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A FILOS•

oADAN
UM ENCONTRO ENTRE D
MARIE BARDET

A FILOSOFIA DA DANÇA
UM ENCONTRO ENTRE DANÇA E FILOSOFIA

Tradução
Regina Schõpke
e Mauro Baladi

mart.1ns �ates
saomartlns
© 2015 Martins Editora Livraria Leda., São
Paulo , para a pres
© L'Harmattan, 2011 ente edição,
5-7 rue de l'Ecole Polytcchnique, 75005
Paris, France. SUMÁRIO
Esta obra foi originalmente publicada em
francês sob o título
Pmser et mouvoir: une rencontre entre da
n.se etphilosop
hie .

Publisher Evandro Mendo nça Martins Fontes


Coordenação editorial ¼nessa Faleck
Produção editorial Susana Leal
Diagramação Megaam Design
Preparação Luciana Lima
Revisão &nata Sangeon
Juliana Amato
Andria Vida/

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


(Cimara Bras ileira do Livro, SP, Bras il)
Bardet, Marie Uma inquietude pelo concreto .............................................. 7
A filosofia da dança : um encontro entre dança e filosofia / O problema de Sócrates dançando.......................................... 9
Marie Bardet ; tradução Regina Schõpke, Mauro Baladi. - São Paulo :
Martins Fontes - selo Martins, 2014.
Um encontro, um modo de andar......................................... 15

Tírulo original: Penser et mouvoir : une rencontre entre Pe(n)sar ................... .................................................................. 22
danse et philosophie.
Bibliografia.
Nietzsche .............................................................................. 28
ISBN 978-85-8063-179-l Badiou .................................................................................. 34
Valéry ................................................................................... 43
1. Dança - Filosofia I. Título.
Nancy ................................................................................... 53
Da metáfora da leveza à experiência da gravidade ............... 58

CDD-792.801 Andar ....................................................................................... 71


14-11380
fodices para catálogo sistemático: O andar em comum? ............................................................ 76
1. Dança e filosofia : Artes 792.801 Andamentos coletivos? ........................................................ 86
Um passo que escuta? ..........................................................
Todos os dimtos tkrta edição reservadas à
M"1'1i1u Editora Lirmzrúl Lula. Deslizar .................................................................................. 10
Av. Dr. Arnaldo, 2076
01255-000 São Paulo SP Brasil
Uma certa vulnerabilidade? ............................................... 117
Tel: (11)31160000 Quem decide? ..................................................................... 126
info@mulrtinsfontes.com. hr Isso gira? ............................................................................ 130
www. m4Ttinsfontes-selomllrtins. com. hr
Com-p or ................................................................................. 145
Escrever? ............................................................................ 150
Im provisar? ........................................................................ 157
Imediatez? ........•••· •• • •••••••••• •• ••• •• •• •••• • •••••••• • •••••••• •• ••• • •........... 170

Apresentar .....................•·······························••·••·•••· .............. 175


P resente /Presença? ...............••·• .....••.•• ................................ 178
Instante/M.omento .............................................................. 185
Senciente/M.ovente ............................................................. 190

Atenção................................................................................... 199
Tendênc ia ............................................................................ 213 Uma inquietude pelo concreto
Atitude ............................................................................... 216
Queremos ao mesmo tempo o intemporal e o contemporâ­
Articulações ........................................................................... 221
neo. Porém, por mais que esgotemos as imagens e façamos
Entre percepção e composição ............................................. 225
Entre imagens .................................................................... 233 as palavras correrem como água entre os nossos dedos, nem
No me-io ............................................................................. 240 por isso ser emos capazes de dizer como acontece de, em cer­
Da pele ................................................................................ 244 ta manhã, acordarmos com desejo de poesia.

