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Roteiro sentimental para o trabalho de campo

Article in Cadernos de Campo (São Paulo 1991) · March 2011


DOI: 10.11606/issn.2316-9133.v20i20p143-148

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Flávia Ferreira Pires


Universidade Federal da Paraíba
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Roteiro sentimental para o trabalho de campo1

FLÁVIA FERREIRA PIRES

resumo1 Este pequeno texto foi concebido as nunca foi a campo, mas “recebera do céu a gra-
voltas da primeira ida a campo de um grupo de jo- ça especial de ser um homem de campo sem
vens pesquisadores, quatro estudantes do curso de sair da sua poltrona” (Dumont, 1985 [1972],
Ciências Sociais da Universidade Federal da Paraíba p.83) para nos ensinar como ser homens e
(UFPB), colaboradores, através de bolsas PIBIC e mulheres de campo. Seguindo a inspiração
PIVIC, de um projeto de pesquisa sobre os impac- maussiana, podemos dizer que as habilidades
tos de políticas públicas na vida familiar sertaneja. antropológicas podem ser desenvolvidas e pra-
Ele foi pensado como um roteiro sentimental, no ticadas em todo ambiente que frequentamos.
qual, a professora que os acompanharia, tecia alguns Um exemplo pode ser elucidativo: certamente,
comentários ditos como pertinentes para o bom an- Lévi-Strauss (2003) não observou o “ritual” de
damento do trabalho de campo, cuja duração seria oferecimento do vinho nos “restaurantes bara-
de sete dias. O tom do texto é pessoal e dialógico. tos do sul da França” como parte de um projeto
Dialoga, prioritariamente, com este grupo de neó- de pesquisa convencional. Posso imaginar – e
fitos, e curiosamente, reivindica Marcel Mauss – o peço desculpas se peco contra a objetividade -,
antropólogo que praticamente nunca foi a campo -, que ele mesmo tenha sido pego de surpresa ao
como interlocutor privilegiado. ser-lhe oferecido um copo farto de vinho pelo
palavras-chave Pesquisa de campo. Marcel comensal da mesa ao lado. Talvez viajasse de fé-
Mauss. Etnografia. Trabalho coletivo. Neófito rias pela região... a observação é essencial: olhar
o geral e também atentar para os detalhes. O
antropólogo é, pois, esta pessoa que ao olhar
... observar o que é dado. Ora, o dado é Roma, enxerga coisas que nem todos veem e ao olhar,
é Atenas, é o francês de classe média, é o me- ele também classifica. Árvore : casa :: pássaros :
lanésio dessa ou daquela ilha, e não a prece ou homens e assim por diante. Lembram-se do tex-
o direito em si (Mausss, 2003 [1925], p. 311). to de Bourdieu sobre a casa kabyle? (Bourdieu,
1999 [1970]) E mais, ao ver objetos, ônibus,
avenidas não vemos apenas sua materialidade.
Minhas caras alunas, Meu caro aluno, Em função da casa, vemos quem ali habita; em
Foi pela apreensão nos olhos de alguns de função dos objetos, seus diversos usos segundo
vocês – e, acredito, na alma de todos nós –, ao diferentes atores; em função do ônibus, vemos
lhes dizer que o trabalho de campo se aproxi- o motorista, o trocador, as empresas de ônibus,
mava, que decidi escrever este pequeno texto; os passageiros em toda a sua imensa varieda-
notas para serem lidas antes de embarcarmos de, etc. Aliás, como diria Lévi-Strauss qualquer
para o nosso curto período de campo em Ca- classificação é melhor que classificação nenhu-
tingueira, Paraíba. ma, qualquer ordem preferível à desordem, e
Curiosamente, ninguém melhor que Mar- parece ser assim que o antropólogo constrói
cel Mauss, um antropólogo que praticamente conhecimento.

