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11/09/2017 As verdades assustadoras na ficção da Baleia Azul – Instituto Psicologia em Foco

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As verdades assustadoras na cção da Baleia Azul

(http://www.grupopsicologiaemfoco.com.br/wordpress/wp-content/uploads/2017/09/DSC02582.jpg)Amanda Mont’Alvão
Veloso

Psicanalista em formação pelo Centro de Estudos Psicanalíticos-SP e especialista em Semiótica Psicanalítica pela
PUC/SP. Repórter de saúde mental nos portais Hu Post Brasil e BBC Brasil

(http://www.grupopsicologiaemfoco.com.br/wordpress/wp-
content/uploads/2017/09/imagem-Baleia-Azul-1.jpg)Parece improvável, mas um elefante
na sala, mesmo em suas dimensões generosas e destacadamente notáveis, pode se
tornar invisível. Basta não falarmos sobre ele. “Que elefante?”

Freud e depois Lacan nos mostraram que a palavra dá existência, instaura contornos,
delimita lugares e expõe o que cou fora. Como seres da linguagem que somos, por
milênios temos feito da palavra um traço primordial para nossos laços sociais.

A despeito de tantos avanços tecnológicos que permitem novos nós e criativas


amarrações nas relações, escolhemos sonegar a palavra sobre o suicídio. Porém, como
qualquer conteúdo censurado, ele irrompe sem aviso prévio, perturbando qualquer
premissa (idealizada) de controle e de tranquilidade.

Haveria tanta perplexidade e horror diante do desa o da Baleia Azul se o suicídio não
fosse o mais marginal dos assuntos em nossa sociedade? Se o sofrimento encontrasse
canais de vazão e de reconhecimento como parte da vida de cada um, em vez de ser
combatido como um agente ameaçador à nossa felicidade e ao nosso bem-estar?

Em abril, publicações na imprensa e postagens em redes sociais trouxeram a


preocupação e o medo de um desa o macabro realizado via internet, conhecido aqui
como Baleia Azul, e no mundo como Blue Whale Challenge. No jogo, uma série de 50
“tarefas” estaria sendo ordenada nas redes sociais por um “curador” que, protegido por
um per l falso, exige que adolescentes cumpram cada etapa e enviem comprovações
por meio de fotos ou vídeos. Um dos desa os é se automutilar, enquanto o último é o
suicídio. Participantes que tentassem desistir tinham suas famílias ameaçadas. As
primeiras mortes derivadas do jogo teriam ocorrido na Rússia.

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11/09/2017 As verdades assustadoras na ficção da Baleia Azul – Instituto Psicologia em Foco

Sites especializados na veri cação de notícias falsas e lendas urbanas, como o norte-americano Snopes e o brasileiro Boatos.org,
demonstraram que os relatos russos sobre a existência do desa o da Baleia Azul são inconsistentes e não há suicídios comprovadamente
relacionados ao jogo. Curadores deixavam de fazer contato com participantes e algumas das fotos de automutilação que circulavam na
internet eram falsas. Em reportagem do G1, o presidente da Safernet, Thiago Tavares, explicou que o desa o surgiu como uma fake news
divulgada na Rússia e que se espalhou a partir de 2015.

O ccional, porém, parece ter invadido a realidade. Há investigações recentes de mortes autoin igidas e tentativas de suicídio com o per l
do desa o da Baleia Azul nos estados do Paraná, Goiás, Minas Gerais, Pernambuco e Rio de Janeiro. A Polícia Federal foi acionada pelo
Ministério da Justiça para investigar o jogo.

É inevitável pensarmos na verdade articulada em uma estrutura de cção, tal qual Lacan observara. A pós-verdade” (post-truth) foi eleita a
palavra do ano em 2016 pela Universidade de Oxford, con rmando, na linguagem, que fatos objetivos têm menos in uência em moldar a
opinião pública do que apelos à emoção e a crenças pessoais. Um evento bastante simbólico da vigência da pós-verdade é a eleição de
Donald Trump à presidência dos EUA ancorada em notícias falsas sobre os opositores. De maneira semelhante, aqui no Brasil observamos
a política sendo tratada como um território de disputa de afetos, sem a consideração de fatos ou argumentos.

