Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Fenomenologia da
Percepção
Tradução
CARLOS ALBERTO RIBEIRO DE MOURA
Martins Fontes
São Paulo 2006
Tllzlfoorigi..J: PHÉNOMlNOLOGlE DE LA PERCEPTION.
C'.opyrishl©ÉditfonsGiillinuud,J945.
CopyrishtCll994,L1vr11rúlMllrtinsFonttsEditor11Lt d a.,
SfloP11ulo.p«11111pmientttdiçilo.
Pttparaçiodooriginal
SilvanaCobucciUite
Revis6es griftcas
Rmatorl11Rw:lwC11rWis
MllurfâoBalthallrLud
Din11rle Zmzanelli ria Si!i.-
Produçio gdfia
CeralrloAlws
Merleau-Ponty,Maurice, 1908-1961.
Fenomenologia. da percepção / MauriceMerleau-Ponty ;
traduçãoCarlosAlbertoRlbeirodeMoura.-3'ed.-São
Paulo:MartinsFontes,2006.-(Tópicos)
1.Pertepçãol.TJtulo.U.Série.
CDD-153.7
Prefácio . . . . . . . . . . . . . . . . . .
INTRODUÇÃO
OS PREJU ÍZOS CLÁ SSICOS E O RETORNO
AOS FEN Ô M E NOS
PRIMEIRA PARTE
O CORPO
SEGUNDA PARTE
O MUNDO PERCEBIDO
l. O sentir. . . .. . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . 279
II . O espaço . . . . . . . . . . . .. . , . . . . . . . . . . . . . . . . . . 327
III . A coisa e o mundo natural . ........ 401
IV. Outrem e o mundo humano . . . 463
TERCEIRA PARTE
O SER-PARA-SI E O SER-NO-MUNDO
Notas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 6 1 3
Obras citadas . . . . ..... . .... . . .. . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 655
PREFÁCIO
OS PREJUÍZOS CLÁSSJCOS E O
REIDRNO AOS FENOMENOS
CAPÍTULO 1
A "SENSAÇÃO"
que ela não é nem negra nem cinza. Há ali uma visão indeter
min.ada, uma visão de não sei o quê, e, se passamos ao limite,
aquilo que está atrás de nós não deixa de ter presença visual.
Os dois segmentos de reta, na ilusão de Müller-Lyer (fig. 1 ) ,
> <
( >
Fig. 1
eia alguma outra coisa sem a conter, que exerce uma função
de conhecimento e que suas partes em conjunto compõem
uma totalidade à qual cada uma delas se liga sem abandonar
seu lugar. Doravante o vermelho não me é mais apenas pre
sente , mas ele me representa algo , e aquilo que ele represen
ta não é possuído como uma ' 'parte real ' ' de minha percep
ção, mas apenas visado como uma "parte intencional " 1 .
Meu olhar não se funde n o contorno o u n a mancha como ele
o faz no vermelho materialmente considerado: ele os percor
re ou os domina. Para receber nela mesma uma significação
que verdadeiramente a penetre, para integrar-se em um ' ' con
torno" ligado ao conjunto da "figura" e independente do
' 'fundo' ' , a sensação pontual deveria deixar de ser uma coin
cidência absoluta e , por conseguinte, deixar de ser enquanto
sensação . Se admitimos um " sentir" no sentido clássico, a
significação do sensível só pode consistir em outras sensações
presentes ou virtuais. Ver uma figura só pode ser possuir si
multaneamente as sensações pontuais que fazem parte dela.
Cada uma delas permanece sempre aquilo que ela é, um con
tato cego, uma impressão, o conjunto se faz " visão" e forma
um quadro diante de nós porque aprendemos a passar mais
rapidamente de uma impressão a outra. Um contorno é ape
nas uma soma de visões locais e a consciência de um contor
no é um ser coletivo. Os elementos sensíveis dos quais ele é
feito não podem perder a opacidade que os define como sen
síveis para abrirem-se a uma conexão intrínseca, a uma lei
de constituição comum. Sejam três pontos A, B e C, tomados
no contorno de uma figura; sua ordem no espaço é tanto sua
maneira de coexistir sob nossos olhos quanto essa própria coe
xistência; por mais próximos que eu os escolha, ela é a soma
de suas existências separadas, a posição de A, mais a posifão de
B, mais a posição de C. Pode acontecer que o empirismo aban
done esta linguagem atomista e fale de blocos de espaço ou
de blocos de duração, acrescente uma experiência das rela-
OS PREJUÍZOS CLÁSSICOS E O RETORNO A OS FENÔMENOS 37
Fig. 1 Fig. 2
uma vez por todas , e que nada poderia impedir de ter sido.
Na certeza do presente, há uma intenção que ultrapassa a pre
sença, que antecipadamente o põe como um " antigo presen
te" indubitável na série das rememorações, e a percepção en
quanto conhecimento do presente é o fenômeno central que
torna possível a unidade do eu e, com ela, a idéia da objetivi
dade e da verdade. Mas ela é apresentada no texto somente
como uma dessas evidências irresistíveis apenas de fato , que
permanecem sujeitas à dúvida39. A solução cartesiana não é
portanto considerar o pensamento humano em sua condição
de fato como garantia de si mesmo, mas apoiá-lo em um pen
samento que se possui absolutamente. A conexão entre a es
sência e a existência não é encontrada na experiência mas na
idéia do infinito. Portanto, no final das contas é verdade que
a análise reflexiva repousa inteira em uma idéia dogmática
do ser, e que nesse sentido ela não é uma tomada de cons
ciência acabada40. Quando o intelectualismo retomava a no
ção naturalista de sensação, neste passo estava implicada uma
filosofia. Reciprocamente, quando a psicologia elimina defi
nitivamente essa noção , podemos esperar encontrar nessa re
forma o esboço de um novo tipo de reflexão. N o plano da
psicologia, a crítica da ' ' hipótese de constância' ' significa ape
nas que se abandona o juízo como fator explicativo na teoria
da percepção. Como pretender que a percepção da distância
seja concluída a partir da grandeza aparente dos objetos, da
disparidade das imagens retinianas, da acomodação do cris
talino, da convergência dos olhos, que a percepção do relevo
seja concluída a partir da diferença entre a imagem forneci
da pelo olho direito e a imagem fornecida pelo olho esquer
do, já que, se nós nos atemos aos fenômenos , nenhum desses
" sign Õ s" é claramente dado à consciência, e j á que não po
deria haver raciocínio ali onde faltam as premissas? Mas es
sa critica ao intelectualismo só atinge a sua vulgarização en
tre os psicólogos. E, assim como o próprio intelectualismo,
OS PREJUÍZOS CLÁSSICOS E O RETORNO A OS FENÔMENOS 77
' ' querem dizer' ' uma distância maior. Não se trata, todavia,
de uma das conexões que a lógica objetiva, a lógic ã da ver
dade constituída, conhece: pois não há nenhuma razão para que
um campanário me pareça menor e mais distante a partir do
momento em que posso ver melhor em seu detalhe os decli
ves e os campos que dele me separam. Não há razão, mas
há um motivo . Foi justamente a Gestaluheorie que nos fez to
mar consciência dessas tensões que, como linhas de força, atra
vessam o campo visual e o sistema corpo próprio/mundo, e
que os animam com uma vida surda e mágica, impondo aqui
e ali torções, contrações, dilatações. A disparidade entre as
imagens retinianas, o número de objetos interpostos não agem
nem como simples causas objetivas que produziriam do ex·
terior a minha percepção da distância, nem como razões que
a demonstrariam. Eles são tacitamente conhecidos por ela sob
formas veladas, eles a justificam por uma lógica sem pala·
vra. Mas, para exprimir suficientemente essas relações per·
ceptivas , falta à Gestalttheorie uma renovação das categorias:
ela admitiu seu princípio, aplicou·o a alguns casos particula·
res, mas não percebeu que toda uma reforma do entendimento
é necessária se queremos traduzir exatamente os fenômenos,
e que é preciso, para chegar a isso, recolocar em questão o
pensamento objetivo da lógica e da filosofia clássicas, pôr em
suspenso as categorias do mundo , pôr em dúvida, no sentido
cartesiano, as pretensas evidências do realismo, e proceder
a uma verdadeira ' ' redução fenomenológica' ' . O pensamen·
to objetivo, aquele que se aplica ao universo e não aos fenô·
menos, só conhece noções alternativas; a partir da experiên·
eia efetiva, ele define conceitos puros que se excluem: a no·
ção da extensão, que é a de uma exterioridade absoluta entre
as partes, e a noção do pensamento , que é a de um ser reco·
lhido em si mesmo, a noção do signo vocal como fenômeno
físico arbitrariamente ligado a certos pensamentos, e a da sig·
nifUação como pensamento para si inteiramente claro, a no·
OS PREJUÍZOS CLÁSSICOS E 0 RETORNO AOS FENÓMENOS 81
bre ' ' as duas imagens' ' , pois elas não são numericamente dis
tintas, mas do fenômeno do " movido " , das forças que habi
tam esse esboço , que procuram o equilíbrio e que o levam
ao mais determinado. Para uma doutrina cartesiana, essas
descrições nunca terão importância filosófica: das serão tra
tadas como a1usões ao irrefletido que, por princípio , nunca
podem tornar-se enunciados e que, como toda psicologia, são
sem verdade diante do entendimento. Para legitimá-las in
teiramente , seria preciso mostrar que em caso algum a cons
ciência pode deixar inteiramente de ser aquilo que ela é na
percepção, quer dizer, um fato, nem tomar inteira posse de
suas operações. Portanto, o reconhecimento dos fenômenos
implica enfim uma teoria da reflexão e um novo cogito 45 •
CAPÍTULO IV
O CAMPO FENOMENAL
O CORPO
Nossa percepção chega a objetos , e o objeto, uma vez
constituído, aparece como a razão de todas as experiências
que dele tivemos ou que dele poderíamos ter. Por exemplo,
vejo a casa vizinha sob um certo ângulo, ela seria vista de
outra maneira da margem direita do Sena, de outra maneira
do interior, de outra maneira ainda de um avião ; a casa ela
mesma não é nenhuma dessas aparições, ela é, como dizia Leib
niz, o geometral dessas perspectivas e de todas as perspecti
vas possíVeis, quer dizer, o termo sem perspectivas do qual
se podem derivá-las todas, ela é a casa vista de lugar algum .
