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INSTITUTO MINEIRO DE PSICODRAMA

JACOB LEVY MORENO – IMPSI

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICODRAMA

Profª. Maria das Graças de Carvalho Campos (Graça Campos)


(Psicóloga – Psicodramatista)

APOSTILA.

Belo Horizonte
2013
Dedico este trabalho aos discentes do Curso de Pós-
Graduação em Psicodrama do Instituto Mineiro de Psicodrama
Jacob Levy Moreno (IMPSI).
Que todos possam desfrutar ao máximo destes escritos
sobre a vida, a história e a obra de Jacob Levy Moreno, o “Pai
do Psicodrama”.
Existem palavras sábias, mas a sabedoria não é
suficiente, falta ação (Jacob Levy Moreno).
SUMÁRIO

1 PROGRAMA DA DISCIPLINA............................................................................................. 6
1.1 Ementa .................................................................................................................................. 6
1.2 Carga horária total ................................................................................................................ 6
1.3 Objetivos............................................................................................................................... 6
1.4 Conteúdo programático ........................................................................................................ 6
1.5 Metodologia .......................................................................................................................... 6
1.6 Critérios de avaliação ........................................................................................................... 6
1.7/1.7.1 Bibliografia Recomendada ....................................................................................... 7/8
2 TEXTOS PARA ESTUDO ................................................................................................... 10
2.1 Jacob Levy Moreno: nascimento, desenvolvimento, criações e obras ............................... 10
2.2 Breve histórico do Psicodrama no Brasil ........................................................................... 13
2.3 A História da Associação Internacional de Psicoterapia de Grupo: Moreno e a IAGP ..... 14
3 TEMPO PARA O TEMPO DE MORENO ........................................................................... 20
4 BERÇO DO PSICODRAMA ................................................................................................ 69
5 METODOLOGIA PSICODRAMÁTICA ............................................................................. 73
5.1 Os Cinco Instrumentos ....................................................................................................... 73
5.2 Os três contextos................................................................................................................. 74
5.3 As quatro etapas ................................................................................................................. 74
6 O SISTEMA SOCIOMÉTRICO ........................................................................................... 76
6.1 Conceito de Socionomia ..................................................................................................... 76
6.2 Divisão da Socionomia ....................................................................................................... 76
6.3 Tricotomia Social – o Universo Social e suas três dimensões ........................................... 77
6.4 Objetivo do Psicodrama...................................................................................................... 78
6.5 Objetivo do Sociodrama ..................................................................................................... 78
7 PSICODRAMA: FOCO SÓCIO EDUCACIONAL, ORGANIZACIONAL E
PSICOTERAPÊUTICO ........................................................................................................... 79
8 O SUJEITO MORENIANO E A SUA DINÂMICA VINCULAR: TEORIA DO
DESENVOLVIMENTO........................................................................................................... 81
8.1 Matriz de Identidade ........................................................................................................... 81
8.2 Teoria do Papel ................................................................................................................... 87
8.3 Cachos de Papéis – Cluster ................................................................................................ 88
8.3.1 Primeiro Cluster .............................................................................................................. 88
8.3.2 Segundo Cluster .............................................................................................................. 88
8.3.3 Terceiro Cluster ............................................................................................................... 89
8.4 Átomo Social ..................................................................................................................... 90
8.5 Tele ..................................................................................................................................... 93
9 TÉCNICAS BÁSICAS DO PSICODRAMA ........................................................................ 94
9.1 Teoria da Ação.................................................................................................................... 96
9.1.1 Catarse de integração-Ab-reação ..................................................................................... 96
9.1.2 Espontaneidade – Criatividade – Conserva ..................................................................... 98
10 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS ................................................................. 104
11 UMA HISTÓRIA PSICODRAMÁTICA 106
12 AXIOLOGIA ..................................................................................................................... 107
12.1 Axiologia: os valores ...................................................................................................... 107
13 REFERÊNCIAS ................................................................................................................ 109
14 OUTRAS REFERÊNCIAS ............................................................................................... 110
15 RESUMO DO CURRÍCULO DA AUTORA DESTE TRABALHO ............................... 110
LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Fotografia de J. L. Moreno..................................................................................... 8

Figura 2 – Sepultura de J. L. Moreno...................................................................................... 20

Figura 3 – Desenho mostrando Viena em seus primórdios...................................................... 22

Figura 4 – Vista panorâmica da atual Viena............................................................................ 23

Figura 5 – Foto do Quadro O Beijo, de Gustav Klimt............................................................ 25

Figura 6 – Foto do Edifício de Olbrich – Viena...................................................................... 27

Figura 7 – Fotos de cenas da I Grande Guerra.......................................................................29

Figura 8 – Foto da casa alugada por Moreno em 1919, atual ‘Morenos Museum’..................48

Figura 9 – Fotografia de Mariane Lörnitzo.............................................................................50

Figura 10 – Fotografia de J. L. Moreno, sua esposa, Florence Bridge e Regina Moreno, filha
do casal..................................................................................................................................... 58

Figura 11 – Fotografias de Zerka Toeman Moreno e Jonathan Moreno.................................. 60

Figura 12 – Fotografias do Teatro (original) Bughton Place (USA) e de cenas diversas


alusivas à vida de Moreno e às suas atividades ligadas ao Psicodrama................................... 60

Figura 13 – Cenas de destruição (Segunda Grande Guerra).................................................... 65

Figura 14 – Fotos: Memorial da Paz em Hiroshima e Marco Zero em Nagazaki, ambos no


Japão......................................................................................................................................... 66

Figura 15 – Fotos: à esquerda, cenas da construção do Muro de Berlim e à direita, a sua


queda, em 1989.........................................................................................................................66

Figura 16 – Desenho esquemático: o palco do Psicodrama..................................................... 71

Figura 17 – Organograma da Socionomia................................................................................ 76

6
1 PROGRAMA DA DISCIPLINA

1.1 Ementa

a) apresentação do Projeto Socionômico de Jacob Levy Moreno e sua visão de Homem;


História do Psicodrama e suas bases filosóficas e teológicas; Método de Investigação;
b) estudo dos conceitos fundantes do Psicodrama na obra de Jacob Levy Moreno; visão
de outros autores e suas contribuições frente a estes conceitos;
c) estudo dos conceitos Sociométricos fundamentais da Socionomia.

1.2 Carga Horária Total

60 horas/aula.

1.3 Objetivos

a) apresentar o Projeto Socionômico de Jacob Levy Moreno e sua visão de Homem;


b) conhecer a História do Psicodrama e suas bases filosóficas e teológicas;
c) aprender o Método de Investigação do Psicodrama.

1.4 Conteúdo Programático

- Espontaneidade
- Criatividade
Estudo dos conceitos fundantes do
- Conserva Cultural
Psicodrama na obra de Jacob Levy
- Matriz de Identidade
Moreno; visão de outros autores e suas
- Teoria de Papéis
contribuições frente a estes conceitos
- Tele
- Transferência
- Átomo Social
Estudo dos conceitos Sociométricos - Rede
fundamentais da Socionomia - Vínculos
-Teste Sociométrico

1.5 Metodologia

Seminários Teórico-Práticos, abordando os aspectos teóricos e práticos fundamentais.

1.6 Critérios de Avaliação

O sistema de avaliação da disciplina levará em conta além da frequência (mínimo de


75% de presença), a participação nas aulas, as tarefas realizadas ao longo da disciplina e a
produção de 1 (um) Portfólio ao final de cada modulo, A média de aprovação será de no
mínimo 70% (setenta por cento) de aproveitamento.
6
.
1.7 Bibliografia Recomendada.

ANETE, Roese. Apostila As Palavras do Pai Moreno. Belo Horizonte: do autor. 2013.

ALTOÉ, Adailton. Apostila Referências da Socionomia de Jacob Levy Moreno.


Belo Horizonte: do autor, 2007.

EVANDERSON, Rodrigo Mendes. Apostila Expressão Corporal. Belo Horizonte: do autor.


2011.

MARINEAU, René F. Jacob Levy Moreno - 1889/1974: pai do psicodrama, da


sociometria e da psicoterapia de grupo. São Paulo: Ágora, 1992.

MORENO, Jacob Levy, Psicoterapia de grupo e psicodrama. São Paulo: Mestre Jou, 1974.

MORENO, Jacob Levy. Psicodrama. São Paulo: Cultrix, 1975.

MORENO, Jacob Levy, 1892-1974. Fundamentos do Psicodrama. São Paulo: Summus,


1983.

MORENO, Jacob Levy, 1892-1974, O teatro da espontaneidade. São Paulo: Summus,


1984.

MORENO, Jacob Levy. As palavras do Pai. Campinas: Editorial Psy, 1992.

MORENO, Jacob Levy, 1889-1947 Quem sobreviverá? Fundamentos da Sociometria,


Psicoterapia de Grupo e Sociodrama. Goiânia: Dimensão, 1994.

NUDEL, Benjamin Waintrob. Moreno e o Hassidismo. São Paulo: Ágora, 1994.

SCHUTZENBERGER, Anne- A. O Teatro da Vida Psicodrama. São Paulo: Livraria Duas


Cidades, 1970.

SCHUTZENBERGER, Anne- A.; WEIL, Pierre. Psicodrama Triádico. Belo Horizonte:


Interlivros, 1977

WEIL, Pierre, Psicodrama. São Paulo: Cepa, 1977.

7
1.7.1 Leitura obrigatória para o curso de Pós Graduação em Psicodrama- Modulo
Básico

Leitura para a 2ª aula:

• MARINEAU, René F. Jacob Levy Moreno 1889-1974. Pai do Psicodrama,da


Sociometria e da Psicoterapia de Grupo. São Paulo: Ágora. 1992.

Livro que fundamentará todo o curso:

• MORENO, J. L. Psicodrama. 9 ed. São Paulo: Cultrix, 2003.

Leituras para o decorrer do 1º módulo:

• CUKIER, Rosa. Psicodrama Bipessoal: Sua técnica, seu terapeuta e seu paciente. ed.
São Paulo: Ágora. 1992.

• CUKIER, Rosa. Sobrevivência emocional: As dores da infância revividas no drama


adulto. 3 ed. São Paulo: Ágora. 1998.

• FONSECA FILHO, José de Souza. Psicoterapia da Relação: elementos de psicodrama


contemporâneo. São Paulo: Ágora, 2000.

• FONSECA FILHO, José de Souza. Psicodrama da Loucura: correlações entre Buber e


Moreno.São Paulo: Ágora, 1980.

• Moreno, T. Zerka. Realidade Suplementar e a Arte de Curar. São Paulo: Grupo


Editorial Summus: 2001. Tradução de Eliana Araujo Nogueira do Vale.

Apostilas:- Graça- Evanderson- Adailton- Anete- Página 7

Onde encontrar os livros:


Livraria do psicólogo: www.livrariadopsicologo.com.br
Sebo: www.estantevirtual.com.br
_________________________________________________________________________
IMPSI – Instituto Mineiro de Psicodrama Jacob Levy Moreno: Rua Rio Grande do Norte,
nº 1289 – Sl. 501. Tel: 3287-5388. www.impsi.com.br

8
Figura 1 – Fotografia de J. L. Moreno.

9
2 TEXTOS PARA ESTUDO

2.1 Jacob Levy Moreno: nascimento, desenvolvimento, criações e obras

Nascimento de Jacob Levy Moreno em 18 de Maio de 1889. Mais tarde Ele irá criar a lenda sobre
1889
o seu nascimento.

Sofre de raquitismo. A cigana sugere o tratamento e faz profecias sobre o menino.


