Você está na página 1de 2

Texto para reflexão – Psicanalista Ana Suy

Srs. Responsáveis,

A direção-geral tem o prazer de compartilhar o texto abaixo da psicanalista Ana Suy. Uma
ótima leitura para todos os pais.

*Sobre o jogo BALEIA AZUL*

Toda pessoa viva já pensou na morte. Pensar na morte faz parte da vida. O que diferencia
alguém vivo de alguém morto é que o vivo ainda não morreu. Vida e morte são coisas
claramente separadas, apenas nas palavras. Viver é morrer um pouco a cada dia. Morrer é
parar de viver.

Uma vez, uma aluna minha, do curso de psicologia, disse que o “problema da vida” é que a
gente já nasce morrendo. Assim, pensar na morte, faz parte da nossa constituição psíquica. É
normal, não tem nada de errado com quem pensa na morte.

Porém, a gente não pensa na morte de modo uniforme, ao longo de toda a vida. Se tem um
tempo onde é mais comum pensar na morte, esse tempo, certamente, é a adolescência.

Isso porque, na primeira infância, a gente vive como se fosse objeto do outro. “Sou da
mamãe”, “sou do papai”, “sou da dinda”, dizem os bordados nos macacões e babadores que
os bebês usam. Quer dizer, somos do outro.

É no fim da infância e no começo da adolescência que vamos tomando posse do nosso corpo. É
só aí que vamos entendendo (inconscientemente, porque geralmente não percebemos que
pensamos nisso) que nós pertencemos a nós mesmos.

Se por um lado isso pode ser libertador, pois “se sou de mim mesmo, posso fazer o que eu
quiser da minha vida”, por outro lado, isso pode ser vivido como pura angústia: “não sou de
ninguém, então, não há ninguém por mim”.

O encontro com essa descoberta em torno da liberdade/solidão, próprio da adolescência,


pode levar vários jovens a imaginarem como seria a sua morte, como seria a reação das
pessoas diante da morte dele. E pode levar os jovens ao desejo de morte – não como quem
quer morrer, mas como quem quer levar o outro a sentir sua falta.

No texto “Luto e melancolia”, Freud diz que ninguém tem energia suficiente para tirar a
própria vida, a não ser que entenda que, tirando a própria vida, está matando alguém em si.
Nesse sentido, fica fácil entender como algumas pessoas podem tentar ou até mesmo
conseguir tirar a própria vida. Nada parece mais eficaz para fazer falta no outro do que a
eternização de uma falta.

Assim, é comum na adolescência certa melancolia. Os sentidos que os pais deram aos seus
filhos para a vida, até então, demonstram falir.
Até que os adolescentes encontrem seus próprios motivos para viver, por meio dos amigos,
das causas e dos amores, um luto pode advir. É preciso que o adolescente possa expressar sua
tristeza, porque vai descobrindo que seu modo de ver a vida, não é exatamente o mesmo que
o dos pais.

É por aí que ideias suicidas podem aparecer, e é bem aí que o jogo a baleia azul pode “cair
como uma luva”. Um desastre.

Se o adolescente consegue elaborar sua tristeza dizendo o que o incomoda, isso é uma coisa –
e tem solução. Mas se ele não pode elaborar isso, se ele não encontra palavras para falar dessa
tristeza, e então, se depara com o jogo da “baleia azul”, então temos um problema de solução
mais difícil, bem mais difícil.

Um adolescente que levava a ferro e fogo as palavras dos pais, diante da falência das palavras
deles, pode encontrar, no jogo da “baleia azul”, algo que substitua o que os pais disseram. É aí
que mora o perigo.

Por isso, pais, é de extrema importância que a gente fale com nossos filhos adolescentes. Não
sobre o jogo da baleia azul, ou sobre o GTA (que é aquele vídeo game superagressivo que
deixa muita gente de cabelo em pé) ou sobre o 13 reasons why, mas sobre as coisas da vida.
Sobre a vida do vizinho, sobre a matéria do jornal, sobre o filme que passou na tevê, sobre
propagandas, trivialidades, sobre qualquer coisa.

O desejo de morrer, ou as fantasias sobre a morte, que esses jovens nos trazem, não devem
nos assustar e assim nos levar a apressadamente calá-los – mas deve nos convocar a escutá-
los, deve nos levar ao convite para falarem mais disso.

A palavra é o único modo de elaborarmos. Com aquilo que vira palavra, podemos fazer algo.
Mas aquilo que não vira palavra, nos faz refém dos acontecimentos.

Então, bora falar e ouvir.

Você também pode gostar