Mas o que significam estas palavras? Ver não é sempre ver
de algum lugar? Dizer que a casa ela mesma é vista de lugar
algum não seria dizer que ela é invisível? Entretanto, quan
do digo que vejo a casa com meus olhos, certamente não di
go nada de contestável : não entendo que minha retina e meu
cristalino, que meus olhos enquanto órgãos materiais funcio
nam e fazem com que eu a veja; interrogando apenas a mim
mesmo, não sei nada disso. Eu quero exprimir com isso uma
certa maneira de ter acesso ao objeto, o " olhar " , que é tão
indubitável quanto meu próprio pensamento, tão diretamente
104 FENOMENOLOGIA D A PERCEPÇÃO
dos objetos. Foi isso que levou a supor centros gnósticos es
pecializados na loca1ização e na interpretação das qualida
des . Na realidade, as pesquisas modernas mostram que as
lesões centrais agem sobretudo elevando as cronaxias que ,
no doente , são duas ou três vezes decuplicadas. A excitação
produz seus efeitos mais lentamente , eles subsistem por mais
tempo, e a percepção tátil do áspero, por exemplo, encontra
se comprometida, pois supõe uma seqüência de impressões
circunscritas ou uma consciência precisa das diferentes posi
ções da mão 4 • A localização confusa do excitante não se ex
plica pela destruição de um centro loca1izador, mas pelo ni
velamento das excitações que não mais conseguem organizar
se em um conjunto estável em que cada uma delas receberia
um valor unívoco e só se traduziria para a consciência por
uma mudança circunscrita5 • Assim, as excitações de um
mesmo sentido diferem menos pelo instrumento material do
qual se servem do que pela maneira pela qual os estímulos
elementares se organizam espontaneamente entre si, e essa
organização é o fator decisivo no plano das ' ' qualidades' ' sen
síveis, assim como no plano da percepção. É ela ainda, e não
a energia específica do aparelho interrogado, que faz com que
um excitante dê lugar a uma sensação tátil ou a uma sensa
ção térmica. Se por diversas vezes se excita com um cabelo
uma dada região da pele, têm-se primeiramente sensações
pontuais, claramente distinguidas e a cada vez localizadas no
mesmo ponto . À medida que a excitação se repete, a locali
zação se torna menos precisa, a percepção se desdobra no
espaço, ao mesmo tempo em que a sensação deixa de ser es
pecífica: não é mais um contato, é uma queimadura, ora pe
lo frio, ora pelo calor. Mais tarde ainda, o paciente acredita
que o excitante se move e traça um círculo em sua pele . Fi
nalmente , nada mais é sentido6. Isso significa que a " quali
dade sensível " , as determinações espaciais do percebido e até
mesmo a presença ou a ausência de uma percepção não são
114 FENOMENOLOGIA DA PERCEPÇÃO
animal existe, que ele tem um mundo ou que ele é para um mun
do, não se quer dizer que ele tenha percepção ou consciência
objetiva desse mundo. A situação que desencadeia as opera
ções instintivas não está inteiramente articulada e determi
nada, o sentido total não é possuído, como o mostram muito
bem os erros e a cegueira do instinto. Ela só oferece uma sig
nificação prática, só convida a um reconhecimento corporal,
ela é vivida como situação ' ' aberta' ' , e pede os movimentos
do animal assim como as pi-imeiras notas da melodia pedem
um certo modo de resolução sem que ele seja conhecido por
si mesmo, e é justamente isso que permite aos membros
substituírem-se um ao outro, serem equivalentes diante da evi
dência da tarefa. Se ele ancora o sujeito em um certo ' ' meio ' ' ,
o " ser n o mundo" seria algo como a " atenção à vida" de
Bergson ou como a " função do real " de P . Janet? A atenção
à vida é a consciência que tomamos de ' ' movimentos nascen
tes" e m nosso corpo. Ora, movimentos reflexos, esboçados
ou realizados, ainda são apenas processos objetivos dos quais
a consciência pode constatar o tjesenrolar e os resultados, mas
nos quais ela não está engajada19 , Na realidade, os próprios
reflexos nunca são processos cegos: eles se ajustam a um " sen
tido ' ' da situação, exprimem nossa orientação para um ' ' meio
de comportamento" tanto quanto a ação do " meio geográfi
co ' ' sobre nós. Eles desenham , à distância, a estrutura do ob
jeto, sem esperar suas estimulações pontuais. É essa presença
global da situação que dá um sentido aos estímulos parciais
e que os faz contar, valer ou existir para o organismo. O re
flexo não resulta de estímulos objetivos, ele se volta para eles,
investe-os de um sentido que eles não receberam um a um
e como agentes físicos, que eles têm apenas enquanto situa
ção. Ele os faz ser como situação, está com eles em uma rela
ção de " conhecimento " , quer dizer, indica-os como aquilo
que ele está destinado a afrontar. O reflexo, enquanto se abre
ao sentido de uma situação , e a percepção, enquanto não põe
O CORPO 1 19
A EXPERIÊNCIA DO CORPO
E A PSICOLOGIA CLÁS S ICA
A E S PACIALIDADE DO CORPO
PRÓPRIO E A MOTRICIDADE
trar. Mas como isso é possível? S e sei onde está meu nariz
quando se trata de pegá-lo, como não saberia onde ele está
quando se trata de mostrá-lo? Sem dúvida, é porque o saber
de um lugar se entende em vários sentidos. A psicologia clás
sica não dispõe de nenhum conceito para exprimir essas va
riedades da consciência de lugar porque para ela a consciên
cia de lugar é sempre consciência posicional , representação,
Vor-stellung, porque a este título ela nos dá o lugar como de
terminação do mundo objetivo, e porque uma tal represen
tação é ou não é , mas, se ela é, ela nos entrega seu objeto
sem nenhuma ambigüidade e como um termo identificável
através de todas as suas aparições . Ao contrário, aqui preci
samos forjar os conceitos necessários para exprimir que o es
paço me pode ser dado em uma intenção de apreensão sem
me ser dado em uma intenção de conhecimento. O doente
tem consciência do espaço corporal como local de sua ação
habitual , mas não como ambiente objetivo, seu corpo está à
sua disposição como ineio de inserção em uma circunvizinhan
ça familiar, mas não como meio de expressão de um pensa
mento espacial gratuito e livre . Quando lhe ordenam que exe
cute um movimento concreto, primeiramente ele repete a or
dem com um acento interrogativo, depois seu corpo se insta
la na posição de conjunto que é exigida pela tarefa; enfim ele
executa o movimento. Observa-se que todo o corpo colabora
para isso e que o doente nunca reduz o movimento, como
o faria o sujeito normal, aos traços estritamente indispensá
veis. A saudação militar é acompanhada de outros sinais ex
teriores de respeito. Com o gesto da mão direita que finge
pentear os cabelos, vem o da mão esquerda que segura o es
pelho; com o gesto da mão direita que crava um prego, vem
o da mão esquerda que o segura. Isso ocorre porque a ordem
é levada a sério e porque o doente só consegue realizar os mo
vimentos concretos sob comando à condição de situar-se em
espírito na situação efetiva a que eles correspondem. O su-
1 52 FENOMENOLOGIA DA PERCEPÇÃO
vez por u m certo "lado " , que e m cada caso certos sintomas
sejam predominantes no quadro clínico da doença, e enfim
que a consciência seja vulnerável e que possa receber a doen
ça em si mesma. Acometendo a " esfera visual " , a doença
não se limita a destruir certos conteúdos de consciência, as
"representações visuais " ou a visão no sentido próprio; ela
atinge uma visão no sentido figurado, da qual a primeira é
o modelo ou o emblema - o poder de "dominar" (überscha.uen)
as multiplicidades simultâneas92, uma certa maneira de pôr
o objeto ou de ter consciência. Mas como esse tipo de cons
ciência é apenas a sublimação da visão sensível, como a cada
momento ele se esquematiza nas dimensões do campo visual,
sobrecarregando-as, é certo, com um sentido novo, compre
ende-se que essa função geral tenha suas raízes psicológicas.
A consciência desenvolve livremente os dados visuais para
além de seu sentido próprio, ela se serve deles para exprimir
seus atos de espontaneidade, como o mostra suficientemente
a evolução semântica que atribui um sentido cada vez mais
rico aos termos intuição, evidência ou luz natural. Mas, re
ciprocamente, não há um só desses termos, no sentido final
que a história lhes atribuiu, que se compreenda sem referên
cia às estruturas da percepção visual. Dessa forma não se po
de dizer que o homem vê porq1:1e é Espírito, nem tampouco
que é Espírito porque vê: ver como um homem vê e ser Espí
rito são sinônimos. Na medida em que a consciência s6 é cons
ciência de algo arrastando atrás de si seu rasto, e em que,
para pensar um objeto, é preciso apoiar-se em um ' ' mundo
de pensamento' ' precedentemente construído, há sempre uma
despersonalização no interior da consciência; por aqui está
dado o princípio de uma intervenção alheia: a consciência po
de ficar doente, o mundo de seus pensamentos pode desmo
ronar em fragmentos - ou antes, como os ' ' conteúdos' ' dis
sociados pela doença não figuravam na consciência normal
a título de partes, e só serviam de apoios a significações que
192 FENOMENOLOGIA. DA PERCEPÇÃO
nesse advento de um ' ' ponto de vista da cor' ' , nessa análise
intelectual que subsume os dados a uma categoria? Mas, pa
ra que a criança possa perceber o azul e o vermelho sob a
categoria de cor, é preciso que esta se enraíze nos dados , sem
o que nenhuma subsunção poderia reconhecê-la neles - pri
meiramente é preciso que, nos painéis " azuis" e "vermelhos"
que lhe apresentam , se manifeste esta maneira particular de
vibrar e de atingir o olhar que chamamos de azul e de ver
melho. Com o olhar, dispomos de um instrumento natural
comparável à bengala do cego . O olhar obtém mais ou me
nos das coisas segundo a maneira pela qual ele as interroga,
pela qual ele desliza ou se apóia nelas . Aprender a ver as co
res é adquirir um certo estilo de visão, um novo uso do corpo
próprio, é enriquecer e reorganizar o esquema corporal. Sis
tema de potências motoras ou de potências perceptivas, nos
so corpo não é objeto para um "eu penso " : ele é um conjun
to de significações vividas que caminha para seu equilíbrio.
Por vezes forma-se um novo n6 de significações : nossos mo
vimentos antigos integram-se a uma nova entidade motora,
os primeiros dados da visão a uma nova entidade sensorial,
repentinamente nossos poderes naturais vão ao encontro de
uma significação mais rica que até então estava apenas indi
cada em nosso campo perceptivo ou prático, só se anunciava
em nossa experiência por uma certa falta, e cujo advento reor
ganiza subitamente nosso equilíbrio e preenche nossa expec
tativa cega.
CAPÍTULO V
rem apenas ' ' agora ' ' sempre semelhantes, a vida reflui sobre
si mesma e a história se dissolve no tempo natural . Mesmo
normal , mesmo envolvido em situações inter-humanas, o su
jeito, enquanto tem um corpo, conserva a cada instante o po
der de esquivar-se disso. No próprio instante em que vivo no
mundo, em que me dedico aos meus projetos , a minhas ocu
pações, a meus amigos, a minhas recordações, posso fechar
os oJhos, estirar-me, escutar meu sangue que pulsa em meus
228 FENOMENOLOGIA DA PERCEPÇÃ O
Mas o nome não lhe serve mais para nada, não lhe diz mais
nada, ele é estranho e absurdo, assim como são para nós os
nomes que repetimos durante muito tempo31 . Os doentes pa
ra os quais as palavras perderam seu sentido conservam por
vezes, no mais alto grau , o poder de associar as idéias32 , Por
tanto , o nome não se destacou das " associações " antigas, ele
se alterou como um corpo inanimado. O elo entre a palavra
e seu sentido vivo não é u m do exterior de associação ; o sen
tido habita a palavra, e a linguagem " não é um acompanha
mento exterior dos processos intelectuais " 3 3 . Somos condu
zidos então a reconhecer, como dizíamos mais acima, uma
significação gestual ou existencial da fala. A linguagem tem
um interior, mas esse interior não é um pensamento fechado
sobre si e consciente de si. O que então exprime a lingua
gem , se ela não exprime pensamentos? Ela apresenta, ou an
tes ela é tomada de posição do sujeito no mundo de suas sig
nificações. O termo " mundo" não é aqui uma maneira de
falar: ele significa que a vida " mental " ou cultural toma de
empréstimo à vida natural as suas estruturas , e que o sujeito
pensante deve ser fundado no sujeito encarnado . O gesto fo
nético realiza, para o sujeito falante e para aqueles que o es
cutam , uma certa estrutura da experiência, uma certa mo
dulação da existência, exatamente como um comportamento
de meu corpo investe os objetos que me circundam, para mim
e para o outro, de uma certa significação. O sentido do gesto
não está contido no gesto enquanto fenômeno físico ou fisio
lógico . O sentido da palavra não está contido na palavra en
quanto som. Mas é a definição do corpo humano apropriar
se, em uma série indefinida de atos descontínuos, de núcleos
significativos que ultrapassam e transfiguram seus poderes na
turais. Esse ato de transcendência encontra-se primeiramen
te na aquisição de um comportamento, depois na comunica
ção muda do gesto : é pela mesma potência que o corpo se
abre a uma conduta nova e faz com que testemunhos exte-
O CORPO 263
alcançar-se e é por isso que ela cria a fala como apoio empíri
co de seu próprio não-ser. A fala é o excesso de nossa exis
tência por sobre o ser natural . Mas o ato de expressão consti
tui u m mundo lingü ístico e um mundo cultural , ele faz vol
tar a cair no ser aquilo que tendia para além. Daí a fala fala
da que desfruta as significações disponíveis como a uma for
tuna obtida. A partir dessas aquisições, tomam-se impossíveis
outros atos de expressão autêntica - aqueles do escritor, do
artista ou do filósofo. Essa abertura sempre recriada na ple
nitude do ser é o que condiciona a primeira fala da criança,
assim como a fala do escritor, a construção da palavra, assim
como a dos conceitos. É essa função que adivinhamos atra
vés da linguagem, que se reitera, apóia-se em si mesma ou
que, assim como uma onda, ajunta-se e retoma-se para
projetar-se para além de si mesma.