Imprevisível novidade? ...................................................... 255 Vrrginia Woolf


O possível e o real ............................................................... 263 "A leitura", O escritor e a vida,
Atualização ......................................................................... 268 ed. Payot et rivages, 2008, p. 62.
Critérios imanentes ............................................................ 279
Desfazer o impossível ......................................................... 288

Pistas conclusivas................................................................. 293


Em torno da representação ................................................. 296
Um movimento descentrado ............................................... 299
Inquietudes cruzadas .......................................................... 308
Enfim, um intervalo ........................................................... 321

Bibliografia .....................................
....................................... 337
O problema de Sócrates dançando

A filosofia, ao se debruçar sobre a dança, encontra-se


presa em uma espiral. Interrogando posturas, aproxima­
ções e modos de andar, a dança apresenta à filosofia o pro­
blema da apreensão de seus "objetos". Tomar a medida de
uma possível filosofia dos corpos em movimento exige me­
dir a aproximação que a filosofia pode ter com a dança.
O primeiro ponto de dificuldade seria uma apreensão exte­
rior desses movimentos dançados - diretamente implicada
por sua formulação em termos de objeto -, projetando um
lugar para a filosofia como espectadora, e espectadora obje­
tivante, na medida em que, por exemplo, em uma perspec­
tiva aristotélica de um movimento como mudança de lugar
e de estado, poderiam ser examinados os movimentos dan­
çantes desde os pontos de referência dessas mudanças. A
filosofia procuraria construir para si um olhar objetivante
10
MARlEBARDET
A FILOSOFIA DA DANÇA: UM ENCON1RO ENTRE DANÇA E FILOSOFIA 11
determinando a medida desses movimentos e m u
m esp aço
de referência para descrever e explicar seu objeto: etc.) e sua existência fenomênica e sensível. Um encontro
a dança.
No entanto, quando, por exemplo, entre as das medidas e desmedidas dos jogos do sensível e da re­
p rimeiras
ocorrências do movimento dançante na filosofia, presentação. A cena esboçada por esse encontro propõe o
encon­
tramos em Xenofonte um Sócrates dançando (Banqu problema liminar de uma filosofia sobre, de ou na dança,
ete, de uma vez que ela redistribui as relações habitualmente dis­
Xenofonte), é para descrever outra cena. Não um olha
r ob­ juntivas entre teoria e prática. Elas extravasam então, como
jetivante, mas um Sócrates que, por um lado, se vê
dan­ quase sempre, a operação de medida de uma prática por
çando em um espelho, estuda seus movimentos e
suas uma teoria ou a da aplicação de uma teoria em uma práti­
atitudes em uma confrontação confusa com o seu refle
xo; ca. Hybris, desmedida própria de uma dança que "arrasta";
e, por outro, faz isso afastado dos olhares alheios1. Esta­ extravasamento que talvez seja a própria filosofia.
mos, portanto, em uma situação completamente diferen Nem objeto mensurado, nem aplicação; para Deleu­
­
te de uma medida das mudanças em algumas referências ze, em seu diálogo com Foucault, a prática constitui, nesse
espaciais. Estamos em um encontro. Um encontro consi­ sentido, "um conjunto de revezamentos de um ponto teó­
go dançando, do qual saber o que ele era para Sócrates tal­ rico a outro"2, enquanto a teoria é "um revezamento en­
vez permaneça enigmático. O que será que ele examinava tre uma prática e outra" 3, sem que esta última represente
e o que será que procurava observando seu corpo em mo­ a primeira nem se aplique a ela, tanto quanto a primeira
'\.
vimento? Que relação havia entre os seus gestos e esse eu . não inspira a última, em uma relação que seria totalizan­
habitado, ao mesmo tempo, por uma razão e por te, reduzindo uma à outra. Joga-se e toma-se a jogar, neste
um de­
mônio? Quais seriam as articulações entre encontro, com a distribuição das posturas, das interven­
pensar e mover
por meio de seus gestos e de seus ções, dos discursos e dos gestos, em revezamentos entre
reflexos percebidos?
Apostaremos que ele tentava deci eles que extravasam o quadro de sua simples aplicação.
frar algumas con­
cordâncias e discordâncias, É provavelmente aquilo que Sócrates decifrava dançando
suas atitudes conhecidas e
desconhecidas, na situ diante de seu espelho, buscando ver a maneira como se li­
ação singular de dançar e de se ver
dançar. Sócrates se gavam àquilo que ele sabia de si, suas diversas posturas,
entregava a um encontro entre a sua
atividade (operando o terreno a partir do qual ele intervinha e em que direção
em um registro dominável das catego­
rias de mudanças
de lugares - lugares discursivos, outros
lugares - e muda 2. Gilles Deleuze, "Les intellectuels et le pouvoir" [Os intelectuais e o pcder},