cadernos de campo, São Paulo, n. 20, p. 1-360, 2011


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Tradicionalmente pensa-se a antropologia Pode parecer contraditório falar da antro-


como um empreendimento que requer o des- pologia como um empreendimento do dia-a-
locamento geográfico, tudo se passa como se -dia justamente quando nos preparamos para
quanto mais difícil e demorada for a viagem ir a Catingueira. É que, de um lado, parece-me
melhor. Não há como negar que a ideia conte- que um deslocamento efetivo, uma experiência
nha sua verdade, já que a busca pela alteridade de alteridade distante, pode ser fundamental
sempre pautou nossa disciplina; além de ser para a formação do profissional, quiçá como
extremamente sedutora, como demonstra ha- exercício, treinamento. De outro lado, vejo a
bilmente o mestre polonês-britânico: profissão do antropólogo como indissociável
do cotidiano. O antropólogo o é a toda hora,
Imagine-se o leitor sozinho, rodeado apenas de a cada momento. Mas, vocês podem treinar o
seu equipamento, numa aldeia tropical [...] ven- olhar através da observação dos que os cercam,
do a lancha ou o barco que o trouxe afastar-se exercitar a relativização a cada momento, co-
no mar até desaparecer de vista... (Malinowski, locando em suspenso os julgamentos de valor
1922, p.19). que sempre nos invadem antes dos julgamentos
racionais, independentemente de estarmos “fa-
No entanto, não é preciso tomar um barco, zendo trabalho de campo”. Mas, com o tempo
aportar em um longínqua ilha de um arquipé- vocês verão que o antropólogo é, na verdade,
lago perdido para se realizar um bom trabalho um sujeito que vive a sua profissão, - ele deixa
de campo. Gilberto Velho, ao contribuir para a de ir a campo, ele vive em campo.
inauguração de uma vertente hoje extremamen- Embora seja muito válido como exercício,
te influente (Velho, 2006, p.10) da antropologia como treinamento para a profissão, “exotizar o
brasileira, a antropologia urbana, o fez ao pes- familiar” e “familiarizar o exótico” (Da Matta
quisar um prédio do bairro de Copacabana, Rio 1978, Velho 1978) não parecem corresponder
de Janeiro, onde o pesquisador morara (Velho, exatamente ao que ele faz. O que parece acon-
1973). Mauss (2003), por sua vez, teve um dos tecer é que esta atitude relativizadora tornar-se
seus insights geniais quando estava hospitalizado. natural ao sujeito: ele não está mais fazendo um
No hospital de Nova York detectou, nas enfer- exercício de exotização ou de familiarização, ele
meiras norte-americanas, um jeito de andar que está apenas vivendo a partir de princípios an-
não lhe era de todo estranho. Depois de observá- tropológicos. Já que, por assim dizer, nada mais
-las, chegou à conclusão que era o mesmo cami- lhe é familiar, nada mais lhe é exótico. Embora,
nhar das atrizes nas produções cinematográficas acredite que, no limite, cansamos, pois é como
daquele país (Mauss, [1935] 2003, p. 403-4). É se trabalhássemos sem cessar, e somos toma-
nesta situação, tão pouco usual, que o pai da an- mos por um desejo de tomar partido: fundar
tropologia francesa lança os pilares de um ramo uma ONG, candidatar a algum cargo político,
fundamental de pesquisas dentro da disciplina, criticar decisões de autoridades religiosas, por
o estudo das técnicas corporais2. O que quero exemplo. Mas, no cotidiano, o antropólogo,
sugerir é o que nos aconselhava minha orienta- geralmente, adquire uma postura alheia às ma-
dora da graduação em ciências sociais na Uni- zelas humanas. Não porque seja insensível, mas
versidade Federal de Minas Gerais, Léa Freitas porque os seres humanos e as relações sociais
Perez: é preciso fazer da antropologia vida e ser são muito mais complexos do que a primeira
antropólogo no dia-a-dia, até no ônibus que nos vista pensamos, e o antropólogo o sabe bem. É
leva e traz para a faculdade... sensato não tomar partido intempestivamente.

cadernos de campo, São Paulo, n. 20, p. 143-148, 2011


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O que gostaria é de dizer algumas palavras, Quando eu fazia pesquisa de campo em