Melhor ainda do que nossas observações sobre a espa
cialidade e a unidade corporais, a análise da fala e da expres
são nos faz reconhecer a natureza enigmática do corpo pró
prio . Ele não é uma reunião de partículas das quais cada uma
permaneceria em si, ou ainda um entrelaçamento de proces
sos definidos de uma vez por todas - ele não está ali onde
está, ele não é aquilo que é - já que o vemos secretar em
si mesmo u m " sentido" que não lhe vem de parte alguma,
projetá-lo em sua circunvizinhança material e comunicá-lo
aos outros sujeitos encarnados. Sempre observaram que o ges
to ou a fala transfiguravam o corpo, mas contentavam-se em
dizer que eles desenvolviam ou manifestavam uma outra po
tência, pensamento ou alma . Não se via que, para poder
exprimi-lo, em última análise o corpo precisa tomar-se o pen
samento ou a intenção que ele nos significa. É ele que mos
tra, ele que fala, eis o que aprendemos neste capítulo. Cé
zanne dizia de um retrato: "Se pinto todos os pequenos azuis
e todos os pequenos marrons, eu o faço olhar como ele olha . . .
A o diabo s e eles desconfiam como, casando u m verde mati-
268 FENOMENOLOGTA DA PERCEPÇÃO
dade " , " sexualidade " - percebo que essas " funções " não
podem estar ligadas entre si e ao mundo exterior por rela
ções de causalidade, todas elas estão confusamente retoma
das e implicadas em um drama único. Portanto, o corpo não
é um objeto. Pela mesma razão , a consciência que tenho dele
não é um pensamento, quer dizer, não posso decompô-lo e
recompô-lo para formar dele uma idéia clara. Sua unidade
é sempre implícita e confusa. Ele é sempre outra coisa que
aquilo que ele é, sempre sexualidade ao mesmo tempo que
liberdade, enraizado na natureza no próprio momento em que
se transforma pela cultura, nunca fechado em si mesmo e nun
ca ultrapassado . Quer se trate do corpo do outro ou de meu
próprio corpo , não tenho outro meio de conhecer o corpo hu
mano senão vivê-lo, quer dizer, retomar por minha conta o
drama que o transpassa e confundir-me com ele. Portanto,
sou meu corpo, exatamente na medida em que tenho um sa
ber adquirido e , reciprocamente, meu corpo é como um su
jeito natural, como u m esboço provisório de meu ser total .
Assim, a experiência do corpo próprio opõe-se ao movimen
to reflexivo que destaca o objeto do sujeito e o sujeito do ob
jeto, e que nos dá apenas o pensamento do corpo ou o corpo
em idéia, e não a experiência do corpo ou o corpo em reali
dade . Descartes o sabia muito bem, já que uma célebre carta
a Elisabeth distingue o corpo tal como ele é concebido pelo
uso da vida do corpo tal como ele é concebido pelo entendi
mento""°. Mas em Descartes esse singular saber que temos de
nosso corpo apenas pelo fato de que somos um corpo perma
nece subordinado ao conhecimento por idéias porque, atrás
do homem tal como de fato ele é, encontra-se Deus enquanto
autor racional de nossa situação de fato. Apoiado nessa ga
rantia transcendente, Descartes pode aceitar calmamente nos
sa condição irracional : não cabe a nós sustentar a razão e ,
u m a vez q u e a reconhecemos n o fundo das coisas, resta-nos
apenas agir e pensar no mundo 4 1 . Mas, se nossa união com
270 FENOMENOLOGIA DA PERCEPÇÃO
O MUNDO PERCEBIDO
O corpo próprio está no mundo assim como o coração
no organismo; ele mantém o espetáculo visível continuamente
em vida, anima-o e alimenta-o interiormente, forma com ele
um sistema. Quando caminho em meu apartamento, os di
ferentes aspectos sob os quais ele se apresenta a mim não po
deriam aparecer-me como os perfis de uma mesma coisa se
eu não soubesse que cada um deles representa o apartamen
to visto daqui ou visto dal i , se eu não tivesse consciência de
meu próprio movimento e de meu corpo como idêntico atra
vés das fases desse movimento. Evidentemente , posso sobre
voar o apartamento em pensamento, imaginá-lo ou desenhar
sua planta no papel, mas mesmo então eu não poderia apreen
der a unidade do objeto sem a mediação da experiência cor
poral , pois aquilo que chamo de uma planta é apenas uma
perspectiva mais ampla: é o apartamento "visto de cima" ,
e , s e posso resumir nela todas as perspectivas costumeiras,
é sob a condição de saber que um mesmo sujeito encarna
do pode ver alternadamente de diferentes posições. Respon
der-se-á talvez que, recolocando o objeto na experiência cor
poral como um dos pólos dessa experiência, nós lhe retira
mos justamente aquilo que faz sua objetividade. Do ponto
2 74 FENOMENOLOGIA DA PERCEPÇÃO
O SENTIR
nas ser visível mas ainda ser tangível ou apreensível pela au
dição, e não apenas ser sensível mas ainda uma profundida
de do objeto que nenhuma antecipação sensorial esgotará.
Correlativamente, não estou por inteiro nessas operações, elas
permanecem marginais, produzem-se adiante de mim, o eu
que vê ou o eu que ouve são de alguma maneira um eu espe
cializado, familiares a um único setor do ser, e é justamente
a esse preço que o olhar e a mão são capazes de adivinhar
o movimento que vai tornar a percepção precisa e podem dar
provas desta presciência que lhes dá a aparência do automa
tismo. Podemos resumir essas duas idéias dizendo que toda
sensação pertence a um certo campo. Dizer que tenho um cam
po visual é dizer que, por posição, tenho acesso e abertura
a um sistema de seres, os seres visuais, que eles estão à dis
posição de meu olhar em virtude de uma espécie de contrato
primordial e por um dom da natureza, sem nenhum esforço
de minha parte; é dizer portanto que a visão é pré-pessoal ;
e é dizer ao mesmo tempo que ela é sempre limitada, que
existe sempre em torno de minha visão atual um horizonte
de coisas não-vistas ou mesmo não-visíveis. A visão é um pen
samento sujeito a um certo campo e é isso que chamamos de um
sentido. Quando digo que tenho sentidos e que eles me fazem
ter acesso ao mundo, não sou vítima de uma confusão, não
misturo o pensamento causal e a reflexão, apenas exprimo
esta verdade que se impõe a uma reflexão integral : que sou
capaz , por conaturalidade, de encontrar um sentido para cer
tos aspectos do ser, sem que eu mesmo o tenha dado a eles
por uma operação constituinte .
a Com a distinção entre os sentidos e a intelecção, encon
O ESPAÇO
que Stratton descreveu sem contudo dar conta deles. Se o ' 'en
direitamento" do campo resultasse de uma série de associa
ções entre as posições novas e as antigas , corno a operação
poderia ter um andamento sistemático e como faces inteiras
do horizonte perceptivo viriam juntar-se de um só golpe aos
objetos já " endireitados " ? Se , ao contrário, a nova orienta
ção resultasse de uma operação do pensamento e consistisse
em uma mudança de coordenadas, como o campo auditivo
ou tátil poderia resistir à transposição? Seria preciso que , por
uma circunstância improvável, o sujeito constituinte estives
se apartado de si mesmo e fosse capaz de ignorar aqui aquilo
que ele faz alhures1 6 • Se a transposição é sistemática, e to
davia parcial e progressiva, é porque vou de um sistema de
posições ao outro sem ter a chave de cada um deles, assim
como um homem sem nenhum conhecimento musical canta
em um outro tom uma ária que ouviu . A posse de um corpo
traz consigo o poder de mudar de nível e de " compreender"
o espaço, assim como a posse da voz traz consigo o poder de
mudar de tom . O campo perceptivo se apruma e, no final
da experiência, eu o identifico sem conceito, porque me trans
porto inteiro para o novo espetáculo e porque coloco ali , por
assim dizer, o meu centro de gravidade1 7 . No início da ex
periência, o campo visual parece ao mesmo tempo invertido
e i"eal porque o sujeito não vive nele e não está às voltas com
ele. No decorrer da experiência, constata-se uma fase inter
mediária em que o corpo tátil parece invertido e a paisagem
direita porque, já vivendo na paisage m , eu a percebo por is
so mesmo como direita, e porque a perturbação experimen
tal é atribuída ao corpo próprio que é, assim, não uma mas
sa de sensações
. efetivas, mas o corpo que é preciso ter para
percebe e um espetáculo dado . Tudo nos reenvia às relações
orgânicas entre o sujeito e o espaço , a esse poder do sujeito
sobre seu mundo que é a origem do espaço .
O MUNDO PERCEBIDO 339
ele não é nem menor, aliás nem igual em grandeza: ele está
aquém do igual e do desigual , ele é o mesmo lwmem visto de mais
longe. Pode-se dizer apenas que o homem a duzentos passos
é uma figura muito menos articulada, que ele oferece ao meu
olhar pontos de apoio menos numerosos e menos precisos,
que ele está menos estritamente engrenado ao meu poder ex
plorador. Pode-se dizer ainda que ele ocupa menos comple
tamente o meu campo visual , sob a condição de nos lembrar
mos de que o campo visual não é ele mesmo uma área men
surável. Dizer que um objeto ocupa pouco lugar no campo
visual é dizer, em última análise, que ele não apresenta uma
configuração suficientemente rica para esgotar minha potên
cia de visão nítida. Meu campo visual não tem nenhuma ca
pacidade definida e pode conter mais ou menos coisas, justa
mente, segundo as vejo " de longe" ou " de perto " . Portan
to, a grandeza aparente não é definível à parte da distância:
ela é implicada por esta, assim como a implica. Convergên
cia, grandeza aparente e distância se lêem umas nas outras ,
se simbolizam ou se significam naturalmente umas às outras ,
são os elementos abstratos de uma situação e, nesta, são si
nônimas umas das outras, não que o sujeito da percepção po
nha relações objetivas entre elas , mas ao contrário porque ele
não as põe à parte e portanto não precisa ligá-las expressa
mente . Sejam as diferentes ' ' grandezas aparente s ' ' do objeto
que se distancia: não é necessário ligá-las por uma síntese se
nenhuma delas é objeto de uma tese . Nós " temos" o objeto
que se distancia, não deixamos de " possuí-lo" e de ter poder
sobre ele, e a distância crescente não é , como a largura pare
ce sê-lo, uma exterioridade que cresce : ela exprime apenas
que a coisa começa a escorregar sob a apreensão de nosso
olhar, e que ele a esposa menos estritamente. A distância é
aquilo que distingue essa apreensão esboçada da apreensão
completa ou proximidade. Nós a definiremos então do roes-
O MUNDO PERCEBIDO 353
mo modo que definimos acima o ' ' direito ' ' e o ' ' oblíquo ' ' :
pela situação d o objeto e m relação à potência d e apreensão .
Foram sobretudo as ilusões referentes à profundidade que
nos habituaram a considerá-la como uma construção do en
tendimehto. Pode-se provocá-las impondo aos olhos um cer
to grau de convergência, como no estereoscópio, ou apresen
tando ao sujeito um desenho perspectiva. Visto que aqui acre
dito ver a profundidade quando ela não existe, não seria por
que os signos enganadores foram a ocasião de uma hipótese,
e porque em geral a pretensa visão da distância é sempre uma
interpretação de signos? Mas o postulado é manifesto; supõe
se que não é possível ver aquilo que não é , define-se então
a visão pela impressão sensorial , perde-se a relação original
de motivação, substituída por uma relação de significação.