nças de estados - ensina dar
r, o exemplo conversação com Michel Foucault, (p. 288-98), in L'ile déserte et ,mtres te:des (A i
1. Xenofonte Bt,HntlM•
cn.1-L deserta e outros textos), éd. de Minuit, 2002, p. 288; São Paulo: Iluminuras, 20
tudos Cláss· , ·-,-IC". u&Uwra: Universidade de Coimbra, Centro de Es- 3. Op. cit., p. 288.
1.COS e H umanísticos, 2
008.
12 MARIEBARDE'f
E FILOSOFIA 13
A FILOSOFIA DA DANÇA: UM ENCONTRO ENTRE DANÇA
as atit udespor meio da s quais ele par ticipava do
s de6a­
por
tes e um ou o utro ponto teórico no qual ele se ap o
iava, um sentido, fazendo dele uma metáfora dela mesma,
me­
variando seg undo o terreno da discuss ão e seg undo exemplo. Um espelho não reflete um idêntico ou uma
O i n-
ro:
terlocutor ou o adversário. Sócrates, sabendo sempre c táfora . As apreensões neste encontro são de outro regist
o­ pro­
mo intervir, a partir de qual ponto teórico, tendo sob roçaduras da realidade em movimento mais do que
re es de
isso uma intuição seg ura, mas ignorando aquilo que os li­ jeções de coordenadas representativas; intensificaçõ
de
detalhes, de reflexos que não se esgotam em um ponto
ga entre si, fora desses debates e longe dos interlocu tores.
referência mais do que esquematizações; claridades cinti­
Que movimento, que é certa dinâmica de si mesmo, une de
lantes vindas do próprio rea l ma is do que elucidações
todos esses pontos? Sócra tes examina isso no espelho e se
uma iluminação erudita.
vê dançando.
Esse reflexo, que segundo o Banquete de Xenofonte já
Será que essa dança ainda é filosofia? Trata-se de u rna
soube pôr a filosofia fora de sua visibilida de discursiva tão
questão que os risos e as zombarias dos conviva s do ban­
gera lmente transmitida pela tra dição (o sábio na cidade),
q uete apresentam quando Sócrates conta que dança dian­
perante ela própria (Sócrates dançando sozinho diante do
te de seu espelho, sa bendo bem que será objeto de troças. seu espelho), está então diante de outra imagem daqui-
Será que ela é urna consciência de si da filosofia, vendo-se lo que, nela , pensa , dia nte de uma imagem que lhe chega
dançar, como um saber sintético de todos os seus pontos e pelo viés de movimentos dançados, esse reflexo também
de sua medida? Ou será que ela passou para outra dimen­ atravessou os tempos. A difração do reflexo da filosofia que
são, na intensidade dos reflexos do movimento no espelho? vê sua dança em outra coisa permite ampliar esse encontro
Em uma imagem que se esboça simetricamente e, no en­ para a filosofia que vê outros dançarem além dela mesma,
tanto, em outro lugar, sem que nem a dança nem a filoso­
, os ba ilarinos. Um pensamento está em movimento, a filo­
fia tenham totalmente lugar nesse refl
exo? sofia vê esses movimentos. Esse reflexo continua a irradiar
De fato, não são mais os pontos que conta
m, as pa­ os corpos em movimento de danças que se dizem, nesse
radas que marcam a linha
sobre a qual viria se aplicar no mesmo sentido, contemporâneas. Elas encadeiam gestos
espaço um trajeto do
movimento; também não contam que estendem um espelho para a filosofia, pa ra que ela re­
as referência
s que fornecem os pontos
para prender uma conheça nele não tanto a si mesma (uma metáfora do pen­
quest ão em suas m a samento como abstração), mas outro que talvez seja mais
lhas - neste caso, a dança. Nem me­
dida de um objeto da
nça, nem sua objetivação por uma profundamente ela mesma do que ela mesma (alguns des­
filosofia que o an
a 1·1sa na,
· o mte
• rpre tan• a, para lhe dar locamentos exigidos pela ancoragem de seu exercício cm
14 MARIE BARDêr
A FILOSOFIA DA DANÇA: UM ENCONTRO ENTRE DANÇA E FILOSOFIA 15
heterogeneidade). Sem dúvida, as danças gregas não sã
o
mais as nossas. É bem aquilo que se acre dita saber intei­ no terreno de um domínio de si e de uma definição do ser,
ramente, a ponto de hesitar em acreditar saber aquilo que de uma virtuosidade que passaria em uma liberdade sem­
elas podiam realmente ser, e tudo ensina que ning uém sa­ pre mais fugidia, ou de uma aplicação que daria sua signi­
beria mais dançar essas danças. Assim corno inversamen­ ficação a uma dança que careceria dela, mas por meio de
uma experiência da gravidade que propõe incessantemen­
te não cessa de voltar a crença em compreender aquilo que
te a questão dos atos e dos deslocamentos afirmando uma
pensava, aquilo que fazia e aquilo que inventava a filosofia
igualdade no terreno redistribuído do pesado e do leve.
grega, na época e para hoje. Será necessário, então, reco­
Assim, pensar e mover não são os atributos respectivos
meçar a experiência de Sócrates: olhar os corpos que dan­ e definitivos (definindo definitivamente) da filosofia e da
çam, os nossos e outros, no presente, de maneira diferente dança, mas os fazeres redistribuídos incessantemente no
daquela do tempo de Sócrates, e ver corno neles se enla­ encontro cruzado de suas múltiplas teorias-práticas, tra­