1890
Cinco irmãos*.

1891 Victoria*.

1892 William*.

1893 Charlotte*.

1894 Brincando de Deus – Quebra o Braço – Primeiro Berço do Psicodrama.

1895 A família de Moreno mudou-se de Bucareste rumo a Viena.

1898 Clara- afetuosamente chamada de Lalá*.

1899 Norbert conhecido como Buby*.

“Garoto Distinto”, excelente aluno. Por sugestão do pai escolhe ser Médico. Viagem com o pai
1900 para Istambul. Conhece o harém de um tio avô. Fica noivo de uma “criança” de nove meses de
idade. Pergunta ao pai o que deveria dar como presente ao nenê. A “noiva” recebeu um pedaço de
a
bolo, um vestido... Promessa não cumprida. OBS: Em 1923 foi abolido o casamento entre crianças
1904 no harém. Viagem ao “redor do mundo” com o tio Jancu – Viajaram de trem e navio. Conhece Pia
– Primeira Musa.
- A família muda de Berlim para Chemnitz, em seguida ele retorna a Viena (dissolução da
família),
- Professor de aulas particulares – Elizabeth Bergner – Sucesso,
- Nasce o “Profeta” O Homem da Capa Verde,
- Jardins de Viena – Jogos com as Crianças,
- Entra na Faculdade de Filosofia e conhece seu amigo Chaim Kellmer. Eles e mais três amigos
fundam a Casa do Encontro. Para imigrantes e refugiados. Gênese da Psicoterapia de Grupo in
situ. Publica o Convite ao Encontro. (1914),
- Freqüenta Júris e faz representação dos mesmos,
- Ingressa na faculdade de Medicina,
1904 - Teatro para Crianças de Viena. Os feitos de Zaratustra. Trabalho com Prostitutas: Um
criminoso, após ter cumprido sua pena é, novamente um Homem livre. Estas mulheres, porém,
a
seriam eternamente perdidas, não tinham direitos... Cria uma Equipe multidisciplinar: Dr.
1917 Wilhelm Gruen, venerologista e Carl Colbert editor do Jornal - Der Morgen de Viena,
- Tem como meta indivíduos mais livre, questiona valores e age em prol da sua crença – Nota - se
que os primeiros trabalhos são de Axiodrama,
- Aprovado no 1º exame de medicina,
- Encontro com Freud sobre a Psicanálise,
- Início da Primeira Guerra Mundial incorpora às entidades de ajuda aos Refugiados da Guerra
do Tirol e da Hungria,
- Teatro do Conflito – Axiodrama,
- 2º Exame de Medicina,
- 3º exame. Obtém o título de médico em cinco de fevereiro de 1917.

1918 1ª Edição do jornal Daimon Magazine.

10
Transferiu-se para Bad Vöslau, onde assumiu o posto na condição de administrador de saúde
pública. Prestou serviços às pessoas da cidade sem cobrar pelas consultas, onde criou fama de
1919
fazer milagres e título de O médico Maravilhoso. Teatro Recíproco. Conhece Marianne Lörnitzo
– Segunda Musa.

1920 Publica anonimamente – O Testamento do Pai - As Palavras do Pai.

Funda o Teatro Vienense da Espontaneidade. A primeira sessão psicodramática oficial se deu no


1921 Komödien Haus de Viena. No dia 1° de Abril – Data Oficial da Criação do Psicodrama.
Fundou o Stegreiftheater Teatro da Espontaneidade.

Nasce o Teatro Terapêutico a partir do Teatro da Espontaneidade com o caso Bárbara e George.
1923
Publica e assume a autoria - O Testamento do Pai - As Palavras do Pai.

1924 Publica o livro: Das Stegreiftheater – Teatro da Espontaneidade.

Teatro Espontâneo entra em declínio, os atores optaram pelo Teatro Clássico- Valorização da
Estética do Perfeito. Escolhe o Teatro Terapêutico – Onde não há exigência da Estética
1925 Perfeita. Caso Bárbara e George. Suicídio de dois pacientes George e Robert. Após separação dos
seus casamentos. Cria o Radio Film- em colaboração com Frans Lörnitzo- irmão de Mariane.
Moreno emigra para os EUA. Deixa Marianne em Bad Vöslau. Morre seu Pai.

Inicia seu trabalho no Hospital Infantil Monte Sinai- Sob a proteção do Dr. Bela Schick. Aprovado
1927
no segundo exame de medicina nos EUA.

1928 Moreno faz sua primeira experiência psicodramática nos EUA.

Beatrice Beecher – Especialista em Família e em relacionamento social de Criança – o propõe em


casamento. Obtém a cidadania americana. ”Fui Salvo por essa Santa Mulher”. Beatrice introduziu
1929
o Psicodrama às crianças de Plymonouth. Foram íntimos, amigos e não amantes até sua morte em
1930. Moreno faz Psicodramas Públicos no Carnegie Hall. 1ª Esposa.

1930 O Psicodrama é introduzido no Brasil, com uso de técnicas parciais, por Helena Antipoff, em
Belo Horizonte. Moreno rompe definitivamente com Marianne Lörnitzo.

Moreno trabalha com o Teatro de Repertório Cívico de Nova York. Inaugura o Teatro do
1931 Improviso. Dirige a Revista Impromptu. Expõe suas idéias sobre Psicoterapia de Grupo na
American Psychiatric Association.

Moreno apresenta suas idéias na Filadélfia. Lança as bases da Sociometria a partir de estudos
1932 feitos com jovens delinqüentes da comunidade de Hudson e na Prisão de Sing Sing. Aplicação
prática da Sociometria.

1933 Prediz lutas de boxe.

Divórcio com Beatrice. Edita o Livro. Who Shall Survive? Com a força propulsora de Helen
Jennings. Considerada por ele como uma grande Cientista Social. Helen o apresenta ao seu mentor
1934 e supervisor da sua tese de Doutorado- Gardner Murphy, que leva Moreno a relacionar com
pessoas expressivas e a ter conexões com Psicólogos Sociais, Sociólogos, Grupos de Artistas e
Intelectuais.

Conheceu Florence Bridge na Universidade da Columbia Florence foi de suma importância para
1935
seus estudos sobre a Teoria da Espontaneidade e do Desenvolvimento Infantil. (Pedagoga)

Moreno constrói em Beacon, Nova York, um Sanatório com o Primeiro Teatro Psicodrama.
1936 Onde funcionou até 1982 o Centro de formação de profissionais em psicodrama. Conduzia sessões
semanais de Psicodrama Público.

11
Moreno funda a Revista Sociometry. Liga-se a Universidade de Columbia e Nova York.
1937
Desenvolvimento das Relações Interpessoais.

1938 Moreno casa com Florence. (2ª Esposa).

1939 Nasce a filha do casal - Regina Moreno.

Moreno conhece Zerka Toeman, que foi em seu consultório tratar de sua irmã.
1941
Mais tarde Zerka começa a trabalhar em Beacon como Ego – Auxiliar.

Cria o The American Society of Group Psychotherapy and Psychodrama. E o Moreno Institute.
Seu irmão William era “seu arrimo incondicional” sempre estiveram juntos “sabiam como usar a
1942 força um do outro para minimizar a própria fraqueza”. Estiveram juntos esses anos todos. William
havia chegado antes aos Estados Unidos. Ajudou Moreno a fundar o Instituto de Sociometria em
a
Nova York- contribuindo com tempo e dinheiro. Ele era hábil financeiramente. Livro
1946 Psicodrama, Volume l foi dedicado ao seu irmão. Psicodrama com Crianças chega à França,
através do Centro Claude Bernard, a cargo de Jean Delay, Fouquet e Mireile Monod, que tem
como colaborador André Berge, Henri Buchene, Françoise Dolto e Serge Lebovinci

1948 Moreno se separa de Florence.

Moreno casa-se com Zerka Toeman- Terceira Musa e 3° Esposa- A única Musa com quem se
casou. Teatro de Psicodrama no Laboratório de Harvard. Apresentado por Dr. Murray: Há dois
tipos de cientistas, os poetas e os não-poetas e aqui há dois poetas.
O Sociólogo Guerreiro Ramos entra em contato com Moreno. Dirige no Rio de Janeiro - O
Primeiro Seminário de Psicodrama.
1949 Em 1950, na França, o Psicodrama se bifurca, dando origem ao Psicodrama Triádico e ao
a Psicodrama Analítico. Anne Ancelin Schuztemberg (Psicodrama Triádico – Moreno Kurt Lewin e
Freud) e Didier Anzieu (Psicodrama Analítico). O Diretor trabalha com um Ego auxiliar atuando
1950 como “casal parental”, analisam a transferência as eventuais resistências e a dinâmica do grupo. O
Psicodrama acontece na maneira de processar a prática psicoterapêutica, as histórias são
encenadas, seguindo as etapas e as técnicas psicodramáticas. Etapas: Aquecimento, Dramatização
e Compartilhamento. Técnicas: Duplo Espelho e Inversão de Papéis.
Ambos se tornam representantes do Psicodrama em Paris. Considerando a representação
dramática como uma estrutura, fazendo-a intervir no campo do Imaginário. Não adotam o modelo
teórico proposto por Jacob Levy Moreno, apenas o seu setting Terapêutico
1951
Cria a sessão de Psicoterapia de Grupo na American Psychiatric Association.
a
Nasce Jonathan – filho de Zerka e Moreno.
1952
Pierre Weil inicia suas primeiras experiências com o Psicodrama – Treinamento no SENAC – Rio
1955 de Janeiro. Formou em Psicodrama na França, com Anne-Ancelin Schutzenberg - formada no
Instituto de Nova York por MORENO.

1958 Zerka teve que amputar o braço direito inteiro, em conseqüência de um tumor maligno no ombro.

1959 Livros: Psicoterapia de grupo e Psicodrama; Fundamentos do Psicodrama.


1963
Dr. Flavio d’ Andrea Fortes publica o primeiro artigo de Psicodrama na Revista Paulista de
a
Medicina e Pierre Weil radicou-se em Belo Horizonte.
1962

Realizou-se em Paris o I Congresso Internacional de Psicodrama e Sociodrama, reunindo pela


1964
primeira vez psicodramatistas de todo o mundo sob a liderança de Moreno.

1965 Os Drs. Soeiro, Azevedo M. Rosário iniciam o psicodrama na clínica psiquiatra em São Paulo.

12
Pierre Weil e Anne Ancelin-Schützenberger realizam seminários de Psicodrama Triádico na
1966 Fazenda do Rosário – Minas Gerais. Abrindo um Núcleo de formação em Psicodrama.
II Congresso Internacional de Psicodrama e Sociodrama na cidade de Barcelona, na Espanha.

Pierre Weil publica o Primeiro Livro de Psicodrama em português com o Prefacio de


1967
Moreno.

Em Baden, próximo a Viena, realiza-se o III Congresso Internacional de Psicodrama e


1968 Sociodrama, com vários participantes latino-americanos.
Moreno obtém o título "laurea” Honoris Causa pela Universidade de Barcelona.

Em Buenos Aires o IV Congresso Internacional de Psicodrama e Sociodrama, ao qual


comparecem Zerka e Moreno.
1969
Moreno recebe o titulo de Honoris Causa pela Universidade de Medicina de Viena. Bad Vöslau o
homenageia com placa comemorativa.

No Museu de Arte de São Paulo – MASP – realizou-se o V Congresso Internacional de


1970
Psicodrama e Sociodrama ao qual Zerka e Moreno não compareceram.

Criação da Sociedade Brasileira de Psicoterapia, Dinâmica de Grupo e Psicodrama- Pierre Weil –


1971
BH.

1977 Criação da FEBRAP – Federação Brasileira de Psicodrama. São Paulo.

Consolida o IAGP – em Zurique. O Trabalho dos seus últimos 20 anos.


Em 14 de maio de 1974, Moreno falece aos oitenta e quatro anos de idade.
1974
Pierre Weil – Faz a apresentação do Livro: Psicoterapia de Grupo e Psicodrama: Moreno –
Da Mística a Terapia.

1984 Morre Mariane Lörnitzo.

1989 Criação do IMPSI- Instituto Mineiro de Psicodrama Jacob Levy Moreno.


2004 Realiza-se em Belo Horizonte o Primeiro Congresso Brasileiro de Psicodrama – FEBRAP.

2.2 Breve histórico do Psicodrama no Brasil1

 Século XVI: os escravos africanos trazem o Candomblé para o Brasil; certos rituais
têm muita semelhança com o psicodrama.
 1930 – na Escola de Aperfeiçoamento Pedagógico de Belo Horizonte as professoras –
alunas fazem com o teatro de bonecos o espelho de suas professoras, visando a
“reeducá-las”, sob orientação de Helena Antipoff.
 1949 – o Dr. Guerreiro Ramos conduz um seminário de Psicoterapia de Grupo,
Sociodrama e Psicodrama no Instituto nacional do Negro, no Rio de Janeiro, junto ao
Departamento de Pesquisas do Teatro Experimental do Negro; está ele em
comunicação com o Dr. Moreno (informação obtida diretamente do Dr. J. L.
Moreno, de Nova Iorque).
 1950 – a professora Heloísa Marinho, no Colégio Bennet, do rio, tenta ajudar suas
alunas a se livrarem de seus defeitos e manias através do teatro de fantoches.