Vimos que a disparidade das imagens retinianas que o movi
mento de convergência suscita não existe em si; só existe dis
paridade para um sujeito que procura fundir os fenômenos
monoculares de mesma estrutura e que tende à sinergia. A
unidade da visão binocular, e com esta a profundidade sem
a qual ela não é realizável, está ali então desde o momento
em que as imagens monoculares se apresentam como " dis
parates" . Quando me ponho no estereoscópio , propõe-se um
conjunto em que a ordem possível já se desenha e a situação
se esboça. Minha resposta motora assume essa situação . Cé
zanne dizia que o pintor, diante de seu " motivo " , vai "en
contrar-se com as mãos errantes da natureza' ' 26 . O próprio
movimento de fixação no estereoscópio é uma resposta à ques
tão posta pelos dados, e essa resposta está envolvida na ques
tão. É o próprio campo que se orienta em direção a uma si
metria tão perfeita quanto possível, e a profundidade é ape
nas um momento da fé perceptiva em uma coisa única. O
desenho perspectiva não é percebido primeiramente coroo de
senho em um plano, depois organizado em profundidade. As
linhas que fogem para o horizonte não são dadas em primei-
354 FENOMENOLOGIA D A PERCEPÇÃO
E� E4=ri
l6±7º H G
�o H
G
Fig. 1 Fig. 2 Fig. 3
ço' ' , mas uma pura ' ' passagem ' ' . Se se opera com um ta
quistoscópio, freqüentemente o sujeito percebe um movimento
sem poder dizer de que existe movimento. Quando se trata
de movimentos reais, a situação não é diferente : se observo
operários que descarregam um caminhão lançando tijolos um
para o outro, vejo o braço do operário em sua posição inicial
e em sua posição final, não o vejo em nenhuma posição in
termediária, e todavia tenho uma percepção viva de seu mo
vimento . Se passo rapidamente um lápis diante de uma fo
lha de papel na qual marquei um ponto de referência, em
nenhum momento tenho consciência de que o lápis se encon
tra acima do ponto de referência, não vejo nenhuma das po
sições intermediárias e todavia tenho a experiência do movi
mento. Reciprocamente, se diminuo o movimento e consigo
não perder o lápis de vista, neste momento mesmo a impres
são de movimento desaparece:i�. O movimento desaparece
no momento mesmo em que é o mais conforme à definição
que dele dá o pensamento objetivo. Assim, podem-se obter
fenômenos em que o móbil só aparece apreendido no movi
mento. Para ele, mover-se não é passar alternadamente por
uma série indefinida de posições, ele só é dado começando,
prosseguindo ou terminando seu movimento. Conseqüente
mente , mesmo nos casos em que o móbil é visíve1 , o movi
mento não é a seu respeito uma denominação extrínseca, uma
relação entre ele e o exterior, e poderemos ter movimentos
sem referencial. De fato, se projetamos a imagem consecuti
va de um movimento em um campo homogêneo, sem nenhum
objeto e sem nenhum contorno, o movimento toma posse de
todo o espaço, é todo o campo visual que se move, como na
feira em Casa Mal-Assombrada. Se projetamos na tela a pós
imagem de uma espiral girando em torno de seu centro , na
ausência de qualquer quadro fixo, é o próprio espaço que vi
bra e se dilata do centro à periferia36 . Enfim, como o movi
mento não é mais um sistema de relações exteriores ao pró-
O MlT/'../DO PERCEBIDO 365
Mesmo se não pode ser definida por isto, uma coisa tem
"caracteres" ou " propriedades" estáveis , e nós nos aproxi
maremos do fenômeno de realidade estudando as constantes
perceptivas . Em primeiro lugar, uma coisa tem sua grandeza
e sua forma pr6prias sob as variações perspectivas que são ape
nas aparentes. Nós não lançamos estas aparências na conta
do objeto, elas são um acidente de nossas relações com ele,
não concernem a ele mesmo. O que queremos dizer por isso
e a panir de que julgamos então que uma forma ou uma gran
deza são a forma e a grandeza do objeto?
O que nos é dado para cada objeto, dirá o psicólogo, são
grandezas e formas sempre variáveis segundo a perspectiva,
e nós convimos em considerar como verdadeiras a grandeza
que obtemos à distância de tocar ou a forma que o objeto as
sume quando está em um plano paralelo ao plano frontal. Elas
não são mais verdadeiras do que outras, mas essa distância
e essa orientação típica, sendo definidas com o auxilio de nosso
corpo, referencial sempre dado, nós sempre temos o meio de
reconhecê-las, e elas mesmas nos fornecem um referencial em
relação ao qual podemos fixar enfim as aparências fugidias,
distingui-las umas das outras e , em uma palavra, construir
402 FENOMENOLOGIA DA PERCEPÇA O
ra nós a tal ponto natural, que não é mais nem mesmo perce
bida como penumbra. A iluminação elétrica, que nos parece
amarela no momento em que saímos da luz diurna, logo dei
xa de ter para n6s alguma cor definida e, se um resto de luz
diurna penetra no cômodo, é esta luz ' ' objetivamente neu
tra" que nos pai-ece tingida de azul 26 . Não se deve dizer que,
a iluminação amarela da eletricidade sendo percebida como
amarela, nós levamos isso em conta na apreciação das apa
rências e reencontramos assim , idealmente , a cor própria dos
objetos. Não se deve dizer que a luz amarela, na medida em
que se generaliza, é vista sob o aspecto da luz diurna e que
assim a cor dos outros objetos permanece realmente constan
te. É preciso dizer que a luz amarela, assumindo a função
de iluminação, tende a situar-se aquém de qualquer cor, tende
para o zero de cor e que, correlativamente, os objetos distri
buem-se as cores do espectro segundo o grau e o modo de
sua resistência a essa nova atmosfera. Portanto, toda cor-quale
é mediada por uma cor-função, determina-se em relação a
um nível que é variável . O nível se estabelece e, com ele ,
todos os valores coloridos que dele dependem, quando co
meçamos a viver na atmosfera dominante e , em função des
sa convenção fundamental , redistribuímos sobre os objetos
as cores do espectro. Nossa instalação em um certo ambiente
colorido, com a transposição de todas as relações de cores que
ela acarreta, é uma operação corporal; só posso realizá-la en
trando na nova atmosfera, porque meu corpo é meu poder ge
ral de habitar todos os ambientes do mundo , a chave de to
das as transposições e de todas as equivalências que o man
têm constante. Assim, a iluminação é apenas um momento
em uma estrutura complexa cujos outros momentos são a or
ganização do campo, tal como nosso corpo a realiza, e a coi
sa iluminada em sua constância. As correlações funcionais
que se podem descobrir entre esses três fenômenos são uma
manifestação de sua ' ' coexistência essencial ' ' 27 •
418 FENOMENOLOGIA D A PERCEPÇÃO
ção inteira é animada por uma lógica que atribui a cada ob
jeto todas as suas determinações em função daquelas dos ou
tros e que "barra" como irreal todo dado aberrante, ela é
inteira subtendida pela certeza do mundo. Deste ponto de vis
ta, percebe-se enfim a verdadeira significação das constân
cias perceptivas . A constância da cor é apenas um momento
abstrato da constância das coisas, e a constância das coisas
está fundada na consciência primordial do mundo enquanto
horizonte de todas as nossas experiências. Portanto, não é por
que percebo cores constantes sob a variedade das ilumina
ções que creio em coisas , e a coisa não será uma soma de ca
racteres constantes, ao contrário, é na m,edida em que mi
nha percepção é em si aberta a um mundo e a coisas que re
conheço cores constante s .
O fenômeno d e constância é geral. Pôde-se falar de u m a
constância d o s sons34 , d a s temperaturas, d o s pesos35 e enfim
dos dados táteis no sentido estrito, mediada ela também por
certas estruturas , certos " modos de aparição" dos fenôme
nos em cada um desses campos sensoriais . A percepção dos
pesos permanece a mesma quaisquer que sejam os músculos
que nela concorram e qualquer que seja a posição inicial des
ses músculos . Quando se levanta um objeto com os olhos fe
chados, seu peso não é diferente, e ele também não é diferen
te quer a mão esteja ou não carregada com um peso suple
mentar (e quer este peso aja ele mesmo por pressão sobre as
costas da mão ou por tração na palma da mão) ; quer a· mão
aja livremente ou, ao contrário , esteja amarrada de tal for
ma que apenas os dedos trabalhem ; quer um dedo ou vários
executem a tarefa; quer se levante o objeto com a mão ou
com a cabeça, com o pé ou com os dentes ; e enfim quer se
levante o objeto no ar ou na água. Assim, a impressão tátil
é " interpretada" levando em conta a natureza e o número
dos aparelhos postos em jogo e mesmo as circunstâncias físi
cas nas quais ela- aparece; e é assim que impressões em si mes-
O MUNDO PERCEBIDO 421
tência plena. Seu modelo nos é fornecido por essas coisas dian
te de nós que , ao primeiro olhar, parecem absolutamente de
terminadas: essa pedra é branca, dura, tépida, ne1a o mundo
parece cristalizar-se, parece que ela não precisa de tempo para
existir, que se desdobra inteira no instante , que todo exce
dente de existência é para ela um novo nascimento, e por um
momento seríamos tentados a acreditar que o mundo , se ele
é algo , só pode ser uma soma de coisas análogas a essa pe
dra, o tempo uma soma de instantes perfeitos. Tais são o mun
do e o tempo cartesianos, e é verdade que essa concepção do
ser é como que inevitável, já que tenho um campo visual com
objetos circunscritos , um presente sensível, e já que todo
" alhures" se dá como um outro aqui, todo passado e todo
porvir como um presente antigo ou futuro. A percepção de
uma só coisa funda para sempre o ideal do conhecimento ob
jetivo ou explícito que a lógica clássica desenvolve. Mas a par
tir do momento em que nos apoiamos nessas certezas, a par
tir do momento em que despertamos a vida intencional que
as engendra, percebemos que o ser objetivo tem suas raízes
nas ambigüidades do tempo. Não posso conceber o mundo
como uma soma de coisas, nem o tempo como uma soma de
"agoras" pontuais , já que cada coisa só pode oferecer-se com
suas determinações plenas se as outras coisas recuam para o
indefinido dos longínquos, que cada presente só pode oferecer
se em sua realidade excluindo a presença simultânea dos pre
sentes anteriores e posteriores, e já que assim uma soma de
coisas ou uma soma de presentes é um não-senso. As coisas
e os instantes só podem articular-se uns aos outros para for
mar um mundo através deste ser ambíguo que chamamos de
subjetividade, só podem tornar-se co-presentes de um certo
ponto de vista e em intenção. O tempo objetivo, que se escoa
e existe parte por parte , não seria nem mesmo suspeitado se
não estivesse envolvido em um tempo histórico que se proje
ta do presente vivo em direção a um passado e a um futuro.
0 MUNDO PERCEBIDO 447
O SER-PARA-SI E O SER-NO-MUNDO
CAP Í TULO 1
O "COGITO"
Para a criança, a " história" e o expresso não são " idéias "
ou " significações" , a fala e a leitura não são " operações in
telectuai s " . A história é um mundo que se deve poder fazer
aparecer magicamente , pondo óculos e debruçando-se sobre
um livro. A potência que a linguagem tem de fazer existir
o expresso , de abrir caminhos, novas dimensões, novas pai
sagens para o pensamento é, em última análise, tão obscura
para o adulto quanto para a criança. Em toda obra bem
sucedida, o sentido introduzido no espírito do leitor excede
a linguagem e o pensamento j á constituídos e se exibe magi
camente durante a encantação lingüística, assim como a his
tória saía do livro da avó . Se acreditamos comunicar-nos di
retamente pelo pensamento com um universo de verdade e
nele encontrar os outros, nos parece que o texto de Descartes
vem apenas despertar em nós pensamentos já formados e que
nós nunca aprendemos nada do exterior, e enfim se um filó
sofo, em uma meditação que devia ser radical , nem mesmo
menciona a linguagem como condição do Cogito lido e não nos
convida mais claramente a passar da idéia à prática do Cogi
to , é porque para nós a operação expressiva é sem problemas
e porque ela conta entre nossas aquisições . O Cogito que nós
obtemos lendo Descartes (e mesmo aquele que Descartes efe
tua em vista da expressão e quando, voltando-se para sua pró
pria vida, ele a fixa, a objetiva e a " caracteriza" como indu
bitável) é portanto um Cogito falado, posto em palavras, com
preendido nas palavras e que, exatamente por essa razão, não
alcança sua meta, já que uma parte de nossa existência, aquela
que está ocupada em fixar c dii c eptualmente nossa vida e em
pensá-la como indubitável, escapa à fixação e ao pensamen
to. Concluiremos daqui que a linguagem nos envolve , que
somos conduzidos por ela assim como o realista crê ser deter
minado pelo mundo exterior ou o teólogo crê ser conduzido
pela Providência? Isso seria esquecer a metade da verdade.