O medo como suporte para a existência de algo não é fruto da modernização de nossas relações por meio das redes sociais. É uma emoção
primitiva que compõe o imaginário dos seres humanos.   A tecnologia em si não enseja acontecimentos e mudanças: ela precisa da
interação humana para lhe dar sentido. A excelente série britânica Black Mirror demonstra, de formas variadas, o horror de nossas
potencialidades externadas pelos aparatos tecnológicos; a matriz de todos os pesadelos apresentados continua sendo nossos afetos.

Em 1938, antes que a TV exibisse cores, a população da costa leste dos EUA entrou em pânico quando Orson Welles, em um programa de
rádio, noticiou uma suposta invasão de marcianos. Era véspera de Halloween (Dia das Bruxas). Milhares tentaram fugir, com aglomerações
nas ruas e congestionamentos, além de sobrecarregarem as linhas telefônicas. A narração da invasão, feita em forma de programa
jornalístico, como Welles habitualmente apresentava, nada mais era do que uma dramatização do livro de cção cientí ca A Guerra dos
Mundos, do escritor inglês Herbert George Wells.

O medo se desdobra em inúmeros signi cantes, particulares à bagagem psíquica de cada pessoa. O medo de morrer pode estar falando de
um medo de morrer sozinha, como nos lembra Winnicott, sendo a solidão, e não a morte, a questão central. Se o desa o da Baleia Azul não
existia, se materializou a partir dos medos que o compõem. Enquanto o foco incide no pavor do suicídio e da morte em uma cultura que
evita falar de ambos, “sofrimento” e “desejo de morrer” permanecem como signi cantes não escutados por nossa sociedade.

A experiência psicanalítica nos mostra que não importa se o conteúdo manifestado foi vivido na realidade ou na fantasia: ele afetou o
sujeito. Centralizar os questionamentos na existência ou não do desa o da Baleia Azul não comporta seus possíveis efeitos e nos mantém
distantes de perguntas cruciais sobre este assunto, como o que leva um adolescente a se submeter a um jogo como este e a tratá-lo como
lei?

Se mito ou não, a Baleia Azul atrai interesse justamente onde estamos falhando, como sociedade, em escutar. A dor indizível de
adolescentes vulneráveis psiquicamente ou o erte curioso e desa ador com a morte como maneira de se descolar do mundo infantil. O
fato é que não há “curadores” sem participantes que se submetam a esta relação de voyeurismo e inferioridade, de alguém que é
demandado e segue, passivamente, regras indicadas por um terceiro, com o agravante de não serem assimiladas como perigos.

Hoje a Baleia Azul ganha visibilidade, mas são muitos os pontos de encontro obscuros que funcionam para a instigação do suicídio. Há pelo
menos dez anos, as redes sociais, e também a dark net, que corresponde a uma parte da deep web, oferecem diversos canais de incentivo à
morte autoin igida. Em 2006, Vinícius Gageiro Marques, o “Yoñlu”, de Porto Alegre (RS), se matou aos 16 anos depois de ter sido estimulado
ao suicídio e auxiliado por pessoas anônimas na internet.

Estes locais virtuais, cujo funcionamento é assegurado pelo obsceno e pelo proibido, demonstram a fragilidade do controle que os adultos
pensam ter sobre a vida dos lhos. “O jovem vai se experimentando em situações de risco em um espaço que ele poderia estar em tese
mais preservado. Mas ele está mais exposto em um outro sentido”, alerta o psicanalista Tiago Corbisier Matheus em reportagem do
Hu Post Brasil. Estar em casa não garante a segurança dos jovens, mas privar um adolescente do acesso à internet tampouco previne ou
certi ca uma vida longe do perigo. A urgência é outra e diz respeito às causas da fragilização dos adolescentes.