breves conselhos baseados nas minhas expe- Catingueira em 2004, às vezes íamos nos ba-
riências de campo durante os anos de 2000 a nhar nos fins de semana no açude dos Cegos,
2009, todas realizadas na cidade que vocês em um grande reservatório de água que abastece
breve vão conhecer. toda a região de Patos. Esses, eu considerava, os
Então, vamos lá, escutem... momentos de lazer do campo. Ia com aqueles
Estejam abertos ao imprevisto, o que Ma- colaboradores que acabam se tornando amigos,
linowski (1997) chama de o imponderável da aqueles catingueirenses com os quais eu podia
vida social, aquilo que escapa ao nosso plane- “baixar a guarda” e tentar deixar de lado o tra-
jamento, nos faz mudar de rota e acaba sendo balho. O fato é que fui criada em Minas Gerais
revelador. Como na vida, não tentem direcio- e vocês podem imaginar que nadar no açude
nar demais o curso das águas, deixem a vida não faz parte do estoque de imagens e sensa-
nos levar e tentem aproveitar os momentos de ções que me trazem conforto. Enfiar o pé na
incerteza para perguntar aos nativos o que está lama, a cor turva da água, tudo isso contrasta
acontecendo! Dificilmente o antropólogo esca- em muito com a água límpida tocando os la-
pa da pecha de chato, inconveniente ou louco. drilhos azuis das piscinas dos clubes mineiros.
Chato porque pergunta sobre tudo, como a Daí que mesmo nos momentos de lazer, nos
criança nas idades dos por quês. Inconveniente momentos em que se precisa de um descanso
porque força as pessoas a se questionarem so- do campo, eu não estava completamente à von-
bre o que é tido como naturalizado. E, louco, tade. Eu nadava no açude deles, mas gostaria
justamente, porque parece desconhecer as ver- de poder levar meus amigos para nadar no meu
dades inquestionáveis. açude, na verdade, uma piscina. Falando nisso,
Não tenham medo do ridículo, espelhem-se lembrei-me da estranheza com que foi ouvido
no ofício dos palhaços que riem da sua própria um CD de músicas que me acompanhava por
miséria e, ao saberem-se ridículos, enfrentan- longos anos pelos meus queridos amigos catin-
do sua vergonha, cumprem seu papel (Tsallis, gueirenses e a sensação frustrante de não poder
2005). Perguntem sem medo, confiem na in- trazê-los para o “meu açude”. O que quero di-
tuição. Olhem, vejam, toquem se for possível, zer é que é importante nadar no açude alheio,
escutem, perscrutem, esperem e observem. o açude, claro, como metáfora. Vocês estão
Observem sempre e a qualquer hora. Não espe- lá para compreender o modo de vida do ou-
rem que venham lhe convidar, saía para a rua. tro e não para serem compreendidos. Atenção
Sejam éticos, nem tudo que lhe dizem deve às carências de todo tipo. Malinowski (1997)
ser divulgado ou publicado. Às vezes, se diz caiu em desgraça justamente quando divulga-
ao antropólogo o que se diz ao confessor. Que ram sua necessidade de ouvir música clássica,
antropólogo não tem no baú da memória estó- ficar a sós com seu romance europeu, enfim,
rias guardadas a sete chaves? Nos foi dito para de compartilhar seus hábitos com seus iguais
ser publicizado ou foi nos dito como desabafo? – ele se sentia extremamente só, - quero dizer,
Cada caso é um caso. Ouvir é importante, per- queria que nadassem no seu açude... A solidão
guntar também. Falar de si no campo para os faz parte de todo processo de pesquisa de cam-
nativos, eu diria, nem tanto. A não ser quando po prolongado, mas não vou me deter neste
somos interpelados. E aí cabe ao antropólogo assunto porque, no caso de vocês, a aventura
decidir o que dizer, tendo sempre em vista que deve durar pouco3. Embora, isto não implique,
o que for dito terá sempre consequências. necessariamente, na ausência deste sentimento.

cadernos de campo, São Paulo, n. 20, p. 143-148, 2011


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Se acontecer, lembrem-se da metáfora do açu- ao valorizar sobremaneira o trabalho coletivo;