______________
1
SHUTZENBERGER, Anne A. Psicodrama Triádico: Belo Horizonte: Interlivros, 1977, p. 157-158.

13
 A professora Ofélia Boisson Cardoso usa o teatro de bonecos para o tratamento de
distúrbios de comportamento infantil, no Rio de Janeiro.
 1953 – O Dr. Blay Neto realiza com pacientes do Hospital J. Franco da Rocha, em São
Paulo, peça teatral sobre a própria história dos pacientes, com resultados terapêuticos
bastante interessantes.
 1954 – a professora Maria Junqueira Schmidt introduz técnicas dramáticas no
movimento de escolas de Pais.
 1955 – o professor Pierre Weil realiza as suas primeiras experiências de psicodrama
aplicado ao treinamento, no Departamento Nacional do SENAC, no Rio de Janeiro.
 1960 – a Dra. Norma Jatobá inicia psicodrama na sua clínica em São Paulo.
 1963 – o Dr. Flávio d Andrea Fortes publica o primeiro artigo sobre psicodrama na
Revista Paulista de Medicina.
 1965 – os Drs. Azevedo, A. Soeiro e M. Rosário iniciam o psicodrama em Psiquiatria
na sua clínica particular em São Paulo, convidando mais tarde o Dr. Rojas
Bermudez, de Buenos Aires, para iniciar a sua formação; deste movimento partiu o
último Congresso Internacional de Psicodrama, realizado em São Paulo.
 O Dr. Luiz Cerqueira publica um trabalho em que assinala uma experiência de
psicodrama no Instituto de Psiquiatria da Universidade do Brasil, com os Drs.
Manoel Lopes Pontes e Solange Luz.
 1966 – a Dra. Ancelin-Schutzenberger e Pierre Weil realizam seminários de
Psicodrama Triádico na Fazenda do Rosário, em Belo Horizonte.
 1967 – Pierre Weil publica o primeiro livro sobre psicodrama em português, com
prefácio do Dr. J. L. Moreno.
 1970 – Primeiro Congresso Nacional e IV Internacional de psicodrama em São Paulo,
sob a presidência do Dr. A. Soeiro.
 1971 – criação da Sociedade Brasileira de Psicoterapia, Dinâmica de Grupo e
Psicodrama.
 1973 – criação da SÍNTESE (Sociedade de Integração Transpessoal, Energética,
Social e estrutural).
 1977 – criação da FEBRAP (Federação Brasileira de Psicodrama).
 Anne Ancelin-Schutzenberger introduz a videoterapia no Brasil, em seminário
realizado em Belo Horizonte, no Retiro das Pedras.

2.3 A História da Associação Internacional de Psicoterapia de Grupo: Moreno e a


IAGP2

José Fonseca

Quando fui eleito para o Conselho de Diretores da IAGP, em 1995, preocupei-me em


divulgar a associação no Brasil. Contatei os organizadores do subseqüente congresso
brasileiro de psicodrama e solicitei a possibilidade de falar sobre a IAGP. Eles gentilmente

______________
2
Texto traduzido do original em inglês (FONSECA, 1997) por Heloísa Cunha Bueno, revisado pelo autor.
Agradeço as providências de Içami Tiba para sua publicação. Dr. Jose Fonseca. Médico, doutor em Psiquiatria
pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), fundador do Daimon – Centro de Estudos
do Relacionamento. Psicodramatista Psicoterapeuta Didata Supervisor pela FEBRAP. Sendo um dos pioneiros
na sua organização. Entre vários artigos publicados, destacamos os livros: Psicodrama da Loucura – (Livro
originado da sua tese de Doutorado). Psicoterapia da Relação. Contemporary Psychodrama – New approaches
to theory and Technique (Nova York/Londres, Brunner-Routledge, 2004. Foi editor do International Fórum of
Group Psychotherapy.
14
providenciaram um lugar na grade do congresso. Conseguido o espaço, eu necessitava do
conteúdo. No entanto, eu sabia muito pouco sobre a história da IAGP. Na reunião do
Conselho, comuniquei ao secretário e ao presidente que havia encontrado um espaço
importante para promover a instituição no Brasil e que necessitava de dados a respeito de sua
história. Responderam que havia alguma informação em nosso folder.
Argumentei que precisava de mais dados. O presidente disse então que eu talvez fosse a
pessoa indicada para obtê-los e organizá-los. Aceitei a tarefa e dessa forma passei a integrar a
Comissão de História da IAGP (Archives Committee). Este texto é o resultado inicial desse
levantamento histórico.
Comecei a pesquisa lendo alguns textos sobre os primórdios da IAGP nas poucas fontes
disponíveis. Escrevi para algumas pessoas que, de alguma maneira, participaram da criação da
organização. A maioria não respondeu; outras só responderam após o texto ser publicado em
inglês, e algumas (ver Referências) deram depoimentos importantes.
Anne Ancelin Schützenberger3 comenta que “é uma pena que os arquivos da IAGP não
sejam transferidos de um presidente a outro”, o que dificulta a pesquisa de dados históricos.
De qualquer modo, os futuros pesquisadores terão à disposição, além dos arquivos de Moreno
na Universidade de Harvard, os arquivos pessoais e a biblioteca da própria Anne, que estão
sendo organizados por René Marineau, na Universidade Trois Rivières (Canadá).
Moreno criou em seu percurso profissional uma série de associações: a Sociedade de
Psicodrama e Psicoterapia de Grupo, em 1942, renomeada em 1951, Sociedade Americana de
Psicoterapia de Grupo e Psicodrama (American Society of Group Psychotherapy and
Psychodrama), que realiza no ano 2000 sua 58ª reunião anual; a Associação Sociométrica
Americana, em 1945; e, o que interessa particularmente neste artigo: o Comitê Internacional
de Psicoterapia de Grupo, em Paris, em 1951; o Conselho Internacional de Psicoterapia de
Grupo, em Milão, em 1963; e finalmente a incorporação internacional da IAGP, em Zurique,
em 1973.
Moreno intuía a necessidade de organizar o nascente movimento das psicoterapias
grupais. Em seus últimos anos de vida, ele reconheceu que mais importante que suas
contendas, primeiro com a psicanálise e depois com S. R. Slavson, a respeito do pioneirismo
na psicoterapia de grupo, seria utilizar sua liderança no sentido de criar uma organização em
que todas as tendências da psicoterapia grupal estivessem representadas.
O fim da Segunda Guerra Mundial propiciou a retomada dos encontros científicos
internacionais. O Primeiro Congresso Mundial de Psiquiatria aconteceu em Paris, em 1950.
Após este evento, os psicoterapeutas também se sentiram animados para organizar seu próprio
congresso. De fato, na mesma cidade, Paris, em abril de 1951, no Congresso Internacional de
Psicoterapia, Moreno fundou o Comitê Internacional de Psicoterapia de Grupo. Os objetivos
eram simples: (1) Definir padrões profissionais da psicoterapia de grupo e trabalhar na busca
de um consenso quanto à terminologia e procedimentos; (2) Preparar congressos
Internacionais; (3) Patrocinar um arquivo histórico da psicoterapia de grupo.
Além de Moreno, outros líderes do movimento da psicoterapia de grupo participaram
desse primeiro conselho diretor: Foulkes (Inglaterra), Bierer (Inglaterra), Favez- Boutonier
(França), Snowden (Inglaterra), Senft (Inglaterra), Delay (França), Heuyer (França), Lazelle
(Estados Unidos), Montassut (França), Porcher (França) e Pratt (Estados Unidos).
O Comitê Internacional de Psicoterapia de Grupo foi organizado em abril de 1951 por J.
L. Moreno, durante sua viagem a Paris e Londres [...] O objetivo era uma federação mundial
de sociedades interessadas em psicoterapia de grupo e assuntos afins. Graças aos esforços
combinados de: Dr. W. Hulse, Dr. W. Warner, Dr. J. L. Moreno e Dr. S. R. Slavson, o Comitê

______________
3
Correspondência Pessoal.

15
Internacional de Psicoterapia de Grupo adotou seu formato atual, representando 24 países
(1954, p. 91).
O resultado da formação desse Comitê foi o I Congresso Internacional de Psicoterapia
de Grupo em Toronto, Canadá, em agosto de 1954. Coincidentemente, foi também em
Toronto, 23 anos antes (1931), que J. L. Moreno “oficializou” a psicoterapia de grupo no
contexto psiquiátrico, em um encontro da Associação Americana de Psiquiatria. Nesse
congresso e em outro subsequente, realizado na Filadélfia, em maio de 1932, Moreno define
pela primeira vez os termos “terapia de grupo” e “psicoterapia de grupo”.
O Comitê Internacional se reuniu durante o II Congresso Internacional de Psicoterapia
de Grupo, em Zurique, em 1957, e chegou a importantes decisões: constituir uma junta
provisória visando a uma futura associação internacional; ampliar o número de associados
com a finalidade de tornar a futura associação mais representativa; organizar a eleição de uma
nova comissão executiva através de voto postal. A ela caberia redigir os estatutos da nova
organização.
Em Milão, em julho de 1963, durante o III Congresso Internacional de Psicoterapia de
Grupo (organizado por Enzo Spaltro), foi fundado o Conselho Internacional de Psicoterapia
de Grupo e, como Anne Ancelin Schützenberger4 observou, “analistas de grupo e
psicodramatistas estavam finalmente juntos”.
A posse dos novos dirigentes aconteceu durante o congresso: Moreno tornou-se
presidente, S. H. Foulkes (Inglaterra) e Serge Lebovici (França) vice-presidentes, Berthold
Stokvis (Holanda) secretário e A. Friedmann (Suíça) tesoureiro. No International Handbook
of Group Psychotherapy (Moreno, 1966, p. 727), consta da ata do Congresso de Milão (1963)
o seguinte relato:
Na reunião do conselho estiveram presentes mais de cem representantes. A discussão
girou principalmente em torno do estatuto proposto para a Associação Internacional de
Psicoterapia de Grupo. O Dr. J. L. Moreno abriu as discussões e assinalou que as decisões
finais somente poderão ser tomadas através de voto postal secreto dos associados. A discussão
trouxe valiosas sugestões relativas à redação dos estatutos da Associação Internacional.
O IV Congresso Internacional de Psicoterapia de Grupo, em Viena, em 1968, foi o
último congresso antes da incorporação internacional. O evento permitiu um animado debate
político a respeito da nascente associação e de seus futuros estatutos. De acordo com J. L.
Moreno, “a gama de opiniões foi ampla e muito construtiva” (1968, p. 89). Ele acrescentou,
enquanto presidente do Conselho Internacional, que a tarefa deveria ser completada e o
material divulgado. De fato, a incorporação final, cinco anos depois, foi o resultado de mais
de dez anos de muitos encontros e contínua correspondência. O processo completo de
fundação levou mais de vinte anos, de 1951 a 1973.
Finalmente, no V Congresso Internacional de Psicoterapia de Grupo, em Zurique, de 19
a 24 de agosto de 1973, o tão esperado evento ocorreu. O congresso foi organizado por R.
Battegay (que depois se tornou o segundo presidente da IAGP), A. Friedmann e A.
Uchtenhagen, e os anais receberam o título Group Therapy and Social Environment (A.
Uchtenhagen, R. Battegay, A. e Friedemann, 1975).
Na ocasião, Moreno estava com 84 anos e vinha apresentando pequenas hemorragias
cerebrais. Não era a melhor condição para uma pessoa idosa viajar, mas ele insistiu em ir a
Zurique. Seria sua última viagem internacional. Como diz Zerka Moreno5: “Sim, foi a última
viagem de J. L. ao exterior; ele morreu nove meses depois. Portanto, a bem dizer, a IAGP foi
seu último filho”. Algumas semanas antes da viagem, Moreno ligou para sua aluna, tradutora
e amiga, Grete Leutz, na Alemanha, e pediu-lhe, em um tom de voz forte e não afetado pela

