Você está na página 1de 3

Feeling blue – a tristeza de nossos adolescentes

home    blog    adolescência    feeling blue – a tristeza de nossos adolescentes

*Por Sylvia Pupo

A febre dos jogos e séries ligados à temática da morte parece ter dado voz ao apagamento
gradual e silencioso do adolescente na nossa sociedade.

O jogo da Baleia Azul e a série 13 Reasons Why, exaustivamente abordados na mídia nas
últimas semanas, geraram perplexidade e pânico a respeito de uma possível epidemia de
futuros suicídios e uma controvérsia a respeito de ser ou não recomendada sua exibição ao
seu público alvo. Havia o receio da indução a mais suicídios, já que a forma romantizada e
detalhada com que o tema é abordado são fatores largamente desaconselhados pela
Organização Mundial de Saúde. Tentativas prévias são consideradas um fator de risco
importante na indução de mais suicídios.

Tanto o jogo quanto a série expõem a angústia e a desesperança dos adolescentes e os


destinos possíveis, embora nem sempre desejáveis, para a sua dor. O suicídio é um deles.
Retratam com crueza a violência da via-crucis percorrida pelos jovens – como as etapas do
jogo – na sua transicionalidade e na busca de lugar no grupo social. Esta é uma violência que às
vezes não notamos ou então subestimamos.

Já fomos adolescentes e sobrevivemos – alguns melhor do que outros, é bem verdade – às


angústias e maldades, ao desprezo dos amores e à incompreensão dos pais, às incertezas e
dúvidas. Até ocorreu a alguns tirar a própria vida em momentos de desespero, mas não o
fizeram. O pensamento parece ter dado conta das angústias.

Dados alarmantes da OMS apontam o suicídio como a segunda principal causa de morte entre
jovens de 15 a 29 anos. O que será que mudou?

Os motivos pelos quais pessoas tiram suas vidas são variados e individuais, mas supomos que a
desesperança e a dor sejam denominadores comuns. Esses suicídios nos dizem que algo vai
mal, que está difícil viver. Que não se tem mais esperança e se está muito só. São sintomas do
social?

O que não estaríamos podendo escutar? O que as palavras não estão alcançando no uso do
corpo nessa falta de nomeação? Nos perguntamos: onde é que falhamos?

Seja um ato impulsivo ou planejado, de vingança ou desespero, no suicídio há uma mensagem


– ainda que enigmática – para quem fica. O que nos comunica essa onda de suicídios, sobre a
relação dos jovens com a sociedade? Seria a cultura contemporânea que está destruindo os
jovens ou seria o modo que interagimos com ela?

É fato que o psiquismo se apoia em traços da realidade, mas não será, necessariamente, uma
reprodução dela. A cultura oferece veículos para a expressão da violência interna de cada um e
o jogo é mais um deles.
Podemos ter mais de 13 razões e, mesmo assim, conseguirmos encontrar outras vias para
processar nossa dor e dar a ela um destino. Aperta-se o botão delete para que o desconforto
desapareça? Novas drogas nos deixam em êxtase permanente. Perdemos a capacidade de
tolerar o mal-estar – necessário e estruturante do sujeito – inerente ao processo civilizatório,
observado por Freud?

Ninguém pode mais esperar, tudo é para já. Há uma pressão contínua para que se “evolua” (o
que será isso?) em uma escalada ascendente, mas não há tempo para aprofundar. Não se tem
mais tempo a “perder”. Vemos um grande incômodo quando é necessário desacelerar,  “voltar
duas casas no jogo da vida” que se torna, ela mesma, uma série de tarefas a serem cumpridas,
em vez de uma experiência a ser vivida.

Não é o caso de procurarmos culpados, mas de pensarmos se estamos conseguindo ajudar os


jovens a criarem recursos para lidar com as dificuldades da vida, mas, principalmente, com os
próprios afetos.

Estaríamos reproduzindo certos valores e ideais que nos dificultam “re-conhecer” nossos
filhos?  Seria bom se pudéssemos acreditar que ser feliz é muito mais do que atingirmos os
padrões valorizados socialmente. Que é importante construirmos algo que exceda a nossa
sobrevivência – algo para além dela, que nos dê prazer e possa ser um veículo para os nossos
sonhos. Questionar o sentido de passarmos a mensagem a um adolescente que ele tem que
trabalhar muito agora para ter mais trabalho no futuro e que isso é o que vai fazê-lo feliz. 
Considerar que é bom buscarmos satisfação nas nossas escolhas e não apenas
reconhecimento. Ensinar que podemos ter felicidade apesar de tantas faltas e limitações.
Talvez isso soe mais possível.

O submetimento, também suicida, à tirania de ideais, mostra que essa necessidade de


reconhecimento encobre, na verdade, uma carência de auto-reconhecimento.  As patologias
contemporâneas têm aí suas raízes. Depressão, baixa auto-estima, as chamadas “patologias do
vazio”, que se expressam na forma de distúrbios alimentares, compulsões, adicções,
intervenções estéticas em excesso, refletem a insatisfação crônica do sujeito consigo mesmo.
Ser feliz tornou-se um valor quase masoquista: ser o que não se é, ter o que não se tem… Não
se tolera a falta, a incompletude, a imperfeição. Não se tolera mais o humano.

Esse assassinato das individualidades atinge, sobretudo, os adolescentes, que estão em pleno
processo de consolidação pessoal. Qual é o preço de pertencer?

Como conseguir tolerar os vazios sem preenchê-los com drogas, comida, consumo, sexo? Essa
parece ser uma das tarefas da atualidade – darmos conta das incertezas e dos vazios de
maneira não destrutiva.

Infelizmente não podemos prever com certeza quais jovens vão aderir aos jogos mortais ou
cometer suicídio. O que sabemos é que pessoas com uma auto- estima mais satisfatória e uma
identidade estável e estruturada terão maior capacidade de julgamento, de tolerar a
frustração, de acomodar conflitos e pensar. Esse vai ser um recurso importante  nos
funcionamentos impulsivos, por exemplo, a capacidade de adiar a ação.
Nossa tarefa então, não será poupar os adolescentes das problemáticas e frustrações. Ao
contrário, temos que ajudá-los a desenvolver recursos para que sustentem as idiossincrasias e
possam pensar sobre elas.

Neste sentido, a Psicánalise tem muito a contribuir, já que a violência e a maldade vão
continuar a existir em toda parte.

*Sylvia Pupo é psicanalista e membro da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo. 

Você também pode gostar