çam, segundo outro registro de revezamento entre "pontos çando, por meio dos seus reflexos e dos seus ecos, gestos,
teóricos", quando considerados conjuntamente, os gestos ancoragens, olhares e deslocamentos.
que se faz igualmente ao filosofar.
Um encontro, um modo de andar
Essa experiência revela outras realidades nas quais a
dança não se oferece como terreno de aplicação total para Um encontro, primordial e temerário, com a filosofia
uma filosofia que elaboraria teorias, no puro estilo de um de Bergson que acompanhava meus primeiros passos na
espaço homogêneo onde se aplicariam os movimentos, ou filosofia. Daí a intuição e o acionamento de uma tecedura
seja, mudanças, deslocamentos e diferenciações. Elas extra­ dos ecos entre algumas maneiras de fazer filosofia e outras
vasam as tramas de espaço e de tempo lineares deslocan­ de fazer dança. Fazer um trabalho na filosofia sobre a dança
do a linha divisória entre sensível e representação, entre os envolve um fazer que não cessa de variar no transcurso de
corpos em movimento, que não elevam mais à visibilida­ sua declinação teórico-prática, tornando impossível o sobre
de alguns corpos definidos como figuras individuais, mas a dança. Fazer filosofia sobre a dança, ao encontro de uma
mergulham e se estendem em agendamentos coletivos, teoria e de uma prática restituídas em suas relações, toma­
apreendendo-se, então, como corporeidades diversificadas se fazer filosofia com a dança.
e cambiantes que atravessam os corpos envolvidos. O en­ Não poderá se tratar de aplicar uma teoria filosófi-
contro da filosofia com a dança não pode, portanto, ocorrer ca (por exemplo, aqui, bergsoniana) a uma prática (aqui, a
MARIE BARDET UM ENCONTRO ENfRE DANÇA E FILOSOFIA 17
A FILOSOFIA DA DANÇA:
16
ente, é criticar o uso de ambas as partes,
rovis açã o na dança), ou sej a, de verificar u ma filosofia a filos ofia, e inversam
imp gim ento feroz de
o um sistem a fechado a u ma dança que co m é situar-se, nesse encontro, sob o constran
aplicando-a com a. Que ela não se-
rata, esclarecida, elevad a e significada. um a dupla exigência de precisão e de clarez
isso se tornari a abst ada a exigência e a
ato de fazer filo s ofia n ão e sp eraria de ja an á lise e m edida, iss o não impede em n
Tanto quanto, aliás, o es da nça ndo diante
(ou m esmo de u ma "filo sofia prática" precisão, e ainda m ais: assim com o Sócrat
uma prática qualquer os gestos as pos­
na realidade . Ne ssa s dif erente s ce ­ de seu espelho e obse rvando em seus própri
qualquer) a sua inserção a aqui iden ti ficar
ça e filos ofia, n ão p ode ria h aver turas de su as interven ções, a filosofia procur
nas do encontro entre dan çõ e s e d i f eren ças. A m áxim a
arte te órica, mas revez amentos a s p r ópria s atitu d e s, situ a
uma parte prática e uma p osofia pro vém de seu c ontato
s e atravessando o s proble­ exigência de precisão para a fil
entre uma e outra, abrindo furo revezam entos entre um p on -
ecoam entre si algu ma s com a realidade concreta, no s
mas que a elas se apresentam. Elas ar a pare de" • Um a exigên -
5
i o de ambas. Não to pr ático e out ro, "para pe rfur
inquietações apreensíveis no reflexo fugid de fronteira: fazer o m ais perto,
u ma aplica­ cia, portanto, nesse trabalho
poderá se tratar de uma filiação assim como de ecis o . A escrita tende rá a um
a
quieto s o mais p e rto daqui, o mais pr
ção em um desenrolar histórico linear, mas de ecos in o bre as ne rvuras d a folh a; n
em
o bstinação sobre o de talhe, s
e intempestivos entre danças, palavras e conceitos. scos e dos lim ites
p or isso ela deixará de falar, espero, dos ri
Certamente, trata-se em par te de algo fech ado, v i s­ a ocupa m ais o
desses encontros, nos quais a h istória evocad
to que a leitura se concentrar á s o bre certos te xtos, o s de ico original . Os
lugar de cenário do que o de precedente h istór
Bergson, encontrados e escolhid o s p ara pr om over o en ­ ao contrário de uma especia ­
detalh es, o s p ormenores, bem
contro, como essencialm ente Matiere et mémoire [Matéria reto, sem permanecer nem dei­
lização , fazem entrar no conc
e memória] 4 e aquele que eco a no t ítu lo deste livro : pensar e tivo das grandes
xar intacto. Longe de u m panorama explica
mover. Além disso, a escrita fil osófica, em s e u exercício de pecção d as dinâ­
leis de aplicação, essa seria, antes, u ma pros
apreender uma realidade, f ech a certamente a lgu n s senti­ as lógicas de algu ns en contros
micas que fazem e desf azem
dos em tomo daquilo que ela compreende e qu e , com isso, a-se , então, u ma man eira, um
entre danç a e filosofia . Exercit
ela afirma. Assim é n ece ssariamente a su a pr ática . an do mais de
gesto, u ma virad a de mão, desta fil osofia roç
riscos desse tra­
Desse modo, tal empreitada de estudo desses e cos não perto os gestos da dança. Tal seria u m dos
balho em dança para a filosofia. Uma inqu
ietude pelo concreto.
será desp rovida de um trabalho crítico. Ensaiar a dança desde