______________
4
Correspondência Pessoal.
5
Idem.
16
doença, que arrumasse uma pessoa para ajudá-lo a movimentar-se pelo hotel enquanto Zerka
estivesse participando do congresso.
No dia da fundação havia um clima de antecipação no ar. Os arranjos políticos tinham
chegado a bom termo. Fora decidido que devesse haver um equilíbrio político entre analistas
de grupo e psicodramatistas. Os nomes para o primeiro comitê executivo foram discutidos.
Samuel Hadden (Estados Unidos) foi indicado pelos analistas de grupo para ser o primeiro
presidente. Moreno teria preferido Adolf Friedemann (Suíça), mas este declinou o convite
devido a problemas circulatórios. Moreno havia tido algumas dificuldades com Hadden no
passado. Ele era seguidor de S. R. Slavson, com quem Moreno travara uma polêmica acerca
do pioneirismo da psicoterapia de grupo.
Apesar disso, segundo Zerka Moreno, considerando que Sam Hadden era um dos
oponentes menos agressivos, e como um gesto conciliatório em relação àquela velha questão,
Moreno concordou e Hadden foi designado. Malcolm Pines6 (que depois se tornou o terceiro
presidente da IAGP), que estava lá como representante de S. H. Foulkes comenta que Sam
Hadden “foi uma boa escolha porque era consciencioso e honrado” e recorda que “ele
costumava levar um livro de bolso sobre procedimentos parlamentares, de modo que todas as
decisões tinham base legal”.
Adolf Friedemann (Suíça) tornou-se secretário-tesoureiro. Anne Ancelin
Schützenberger (França) passou a ser secretária internacional e, mais tarde, co-secretária
internacional junto com Raymond Battegay (Suíça). Anneliese Heigl-Evers (Alemanha) ficou
como vice-presidente. Os procedimentos para o registro da instituição, de acordo com as leis
suíças, foram preparados por Adolf Friedemann e Raymond Battegay.
A primeira reunião da incorporação internacional da IAGP ocorreu no Grande Hotel
Dolder Berg, em Zurique, no final de agosto de 1979. Grete Leutz7 descreve poeticamente:
Moreno, sentado à cabeceira de uma longa mesa, presidiu a sessão. Pelo menos doze
pessoas estavam sentadas ao seu lado. Olhando o sol da tarde, ele não falava muito, mas sorria
com benevolência. Estava muito presente e transparecia satisfação. À noite, absteve-se de
participar da segunda sessão. Jantou com o Dr. Raoul Schindler (Áustria), a esposa, a filha e
eu. O Dr. Schindler tinha desempenhado um papel importante na fundação da IAGP.
Inspirado pelos sotaques vienenses das senhoras austríacos, ele ficou muito animado e, de
modo espirituoso, contou histórias sobre seu tempo nos círculos literários de Viena... Pessoas
importantes da psicoterapia de grupo e do psicodrama mundial estavam presentes. Algumas
delas se tornaram representantes da IAGP nos anos seguintes, incluindo os quatro presidentes
subseqüentes, Raymond Battegay (Suíça), Malcolm Pines (Inglaterra), Jay Fidler (Estados
Unidos), Grete Leutz (Alemanha) e dois futuros vice-presidentes: Anne Ancelin
Schützenberger e Zerka Moreno. Acrescente-se também Heika Straub (Alemanha) e Joshua
Bierer (Inglaterra). Bierer, que estava sentado ao lado de Zerka Moreno, disse-lhe que ela
deveria ter sido indicada presidente. Zerka8 respondeu que teria sido um erro, porque “eles
obviamente queriam um homem e um psiquiatra na cabeça”. De fato, entre os dez presidentes
eleitos até agora (2000), só houve três mulheres (Grete Leutz, Fern Cramer Azima e Sabar
Rustomjee) e dois psicólogos (Fern Cramer Azima e Earl Hopper). Logo após a posse, o novo
presidente, Samuel B. Hadden publicou o seguinte comunicado: Formação da Associação
Internacional de Psicoterapia de Grupo. Durante o V Congresso Internacional de Psicoterapia
de Grupo, em Zurique, Agosto de 1973. Foi formada uma nova organização, a Associação
Internacional de Psicoterapia de Grupo. Os estatutos foram aprovados e eleitos interinamente
um Conselho de Diretores. Os estatutos viabilizam aos sócios individuais e às organizações
______________
6
Correspondência Pessoal.
7
Idem.
8
Idem..

17
nacionais participarem do planejamento de futuros congressos e colaborarem no
desenvolvimento das várias formas da psicoterapia de grupo. Devido ao interesse
demonstrado, convido-os a preencherem a inscrição e juntarem-se a nós (1974, p. 240). Como
vimos J. L. e Zerka Moreno desempenharam um papel ativo em todos os primeiros
congressos internacionais de psicoterapia de grupo e psicodrama até 1973 e, obviamente, na
fundação da IAGP. Algumas vezes chegaram a financiar os eventos, como aconteceu em
relação aos três primeiros congressos internacionais de psicoterapia de grupo (Toronto,
Zurique e Milão).
A publicação do The International Handbook of Group Psychotherapy, em 1966, co-
editado por Battegay e Friedmann, também saiu de seus bolsos. Como Grete Leutz8 assinala:
“Em todos esses eventos, Moreno foi o motor mais poderoso, o spiritus rector, e Zerka esteve
totalmente envolvida em todos esses passos”. Outros pioneiros também participaram do
financiamento dos primeiros congressos de psicoterapia de grupo e psicodrama. Anne Ancelin
Schützenberger, por exemplo, cobriu o prejuízo do Congresso de Psicodrama de 1968, que foi
deslocado de Praga para Baden-Baden, quando os soviéticos invadiram a Tchecoslováquia.
Alguns fatos coincidiram em agosto de 1973, em Zurique. Como se disse, foi a última viagem
internacional de Moreno e, provavelmente, sua última apresentação pública. Ao retornar a
Beacon (Estados Unidos), ele escreveu uma carta aberta que talvez tenha sido o seu último
texto publicado. Ele morreu poucos meses depois, em maio de 1974. Estava passando o
bastão, consciente da missão cumprida. Podemos interpretar suas últimas palavras como uma
despedida e um apelo à continuidade de seu trabalho junto à comunidade internacional de
trabalhadores grupais. Gostaria de terminar este esboço transcrevendo sua carta, pois ela é
atual e cheia de relevância histórica:

Associação Internacional de Psicoterapia de Grupo


(Registrada no Código Civil Suíço, art. 66 ff)

Caros amigos:

A Associação Internacional de Psicoterapia de Grupo, recentemente fundada, é um


dos principais objetivos que venho tentando atingir desde 1951. Agora que se tornou
realidade, espero que vocês deem total apoio a ela. Precisamos tanto de apoio moral como
financeiro, se quisermos manter um alto nível de atividade acadêmica e um contato
contínuo entre os colegas do mundo inteiro em congressos internacionais. A ficha de
inscrição para sócio, em anexo, é a sua chance de dar provas de seu interesse.
Essa é a realização que coroa o trabalho de minha vida.
Obrigado.
Atenciosamente,
Dr. J. L. Moreno - Presidente honorário (MORENO, 1973, p. 131).

18
REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Correspondência com Raymond Battegay, Juan Campos, Grete Leutz, Zerka Moreno, Malcolm Pines
e Anne Ancelin Schützenberger.

FONSECA, J. The beginnings of IAGP. In: historical approach. The International FORUM of
Group Psychotherapy. vol. 6, no 1, 1997.

Group Psychotherapy. vol. IV, April-August1951, nº 1-2, p. 126.

HADDEN, S. B. International Association of Group Psychotherapy. Group Psychotherapy and


Psychodrama, vol. XXVII, 1-4, 240, 1974.

MORENO, J. L. International Handbook of Group Psychotherapy. MORENO, J. L.; FRIEDEMANN,


A.; BATTEGAY, R.; MORENO, Z. Nova York, Philosophical Library, p. 727, 1966.

_____. Open letter to the members of the International Council of Group Psychotherapy. Group
Psychotherapy, vol. XXI, (2-3), June-September, p. 89, 1968.

_____. Open Letter from J. L. Moreno on Behalf of the International Association of Group
Psychotherapy. Group Psychotherapy and Psychodrama, vol. XXVI, (3-4), 131, 1973.

MORENO, Z. T. International Committee on Group Psychotherapy and the First International


Congress on Group. Psychotherapy Group Psychotherapy, 7, (1), p. 91, 1954.

UCHTENHAGEN, A.; BATTEGAY, R.; FRIEDEMANN. A. Group Therapy and Social


Environment. Proceedings of the 5th International Congress for Group Psychotherapy,
Bern/Stuttgart/Wien, Hans Huber Publishers,1975.

OUTRAS FONTES

CAMPOS, J. Interview with Zerka Moreno. The International FORUM of Group Psychotherapy,
vol. 7, n° 1, 1999.

MARINEAU, R. F. Jacob Levy Moreno 1889-1974. Father of Psychodrama, Sociometry and


Group Psychotherapy. Londres e Nova York: Tavistock/Routledge, 1989.

MORENO, Z. T. Evolution and Dynamics of the Group Psychotherapy Movement. In: The
International Handbook of Group Psychotherapy, Nova York, Philosophical Library, p. 27-125,
1966.

SCHÜTZENBERGER, A. A. Breve histórico do psicodrama na França. In: O Teatro da Vida-


Psicodrama. São Paulo: Livraria Duas Cidades, 1970, p. 217-223.

SCHÜTZENBERGER, A. A. Introducción al Psicodrama. Madri: Aguilar, 1970.

SCHÜTZENBERGER, A. A. Introdução à Dramatização. Belo Horizonte: Interlivros, 1978.

José Fonseca: Rua Havaí 78, 01259-000, São Paulo-SP. Tel.: (11) 3862 1169 Fax: (11) 262 0846. E-
mail: jfonseca@nw.com.br.

19
3 TEMPO PARA O TEMPO DE MORENO

Existem palavras sábias, mas a sabedoria não é suficiente,


falta ação. (J. L. Moreno)

- Para incrementar o estudo, seja de uma ideia, de um saber ou de um valor, torna-se


necessário a transmissão mínima de alguns componentes extras da cultura vigente da época.
Cada estação, cada era, nos mostra novos valores, descobertas que norteiam todo o contexto
de uma geração. O texto a seguir adota essa compreensão. Situar o tempo, a cultura do final
do Sec. XIX e início do Sec. XX em Viena, capital do Império Austro-Húngaro. Este texto é
um chamado sobre a ascendência histórica do tempo que o nosso protagonista passou sua
infância, adolescência e juventude.
- Vamos entrar no tempo do tempo do nosso protagonista: Seu nome? Jacob Levy
Moreno. Nasceu em 18 de Maio de 1889, de origem judaica serfadista9. Estudou filosofia,
matemática e se formou em medicina pela Universidade de Viena no dia 5 de Fevereiro de
1917. Cresceu em Viena numa época de grande criatividade intelectual e agitação política.
Desenvolveu trabalhos com crianças, prostitutas e criou junto com alguns amigos a Casa do
Encontro, destinada a acolher indivíduos sem pátria, desabrigados. Os serviços prestados no
local buscavam a inclusão social. Na mesma ocasião desenvolveu várias formas de teatro:
Improviso, Jornal Vivo, Teatro Recíproco, Teatro Espontâneo, Teatro Terapêutico. Durante a
primeira Guerra Mundial atuou como médico nos campos de refugiados. Em 1925, emigrou
para os EUA. Reconhecido pela Universidade de Harvard como um dos maiores Cientistas
Sociais do Mundo, obteve os títulos “láurea” Honoris Causa pela Universidade de Barcelona e
pela Universidade de Viena. Suas obras passaram a ganhar repercussão entre os anos de
1930/1973. Sua última realização foi à consolidação da Associação Internacional de
Psicoterapia de Grupo (IAGP), em Zurique, no dia 24 de Agosto de 1973, processo que durou
20 anos. O Pai da Psicoterapia de Grupo, Psicodrama e Sociodrama, faleceu no dia 14 de
Maio de 1974, nos EUA, aos 84 anos, pedindo para gravar na sua sepultura a seguinte frase:

Aqui jaz aquele que abriu as portas da psiquiatria à alegria...

Figura 2 – Sepultura de J. L. Moreno.