Pois enfim as palavras, e por exemplo a palavra " C ogito " ,
O SER-PARA-SI E O SER·NO·MUNDO 539
veria melodia. E todavia a mesa está ali com suas partes ex
teriores . A sucessão é essencial à melodia. O ato que reúne
distancia e mantém à distância, eu só me toco me escapan
do. Em u m pensamento célebre , Pascal mostra que sob um
certo ponto de vista eu compreendo o mundo e que sob um
outro ponto de vista ele me compreende . Deve-se dizer que
é sob o mesmo ponto de vista: eu compreendo o mundo por
que para mim existe o próximo e o distante, primeiros pla
nos e horizontes , e porque assim o mundo se expõe e adquire
um sentido diante de mim, que dizer, finalmente porque eu
estou situado nele e porque ele me compreende . Nós não di
zemos que a noção do mundo é inseparável da noção do sujei
to, que o sujeito se perua inseparável da idéia do corpo e da
idéia do mundo, pois, se só se tratasse de uma relação pensa
da, por isso mesmo ela deixaria subsistir a independência ab
soluta do sujeito enquanto pensador e o sujeito não estaria
situado. Se o sujeito está em situação , se até mesmo ele não
é senão uma possibilidade de situações , é porque ele só reali
za sua ipseidade sendo efetivamente corpo e entrando, atra
A TEMPORALIDADE
menos que sobre meu passado eu tenha uma outra visão que
me permita reconhecê-la como recordação, o que é contra a
hipótese . Se agora substituímos o traço fisiológico por um
" traço psíquico" , se nossas percepções permanecem em um
inconsciente, a dificuldade será a mesma: uma percepção con
servada é uma percepção, ela continua a existir, ela está sem
pre no presente , ela não abre atrás de nós essa dimensão de
fuga e de ausência que é o passado ; um fragmento conserva
do do passado vivido no máximo s6 pode ser uma ocasião de
pensar no passado, não é este que se faz reconhecer; o reco
nhecimento, quando se quer derivá-lo de qualquer conteúdo
que seja, sempre se precede a si mesmo. A reprodução pres
supõe a recognição, ela só pode ser compreendida enquanto
tal se primeiramente tenho uma espécie de contato direto com
o passado em seu lugar. Com mais razão ainda, não se pode
construir o porvir com conteúdos de consciência: nenhum con
teúdo efetivo pode passar, mesmo ao preço de um equívoco ,
por um testemunho sobre o porvir, já que o porvir nem mes
mo foi e não pode , como o passado, colocar em nós a sua mar
ca. Portanto , só se poderia pensar em explicar a relação do
porvir ao presente assimilando-a à relação do presente ao pas
sado. Considerando a longa série de meus estados passados,
vejo que meu presente sempre passa, posso antecipar essa pas
sagem, tratar meu passado próximo como distante , meu pre
sente efetivo como passado: o porvir é este vazio que agora
se forma adiante de meu presente. A prospecção seria na rea
lidade urna retrospecção e o porvir uma projeção do passa
do. Mas, mesmo se, por uma circunstância improvável, eu
pudesse construir a consciência do passado com presentes de
destinação alterada, seguramente eles não poderiam abrir-me
um porvir, Mesmo se, de fato, nós nos representamos o por
vir com o auxílio daquilo que já vimos , novamente é verdade
que, para pro-jetar o porvir diante de nós, primeiramente é
preciso que tenhamos o sentido do porvir. Se a prospecção
O SER-PARA-SI E O SER-NO-MUNDO 555
Porvir
�' A"
A" ou A ' " , e eu não remonto desses " perfis" ao seu origi
nal como se vai do signo à significação. O que me é dado é
A visto por transparência através de A ' , depois este conjunto
através de A " e assim por diante, da mesma maneira como
vejo o próprio pedregulho através das massas de água que
deslizam sobre ele . Existem sínteses de identificação, mas ape
nas na recordação expressa e na evocação voluntária do pas
sado distante, quer dizer, nos modos derivados da consciên
cia do passado. Por exemplo , hesito sobre a data de uma re
cordação, tenho diante de mim uma certa cena, não sei em
que ponto do tempo prendê-la, a recordação perdeu sua an
coragem, posso então obter uma identificação intelectual fun
dada, por exemplo , na ordem causal dos acontecimentos:
mandei fazer este traje antes do armistício, já que logo de
pois não se encontravam mais tecidos ingleses. Mas, neste
caso, não é o próprio passado que cu atinjo. Ao contrário,
quando reencontro a origem concreta da recordação, é por
que esta se recoloca em uma certa corrente de temor e de es
perança que vai de Munique à guerra, é porque encontro o
tempo perdido, é porque, desde o momento considerado até
meu presente , a cadeia das retenções e o encaixe dos hori
zontes sucessivos asseguram uma passagem contínua. Os pró
prios referenciais objetivos e m relação aos quais, na identifi
cação mediata, eu localizo minha recordação e, em geral , a
síntese intelectual só têm um sentido temporal porque pouco
a pouco a síntese da apreensão me liga a todo o meu passado
efetivo. Portanto, não se poderia tratar de reduzir a segunda
à primeira. Se os Abschattungen A' e A ' ' me aparecem como
Abschattungen de A, não é porque eles todos participam de uma
unidade ideal A que seria sua razão comum . É porque, atra
vés deles, eu tenho o próprio ponto A em sua individualida
de irrecusável, fundada de uma vez por todas por sua passa
gem no presente , e porque vejo brotar dele os Abschattungen
A ' , A" . . . Em linguagem husserliana, abaixo da " intencio-
O SER-PARA-SI E O SER-NO-MUNDO 561
que sustente sua estrutura, ter-se-ia podido nos opor que to
davia o mundo precedeu o homem, que a terra, segundo to
da a aparência, é a única habitada, e que assim as visões filo
sóficas se revelam incompatíveis com os fatos mais assegura
dos. Na realidade, é apenas a reflexão abstrata do intelectua
lismo que é incompatível com " fatos " mal compreendidos.
Pois o que se quer dizer exatamente afirmando que o mundo
existiu antes das consciências humanas? Quer-se dizer, por
exemplo, que a terra saiu de uma nebulosa primitiva em que
as condições da vida não estavam reunidas . Mas cada uma
dessas palavras, assim como cada uma das equações da físi
ca, pressupõe nossa experiência pré-científica do mundo, e essa
referência ao mundo vivido contribui para constituir sua sig
nificação válida. Nada me fará @ompreender o que poderia
ser uma nebulosa que não seria vista por ninguém. A nebu
losa de Laplace não está atrás de nós, em nossa origem, ela
está diante de nós, no mundo cultural . E , por outro lado, o
que se quer dizer quando se diz que não há mundo sem um
ser no mundo? Não que o mundo é constituído pela cons
ciência, mas, ao contrário, que a consciência sempre se en
contra já operando no mundo. O que é verdadeiro, em su
ma, é que existe uma natureza, não a das ciências, mas a que
a percepção me mostra, e que mesmo a luz da consciência
é, como diz Heidegger, lumen naturale, dada a si mesma.
Em todo caso , dir-se-á ainda, o mundo durará depois
de mim, outros homens o perceberão quando eu não estiver
mais nele . Ora, não me é impossível conceber, seja depois
de mim, seja até mesmo durante minha vida, outros homens
no mundo se verdadeiramente minha presença no mundo é
condição de possibilidade deste mundo? Na perspectiva da
temporalização, as indicações que demos acima sobre o pro
blema de outrem se acham iluminadas. Na percepção de ou
trem, dizi'amQs, eu transponho em intenção a distância infi
nita que sempre separará minha subjetividade de uma ou-
580 FENOMENOLOGIA DA PERCEPÇÃO
A LIBERDADE
uma situação que sinto fechada por uma decisão que está ali
e à qual resisto . É por isso que tão freqüentemente, após ter
renunciado a um projeto, experimento uma libertação: "Afi
nal , eu não me prendia tanto a ele " , só havia debate quanto
à forma, a deliberação era uma paródia, eu j á tinha decidido
contra. Freqüentemente cita-se a impotência da vontade co
mo um argumento contra a liberdade . E com efeito, se posso
voluntariamente adotar uma conduta e me improvisar guer
reiro ou sedutor, não depende de mim ser guerreiro ou sedu
tor com facilidade e ' ' naturalidade ' ' , quer dizer, sê-lo verda
deiramente . Mas também não se deve procurar a liberdade
no ato voluntário que é , segundo seu próprio sentido, um ato
fracassado. Só recorremos ao ato voluntário para ir contra
nossa verdadeira decisão, e como que com o propósito de pro
var nossa impotência. Se verdadeiramente tivéssemos assu
mido a conduta do guerreiro ou do sedutor, seríamos guer
reiro ou sedutor. Mesmo aquilo que se chama de obstáculos
à liberdade são na realidade desdobrados por ela. Um roche
do intransponível, um rochedo grande ou pequeno, vertical
ou oblíquo , isso só tem sentido para alguém que se proponha
a transpô-lo, para um sujeito cujos projetos recortem essas
determinações na massa uniforme do em si e façam surgir
um mundo orientado, um sentido das coisas. Portanto, final
mente não há nada que possa limitar a liberdade, senão aquilo
que ela mesma determinou como limite por suas iniciativas ,
e o sujeito só tem o exterior que ele se dá. Como é ele que,
surgindo, faz aparecer sentido e valor nas coisas, e como ne
nhuma coisa pode atingi-lo senão fazendo-se, por ele, senti
do e valor, não existe ação das coisas sobre o sujeito, só exis
te uma significação (no sentido ativo), uma Sinngebung cen
trífuga. A escolha parece ser entre uma concepção cientifi
cista da causalidade , incompatível com a consciência que te
mos de nós mesmos, e a afirmação de uma liberdade absoluta
sem exterior. Impossível marcar um ponto para além do qual
O SER-PA RA -SI E O SER-NO-MUNDO 585
fujácW
Introdução
/. A "sensação"
7. Gottschaldt, Ueber dsn. Einfluss der EiftJhrung auf die Wahmehmung uon
Figurm.
8. Brunschvicg, L 'expbience humairie d la Cau.salili physiqW!, p. 466.
9 . Bergson, L 'entr,.ttie spiTituelle, /'effort intellutuel, por exemplo, p. 1 8 4 .
1 0 . Cf. p o r exemplo Ebbinghaus, Ahrirz rkr Psychologit, pp. 104- 1 05 .
1 1 . Hering, Gru.ndzü.glf d a lehre v o m L ichtsirm , p . 8 .
1 2 . Scheler, Idok dl!T Selbsterkmntnis, p . 7 2 .
1 3 . l d . , ibid.
14. Koffka, The Growth of lhe Mind, p . 320.
15. Scheler, Ido/e der Selbsterken ntn is , p . 85.
1 7 . ' ' Aqui, novamente, o relevo parece saltar aos olhos; entretanto,
ele é conclufdo a partir de uma aparência que de forma alguma se assemelha
a um relevo, a saber, a partir de uma diferença entre as aparências das mes·
mas coisas para cada um de nossos olhos . " Alain, Qµatr1-vi111ft·u11 chapilru sur
l'espril et lespassions, p. 1 9 . Aliás, Alain (ibid . , p. 1 7) reenvia à Óticafisiológica
de Helmholtz, em que a hipótese de constância está sempre subentendida
e em que o juízo só intervém para preencher as lacunas da explicação fisioló·
gica. Cf. ainda ibid . , p . 2 3 : ' ' É bastante evidente para este horizonte de flo
restas que a visão o apresenta para nós não distanciado, mas azulado pela
interposição de camadas de ar. " Isso é evidente se se define a visão por seu
estímulo corporal ou pela posse de uma qualidade, pois agora ela pode dar·
nos o azul e não a distância, que é uma relação. Mas isso não é propriamen
te evidente, quer dizer, atestado pela consciência. A consciência, justamente,
espanta-se em descobrir na percepção da distância relações anteriores a qual
quer estimativa, a qualquer cálculo, a qualquer conclusão.
1 8 . ' ' O que prova que aqui eu julgo é o fato de que os pintores sabem
muito bem dar-me essa percepção de uma montanha distante imitando suas
aparências em uma tela. " Alain, ibid . , p . 1 4 .