Voltemos, então, ao elefante na sala que alimenta a existência da Baleia Azul. A cada dia, pelo menos 32 brasileiros se matam, segundo a
OMS (Organização Mundial de Saúde). O número de suicídios entre adolescentes e jovens no País aumentou 15,3% entre 2002 e 2012, de
acordo com a mais recente edição do Mapa da Violência
(http://www.mapadaviolencia.org.br/pdf2014/Mapa2014_JovensBrasil_Preliminar.pdf), de 2014. É a terceira maior causa de mortes nessa
faixa etária, perdendo apenas para homicídios e acidentes de trânsito.

No mundo, tirar a própria vida é a segunda principal causa da morte para pessoas de 15 a 29 anos e já mata mais que o HIV. A cada 40
segundos, uma pessoa se mata. Para cada caso fatal há pelo menos outras 20 tentativas fracassadas.

Essas estatísticas dão um panorama do suicídio de jovens no Brasil, mas é preciso considerar que as noti cações o ciais não dão conta de
todas as perdas vividas pelas famílias, pois muitas têm vergonha de identi car a morte da pessoa amada como suicídio. Junte a isso o
silêncio típico do tabu imposto ao tema.

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11/09/2017 As verdades assustadoras na ficção da Baleia Azul – Instituto Psicologia em Foco

Nossa compreensão sobre o fato, portanto, segue limitada, mas não signi ca que a situação deva continuar sem uma intervenção, que se
faz cada dia mais urgente. De acordo com a OMS, 9 entre 10 casos de suicídio poderiam ser evitados por estarem relacionados com algum
transtorno mental. Sabemos que um diagnóstico não dá a dimensão das várias vivências possíveis do sofrimento psíquico, o que nos
remete à importância fundamental dos signi cantes utilizados por cada paciente. Só ele é capaz de saber de si e apontar onde dói. Na
transferência com o analista se faz a possibilidade de converter a dor em palavras.

Ao anunciar o desejo de morrer ou de se matar, abre-se uma porta para o entendimento da renúncia em viver, dos apegos e desapegos na
vida e dos efeitos do desamparo. O que se diz no silêncio e no choro? O que se revela na repetição? O que se escuta no comportamento
introspectivo de um adolescente, na agressividade ou irritabilidade demonstradas e na dedicação irrestrita à internet?

Para que haja a prevenção do suicídio, é necessário, porém, que o assunto seja discutido amplamente, com toda a sua complexidade. Não
deveria parecer surpresa que 13 Reasons Why, uma série de cção, tenha se tornado extremamente popular entre adolescentes e adultos
que não podiam externar seus pensamentos “proibidos” de morte. É preciso ponderar também que a ideação suicida esteve presente em
toda a história da humanidade. Pensamentos suicidas não são tão raros quanto se pensa e podem ocorrer a qualquer pessoa,
especialmente em momentos de desespero profundo, nos quais não se enxerga a saída.

Contudo, em um contexto de recusa do sofrimento como regra geral da cultura do Ocidente, há de se pensar se o suicídio não passa a ser a
única ponte imaginada entre a dor insuportável e o alívio dela. Em se tratando de adolescentes, há pouco ou nenhum estímulo a
reconhecer suas formas de sofrer, muitas vezes expressadas pela automutilação. Entre dores não ouvidas ou abafadas por não saberem
como expressá-las, jovens muitas vezes se veem con nados a uma vivência de emoções subestimadas. Não raro se ouve, “isso é coisa da
adolescência”, como se a transição do mundo infantil para o adulto fosse um episódio temporal.

Em 2006, a prevenção do suicídio se tornou uma política de saúde pública no Brasil por meio de uma lista de diretrizes a serem aplicadas
em todo o território nacional. Porém, a iniciativa não saiu do papel, destaca a coordenadora da Comissão de Estudo e Prevenção ao Suicídio
da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) Alexandrina Meleiro, em entrevista à Exame.com.

Na ausência das palavras e das ações de prevenção do suicídio, construções míticas como a Baleia Azul ganham corpo e sentido; porém, se
inscrevem com a violência de algo que não passa por elaboração. Mais do que alarmar, é preciso escutar o que não tem sido dito.

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