______________
9
Judeus Árabes. Originários da Península Ibérica, na região da Espanha, donos de uma linguagem própria
chamada “ladina” (do latim).
20
Em seu leito de morte, meu pai não estava como Moisés, sozinho na
montanha, mas sim como um pioneiro rodeado por seus mais devotados
companheiros. Ele não aguardou a morte, pois colocou o processo em
andamento ao recusar a comer. A morte de Moreno foi o que Nietzsche
chamou de uma “morte livre”, que chegou na hora certa e dessa forma
confirmou a vida que tanto amava. No leito de morte, ele voltou a falar
alemão; talvez estivesse se lembrando das crianças nos jardins de Viena que
lhe ensinaram o role playing (jogos de papéis), ou do pequeno profeta que
ele descobrira em Bucareste10 oitenta anos antes. Quando Moreno foi para
Deus, o fez como um velho amigo.11

- Ao se dar um passeio sobre a vida e o contexto vividos por Moreno, faz-se necessário
o máximo de cuidado. Ele próprio mostrou-se avesso quando foi convidado a falar do já então
falecido Abraham Lincoln. Episódio por ele relatado no capítulo introdutório do livro: Quem
Sobreviverá?, proferindo uma crítica severa, ao afirmar “[...] não ser justo psicanalisar alguém
sem o seu consentimento” (MORENO, 1992, p. 48-49).
- Não quero confusão e aborrecê-lo, afinal, sua presença entre nós acontece na forma de
energia e como a energia é sutil, ele não pode se defender. Podemos imaginar a sua ira, as
suas atitudes temperamentais. Creio que também não fica bem ir contra o dono da nossa
história. Já se passaram 121 anos do seu nascimento e 99 anos que ele realizou pela primeira
vez um teatro diferente: o Teatro para Crianças logo após aquela algazarra nos Jardins de
Augarten e muitas outras antes desta e depois desta. Não pretendo fazer comentários que
possam deixá-lo irritado. O convite é para um passeio na época em ele viveu. É para viver um
momento cultural com o tempo de Moreno. Sabe essas “coisas” de psicodramatista? Vamos
entrar nelas? Vamos nos aquecer! Caminhe comigo.
- Viena! Ah Viena! Cidade dos Sonhos, dos Bosques, das Valsas, intimamente ligada à
música, considerada capital da música na Europa. Cidade edificada entre os Alpes, as
margens do Rio Danúbio, o Rio Azul. Sua área começou a ser urbanizada antes de Cristo.
Sua origem é Celta e seu nome significa Rio na Floresta. Os Celtas eram um povo antigo e
misterioso. Reuniam-se em lugares abertos, entre as pedra e florestas, sob a orientação de um
ou mais druida. A natureza era a companhia, o abrigo e o alimento dos homens “naqueles
tempos” e por isso, reverenciada, louvada. Para os celtas as árvores eram a maior divindade
da natureza, representavam o Universo. A Floresta com suas “Vozes” simulava a ponte mítica
entre o mundo de Deus e do Homem. Suas raízes habitam o solo, o conhecimento profundo da
Terra, o tronco une as raízes ao Céu, trazendo esse conhecimento à luz.
- As mulheres desta civilização, ocupavam um lugar significativo na sociedade. Por
isso, os druidas poderiam ser sacerdotes ou sacerdotisas. Muitos os denominaram
bruxas/bruxos, outros deuses/deusas. Na realidade eles buscavam a compreensão da
divindade, viam a vida como um círculo em espiral, cujo equilíbrio encontrava sua fonte
espiritual, sua divindade, junto à natureza. Foram povos de grande prestigio cultural e com
eles os jovens romanos aprenderam Astronomia e Ocultismo. Por milhares de anos eles
dominaram a Europa Central e Ocidental. Sua ascensão durou até o advento do cristianismo.
- Assim se inicia a história dessa magnífica Capital, a área mais antiga é de origem
medieval cercada por uma muralha com uma faixa no entorno e a área militar ao redor. A
faixa isola, separa o Povo da Aristocracia. Com essa arquitetura a corte se protege de qualquer
avanço revolucionário popular. O povo habita além do cinturão, isolado pelas fortificações e
pela área militar, em direção aos subúrbios.
______________
10
Cidade onde Moreno nasceu.
Introdução de Jonathan D. Moreno – Filho de Moreno e Zerka no Livro Autobiografia de J. L. Moreno-Org.
11

Cuschnir, Luiz. Ed. Saraiva: São Paulo, 1997, p. 17.


21
Figura 3 – desenho mostrando Viena em seus primórdios.

- Continuando a nossa caminhada, imagine uma extensa planície, rodeada por florestas,
cujas entranhas são serpenteadas por um Rio Azul que caminha em direção ao Mar Negro.
Rio que floresceu e floresce a vida de tantos povos, que mereceu uma Valsa, considerada a
obra prima Johann Strauss II. Rio que sofreu no século XXI, especificamente no dia
07/10/2010, a maior catástrofe de todos os tempos, foi invadido por uma maré de lama
vermelha tóxica, que vazou de uma fábrica de alumínio no oeste da Hungria. Os especialistas
aguardam que o volume de água reduza o impacto da substância tóxica. A lama provocou a
morte de quatro pessoas e deixou cento e vinte feridos. Mais uma narrativa que o velho
Danúbio tem para nos contar; ouça o seu murmúrio ecoando junto às vozes da floresta,
contando a sua história, seus achados arqueológicos, seus mitos e suas lendas. Não importa. O
que importa é que os mitos e as lendas guardam os frutos de uma cultura, cuja mensagem é
traduzir os aspectos e os valores de uma civilização. Observe que em tudo há uma gênese, um
status nascendi, o lugar do nascimento, que estimula a vida. Contar estórias e histórias são
elementos pertinentes aos Homens. Não é atoa que foi por meio das estórias e das histórias
que as tribos primitivas realizaram os processos de transmissão do saber e da cultura para o
seu povo.
- Os anos se passaram e as civilizações se alteraram.
- Na segunda metade do século XIX, Viena se adapta a mais uma transformação; os
liberais tomam o poder e exigem o direito da autogestão municipal. A Cidade Medieval se
expande por todos os lados, agregando várias nacionalidades: Tchecos, Eslovacos, Poloneses.
Romenos, Croatas, Bósnios entre outros. De um lado, dezenas de grupos etnolinguísticos, e
do outro a fragmentação das populações da língua alemã, em mais de trinta territórios
autônomos. Ao alvorecer do século XX a muralha é demolida. A parte mais antiga, com o seu
estilo gótico medieval, torna-se o coração da cidade12. Viena concebe o centro da vida
econômica e cultural da Áustria, tornando-se dona de uma nova cultura efervescente. O
crescimento acelerado induz a necessidade de se efetuar reformas na estrutura urbana de toda
a cidade. É feita uma revitalização nas áreas adjacentes, criando-se os jardins, os palacetes, os
monumentos e os edifícios imponentes. A reforma partiu da classe burguesa, baseada nos
próprios interesses e não houve preocupação em melhorar as condições das áreas periféricas.
Max, no Manifesto Comunista, depois de apontar o papel histórico da burguesia como fonte
efetiva e verdadeira de transformação política, econômica e social na Europa nos séculos
XVIII e XIX, disse:

______________
12
O Centro Histórico de Viena foi classificado pela UNESCO como Patrimônio da Humanidade em 2001.

22
Todas as relações fixas, enrijecidas, com seu travo de antiguidade e
veneráveis preconceitos e opiniões, foram banidas; todas as novas relações
se tornam antiquadas antes que cheguem a se ossificar. Tudo que é sólido
desmancha no ar, tudo que é sagrado é profano, e os homens finalmente são
levados a enfrentar [...] as verdadeiras condições de suas vidas e suas
relações com seus companheiros humanos (MARX apud BERMAN, 1998,
p. 20).

- No lugar da muralha surge o Ringstraße13. Edifícios monumentais são construídos,


evidenciando a estratificação por toda parte. Várias habitações públicas são construídas em
diversos estilos, de acordo com suas funções. Assim, a Administração Municipal tem estilo
neo-gótico, o Teatro tem estilo neo-barroco, a Universidade tem estilo neo-renascentista e o
Parlamento tem estilo neoclássico. Na cidade antiga as principais construções eram os
palácios e as igrejas; a reforma contempla novas habitações que demonstram o poder do
governo constitucional com os seus Edifícios Residenciais. A demanda por habitação leva à
especulação imobiliária. O governo consolida novas edificações, divididas e ocupadas de
acordo com o poder aquisitivo dos moradores. O térreo foi destinado ao comércio, o primeiro
pavimento aos espaços mais nobres. Do segundo pavimento em diante a qualidade e os
espaços diminuíam.

Figura 4 – Vista panorâmica da atual Viena.

- A capital, por ocupar uma localização privilegiada no coração geográfico da Europa,


entre o cruzamento do Oriente/Ocidente e com um bom contrato nupcial, cumpre o ideal
tornar-se um Império Multinacional no ano de 1815. Seu imperador chama-se Francisco José.
Começou a governar aos 18 anos, governou até a sua morte em 1915. É astuto faz “bons
conchavos”, não tem uma trilha certa. Procura agradar, driblando os possíveis conflitos, o que
não faz a “cabeça de todos”. Cultua o bom gosto e a necessidade de “parecer bem”. “Ignora”
o desenvolvimento econômico, o aumento da população, as incompatibilidades étnicas,
neutralizando-as para não enfrentá-las.
- O império de Viena nasceu após o Império Romano-Germânico, ao final do século
XIX. Desde o início vem colecionando contendas, marcas difíceis de curar nos países não
contentes com a partilha entre a Ásia e a África. As lutas de classe são invalidadas por
medidas paliativas e na estratégia de unir forças para a Coroa, o Imperador decretou, em
1869, a emancipação dos judeus. Estes passaram a frequentar a Universidade, a divulgar as
suas inovações nas mais diversas áreas: Música, Artes, Filosofia, Arquitetura. A atitude foi
mais uma manobra de “fachada” e o anti-semitismo cresceu. A sociedade Vienense passou a
infligir aos judeus a culpa pela especulação financeira e a crescente inflação. Em 1905 as
subversões agravam, várias demonstrações nacionalistas acontecem, desencadeando tumultos,
mal-estar étnico em quase todo o Império Austro-Húngaro. Parlamentos locais foram

______________
13
Anel Rodoviário, construído em torno de Viena no lugar das Fortalezas e da Muralha. O anel foi construído
durante o Império Austro-Húngaro, pelo Imperador Francisco José.
23
suspensos, tropas foram convocadas para restaurar a ordem. A disputa pelo mercado
consumidor aumenta os conflitos de interesses entre as nações. Os países se empenham numa
rápida corrida armamentista, tanto como uma maneira de se protegerem ou de se atacarem no
futuro próximo. A corrida bélica suscita um clima de muita apreensão e medo entre os povos.
Eles ficam se espreitando e tentando se armar cada um mais que o outro. Aos poucos as
pequenas manobras de “tapa buraco”, com seus pequenos ajustes, não poderão atender à nova
dinâmica social e econômica deste fausto império, governado pelo interesse de meros
soberanos, com seus eventuais desejos expansionistas.
- O Imperador segue com o seu fausto e o seu fiel séquio, incluindo as carruagens.
Obedecendo ao protocolo real, casa-se com a mais bela de todas as mulheres daquele vasto
mundo: A Imperatriz Sissi da Áustria e da Hungria.
- Nos salões ainda há valsas. Tudo tão bonito! Enquanto isso... A política das massas
cresce. O Imperador permanece com sua ambição desmedida, desvinculado das preocupações
práticas do dia a dia, aprisionado e acorrentado a pensamentos estreitos. Os nacionalistas
pedem ao Império Austro-Húngaro uma nova ordem, uma nova resposta. As atitudes
conservadas não satisfazem o arrabalde da cidade, a população movimenta , fala, reage.
- O Imperador? Ah! O Imperador! Rodopia o seu manto de “gentil-homem” lá no seu
belo castelo, dentro da sua imensa torre, olha para baixo para a vastidão do seu extenso e
grandioso império. A torre é muito alta, uma verdadeira “Torre de Marfim”14. O Imperador
não ouve, não escuta, encontra-se muito distante dos clamores entediantes daquele povinho.
- A riqueza, a beleza e as novidades continuam aquilatando Viena. Várias pessoas
circulam por suas ruas que parece um formigueiro. Quantas coisas acontecendo! Quantas
etnias! Por ali estão os vanguardistas, cheios de ideias, insatisfeitos com os padrões vigentes.
O movimento de vanguarda inicialmente era identificado com a promoção do progresso
social, do indivíduo ou do grupo. Com o tempo, o termo passou a ser usado também para
referir-se aos artistas mais preocupados com a experimentação estética. Mas de qualquer
forma, a ideia foi sempre unir o movimento artístico como um movimento político (composto
por manifestos, militância).
- Mais à frente, um automóvel! Foi lançado recentemente; há que se ter cuidado com
esta máquina, ela pode deslocar o cérebro; nenhum organismo foi feito para tamanha
velocidade.
- Outro grupo surge: são os Psicanalistas, eles são os representantes do “sujeito oculto”,
de algo impossível. São muito estudiosos e descobriram o inconsciente.
- Você está acompanhando o nosso passeio?
- ‘Inco’ o quê?
- O inconsciente: ele é uma “enorme bolsa” que serve para guardar os objetos antigos,
do tempo que já passou e que às vezes ninguém lembra mais. Descobriram que há dentro
dessa “bolsa” um sumidouro e quando um objeto some... A confusão é grande. É um “Deus
nos acuda”, as pessoas ficam de lá para cá e de cá para lá, repetindo o mesmo caminho.
Quando não o encontram, o tempo fica feio. “Deus sabe lá, o que há de acontecer...” Eles
também fizeram um estudo sobre as mulheres, resumindo:
1° - Ser inexistente de desejo,

______________
14
Expressão judaica-cristã: Torre de Marfim é um símbolo de nobre pureza. Originou-se no Cântico dos
Cânticos - Salomão (7:4). Simbolicamente, a torre evoca Babel, Porta do Céu, fixada na Terra com o fim de
restabelecer o elo primordial com Deus; embora construída com o propósito de elevar o homem à divindade, ela
acaba por perverter-se no seu contrário, símbolo do orgulho humano. Saint-Beuve (1804-1869), crítico literário e
escritor francês, fez o primeiro uso moderno da expressão em um poema de 1837, referindo-se aos poetas
sonhadores, em contraste com os engajados socialmente. A expressão Torre de Marfim designa um mundo ou
atmosfera onde intelectuais e professores acadêmicos se envolvem em questionamentos desvinculados das
preocupações práticas do dia a dia.
24
2° - Desejam um pênis para si,
3° - Meros objetos de desejo... Só lhes restam vestir com feminilidade, assim elas
conseguem entrar no meio social.
- Dizem também que a natureza foi madrasta com elas, pois não tem a capacidade de
simbolizar como os homens.
- O machismo assola Viena e paralelo a ele nasce também uma nova cultura. Gustav
Klimt15, o grande pintor da época, foi acusado de “perverter a juventude” com as suas pinturas
sensuais, como os quadros: O Beijo, Masturbação Feminina e inúmeras obras. As pinturas de
Klimt denunciavam e expunham o patriarcado, mostravam a sua concepção de futuro e da
cultura feminina.
- O Beijo, de Gustav Klimt – foi um dos quadros mais representativos da época. Hoje é
considerado uma obra prima de Klint , entre tantos.