1 9 . " N ó s vemos os objetos duplicados porque temos dois olhos, mas
só prestamos atenção nessas imagens duplas para e:xtrair delas conhecimen
tos sobre a distância ou o relevo do objeto único que percebemos por seu
meio . " Lagneau, CilWm leçons, p . 1 0 5 . E em geral: " É preciso procurar pri
meiramente quais são as sensações elementares que pertencem à naturezit
do espírito humano; o corpo humano nos representa essa natureza . " lbid;
p . 75. - ' ' C onheci alguém ' ' , diz Alain, ' ' que não queria admitir que nos
sos olhos nos apresentam duas imagens de cada coisa; entretanto, basta fi
xar os olhos em um objeto suficientemente pr6x.imo como um lápis para que
as imagem dos objetos distanciados logo se dupliquem" (QuaJrt·vingt-un cha
pitres, pp. 23-24). Isso não prova que anteriormente elas fossem duplas.
Reconhece-se o prejuízo da lei de constância, que exige que os fenômenos
correspondentes às impressões corporais sejam dados mesmo ali onde não
os constatamos.
20. "A percepção é uma interpretação da intuição primitiva, interpre
tação aparentemente imediata, mas na realidade adquirida pelo hábito, cor
rigida pelo raciocínio ( . . . ) ' ' , Lagneau, Célthm ftfons, p . 1 58 .
2 1 . I d . , ibid . , p . 160.
2 2 . Cf. , por exemplo, Alain, Quatrt-vingt-un chapitm, p . 1 5 : o relevo
é "pensado, concluído, julgado ou como se quiser dizer" .
2 3 . Alain, Quat11-vingt-un chapitres, p. 1 8 .
2 4 . Lagneau, Célibres /eçons, p p . 1 3 2 e 1 28.
2 5 . Alain, ibid . , p. 32.
2 6 . Montaigne, citado por Alain, Systême tk s Beaux-ÀTts, p. 15.
2 7 . Cf. , por exemplo, Lagneau, Ctlebres kçrms, p . 134.
28. K(l:hler, Uelm unbemerkle Empfindungm u n d Urteilstauschungm, p . 69.
2 9 . Cf. Kofika, Psychologil, p. 533: "Somos tentados a dizer: o lado
618 FENOMENOLOGIA DA PERCEPÇÃO
cepções das coisas são indivisfveis e sem partes. " (Qualrt-oingt-un chapitres sur
l'esprit n les passions, p. 1 8 . ) Mas então uma inspeção do espírito que as per
corresse e que determinasse um em função do outro não seria a verdadeira
subjetividade e ainda tomaria muito de empréstimo às coisas consideradas
como cm si. A percepção não conclui a grandeza da árvore daquela do ho
mem, ou a grandeza do homem daquela da árvore, nem uma e outra do
sentido desses dois objetos, mas ela faz tudo ao mesmo tempo: a grandeza
da árvore, a do homem, e sua significação de árvore e de homem, de forma
que cada elemento se harmoniza com todos os outros e compõe com eles uma
paisagem em que todos coexisltm. Entra-se assim na análise daquilo que tor
na possível a grandeza e , mais geralmente, as relações ou as propriedades
de ordem predicativa, e nessa subjetividade "anterior a toda geometria" que,
todavia, Alain declarava incognoscível (ibid . , p. 29). É que a análise reflexi
va se toma mais estritamente consciente de si mesma enquanto análise. Ela
se apercebe de que tinha abandonado seu objeto, a percepção. Ela reconhe
ce, atrás do juízo que tinha posto em evidência, uma função mais profunda
do que ele e que o torna possível; ela reencontra, antes das coisas, os fenô
menos. É essa função que os psicólogos têm em vista quando falam de uma
Gtstaltm1g da pai'3.gem. É a descrição dos fenômenos que eles relembram aos
filósofos, separando-os estritamente do mundo objetivo constituído, em ter
mos que são quase aqueles de Alain.
4 1 . Ver A . Gurwitscli, Resenha do Naehwurt w meinn Idten, de Hus
serl, pp. 40 1 ss.
42. Cf. , por exemplo, P. Guillaume, Traitlde Psycholugie, cap. IX, La
jmception dt l'esjmct, p. 1 5 1 .
4 3 . Cf. L o. structurt du. comportement, p . 1 7 8 .
4 4 . "Flinzende", Husserl , Eifahrung und Urteil, p. 4 2 8 . Foi e m seu últi
mo período que o pr6prio Hus.w.rl tomou plenamente consciência do que sig
nificava o retomo ao fenômeno e tacitamente rompeu com a filosofia das es
sências. Com isso, ele apenas explicitava e tematizava procedimentos de análise
já aplicados por ele havia muito tempo, como o mos(ra justamente a noção
de motivação que nele já encontramos antes das Idem.
45. Ver adiante I I I Parte. A psicologia d a fonna praticou um gênero
de reflexão do qual a fenomenologia de Husserl fomece a teoria. Estamos
errados em encontrar toda uma filosofia implícita na crítica da "hipótese de
constância"? Embora não se trate aqui de fazer história, indiquemos que
o parentesco entre a Gestalttluorie e a Fenomenologia também é atestado por
indícios exteriores. Não é por acaso que Kõhler apresenta como objetivo da
psicologia uma ' 'descrição fenomenol6gica' ' (Uelm unhnnnkte Empfi11liu.ngen
u.nd Urtn"lstõ.uschungen, p. 70); que Kofika, antigo aluno de Husserl, relaciona
a essa influencia as idéias diretrizes de sua psicologia, e procura mostrar que
a crítica ao psicologismo não se dirige contra a Gesto.ltth.torie (Prin&ipl�s of Ges
to.li Psychology, pp. 6 1 4-683), a Gtstalt não sendo um acontecimento psíquico
do tipo da impressão, mas um conjunto que envolve uma lei de constituição
interna; que Husserl, enfim, em seu último perlodo, sempre mais distancia-
NOTAS 621
imeira parte
1 . Husserl, Umslurzt rler kojmnikanisdien Lehre: die Ertk als Ur-Ardie he
(t sich nichi (inédito).
2 . "Eu compreendo exclusivamente pela potência de julgar que resi
em meu espírito aquilo que acreditava ver com meus olhos. ' ' li Medita
' • AT, I X , p. 25.
mim e meu corpo para o outro, e como esses dois sistemas são compossíveis.
Com efeito, não basta dizer que o corpo objetivo pertence ao "para outro ' ' ,
meu corpo fenomenal ao ' ' para mim ' ' , e não s e pode recusar a colocar o pro
blema de suas relações , j á que o "para mim" e o "para outro" coexistem em
um mesmo mundo, como o atesta minha percepção de um outro, que imedia
tamente me reconduz à condição de objeto para ele.
19. Goldstein, Ueber den Eirijluss . . . , pp. 1 67-206.
20. ld., ibid . , pp. 206-2 1 3 .
2 1 . Por exemplo, o paciente passa várias vezes seus dedos e m u m ângu
lo: ' ' Os dedos ' ' , diz ele, "caminham retos, depois des se detêm, depois vol
tam a caminhar em uma outra direção; é um a.ngulo, deve ser um ângulo re
to. ' ' ' ' Dois, três, quatro ângulos, todos os lados têm dois centímetros, portan
to eles são iguais, todos os ângulos são retos . . . É um dado. ' ' I d . , ibid . , p. 1 9 5 ,
cf. p p . 1 8 7-206.
22. Goldstein, Vdm dtn Einfluss . . . , pp. 206- 2 1 3 .
2 3 . Como o fa z Goldstein. lbid . , p p . 1 67-206.
24. Cf. supra a discussão geral da ' ' associação das idéias ' ' , pp. 4 1 ss.
2 5 . Tomamos essa palavra de empréstimo ao doente Schneider: eu pre
cisaria, diz ele, de A nhaltspunkte.
26. Goldstein, Veber den Einfluss . . . , pp. 2 1 3-222.
2 7 . Goldstein, Veber die Abhiingigkei:t, p. 1 6 1 : ' ' Bewegung und Hinter
grund bestimmen sich wechsel1eitig, sind eigentlich nur zwei herausgegriffe
ne Mamente eines einheitlichen Ganzes . "
2 8 . Goldstein, Ueber die Abhiingigkeit . . . , p. 1 6 1 .
29. l d . , lbid.
30. Goldstein ( Ueber die Abhãngigkeit, pp. 1 60 ss.) contenta-se em dizer
que o fundo do movimento abstrato é o corpo, e isso é verdade enquanto o
oorpo, no movimento abstrato, não é mais apenas o veículo e toma-se a meta
do movimento. Todavia, mudando de função, ele muda também de modali
dade existencial e passa do atual ao virtual.
3 1 . Van Woerkom, Sobre a noção do espaço (o sentidogu;métn&o), pp. 1 1 3- 1 1 9.
32. C f. , por exemplo, H. Le Savoureux, UnphiWsopheenface dt la Psycha
nafyse, Nouvelk Revur Fra11faise, fevereiro de 1 939. " Para Freud, basta o fato
de ter ligado os sintomas por relações lógicas plausíveis para ter uma confir
mação suficiente para justificar o caráter bem fundamentado de uma inter
pretação psicanalítica, quer dizer, psicológica. Esse caráter de coerência lógi
ca proposto como critério de exatidão da interpretação torna a demonstração
freudiana muito mais próxima da dedução metafísica do que da explicação
científica ( . . . ) . Em medicina mental, na busca das causas, a verossimilhança
psicológica não vale quase nada" (p. 3 1 8 ) .
3 3 . Ele só o consegue se lhe permitem ' ' movimentos imitativos ' ' (nach
fa/irmdt &wegungen) da cabeça, das mãos ou dos dedos, que repetem o desenho
imperfeito do objeto. Gelb e Goldstein, Zur PsydwWgie rksoptischen Wahrnehmungs
und Erkennungsvorgiingts, Psychologische Analystn himpaihologischer Fãlle, cap. 1, pp.
20-24.
626 FENOMENOLOGIA DA PERCEPÇÃO
34. "Falta aos dados visuais do doente uma estrutura específica e ca·
racterlstica. As impressões não têm uma configuração firme como aquelas
do normal; não têm, por exemplo, o aspecto característico do 'quadrado',
do 'triângulo' , do ' reto' e do 'curvo' . Ele só tem diante de si manchas nas
quais s6 pode apreender pela viii.ão caracteres muito grosseiros como a altu
ra, a largura e sua relação" (ibid. , p . 77). U m jardineiro que varre a cin
qüenta passos é "um longo dardo que tem, em cima, algo que vai e vem"
(p. 108). Na rua, o doente distingue os homens dos automóveis porque "os
homens são todos parecidos: delgados e compridos - não podemos nos en
ganar, os automóveis são largos e muito mais espessos" (ibid . ) .
3 5 . Ibid . , p . 1 1 6 .
3 6 . Gelb e Goldstein, Ueber tk n Ein.jluss . . . , p p . 2 1 3-222.
3 7 . É nessa direção que GeJb e Goldstein interpretavam o caso d e Schn.
nos primeiros trabalhos que consagraram a ele (Zur Psydwlogie . . . e Uehl!T dm
Einjluss). Ver-se-á como na seqüência ( Uebl!T dU Abhangigkeit . . . e sobretudo
Zeigm und Grtiftn e os trabalhos publicados sob sua orientação por Benary,
Hocheimer e Steinfcld) eles ampliaram seu diagnóstico. O progresso de sua
análise é um exemplo particulannente claro dos progressos da psicologia.
38. Zez'gm uná Gr1ifm, p . 456.
39. Zei.fltn uná Greifm, pp. 458-459.
40. Cf. acima, lritrodUfiin, pp. 28-29.
4 1 . Cf. L . Brunschvicg, L 'expirienu humaine et la umsa/itt phyn·que, l �
parte.
42. Gelb e Goldstein, Uebl!T dm Einjluss . . . , pp. 227-250.
43. Goldstein, Ueber die Abhãngigktit . . . , pp. 1 6 3 ss.
44. Goldstein, Ueber den Einjluss .. ., pp. 244 u .
45. Trata-se aqui d o caso S . , q u e o pr6prio Goldstein coloca em para-
lelo com o caso Schn . em seu trabalho Uebl!T die Abhõ.ngigkeit . . .
46. Ueber die Abhangigkeit . . . , p p . 1 78-184.
4 7 . Ihid. , p . 1 50.