de e não se esqueçam que participam de um levando até às interpretações que afirmam que
experimento artificial, como todo empreendi- “em grande medida, Mauss não é Mauss” (Bru-
mento acadêmico que tem data para terminar mana, 1983, p. 10) ou que teria negligenciado
(Latour, 2005, p. 136-7). o seu trabalho4 em função do dos colegas e alu-
O importante é estar disposto para a con- nos (Lévy-Bruhl, 2003 [1950], p. 528; Four-
versa, o bate-papo informal. Tentar driblar a nier, 2003; Perez, 2004). Suas parcerias com o
timidez e, quando não for possível, compensá- tio Durkheim, com Henri Hubert e outros co-
-la com o aguçamento da observação – todos legas edificaram o trabalho da Escola Socioló-
os sentidos em alerta para o que se passa ao gica Francesa – na qual, se a relação indivíduo
nosso redor. Pierre Métais, aluno de Mauss, vs. sociedade era vivamente debatida no nível
relembrava os ensinamentos do mestre: era intelectual, era de outro lado, equacionada no
um homem de sensações: tinha que tocar e ver nível pessoal - através das parcerias entre os pes-
(Fournier, 2003) O choro de uma criança, um quisadores. Com isso, quero lembrar a vocês que
cochicho de comadres, um cheiro desagradável o nosso trabalho tem esta inspiração: vamos jun-
da rua de trás, o olhar atravessado de uma se- tos, como os pioneiros antropólogos brasileiros
nhora, as piscadelas geertizianas... minúcias da que adentravam o campo coletivamente – ima-
vida social tão cheias de significado. ginemos a título de inspiração (não de compa-
O diário de campo é um instrumento po- ração, é óbvio): Otavio Velho seguindo para o
deroso na pesquisa antropológica. Estejam Tocantins paraense com Roque Laraia, que estu-
sempre com ele a postos (não necessariamen- dava os índios Suruí5 – e vamos construir juntos
te em mãos, para evitar a natural curiosidade o desenvolvimento e os resultados da pesquisa.
daqueles que se sabem observados) e reservem Embora não seja possível eliminar a competição
um momento ao longo do dia para relatar os acadêmica, cooperação e espírito de equipe de-
acontecimentos passados. Os diários podem vem nortear o nosso empreendimento, uma vez
ser exclusivamente descritivos, mas devem ser que o trabalho de um, contribui para todos6.
exaustivamente minuciosos. Mesmo que a E lembrem-se de levar boné ou chapéu, pro-
princípio não consigamos enxergar a necessi- tetor solar, roupas leves, mas neutras. Os dias são
dade de mencionar detalhes, eles podem, no quentes e as noites, às vezes, frescas. Uma boa
mínimo, fazer a diferença no futuro num pro- dica é levar guarda-chuva ou sombrinhas para a
cesso de rememoração do trabalho de campo proteção contra o sol, já que chuva, nessa época,
através da leitura do diário. A sugestão é que não haverá. Se for possível, levem máquinas fo-
tudo seja anotado. Além disso, as sutilezas são tográficas, que pode funcionar, no mínimo, com
essenciais para a construção de um retrato fiel um segundo diário de campo. Roupa de banho
da vida social, como mostra com maestria Max e cama é bom levar. Algum medicamento de
Gluckman no texto “Análise de uma situação emergência e gêneros pessoais de primeira ne-
social na Zululândia moderna” (1976), in- cessidade devem ser levados (já que nem tudo se
cluindo na análise até as suas idas ao banheiro! encontra disponível ou à venda no município).
E, para terminar, vamos novamente evocar Mas é importante lembrar que a ideia do tra-
o grande mestre Marcel Mauss – que fez da sua balho de campo envolve desprendimento – por
própria vida uma dádiva, a “dádiva de si” de que isso, pouca tralha pessoal deve ser levada. O des-
fala Fournier (1993), no momento mesmo em prendimento material é apenas outra metáfora
que ultrapassou os limites da individualidade ou um exercício para o outro desprendimento,