Figura 5 – Foto do Quadro O Beijo,


de Gustav Klimt.

- Chiii! Que correria é aquela?


- Além dos fatores políticos, étnicos e econômicos. Há também os cientistas! Eles estão
em pavorosa. Os cientistas verificaram que o Universo não é um Relógio que segue um tic-
tac, uma realidade estática. Quando acordaram, logo pela manhã, foram saudados pela
“incerteza quântica”. Foi um barulho terrível, você ouviu?
- Se eles tivessem lido a mitologia grega, a gênese da construção do universo, eles
certamente teriam descoberto que existe o tempo de Cronos e de Kairos.16
- Mais uma Torre de Marfim veio abaixo, eles juravam que ela era sólida.
- Descobriram que a matéria “é uma folha de bananeira” com dupla personalidade! As
suas propriedades de representação dependem dos instrumentos com os quais se relaciona.
Parece haver um ponto simultâneo e recíproco na ordem e desordem, aquilo que era circular
ficou cheio de dobras. Por este fato é que ela (a matéria) vinha se apresentando cheia de
contradição, ora como onda, ora como partícula. Fazendo interferências no mundo, dizem que
ela é semelhante ao Samba do Crioulo Doido17.
- Isso sim é que foi uma verdadeira interferência anacrônica. Este artefato parece
totalmente estranho a este contexto. Afinal, este samba não tem nada com Viena no inicio do

______________
15
Pintor Simbolista Austríaco – O uso da Intuição prevalece ao da Razão ou da Lógica.
16
Cronos é o tempo cronológico, linear, seqüencial, que dita o ritmo de nossas vidas. Kairos é o aspecto
qualitativo do tempo. Expressa o momento certo. Refere-se ao instante, ocasião ou movimento.
17
Samba do Crioulo Doido: música de Sérgio Porto (Stanislaw Ponte Preta) – 1968 – é uma Sátira da história do
Brasil.
25
século XX. Um ponto puxa o outro, que puxa o outro, contextos surgem de maneira atemporal
e vão construindo o inter e o intra psíquico.
- Olha lá, os cientistas-filósofos; os filósofos-cientistas! Aqui em Viena é assim, seja lá
qual for à formação universitária estuda-se filosofia e matemática.
- Pobres cientistas-filósofos! Há anos que estão andando em círculo, ficam “por aí”
circulando toda Viena! Estão procurando “a coisa em si”, pois é... Desde que a matéria deixou
de ser absoluta... Que a Torre caiu, ela ficou muita assustada e sumiu. Também, com aqueles
ares de “eu me basto”, estava a cada dia mais grandiosa. Ninguém suportava mais!
- Eles circularam tanto, rodopiaram tanto, que inventaram O Círculo de Viena! Isso
começou em 1922, nas duas primeiras décadas do século XX, de maneira informal à volta do
judeu Moritz Schlick (1882-1936). Moritz era físico e filósofo, estudou com Max Planck,
aquele fisico alemão que foi o primeiro a anuciar a derrubada da Torre. Com aquela história
da “Incerteza Quântica”. Bom, mas o fato é que Moritz gostou de ter pessoas à sua volta. Para
mantê-las, criou uma corrente de pensamento que se transformou no sistema filosófico,
conhecido como Positivismo Lógico. Uma reação à filosofia idealista e especulativa que
prevalecia nas universidades alemãs. Em 1924, reuniram-se na Universidade de Viena:
filósofo, cientistas, economista, juristas de inspiração empirista, para debaterem os critérios da
verdade e da pesquisa mais compatíveis com as novas descobertas científicas. A proposta era
a de se realizar encontros regulares para discutir ciência, filosofia e a fundamentação de
conhecimentos verdadeiros.
- O Círculo ocupava-se principalmente com a lógica e a ciência, considerando a
filosofia como a disciplina incumbida de distinguir entre o que é ciências e o que não é. A
filosofia é também encarregada da elaboração de uma linguagem comum a todas as ciências.
Este movimento teve forte influência sobre o ‘trio britânico de filósofos’: John Locke, George
Berkeley e David Hume.
- Pelo Positivismo Lógico, uma hipótese só pode ser considerada adequada se suas
presciências passassem por um teste empírico, ou seja, se suas previsões pudessem ser
observadas ou experimentadas pelos órgãos dos sentidos. Uma nova metodologia é ressaltada:
Toda teoria é apropriada até que se comprove a sua adversidade e a ciência passa a ser
quantificada de forma probabilística. Moritz Schlick também foi o primeiro a incluir a ética
como um ramo viável da filosofia, fato que surpreendeu alguns dos seus colegas do Círculo.
- Tudo isso durou até junho de 1936, quando Moritz Schlick foi assassinado por um
estudante universitário nazista. Foi morto ao subir as escadas da Universidade, ao ser
interpelado por um dos seus ex-alunos sobre um dos seus ensaios, Schlick argumentou; o
estudante, com uma pistola, atirou em seu peito. Julgado e sentensiado tornou-se um héroi
para os racistas, sendo retratado como um ‘Ariano Heróico’, aquele que se levantara contra a
“Filosofia Judia sem Alma” do Círculo. Pouco depois, este estudante foi imcorporado ao
nazismo. Com o falecimento de Schlick e o fortalecimento do nazismo, com o seu clima de
hostilidade, o grupo do Círculo se dispersou. O palco do Positivismo Lógico migrou para os
Estados Unidos e Inglaterra.
- O nosso protagonista, mais tarde, também partirá para os EUA; nas terras americanas a
sua teoria ganhará e um novo formato na busca de comtemplar o método cientifico: Teste
Sociométrico18, a medida, o metrum.
- Os avanços científicos continuam! Com a história da matéria, de ser tudo e não ser
nada! Os filósofos encontram-se exaustos, cambaleantes de tanto circular. A cada dia
aprofundam mais nas questões atômicas. Essa história é bastante remota, vem dando o que
falar desde antes de Cristo e passou por várias versões.

______________
18 Questionário de Medidas das Relações Sociais.
26
- O primeiro atomista foi Leucipo e passava horas conversando com Demócrito.
Ficavam horas discutindo o sexo dos anjos, sentados na bela praia olhando e falando. Um dia
o mestre falou: A matéria é feita de partículas muito pequenas, observe os grãos de areia:
olhados de longe formam uma massa continua, mas ao se chegar perto, percebe-se que aquela
imensidão é feita de inúmeros e pequeninos grãos descontínuos. Demócrito, maravilhado,
olhou para aquele pequenino grão de areia e toda a sua extensão, duvidou do mestre, apontou
para o mar e disse: A água é igual aqui e lá. O mestre respondeu: “conhecer é olhar com
mente”. Demócrito, emocionado, acreditou e desenvolveu o primeiro conceito teórico sobre
este postulado e batizou a partícula com o nome de Átomo – O indivisível. Para ele, o átomo
era “um monte de bolinhas” que geravam as grandes variedades de materiais na natureza, por
meio de movimentos constantes. Os átomos seriam qualitativamente iguais, diferindo-se
apenas na forma, no tamanho e na massa. Os diferentes tipos de átomos se chocavam e
formavam conjuntos maiores, gerando diferentes corpos, com características próprias. Depois
de um tempo chega Epicuro dizendo que havia um limite para o tamanho dos átomos,
justificando assim a razão de serem invisíveis. O primeiro modelo, a primeira história do
átomo, é filosófica, depois com o Círculo de Viena, com a junção dos cientistas e filósofos,
as experiências atômicas ‘bombaram’ na tentativa de explicar esses fenômenos através de
testes empíricos.
- Há uma lista de cientistas: Ludwig Boltzmann, John Dalton, Joseph John Thompson,
Ernest Rutherford, Niels Bohr, Max Planck, com a Teoria Quântica. Joseph John Thompson
procurou tanto, que quase virou um gourmet. Desenvolveu a receita do “pudim de ameixas”.
Graças ao “pudim”, a carga elétrica neutra, a primeira partícula, foi descoberta: era o Elétron.
Ainda neste período, começa-se admitir a divisibilidade do átomo e a natureza elétrica da
matéria. Niels Bohr acoplou a estrutura atômica à física quântica, desenvolveu a mecânica
quântica e estudou o núcleo atômico em forma de “gota de água”, o que foi a “gota d’água”
para o caminho da energia nuclear. Albert Einstein revolucionou o mundo com sua Teoria da
Relatividade. Os conceitos de tempo e espaço deixaram de ser uma realidade estática, os
átomos quando entrelaçados passam a compartilhar das mesmas propriedades, e mais, eles se
comunicam a distância – átomos assombrados – os átomos podem “sentir”, mesmo
distanciados, as alterações um do outro; quando a propriedade de um é alterada, o outro reage
instantaneamente (Esse conceito assemelha ao conceito de Tele). Demócrito e o seu mestre
Leucipo jamais poderiam conceber o que gerou de bom e ruim daquela bela conversa
filosófica na praia. Aquela “particulazinha indivisível” iria tornar-se a Bomba Atômica no ano
de 1941, através do Projeto Manhattan, desenvolvido pelos americanos.
- Mas lá estão os cientistas indo para o Edifício de Olbrich. A casa da “Secessão”.19