48. Uebl!T tle1I Einjluss . . . , pp. 227 ss.
49. Sobre o condicionamento dos dados sensoriai11 pela motricidade,
cf. La strudure du comportement, p. 4 1 , e as experiências que mostram que um
cão amarrado não percebe como um cão com seus movimentos livres. Os
procedimentos da psicologia clássica misturam-se curiosamente, em Gelb e
Goldstein, à inspiração concreta da Gesta.ltpsl'hologie. Eles reconhecem que
o sujeito que percebe reage como um todo, mas a totalidade é concebida co·
mo uma mistura e o tocar só recebe de sua coexistencia com a visão uma
"nuança qualitativa", quando, segundo o espírito da GestaJtpsychologie, dois
domínios sensoriais só podem comunicar-se integrando-se a uma organiza·
ção intersensorial como niomentos inseparáveis. Ora, se os dados táteis cons
tituem, com os dados visuais, uma configuração de conjunto, é evidentemente
sob a condição de que eles mesmos realizem, em seu próprio terreno, uma
organização espacial, sem o que a conexão entre o tocar e a visão seria uma
associação exterior e os dados táteis permaneceriam, na configuração total,
NOTAS 627
gidos por ela para que aparecesse . . . " (p. 187). "Seus refrões eram tão re
pentinos, que o violinista precisava precipitar-se ao seu arco para colhê-los ' '
(p. 1 9 3 ) .
1 1 2 . Valéry, lntroduclion à la mithode tk Léonardda Vinci, Van'tli, p. 1 7 7 .
história, que ela procura recuperar sob a abstração jurídica do cidadão, não
é apenas o sujeito econômico, o homem enquanto fator da produção, mas
mais geralmente o sujeito vivo, o homem enquanto produtividade, enquan
to ele quer dar forma à sua vida, enquanto ama, odeia, cria ou· não cria obras
de ane, tem filhos ou não os tem. O materiaJismo histórico não é uma cau·
salidade exclusiva da economia. Seríamos tentados a dizer que ele não fii.z
a história e as maneiras de pensar repousarem na produção e na maneira
de trabalhar, mas mais geralmente na maneira de existir e de coexistir, nas
relações inter-humanas. Ele não reduz a história das idéias à história econô
mica, mas as recoloca na história única que ambas exprimem, a história da
existencia social. O solipsismo enquanto doutrina filosófica não é um efeito
da propriedade privada, mas na instituição econômica e na concepção do
mundo projeta-se uma mesma preferência existencial de isolamento e des
confiança.
Todavia, essa tradução do materialismo histórico pode parecer equí
voca. " Inchamos" a noção de economia, assim como Freud incha a de se
xualidade, fazemos entrar nela, além do processo de produção e da luta das
forças econômicas contra as formas econômicas, a constelação dos motivos
psicológicos e morais que co-determinam essa luta. Mas a palavra economia
não perderia então todo sentido determinável? Se não são as relações econô·
micas que se exprimem no modo do Mitsein, não seria o modo do Mitsein
que se exprimiria nas relações econômicas? Quando reportamos a proprie
dade privada, assim como o solipsismo, a uma certa estrutura do Mitsein,
mais uma vez não fazemos a história caminhar com sua cabeça? E não seria
preciso escolher entre as duas teses seguintes: ou o drama da coexistência
tem uma significação puramente econômica, ou o drama econômico se dis
solve em um drama mais geral e só tem uma significação existencial, o que
leva ao espiritua1ismo?
É justamente essa a1temativa que a noção de existência, se bem com
preendida, permite ultrapassar, e o que dissemos acima sobre a concepção
existencial da "expressão" e da "significação" deve ser novamente aplica
do aqui. Uma teoria existencial da história é ambígua, mas não se pode cen
surar nela essa ambigüidade, pois ela está nas coisas. É apenas com a apro
ximação de uma revolução que a história segue mais de peno a economia,
e , assim como na vida individual a doença sujeita o homem ao ritmo vital
de seu corpo, em uma situação revolucionária, por exemplo em um movi
mento de greve geral, as relações de produção transparecem, elas são ex
pressamente percebidas como decisivas. Também vimos há pouco que a saí
da depende da maneira como as forças em presença se pensam uma à outra.
Com mais razão ainda, as relações econômicas só são eficazes nos períodos
de refluxo enquanto são vividas e retomadas por um sujeito humano, quer
dizer, envolvidas em fragmentos ideológicos por um processo de mistifica
ção, ou antes por um equívoco permanente que faz parte da história e que
tem seu peso próprio. Nem o conservador nem o proletário têm consciência
de estar envolvidos em urna luta apenas econômica, e eles sempre dão à sua
NOTAS 635
ação uma significação humana. Nesse sentido, nunca existe causalidade eco
nômica pura, porque a economia não é u m sistema fechado e porque da é
parte da existência total e concreta d a sociedade. Mas uma concepção exis
tencial da história não retira às situações econômicas seu poder de mr1tivação.
Se a existência é o movimento permanente pelo qual o homem retoma por
sua conta e assume uma certa situação de fato, nenhum de seus pensamen
tos poderá ser inteiramente desprendido do contexto histórico em que vive
e , e m particular, de sua situação econômica. Justamente porque a economia
não é u m mundo fechado e porque todas as motivações se ligam no interior
da hist6ria, o exterior torna-se interior assim como o interior torna-se exte
rior, e nenhum componente de nossa existência jamais pode ser ultrapassa
do. Seria absurdo considerar a poesia de P. Valéry como u m simples episó
dio da alienação econômica: a poesia pura pode ter um sentido eterno. Mas
não é absurdo procurar no drama social e econômico, no modo de nosso Mit
sein, o motivo dessa tomada de consciência. Assim como, nós o dissemos,
toda nossa vida respira uma atmosfera sexual, sem que se possa determinar
u m s6 conteúdo de consciência que seja "puramente sexual" ou que não
o seja de forma alguma, d a mesma maneira o drama econômico e social for
nece a cada consciência u m certo fundo, ou ainda uma certa imago que ela
decifrará à sua maneira e , nesse sentido, ele é coextensivo à história. O ato
do artista ou do filósofo é livre, mas não sem motivo. Sua liberdade reside
no poder de equívoco do qual falávamos há pouco, ou ainda no processo de
regulagem do qual falávamos mais acima; ela consiste em assumir uma si
tuação de fato, atribuindo-lhe um sentido figurado para além de seu sentido
próprio. Assim Marx, não contente em ser filho de advogado e estudante de
filosofia, pensa sua própria situação como a de um "intelectual pequeno
burguês " , e na perspectiva nova da luta de classes. Assim Valéry transfor·
ma em poesia pura um mal-estar e uma solidão com os quais outros nada
teriam feito. O pensamento é a vida inter-humana tal como ela se compreende
e se interpreta a si mesma. Nessa retomada voluntária, nessa passagem do
objetivo ao subjetivo, é impossívd dizer onde terminam as forças da história
e onde começam as nossas, e a questão não significa rigorosamente nada,
já que só existe história para um sujeito que a vive e s6 existe sujeito situado
historicamente. Não há uma significação única da história, o que fazemos
tem sempre vários sentidos, e é nisso que uma concepção existencial da his
tória se distingue do materialismo e também do espiritualismo. Mas todo
fenômeno cultural tem, entre outras, uma significação econômica, e, assim
como não se reduz a esta, a história nunca transcende, por princípio, a eco
nomia. A concepção do direito, a moral, a religião, a estrutura econômica
significam-se umas às outras na Unidade do acontecimento social, assim co
mo as partes do corpo se implicam umas às outras na Unidade de u m gesto,
ou como os motivos "fisiológicos' ' , ' ' psicológicos" e "morais" se ligam na
Unidade de uma ação, e é impossfvd reduzir a vida inter-humana seja às
relações econômicas, seja às relações jurídicas e morais pensadas pelos ho
mens, assim como é impossível reduzir a vida individual seja às funções cor·
636 FENOMENOLOGIA DA PERCEPÇÃO
porais, seja ao conhecimento que temos dessa vida. Mas, em cada caso, uma
das ordens de significação pode ser considerada dominante, tal gesto como
"sexual " , tal outro como "amoroso" , tal outro enfim como "guerreiro " ,
e mesmo na coexistência tal período da história pode ser considerado como
sobretudo cultural, em primeiro lugar político ou em primeiro lugar econ8-
mico. A questão de saber se a história de nosso tempo tem seu sentido prin
cipal na economia, e se nossas ideologias só lhe dão seu sentido derivado e
segundo, é problema que não depende mais da filosofia mas da política, e
que se resolverá investigando qual, entre o cenário econômico e o cenário
ideológico, recobre mais completamente os fatos. A filosofia pode mostrar
apenas aquilo que é po.�s{tMl a partir da condição humana.
O mundo percebido
I. O smti1
1 . Goldstein e Rosenthal, Zum Problr:m der Wirkung de Farbm aef den Or-
ganismus, pp. 3-9.
2 . lbid.
3 . La slTucluTI! du compornmtnt, p . 2 0 1 .
4 . Goldstein e Rosenthal, art. citado, p . 2 3 .
5 . Ibid .
6. Goldstein e Rosenthal, art . citado, p. 2 3 .
7 . Kandinsky, From un FtZTbe i n der Mllkrti; Goethe, Farbmlthre, espe-
cialmente Abs. 293; citados por Goldstein e Rosenthal, ibid.
8 . Goldstein e Rosenthal, ibid . , pp. 23-25.
9 . Werner, Untersuchungm über Empfind.ung und Empfinrkn, I , p. 1 58 .
1 0 . lbid.
1 1 . Ibid . , p . 1 59.
12. Werner, Uebtr die Auspriigung von Tongestaltm.
1 3 . Werner, Untersuchungm über Empfindung und Empjimlen, 1, p . 1 60 .
1 4 . Werner, Untersuchungm ülm Empfindung u n d Empfinàm, I , p . 1 5 8 .
1 5 . Koehler, Die physisdw1 Gtistaltm, p . 1 8 0 .
1 6 . Mostramos alhures que a consciência vista d o exterior não podia
ser u m para si puro (La stroclu.11! du comportemml, pp. 168 ss.). Começamos
a ver que não ocorre diferentemente com a consciêm;:ia vista do interior.
l 7 . Husscrl, Méditations cartisimnes, p . 33.
1 8 . Forma/t u n d Tram:ztndentak Logik, por exemplo, p . 226.
19. Um paciente declara que as noções espaciais que de acreditava ter antes
da operação não lhe davam uma verdadeira representação do espaço e eram
apenas um "saber adquirido pelo trabalho do pensamento" (Von Senden,
640 FENOMENOLOGIA DA PER CEPÇÃ O
Raum- und Gestaltfanung bti operierlm BlindgtbrJrenen vor un no.eh der Operation, p.
23). A aquisição da vi5ão acarreta uma reorganização geral da existência que
di:i: respeito também ao tato. O centro do mundo se desloca, esquece-se o
esquema tátil, o reconhecimento pelo tato é menos seguro, doravante a n1r
reme existencial passa pela visão e é desse tato enfraquecido que o doente fala.
20. lbid . , p . 36.
21. Ibid . , p. 93.
2 2 . lbid . , pp. 1 02 - 1 04 .
2 3 . Ibid . , p . 1 24.
24. lbid . , p. 1 1 3 .
2 5 . Ibid . , p. 1 2 3 .
2 6 . Ibld . , p . 2 9 .
2 7 . lbid . , p. 45.
28. l b i d .
29. Ibid . , pp. 50 s s .
30. Ibid . , p . 186.
3 1 . Gelb, DU Farbenkorutanz deT Sehding�. p. 600.
3 2 . Ibid . , p . 6 1 3 .
3 3 . ' ' Einstellung auf reine Optik ' ' , Katz citado por Gelb, trabalho ci-
tado, p . 600.
34. ld., ibid.
35. Werner, Untersuchungen über Empfindung und Empfinden, l , p. 1 55 .
3 6 . We r ner , trabalho citado, p . 1 5 7 .
3 7 . Ibid . , p . 1 6 2 .
3 8 . Z ietz e Werner, Die dynamiscM Slruktur der Btwegung.
39. Werner, trabalho citado, p. 1 6 3 .
40. C f . a<.ima, Introdução § I .
4 1 . Werner, trabalho citado, p . 1 5 4 .
42. Stein, Patlwlagie der Wahrnehmung, p . 4 2 2 .
43. Mayer-Gross e Stein, Uebtr einige Abhiinderungm th r Sinne.stãiigkeit in
Meskalinrausch, p. 3 8 5 .