cadernos de campo, São Paulo, n. 20, p. 143-148, 2011


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o de si mesmo – este sim, que os farão antropó- e o Programa Bolsa-Família. Analisando Impactos de
logos e antropólogas. Mas continuar a falar deste Políticas Públicas no Semi-árido Nordestino Brasileiro.
Agradeço aos que generosamente leram e contribuí-
desprendimento de si, a famosa relativização da
ram para este artigo: Otavio Velho, Mónica Franch,
própria cultura ou exotização de si mesmo e a Patricia Reinheimer, Léa Perez, Maria Ana Dias, João
naturalização ou familiarização do que nos é es- Ricardo Ferreira Pires, mas as opiniões aqui emitidas
tranho é assunto para um texto de maior fôlego, são de minha inteira responsabilidade.
o que no momento me falta. 2. Ele dizia ser capaz de reconhecer uma jovem educa-
Enfim, preparem-se. Depois do campo vi- da no convento pelo gestual das mãos ([1935] 2003,
404), a nacionalidade de uma criança pequena a par-
rão os congressos, os artigos a serem escritos, os
tir da sua maneira de se portar à mesa, ou de um adul-
debates entre os pares7, as defesas, as seleções, os to pelo seu modo de caminhar ([1935] 2003, 403-4).
concursos, os editais de pesquisa e, finalmente, os 3. Mas é preciso que saibam que uma semana de tra-
alunos... e a vida seguirá assim: como uma gan- balho de campo não é suficiente; já que não permite
gorra antropológica, pontilhada ora de espanto, muitos erros ou cansaços e nem grandes descobertas.
ora do aconchego bom de se saber parte de uma O que vamos fazer é apenas uma rápida e incompleta
introdução a cidade de Catingueira, tendo em vista
comunidade, uma aldeia, a dos antropólogos...
um projeto de pesquisa bem delimitado (e portanto,
limitado).
4. Mauss nunca terminou sua tese de doutorado e, em
!"#$%!"#&'()*+$,#(-.+(/!'01.+2 vida, nunca publicou um livro.
abstract This short text was designed when a 5. O professor Otavio Velho discute o trabalho de cam-
group of four young researchers were facing their po e as mudanças ocorridas no seio da disciplina
antropológica, sobretudo, no Brasil, desde a década
first fieldwork trip. Students of the Social Sciences
de 1960, na Aula inaugural no Instituto de Filosofia
undergraduation program at the Federal Universi- e Ciências Humanas da Universidade do Estado do
ty of Paraíba (UFPB), who collaborated thanks to Rio de Janeiro proferida a 15 de março de 2006. O
the PIBIC and PIVIC scholarchips on a research texto foi publicado pela Revista Interseções (UERJ)
project on the impact of public policies upon the em 2006. O autor advoga que o trabalho de campo
backwoods family life. The article was thought as deve implicar em aprender a aprender ou de deutero-
aprendizado, conceito cunhado do Gregory Bateson.
a sentimental script, in which the professor who
Para construir este argumento, Otavio Velho também
accompanies them, draws comments said to be re- lança mão de autores como Tim Ingold e Paul Strol-
levant for the good course of the seven days of fiel- ler. Diz ele: “No que diz respeito ao trabalho de cam-
dwork. The tone of the text is personal and dialogic. po, pode-se dizer que o aprendizado até a década de
It dialogues primarily with this group of neophytes, 60 era de natureza extremamente artesanal e prática,
and interestingly, vindicates Marcel Mauss – the an- quase como numa corporação de ofícios. Pessoalmen-
te, mal chegara ao Museu e já era incorporado como
thropologist who scarcely went to the field – as a
aprendiz ao trabalho de campo de Roque Laraia junto
privileged interlocutor aos índios Suruí do Tocantins paraense numa viagem
keywords Travel research . Marcel Mauss. Eth- que se iniciou juntamente com a família DaMatta,
nography. Collective work. Neophyte que se dirigia aos índios Apinajé. Não podia desejar
melhor introdutor de campo e essa experiência, fora
dos bancos escolares, me marcou profundamente”.
(Velho, 2006, p.11).
Notas 6. Em visita a nossa universidade em junho de 2010, o
professor José Guilherme Magnani nos brindou com
1. O texto foi escrito especialmente para (e é dedicado) uma palestra emocionante, na qual a partir da sua in-
a George Ardilles, Jéssica Karoline da Silva, Patrí- serção na antropologia, afirmou dentre outras coisas
cia dos Santos, Tatiana Benjamin, colaboradores do importantes, que dar, receber, retribuir, os três movi-
projeto de pesquisa que coordeno A Casa Sertaneja

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mentos da dádiva maussiana, eram o lema do seu gru- ______. Para reescrever a biografia de Marcel Mauss...
po de pesquisa. Gostaria também que fosse o nosso. Revista Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo, vol.
7. Mónica Franch (2010) em artigo inspirador afirma o 18, n. 53, 2003, p. 5-13.
caráter coletivo do trabalho acadêmico, enfatizando o GLUCKMAN, Max. “Análise de uma situação social
papel essencial de eventos como grupos de trabalho na Zululândia moderna”. In: FELDMAN-BIANCO,
em congressos e bancas para a sua formação enquanto Bela (org.). Antropologia das sociedades contemporâneas
antropóloga. – métodos, 1976, pp. 227-305, São Paulo: Cia Editora
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LATOUR, Bruno. Reassembleing the social. An introduc-
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Revista Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo, n. 21,
1993, p. 104-112.

autora Flávia Ferreira Pires


Pós-doutora em Antropologia Social / MN – UFRJ
Professora adjunta de Ciências Sociais da UFPB

Recebido em 01/02/2011
Aceito para publicação em 26/09/2011

cadernos de campo, São Paulo, n. 20, p. 143-148, 2011

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