Figura 6 – Foto do Edifício de Olbrich –


Viena.
______________
19 O Círculo de Viena não aconteceu no Edifício da “Secessão”. Aqui é só uma brincadeira. A casa foi uma
iniciativa de protesto dos artistas, por volta de 1898/1900 contra as normas tradicionais, artísticas e étnicas da
sociedade. Buscavam encontrar uma identidade de grupo. É o estilo Art Nouveau, de Viena. Os vanguardistas,
Otto Wagner (arquiteto), Gustav Klimt (pintor) e Josef Hoffmann (arquiteto) foram os primeiros que tentaram
regenerar a cultura de Viena. O lema do Grupo: para a época a sua arte, para a arte a liberdade.
27
- Escute! Um deles vai falar, vamos ouvi-lo, afinal, são “amigos do saber”, devem trazer
novidades.
- Psiu! Ouça: Ele diz que “a coisa em si”, foi embora com sua mãe, a “metafísica”,
para sempre, elas eram um engodo. Pede calma. O tempo agora se faz necessário para a
verificação coerente dos fatos. Só assim será possível obter novos fundamentos e parar com
toda essa conversa. Pede para que todos sejam positivos, lógicos e, assim, chegaremos à
certeza absoluta das estruturas reais, através dos enunciados verificáveis e coerentes. Isso se
chama verificabilidade, o novo pedido discorre que o sentido de uma proposição se localiza
naquilo que consiste o significado de uma asserção, de uma hipótese, e está intrinsecamente
relacionada à sua verificação, tese que foi condensada na seguinte fórmula: O significado de
uma afirmação é o método da sua verificação.
- Escute os aplausos... Ele pede: - Vamos juntar os amigos do saber com os amigos das
ciências...
- Todos gritam: Abaixo a Metafísica! Ela não tem significado, é destituída de definição
cognitiva. Ela pode até ter alguma acepção emocional. Entretanto, a metafísica jamais poderá
afirmar o que é verdadeiro ou falso. Tudo nela são pseudoproposições que resultam em
pseudoproblemas. A nova ciência devera indicar as condições e apontar as possibilidades
empíricas para verificar a verdade ou a falsidade do adágio em questão. Com todas estas
promessas, em 1929 o Círculo de Viena publica um manifesto intitulado: A Concepção
Científica do Mundo: o Círculo de Viena. O manifesto declara que a tese fundamental do
empirismo moderno consiste precisamente na rejeição da possibilidade do conhecimento
sintético a priori
- Viva as Ciências! Viva o Positivismo! Viva a Lógica!
- Vamos embora rápido! Eles vão construir uma nova torre. Eles vivem construindo
torres... Começaram com a de Babel... E vão construir muitas outras, até umas Gêmeas20.
Estão precisando olhar a carta da Torre do Tarô mitológico! Aquele que nos fala do arquétipo
da torre... A Carta da Torre pretende nos mostrar a necessidade de quebrarmos com as
estruturas estabelecidas, às quais estamos presos. É preciso ser espontâneo e criativo para
lidar com esses novos tempos.
- Que tal tomarmos um café?
- Olhe para aquele café! Está cheio. É a nova moda que veio de Paris. É frequentado só
por homens. Poucas mulheres arriscam entrar. Afinal as mulheres são seres que não sabem
para que vieram ao mundo. Os artistas ficam reunidos, discutindo os impactos emocionais e
suas formas originais de expressão são os Futuristas, os Cubistas e os Surrealistas. As casas de
“cafés” cresceram e passaram a representer o lugar de Contar Estórias, da Cultura de Contar
Causos e fazer História e Estórias. As primeiras casas de café foram chamadas de Escolas de
Sábios. Eles ficavam ali, sorvendo lentamente “uns goles” de café, discorrendo sobre os
últimos poemas, relembrando fábulas e lendas até alta madrugada. “O café”, por sua
capacidade de estimular o cérebro e alegrar o espírito, foi naturalmente sendo conhecido
como o lugar da sociabilidade: conversar, trocar ideias, discutir política, ler o jornal, passou a
ser visto como o lugar da “Aura Criadora”. Lá estão os Dadás! São rebeldes, pregam a
liberdade, a independência, não aceitam os princípios e nem as teorias.
- Os frequentadores dos cafés Vienenses: Musil, Canetti, Broch, Hofmannsthal,
Wittgenstein, Krauss, Klimt, Kokoschka, Schiele, Loos, Schoenberg, Webern, Berg, Richard
Strauss, Gustav Mahler e tantos outros. A grande maioria é formada por judeus. Todos se

______________
20
World Trade Center – As Torre Gêmeas – Localizdas em Manhattan, Nova Iorque/Estados Unidos, atacadas
por terroristas e destruídas no dia 11 de Setembro de 2001.

28
conhecem “amigos ou inimigos”, discutem suas obras uns com os outros. Os Cafés agregam
os mais diversos movimentos de Viena.
- Faz parte da longa tradição cultural da Universidade de Viena, o envolvimento de
todos com as questões da filosofia e da matemática. Sejam comparecendo aos cursos na
Universidade, sejam participando de grupos de discussão. Nos cafés eles estão falando dos
novos ideais sociais. São crédulos, ateus, agnósticos, cientistas, filósofos, artistas, gente do
povo. Enfim, todos!
- São muitas correntes de pensamento surgindo: os positivistas, os existencialistas, todos
preocupados com a espiritualidade.
- Adiante se encontra o grupo do Dr. Freud. Ele raramente frequenta os cafés, as poucas
vezes que aparece é no Café Landtmann. É precursor de muita coisa que se refere à psique
humana; foi o primeiro que abordou, escreveu e falou sobre a sexualidade infantil.
Atualmente vem sofrendo com toda a repercussão nacionalista. Possui um grupo, que também
chamou de Círculo, muito bem frequentado. Por volta de 1906, o grupo cresceu: Wilhelm
Fliess, William Stekel, Alfred Adler, Otto Rank, Abraham Brill, Eugen Bleuler, Carl Jung,
Sándor Ferenczi e Ernest Jones. Recebe várias visitas, entre elas a dos poetas e escritores,
Rainer Maria Rilke (1875-1926) e André Breton. Durante a guerra Dr. Freud irá passar por
maus pedaços. Todos os seus livros serão queimados em praça pública. Ele dirá algo mais ou
menos assim: Na Idade Média, eu é que seria queimado!
- Há outros tipos rondando os cafés. Aquele ali é o Hitler vendendo os seus cartões com
desenhos e pinturas executadas por ele mesmo. Ao que consta, o futuro Führer não gosta
muito de cafés nem de cervejarias. É um “duro”, sem dinheiro, vive pobremente em um
albergue para homens solteiros de relativo luxo, com banho quente e luz elétrica. Ele é
sombrio, vende as suas pinturas aos clientes do Café Central, ninguém presta muita atenção.
Sua raiva cresce a cada dia junto com o estilo anti-burguês e anti-semita, suas ideologias
baseadas nos princípios do racismo e do poder estão fortalecendo e desabrochando lentamente
para criar o nazismo. O exterminador de judeus, ciganos, deficientes, opositores políticos,
cultiva o seu germe, um dia após o outro. Anos mais tarde, depois do seu genocídio, essas
“cartelazinhas” passarão a ter valor. O sanguinário Stalin também esteve por aqui solvendo
uns goles de café. São os maiores carniceiros do século XX.
- Nossa, que coisa horrível! O que é?

Figura 7 – Fotos de cenas da I Grande Guerra.

- São os restos da Primeira Guerra Mundial... São os escombros das construções sólidas:

29
[...] quando descobri reduzida a cinzas a orgulhosa casa do Homem, na qual
havia trabalhado durante cerca de dez mil anos para conferir-lhe a solidez e o
esplendor da civilização ocidental, o único resíduo que detectei em meio às
ruínas, preenche de promessas, foi o “espontâneo criativo”. Via seu fogo
queimando a base de cada dimensão da natureza – cósmica, espiritual,
cultural, social, psicológica, biológica, sexual (MORENO, 1984, p. 17).

- As etnias cresceram, os movimentos nacionalistas se expandiram por toda Europa,


trazendo na sua bagagem novos conceitos e ideias, dissolvendo culturas e fronteiras. O
estopim desta desordem foi o assassinato de Francisco Ferdinando, príncipe do Império
Austro-Húngaro, sobrinho do Imperador, durante sua visita a Saravejo (Bósnia-Herzegovina).
As investigações chegaram a um jovem integrante do grupo Sérvio “Mão-Negra”, uma
sociedade secreta militar que se utiliza do terrorismo e de assassinatos contra a influência da
Áustria-Hungria na região dos Bálcãs. A realidade dessa eclosão é sabida por todos. O
Império Austro-Húngaro não aceitou as medidas tomadas pela Sérvia com relação ao crime e
no dia 28 de julho de 1914 declarou guerra à Servia. Cresceu... Cresceu... Transformou-se na
Primeira Guerra Mundial. Foram quatro anos. O Tratado de Versalhes não irá resolver o
conflito do neo-colonialismo. As soluções não são as esperadas pelos capitalistas. Um mundo
chega literalmente ao fim.
- Carl E. Schorske, no livro Viena fin-de-sciècle: Política e Cultura (1990), revela que
a sociedade do início do século XX não quis se conscientizar com o fato ou não encontrou
uma solução econômica e política satisfatória para as muitas tensões do Império Austro-
Húngaro. A velha aristocracia e a nova burguesia desviaram o olhar dos encargos políticos e
econômicos e evitavam provocar as alterações necessárias. O refúgio foi aumentar a produção
e o consumo da arte, abrindo um florescimento da civilização em todos os setores culturais:
teatro, pintura, ópera, música, arquitetura e urbanismo. Este desabrochar não foi acoplado às
massas, tamponou a incompetência política e econômica para elaborar recursos amplos para a
população. Acontece a Primeira Guerra e as décadas subsequentes constituirão o fermento no
qual brotará a cultura e a política nazista.

Viena foi o lugar onde muitos movimentos importantes foram tramados. [...]
O nazismo, o comunismo e o existencialismo entre os anos 1909 e 1913. Nos
anos da guerra, a maioria dos movimentos políticos e sociais diminuiu
subordinados aos esforços de guerra, para virem à tona entre 1919 e 1923.
[...] Os princípios dos três movimentos eram claros. Os nazistas propunham
a conquista do mundo, para os alemães assim poderem governá-lo. Os
comunistas queriam conquistar o mundo para a classe trabalhadora. Em
contraste, os primeiros existencialistas salientavam que a própria existência
era algo sagrado (CUSCHNIR, 1997, p. 61).

- Logo, logo, haverá outra guerra e eles vão tentar apurar a raça... Essa chamará a
Segunda Guerra Mundial. Torres... Torres... E Torres. Mas olhem lá mais adiante: são as
mulheres.
- As mulheres? Não diga isso. Veja só! Olhe para elas! Cortaram os cabelos e as
barras da saia. Será que elas vão começar a beber café para aprender simbolizar?
- Suas roupas mudaram. Não dava para entrar na guerra com espartilho, anáguas, mas
começou também a faltar pano e homens. Só assim elas puderam começar a sair às ruas. A 1ª
Guerra Mundial trouxe a escassez, a sobriedade, a austeridade e a tristeza. As mulheres estão
buscando um novo padrão de comportamento, estão mais audaciosas, procurando cada vez
mais sua emancipação, se vestem de homenzinho, buscando uma nova ordem para a
mulherzinha. Enfim, com a ausência dos homens, elas tiveram que assumir novos postos fora
30
de casa e aprender as funções do mercado de trabalho. São a “La Garçonne”, as melindrosas
mulheres de cabelo curto, vestem saias curtas, busto achatado, blusas folgadas, lábios bem
pintados. Nos lábios revelam o que desejam. A moda do cabelo cortado foi violenta e até
trágica, antes de ser aceita.
- Melindrosas? Pois, pois!?
- Novas condições se despontam, tornando possível que instâncias individuais e
coletivas possam emergir dentro do novo modelo existencial. Todos querem esquecer os anos
da repressão, da guerra e viver intensamente. Diante o cenário devastador, onde a esperança
parecia desvanecer, a Europa vive um período de intensa criatividade, inclusive no mundo da
moda. Muitos estilos revolucionários nasceram desse panorama crítico.
- É um Anarquismo. São muitos movimentos: Literatura, Política, Arte, Pedagogia,
Filosofia e Ciências. Este cenário é, de fato, borbulhante e instigante.
- Que Bela Época!
- Vamos para o parque, para os Bosques de Viena.
- Chegamos ao Parque.
- E aquele, quem é?
- É um jovem de “carne e osso”, um caminhante. Ele gosta de intrometer na vida,
brincar nos parques, contar histórias e muitas estórias, gosta de sonhar, acredita sempre na
alegria, confia nas pessoas. Adora sorrir, amar, trabalhar com prostitutas, com os refugiados
da guerra e com as crianças. Gosta dos cafés, de descer o Ringstraße. Construiu junto com
outros a Casa do Encontro; este rapaz gosta de uns encontros... Muitos amores, às vezes
nenhum... Depende da lua, algumas rupturas físicas e algumas familiares, mas é boa gente.
Acredita sempre na alegria, tem confiança nas pessoas, é por outras vezes meio briguento.
Fala também sozinho. Anda dizendo por aí que só a espontaneidade e a criatividade serão
capazes de reconstruir a humanidade. Diz também que só no século XXI as pessoas irão
entender melhor as suas propostas. É médico, mas trabalha com teatro, construindo palcos
reais e imaginários... Dizem que ele fez até uma máquina de gravar voz.
- Outro dia fez outra fuzarca. Convidou a todos para ir ao teatro. Colocou uma cadeira
no meio e começou a chamar as pessoas para serem o novo Rei. Isto foi ‘Dia 1º de Abril’...
- Mentira!?
- Não, é verdade! Eu vi, “com estes olhos que a terra há de comer”. Imaginem só! Foi o
maior bafafá, quase terminou em guerra... Ele agora está falando que vai embora... Sabem
como é... Eles vivem procurando a terra prometida... Ninguém sabe ao certo... Mas eu soube
de “fonte limpa”, que ele é judeu.
- Nossa! Quanta informação!
- É que ele andava com umas roupas... E uma barba... Parecia um Hippie... Mas deixe
para lá, isto também é para o futuro... Mais uma questão anacrônica. Sei que era impossível
não vê-lo!
- Ah! Um pequeno detalhe, ele quer ser anônimo.
- Não contem a ele que falei sobre isto.
- Onde estão os Reis? Os Salões? As Valsas?
- Isso é passado.
- O mundo move. O Império caiu. A guerra aconteceu. As Valsas valsaram! O presente
é uma porta aberta e o futuro é o que Virá. 21
- A música agora é Americana. Neste pós-guerra a grande novidade dos salões vem da
América do Norte, dos EUA. O negócio agora é o Charleston... O Jazz... Há outras novas
ondas no ar: o Teatro de Improviso, Espontâneo. Depois irá surgir o Teatro Recíproco, o