4. São Paulo: Martins Fontes, 5. Ibidem, p. 288.


1990.
,
MARIE BARDET
18 A FILOSOFIA DA DANÇA: UM ENCONTRO ENTRE DANÇA E FILOSOFIA 19
dançando apresenta à filo-
Se O problema de Sócrates de fora. De um lado, portanto, não reivindicar uma simples
de se pensar ela mesma como teo-
sofia a 1• mpossibilidade referência filosófica, legitimação rápida para a dança, mas
uma aplicação dos pontos de
ria e de buscar sua prática em se levar pelas situações, pelos compromissos e pelas anco­
referência de seus movimentos, se Deleuze e Foucault ex- ragens, concretas e conceituais, da dança; de outro, assu­
licitavam os limites do distanciamento entre teoria e prá­ mir que fazer filosofia é sempre bordá-la em suas bordas,
�ca a propósito do "papel dos intelectuais" pela crítica da em heterogeneidade com seus encontros. Mesmo saben­
palavra de um teórico sobre uma prática que falaria no lu­ do que por um encontro são mil outras experiências que
gar daqueles que fazem, é porque a distinção fundamental são convocadas, outros campos, outros domínios de uma
entre fazer e dizer chamava muito a atenção. paisagem que dá seu contexto a bem mais que um diálo­
Assim, o encontro entre filosofia e dança repensa os go, uma multiplicidade de tomadas de palavra, de atos e de
lugares e os estatutos dos gestos, das palavras e dos textos gestos em torno de uma inquietude.
de artistas. Não falar em seu nome, mas citar tanto quan­
to possível as conversações, as observações, os livros e as A matéria deste livro é, em parte, oriunda da minha
entrevistas que alimentam minha pesquisa para que eles tese de doutorado em filosofia intitulada "Filosofia dos cor­
possam intervir diretamente nesse encontro. Nem palavra pos em movimento. Entre a improvisação na dança e a filosofia
revelada, nem palavra indígena que aguardaria sua inter­ de Bergson. Estudo sobre a imediatidade", co-orientada por
pretação erudita, uma heterogeneidade das palavras e dos Stéphane Douailler e Horacio Gonzalez e defendida na
gestos de filósofos, coreógrafos, bailarinos e bailarinas. Universidade de Paris 8 e na Universidade de Buenos Aires
Existe evidentemente uma diferença de postura, ou seja, em dezembro de 2008. Matéria híbrida, pelo fato de meus
ao mesmo tempo lá onde se aproximam e se afastam aque­ estudos de filosofia terem sido acompanhados desde o im­
la ou aquele que filosofa e aquela ou aquele que dança, na cio por diversas formações nas artes do movimento, em
repar tição dos lugares, dos atos e das pala particular com alguns artistas fazendo uma pesquisa so­
vras, dos proje­
tos, das histórias e das apresentaçõ bre a composição improvisada, e de uma prática regular de
es. Em nenhum caso,
então, é possível imaginar hom Feldenkrais. Na sequência, meu trabalho de pesquisa e d0
ogeneizar as atividades de
uns e de outros, fazer uma escrita prosseguiu até hoje com a minha atividade de en­
comparação entre eles po r jus­
taposição • Esse encontro , • sino na universidade e em outros lugares, mesclando ca­
e mtnnsecamente o encontro com
uma estranheza, convo - " da vez mais intensamente os questionamentos e as provas
caçao de um heterogeneo, tanto
para a dança quant
° para a filosofia: fazer entrar um pouco próprias das misturas entre teoria e prática.