44. Ibid.
45. Ibid.
46. Por exemplo, é possível que sob efeito de mescalina se possa ob
servar uma modificação das cronaxias. De forma alguma este fato constitui
ria urna explicação das sinestesias pelo corpo objetivo se, como vamos mostrá
lo, a justaposição de várias qualidades sensíveis é incapaz de fazer-nos com
preender a ambivalência perceptiva tal como ela é dada na experiência si
nestésica. A mudança das cronaxias não poderia ser a causa das sinestesias,
mas a expressão objetiva ou o s i gno de um acontecimento global e mais pro·
fundo cuja sede não está no corpo objetivo, e que diz respeito ao corpo feno·
menal enquanto vekulo do ser no mundo.
47. Werner, trabalho citado, p . 1 6 3 .
48. Schapp. BeitTiige zur PhãnomnlQfogie der Wahmehm1mg, pp. 23 s s .
49. Id. ibid . , p . 1 1 .
NOTAS 641
II. O espaço
22. De fato, o psicólogo, por mais positivo que queira permanecer, sente
muito bem que todo o valor das investigações indutivas é conduzir-nos a uma
visão dos fenômenos, e ele nunca resiste inteiramente à tentação de pelo me
nos indicar esta nova tomada de consciência. Assim, P. Guillaume (Traité
de P.rychologie), p . 1 75), ao expor as leis da constância das cores, escreve que
o olho ' 'leva em conta a iluminação " . Nossas investigações, em certo senti
do, apenas desenvolvem essa curta frase. Ela nada significa no plano da es
trita positividade. O olho não é o espírito, é um órgão material. Como ele
poderia alguma vez "levar em conta" o que quer que seja? Ele só pode fazê
lo se nós introduzimos, ao lado do corpo objetivo, o corpo fenomenal, se fa
Z<'mos deste um corpo cognosccnte e se, enfim, como sujeito da percepção,
substituímos a consóência pela existência, quer dizer, pelo ser no mundo
atravf.� de um corpo.
23. Schapp, Bútrãge zur Phõ.norrunologú der Walzrnehmung, p. 9 1 .
24. Para desn1::ver a função essencial da iluminação, Katz toma de em
préstimo aos pintores o termo LichtjUhrung (Farbwelt, pp. 379-38 1 ) .
2 5 . Ge!b, Fa1benkonsta11.?, p . 633.
26. Ko!ika, Priimftles 6/ Gestalt Psychology, pp. 255 ss. Ver La structu"
du (Omportnnent, pp. 108 ss.
2 7 . Wesenskorxistr.nz, Gelb, Farbenkonstanz, p . 67 1 .
28. Katz, Farbwelt, p . 36.
2 9 . l d . , ibid . , pp. 379-38 1 .
30. l d . , ibid . , p . 2 1 3 .
3 1 . I d . , ibid . , p . 456.
3 2 . ld., ibid . , p. 382 .
3 3 . l d . , ibid . , p. 261 .
34. Vou Hornbustel, Das Riiumliche Hõren.
35. Werner, Grund.fragen der lntm.siliitspsychologie, pp. 68 ss. Fiochel, Tran.r·
fnrmalionsmcheinungtn !Mi Gtwiclztshebungen, pp. 342 ss.
36. Ver Katz, lJeT A u.jba u der Tastwelt, p . 58.
3 7 . Id. , ibid . , p. 6 2 .
38. ld. , ibid . , p . 20.
3 9 . ld., ibid.
40. Id . , ibid . , p . 58.
4 1 . ld., ibid . , pp. 24-35.
4 2 . ld., ibid . , pp. 38-39.
4 3 . I d . , ibid . , p. 42.
4 4 . Citado sem referência por Katz, ibid . , p . 4 .
4 5 . I d . , ibid . , p . 1 6 0 .
46. I d . , ibid . , p. 4 6 .
4 7 . I d . , ibid . , p . 5 1 .
4 8 . Schapp, Btitriige zur Phii.nommoWg� der Wahrnehmung, pp. 5 9 ss.
49. J. Gaiiquet, Cizanne, p . 8 1 .
5 0 . Esta unidade das experiências sensoriais repousa e m sua integra
ção em uma única vida, da qual elas se tornam assim o atestado visível e
NOTAS 649
8 . E m sua última filosofia, Husserl admite que toda reflexão deve co
meçar pur retornar à descrição do mundo vivido (Lebenswelt). M<1.� ele acres
centa que, por uma segunda "redução " , as estruturas do mundo vivido de
vem, por sua ve;r., ser recolocadas no íluxu trdnscendental de uma conslnui
ção universal, cm que todas as obscuridade� do mundo seriam esclareridas
É todavia manifesto que de duas coisas uma; ou a constituição torna o mun
do transparente, e então não se ví' por que a reflexão precisaria passar pelo
mundo vivido, ou ela retém algo deste e é por isso que ela nunca despoja
_
o mundo de sua opacidade. E nessa �E'Kunda direção que caminha cada vez
mais o pt"nsamento de Husserl, através de muitas remmise,ências do período
loginsta - romo M! vê quando ele fdz. da racmnahdade u m problema, quan
do admite significações que cm última análise SCJam "fluentes" (Eifahru.ng
und Urtnl, p. 428) , quando ele funda o conhecimento em uma óoh � originána.
Terceira parte
O ser-para-11 e o ser-no-mundo
1. O Cogito
1 P Lachie7e-Rey,
2 P Lachiêz<C-Rcy,
3. !d 1b1d . , p 2 5 .
'
4. ld ' ibid . , p 5 5
5. I<l . , ibid . , p 184
6. Id. , ibid . , pp 1 7- 1 8 .
7 P Lac hiCze- Rev, Le rrwi,
8. Kant,
lúme
p. 145
10. ld., /, '1dialismt p. 477
1 1 . Id., ibid , p . 477. Le mo1, le monde fl Duu, p . 83
12. L 'idialume kantien, p 472.
13. Le mo1, le rrumde ri Dwu, p . :-n
1 4 . A�sim como o faz Larh1Cze-Rey, Le moi, Íf mondert Dieu, pp 69-70
15. ld . , 1bid . , p . 7 2
1 6 . Como o faz Husserl, p o r exemplo. quando admiti:' que toda redu
ção transcendental é ao mesmo tempo uma redução eidética A necessidade
de passar pelas essências, a opacidade definitiva das existência� não podem
ser ronsiderados como fatos incontestáveis, elas contnbuem para determi
nar o sentido do Cogito e da subjetividade última Eu não sou um pensamen
to constituinte e meu Eu penso não é um Eu sou se não posso, pelo p�nsa
mento, igualar a riqueza concreta do mundo e reabsorver a facticidade.
1 7 . Schclcr, /doü der Selbsterkenntms, pp 63 ss.
18. l d . , ibid . , pp. 89-95.
652 FENOMENOLOGIA D A PERCEPÇÃO
li. A temporalidade
duração faz ' ' bola de neve consigo mesma ' ' , quando no inconsciente e l e acu
mula recordações em si, ele forma o tempo com o presente conservado. a
evolução com o evoluído.
4. " Noch i m Griffbehalte " , H u sserl, Vorles1.1ngm ZUT Pkiinomeiwlogie des
imm-en Zeitbtwusstsein, pp . 390 s s .
5 . Husserl , Zeitbewusstsein, p . 430. Formate und transzendentalt L ogik , p.
208. Vt'T F i n k , Das Probltm der Phãnmnenologú Edmund Hus.urls, p. 2 6 6 .
6. V e r , por exemplo, Formate u n d transzendrntate Logik, p p . 256-2 5 7 .
7. C l audel, A rt poltiqUI!, p . 5 7 .
8. Heidegger, Sein u n d Zeit, p . 350.
9. l d . , ibid . , p . 373.
10. C itados por Heidegger, Kant und das Problem deT Mr.taphyúk, pp.
1 83 - 1 8 4 .
1 1 . Husserl, Z�bewuszWin, p . 4 4 2 : ' ' primãres Bewusztsein . . . d a s hinter
sid1 kei Bewusztsein mehr hat i n dem es bewuszt wãre . . . "
12. l d . , i b id . , p. 47 1 : "fàllt j a Sein und Innerlich-bewusztsein zu-
sanunen ' ' .
1 3 . I d . , ibid . , p . 464.
1 4 . Tomamos esta expressão de emprést i m o a H. Corbi n , Qu 'rst-u qW!
la Mltaphysique?, p. 1 4 .
1 5 . O exemplo é dado por J . - P . Sartre, L 'êtu e t t e riianl, p . 2 1 6 .
1 6 . A expressão é aplicada p o r Kant a o Gemüt. Heidegger a transfere
ao tempo: ' ' Die Zeit ist ihrem Wesen nach reine Affektion ihrer selbst ' ' , Kant
und d;u Problem der Metaphysik, p p . 1 8 0- 1 8 L
1 7 . H u sserl, Zeitbtwusztsein, p . 436.
18. Heidegger, o p . c i t . , p. 1 8 1 : ' ' Ais r e i n e Selbstaffektion b i l d e t (die
Zeit) ursprünglich die endliche Selbstheit dergestalt dasz das Selbst so etwas
wie Selbstbewusztsein sein kann . ' '
1 9 . E m algum lugar Heidegger fala d a "Gelichtethei t " d o Dasein.
20. O que nos inéditos H usserl chama de: EinstrQmen.
2 1 . J . -P . Sartre, L 'h.1eet leniant, p . 1 9 5 . O autor s6 menciona esse mons
tro para rejeitar sua idéia.
22. Ver La structurt: du rnmpo1tement, Introdução.
23. expressão ainda é empregada freqüentemente por Husserl, por
A
exemplo, lduri, p . 1 0 7 .
24. H u sserl, /i'ormafr u n d tro.nszendentale úgik, p, 2 5 7 . B e m entendido,
"estético" é tomado no sentido amplo d a " e stética transcendental " .
2 5 . L a structure d u comportmtent, p. 302.
2 6 . " Bocle n " , H u sserl, Umsturzt der kopunikanischen Lehre (inédito).
27. Heidegger, Sein u11d Zàt, p. 366: "Wenn das ' S u bjekt' ontologis
che ais existierendes Dasein begriffen wird, deren Sein i n der Zeitlichkeit
gründet, dann musz gesagt werden: Welt ist 'subjekt iv ' . Diese 'subjektive'
Welt aber ist dann ais Zeit-transzendente 'objektiver' al s j edes mõgliche 'Ob
jekt ' . "
28. O q u e mostramos longamente n a Stnu:turt: d u comportement.
654 FENOMENOLOGIA DA PERCEPÇÃO
111. A libtrdtuk
tion psychiatrique , 1 9 3 2 .
--- · Le temps vécu. Paris, d ' Artrey, 1 9 3 3 .
Novotny. lJa,s Problem tks Menschtm Cézanne im Verhãltnis zu seiner Kunst,
Zeitschr. f. Aesthetik und allgemeine Kunstwissenschaft, n <_I 2 6 ,
1932 .
Paliard . L 'illusion de Sinnsteden et le prohlbne de l'implication perceptive,
Revue philosophique , 1 9 3 0 .
Parain . Recherches s u r l a nature e t les fanctions d u langagfl. Pari s , Galli
mard , 1 94 2 .
Peters. Zur Entwicklung der Farhmwahrnehmung, Fortschritte der Psycho-
logie, 1 9 1 5 .
Piage t . La représentation d u monde chez l 'enjant. Paris, Akan, 1 9 2 6 .
___ . La causalité physique chez l 'enfant. Paris, Alcan , 1 9 2 7 .
Pick. Stiirungen der Orúntierung am eigmen Kiirper, Psychologische Fors-
chung, 1 9 2 2 .
Politzer. Cn'tique des Jondements de la psychologit. Paris, Rieder, 1 9 2 9 .
Pradines. Philosophie de l a sensation, I , L e s Belles-Lettres, 1 9 2 8 .
Quercy. Etudes s u r l 'haliucination, I I , l a clinique. Paris, Alcan , 1 9 3 0 .
Rubin. Die Nichtexistmz der A ujmerksamkei.t, Psychologische Forschung,
1925.
Sartre. L 'imagination. Paris , Alcan, 1 9 3 6 .
___ . Esquisse d'une théorie d e l'émotion. Paris, Hermano, 1 9 3 9 .
OBRAS CITADAS 661