ação,
ticular, chamamos possível o que não é impossível; e é em si mesma imprevisível, teria então criado a "transponibilidade" . An-
claro por si que essa não -impossibilidade de uma coisa é tes dela, os obstáculos eram intransponíveis e, sem ela , assim teriam
a condição de sua realização. Mas o possível assim com- permanecido.
118 o PENSAMENTO E O MOVENTE O POSSIVEL E O REAL 119

. Mas insisto em demasia sobre aquilo que é claro por dos - que digo eu? pelos mesmos antecedentes diferen-
SI. Todas essas considerações se impõem quando se trata temente recortados, diferentemente distribuídos, enfim,
de uma obra de arte. Acredito que acabaremos por achar diferentemente percebidos pela atenção retrospectiva? De
eVIdente que o artista cria o possível ao mesmo tempo trás para frente, desenvolve-se uma remodelagem cons-
que o real quando executa sua obra. De onde vem en- tante do passado pelo presente, da causa pelo efeito.
tão que provavelmente hesitaremos em dizer o mesmo Não o vemos, novamente pela mesma razão, nova -
da natureza? Não é o mundo igualmente uma obra de mente por sermos vítimas da mesma ilusão, novamente
arte, incomparavelmente mais rica do que a do maior ar- porque tratamos como algo a mais aquilo que é algo a
tista? E não é igualmente absurdo, senão mais, supor menos, como algo a menos aquilo que é algo a mais. De-
aqUI que o pOrVJr se desenhe antecipadamente, que a pos- volvamos o possível ao seu lugar: a evolução torna -se
sibilidade preexista à realidade? Concedo, mais uma vez, algo inteiramente diferente da realização de um progra-
que os estados futuros de um sistema fechado de pontos ma; as portas do porvir abrem-se de par em par; um
~ateriais sejam calculáveis e, por conseguinte, sejam vi- campo ilimitado oferece-se para a liberdade. O erro das
SlvelS em seu estado presente. Mas, repito, esse sistema doutrinas - bem raras na história da filosofi a - que sou-
é extraído ou abstraído de um todo que compreende, beram abrir espaço para a indeterminação e para a liber-
além da matéria inerte e inorganizada, a organização. To - dade no mundo foi o de não terem visto aquilo que sua
mem o mundo concreto e completo, com a vida e a cons- afirmação implicava. Quando falavam de indetermina-
ciência que ele enquadra; considerem a natureza inteira, ção, de liberdade, entendiam por indeterminação uma
geradora de espécies novas de formas tão originais e tão competição entre possíveis, por liberdade uma escolha
novas quanto o desenho de qualquer artista; prendam- entre os possíveis - como se a possibilidade não fosse
se, nessas espécies, aos indivíduos, plantas ou animais, criada pela própria liberdade' Como se toda outra hipó -
cada um dos quais tem seu caráter próprio - eu ia dizer tese, pondo uma ideal preexistência do possível ao real,
sua personalidade (pois uma folha de grama não se as- não reduzisse o novo a ser apenas um rearranjo de ele -
semelha mais a outra folha de grama do que um Rafael mentos antigos! Como se não devesse ser levada assim,
a um Rembrandt); ergam-se, acima do homem indivi - cedo ou tarde, a tomá -lo por calculável e previsível! Acei -
dual, até às sociedades, que desenrolam ações e situa- tando o postulado da teoria adversa, introduzia o inimi -
ções comparáveis às de qualquer drama: como falar ain- go no reduto. É preciso aceitá-lo: é o real que se faz pos-
da de possíveis que precederiam sua própria realização? sível e não o possível que se torna real.
Como não ver que, embora o acontecimento se explique Mas a verdade é que a filosofia nunca admitiu fran -
sempre, post factum, por tais ou tais acontecimentos an - camente essa criação contínua de imprevisível novidade.
tecedentes' um acontecimento inteiramente diferente se Os antigos já a repugnavam, pelo fato de que, mais ou me -
teria explicado com igual propriedade, nas mesmas cir- nos platônicos, se figuravam que o Ser era dado de uma
cunstâncias, por antecedentes diferentemente escolhi- vez por todas, completo e perfeito, no imutável sistema
120 o PENSAMENTO E O MOVENTE O posstvn E O REAL 121

das Idéias: o mundo que se desenrola diante de nossos nia percebidas de início por nossos sentidos hipnotiza-
olhos, portanto, nada lhe podia acrescentar; pelo contrá- dos pela constância de nossas necessidades, a novidade
rio, era apenas diminuição ou degradação; seus estados incessantemente renascente, a movente originalidade das
sucessivos mediriam o afastamento crescente ou decres- coisas. Mas sobretudo seremos mais fortes, pois da gran -
cente entre aquilo que ele é, sombra projetada no tem- de obra de criação que está na origem e que se desenvolve
po, e aquilo que ele deveria ser, Idéia sediada na eterni- diante de nossos olhos nos sentiremos participar, criado-
dade; desenhariam as variações de um déficit, a forma res de nós mesmos. Nossa faculdade de agir, ao recobrar-
cambiante de um vazio. Seria o Tempo que teria estraga- se, intensificar-se-á. Humilhados até então numa atitude
do tudo . Os modernos colocam-se, é verdade, de um de obediência, escravos de não sei que necessidades na -
ponto de vista inteiramente diferente. Não tratam mais o turais' nós nos reergueremos, senhores associados a um
Tempo como um intruso, perturbador da eternidade; maior Senhor. Tal será a conclusão de nosso estudo. Guar-
mas de bom grado o reduziriam a uma simples aparên - demo -nos de ver uma simples brincadeira numa espe-
cia. O temporal, então, não é mais que a forma confusa culação sobre as relações entre o possível e o real. Pode se
do racional. O que é percebido por nós como uma suces- tratar de uma preparação para bem viver.
são de estados é concebido por nossa inteligência, assim
que a neblina se dissipou, como um sistema de relações.
O real torna -se mais uma vez o eterno, com esta única
diferença de que é a eternidade das Leis nas quais os fe -
nômenos se resolvem, ao invés de ser a eternidade das
Idéias que lhe servem de modelo. Mas, num caso como
no outro, lidamos com teorias. Atenhamo-nos aos fatos.
O Tempo é imediatamente dado. Isso nos basta e, na es-
pera de que nos demonstrem sua inexistência ou sua
perversidade, simplesmente constataremos que há jorro
efetivo de novidade imprevisível.
A filosofia, com isso, lucrará em encontrar algum ab-
soluto no mundo movente dos fenômenos. Mas nós lu-
craremos também por nos sentirmos mais alegres e mais
fortes. Mais alegres, uma vez que a realidade que se in -
venta diante de nossos olhos dará a cada um de nós, in-
cessantemente, algumas das satisfações com as quais a
arte brinda, de longe em longe, os privilegiados pela fortu -
na; irá nos descortinar, para além da fixidez e da monoto-

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