��.�
MARIE BARDET
20
te:
Portanto, ainda mais inquietan um encontro da es­
única trajetória... O encontro en­
tranheza no seio de uma
e minha experiência na
tre minha experiência na filosofia
Se existem tão poucos filósofos que escreveram sobre a dan-
dança, em seus reflexos fugidios e em seus ecos diferen­
ça é talvez porque eles sentiram confusamente que isso es­
ciados, facilitou e alimentou essa inquietude. Nem por iss o capava, isso escapava muito; os filósofos não gostam muito
cada terreno do encontro deixa de tomar diferentes senti­ daquilo que escapa, daqi. ·10 que foge diante das tenazes
dos segundo as trajetórias, ou talvez segundo as épocas da do conceito. Os filósofos que tentaram são os aventureiros,
trajetóri a: eu escolhi um lugar a partir do qual falar - a fi­ que falaram da dança mesmo não chegando a responder às
losofia - e um modo de apresentação - a escrita. nossas questões de agora. Aqueles que dedicaram algumas
Ao mesmo tempo, esse lugar e esse modo não defi­ linhas à dança, mesmo fugidias - encontra-se em um afo­
nem uma palavra homogênea, mas, antes, constituíram rismo de Nietzsche mais do que em outros longos discur­
um lugar de exercício do trabalho, uma situação social na sos - são os aventureiros, os franco-atiradores, aqueles que
qual conduzir minha pesquisa, e algumas direções para as pensam que a filosofia não é a tomada do poder, mas o re­
quais eu me dirigia, e esse primeiramente (ou finalmen­ conhecimento do não poder. Aquilo que define toda uma Ja­
maia espiritual; existem aqueles que querem a tomada do
te) - eu me dava conta disso à medida que conduzia o tra­
poder, os grandes herdeiros do pensamento ocidental, que
balho - porque são os conceitos que me interessam, como
vêm com suas próprias ferramentas: se isso não funciona,
ferramentas que se forjam nos atritos com o real, atraves­ eles abandonam a causa. E depois existem os outros, que di­
sados pela exigência própria da partilha (divisão, luta, vín­ zem: mas por que se rejeita isso, por que essa pequena coi­
culo) das experiências, das narrações e das invenções com sa sobre a qual vós lançais um olhar desdenhoso não seria
outros, em lugares de criações, de discussões e de ensino, interessante? Nós somos pouquíssimo numerosos. É o que
universitários e artísticos. Pensar com. faz o encanto do trabalho filosófico Jazer aquilo que os ou­
tros não quiseram fazer.

Michel Bernard
"Parler, penser la danse" [Falar, pensar a dança}
(p. 110-5), Revue Rue Descartes 2004/2, n. 44.

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