______________
21
Letra da Música de Luiz Gonzaga Filho (Gonzaguinha), ‘Com a Perna no Mundo’.
31
Terapêutico, o Psicodrama, o Sociodrama e a Teoria Socionômica. Situa, situa criatura! O
Império caiu! A guerra aconteceu!
- Situei! Agora quero saber mais sobre este cara. Você propôs esse tal de aquecimento e
apareço aqui em Viena, no início dos tempos. Começou a falar de um monte de coisas... De
Druidas... De café... De construções... Do Imperador... Daquele pintor... Do Círculo de
Viena... Da Guerra. Leva-me até este Jardim de Augarten e começa a fala: do fim dos
sonhos... Do início dos sonhos.
- A história do nosso ator principal começa assim:
- Era uma vez, um menino, primogênito de Morenu Nissim Levy e Paulina Iancu Wolf.
A família de Nissim era judaica Sefardista, isto quer dizer: Judeus árabes originários da
Península Ibérica, na região da Espanha, donos de uma linguagem própria, chamada “ladina”
(do latim). A família fugiu para a Romênia (Bucareste) no ano de 1492, durante a perseguição
da inquisição. Assim se inicia a história dos seus antepassados paternos. A mãe, Paulina, era
de descendência judia eslava. Embora judia, fora criada num orfanato católico, com várias
informações religiosas. Paulina tornou-se bastante eclética: supersticiosa, acreditava em
profecias, consultava ciganas, possuía dons de premonição e praticava quiromancia.
Conheceu Nissim em Bucareste e se casaram. Morenu Nissin Levy era, além de um
comerciante, perito em negócios de cereais e na indústria de petróleo. Viajava muito. Era
sério, amoroso, porém inconstante nos hábitos, namorador e profissionalmente instável.
Paulina, órfã dos genitores, criada pelos irmãos, foi aos quinze anos entregue a Nissin. Os
irmãos decidiram pelo casamento para impedi-la de tornar-se católica.
- Deste casamento nasce, no dia 18 de Maio de 1889, o nosso protagonista. Apresentou-
se já nas primeiras horas do seu nascimento, sem pátria, no meio do mar, em um navio que
singrava entre o Mar Negro, do Bósforo para Constantsa, na Romênia. Não havia bandeira no
navio, ele pertencia a todos os mundos. Como o navio não tinha bandeira, o menino tornou-se
anônimo. Ninguém sabia sua origem ao certo. Isso não é uma grande aventura? Um navio
“que singrava”. Que maravilha! Qual criança não gostaria de nascer assim? Veja o mar com
sua imensidão. Nele, o navio, com suas imensas velas içadas, segue navegando e rompendo as
ondas. Neste balanço o menino ganha a vida, mais tarde seus olhos ávidos brilham ao contar
como veio ao mundo. Sua mãe era uma mulher fervorosa, cheia de ideias, sonhos, grande
contadora de histórias e versátil em idiomas. Ouvia as histórias do filho e às vezes
acrescentava novos dados: “Era uma noite de tempestade... Era madrugada do Sagrado
Shabat... Você estava viajando num navio, mas o navio era o meu corpo, que pariu você”
(CUSCHNIR, 1997, p. 22).
- A vida continua... Com as travessuras infantis:
Uma noite, levantou-se com o seu irmão William, criaram um universo da massa de
pão que sua mamãe havia preparado. Brincadeiras engenhosas! Ainda por esse tempo,
Piroshka, a criada Húngara, quando o levava ao banheiro que ficava fora de casa, lhe
apontava os eventos cósmicos, primitivos e o seu lugar no Universo: “[...] a urina vai para
água, para o rio, para o lago. As fezes vão para o solo, para dentro da terra, para as colinas em
redor (CUSCHNIR, 1997, p. 27).
Na mesma época ele foi apresentado à Bíblia – livro do Gênese: “No princípio Deus
criou o céu e a terra” (CUSCHNIR, 1997, p. 27).
Aos dois anos o menino começa a ficar fraco e raquítico. A mãe reúne todas as suas
forças e disponibilidade para salvar o filho primogênito. Ela era o grande ego auxiliar, a
primeira pessoa na vida do infante, aquela que iniciava a condução da criança e permitia a sua
sobrevivência. Certo dia, uma cigana aproximou e disse:

32
Vá buscar um pouco de areia fina22. Ao meio-dia, quando o sol estiver
escaldante, ponha a criança na areia. O sol curará a criança. Chegará um dia
que esta criança se tornará um grande homem. Chegará gente de todo o
mundo para vê-lo. Ele será um homem sábio e bondoso (CUSCHNIR, 1997,
p. 25).

- As palavras da cartomante se cumpriram. Como a primeira profecia havia se


cumprido, Paulina ficou aguardando a segunda. Acreditou e o fez acreditar que ele era um ser
especial como um profeta, um messias.
- Entre uma história e outras estórias, qual é a verdade sobre o seu nascimento? Ele
nasceu de fato em Bucareste, teve cinco irmãos. Seu “papi” era viajante, vendia “artigos
turcos”. Não estava presente quando o rebento arrebentou-se para a vida. Ficava pouco em
casa. Aliás, essa coisa de pai viajando... Vem de longe! Desde a época em que os homens
saiam para caçar, as mulheres ficavam colhendo e cuidando dos filhos. Dizem os estudiosos
que foi a partir do neolítico que o desejo sexual de reprodução entre dois seres transcendeu a
genitalidade e tornou-se amor. Não se esqueça de que esse é também o modelo da nossa
cultura judaico-cristã.
- O menino foi crescendo cheio de graça e beleza, com uns “olhinhos” bem azuis. No
ano de 1895 a família chega às margens do Danúbio Azul. O palco era o Império Austro-
Húngaro, o mundo da efervescência e das ideias germânicas. Foi nessa Viena cheia de
encontros e desenvolvimento e queda, que o guri cresceu. A mãe brincava e nos momentos
difíceis dizia: “O que se pode fazer? Dê a volta e ria” (CUSCHNIR, 1997, p. 23).
- Parece aquela música: ‘Reconhece a queda e não desanima, levanta sacode a poeira e
dá volta por cima’23.
- Além de parecer com a música, aos quatro anos e meio ele viveu a verdadeira história
de cair e levantar poeira. Aconteceu assim:
- Em um dia ensolarado de domingo, no ano cristão de 1893, os pais saíram para
fazer algumas visitas. O menino e seus amigos ficaram brincando no porão da casa. Sabe
como as crianças são quando estão a sós? E assim foi: as crianças propuseram: – Vamos
brincar? Um deles perguntou: – de quê? – Já sei! Disse o menino: – Vamos brincar de Deus
com os anjos. Passaram a planejar a brincadeira. Um amigo perguntou: – Quem vai ser Deus?
O menino prontamente respondeu: – Eu sou Deus e vocês são os meus Anjos. Todos
concordaram. Uma das crianças, com a postura de um engenheiro sugeriu: – Primeiro
devemos construir o céu. Assim, todos partiram como engenheiros, arquitetos e pedreiros,
cada um na sua função. Arrastaram todas as cadeiras da casa para o porão. No porão havia
uma mesa; o arquiteto ampliava de maneira artística todo o projeto; começaram colocando as
cadeiras atando uma as outras, como bons pedreiros, até ao teto. O menino, com ajuda dos
seus anjos, sentou lá no alto. Menino olhando o seu mundo de anjos. Todos giravam em volta
da mesa, batendo os braços como se fossem asas. Eles estavam muito felizes e começaram a
cantar e o menino maravilhado no seu “Trono de Deus”. De repente um colega gritou: – Por
que não voas? BUM! Foi o menino ao chão. Mais tarde ele dirá que este também foi o berço
do psicodrama. Isso aconteceu no ano de 1893. Braço direito fraturado, aprendeu a seguinte
lição: “Até o ser mais alto depende de outros (MORENO, 1984, p. 50-51).

______________
22
Antes de Cristo, na Grécia, já se falava das virtudes do sol contra o raquitismo. O sol tem ação calorífica em
consequência dos raios infravermelhos, que provocam dilatação dos vasos e penetram profundamente na pele,
promovendo a síntese da vitamina D, necessária para os ossos. A areia serviu para refletir os raios,
potencializando ainda mais os raios UV. O sol continua sendo fonte para fazer a síntese da Vitamina D.
Precisamos de nos responsabilizar pela Co – criação do planeta. Que tal uma mãozinha para ajudar na
preservação da natureza?
23
Música de Paulo Vanzolini - fez grande sucesso na voz da Gal Costa, nos anos 70.
33
- Constata anos mais tarde que todos precisam de ajuda de egos auxiliares, inclusive
Deus, para continuar sua obra. Sem ajuda nem Deus pode existir. É necessário ter ao nosso
redor pessoas para nos dar “uma mão” nos vários instantes da vida. Outros episódios também
marcaram as suas atitudes: todos da sua família o tratavam de forma especial. Antes de cursar
medicina já era chamado de Doutor. Bastou o pai sugerir o curso, que ele foi sendo
transformado no “Doutor”. O pai, muito amado, foi quem o sugeriu para ser médico. De tal
modo livraria o filho daquela vida de “caixeiro viajante”. Ele ficava continuamente do lado do
pai, contra a mãe e os tios. Ninguém podia falar “nadica” dele, que o menino saia em sua
defesa. Moreno Nissim Levy era O PAI. Sempre que era possível viajava com ele, ouvindo
com atenção suas estórias. Conheceu Constantinopla, lugar que os Levy tinham muito
parentes, visitou um harém, que pertencia a um dos seus tios. Ficou extasiado: as jovens nuas,
os banhos, as massagens, a arquitetura, os eunucos e o comércio de infinitas variedades. Era o
adolescente descobrindo o mundo guiado pelas mãos do pai. Aquele que tinha todas as ideias,
diria isso anos mais tarde, ao se referir ao pai.
- No início da sua adolescência, os pais mudaram para Berlim, mas ele permaneceu em
Viena, nunca mais tornaria a viver com os pais. Por volta desta mesma época, viaja com um
tio materno por toda Itália. Seu tio o chamava de “Doutor”, e preocupava-se com sua falta de
habilidade para o uso do dinheiro. Ele sorria! A parte mais importante e marcante desta
viagem foi conhecer a sua Primeira Musa: Pia. A inspiração para ir além de si mesmo. Ao
retornar para casa, encontra no trem um bando de estudantes com quem travou longos debates
filosóficos e existenciais. Outro grande marco. Ao chegar, estava triste e cheio de perguntas
quanto ao seu futuro. Foi buscar abrigo nos pais, encontrou-os em pleno caos, tentou
reaproximá-los e não conseguiu. O pai saiu de casa. O mundo desaba nos ombros jovens do
adolescente de 14 anos, um grito de revolta ecoou: “Por que você criou o Universo em
primeiro lugar? Poderia ter-nos poupado a todos de viver. [...] esse foi o início dessa miséria e
futilidade sem fim, a corrente que liga o nascimento com a morte (MARINEAU, 1992, p. 35).
- Revoltado, retorna para Viena. Não se preocupa com as lágrimas da mãe e conclui:
“Jesus Cristo, São Francisco de Assis fizeram o mesmo. O fato de eu precisar seguir o mesmo
curso foi um sinal [...] eu estava na trilha certa (CUSCHNIR, 1997, p. 42).
- Ele, um excelente aluno, inteligente, ávido para aprender idiomas, interessado pelas
coisas do mundo, preenchendo seus pais e professores de orgulho, abandona a escola, não
aceita ajuda dos pais, dos tios. Para sobreviver passa a dar aulas particulares. Suas leituras
cruzam entre os filósofos que falavam “sobre Deus” e ao essencialmente emblemático. A
Bíblia, o Zohar, a Cabala, Baal Shem Tov progenitor do Hassidismo24, filosofia religiosa que
consagra a proximidade com Deus, falar com Deus diretamente, sem intermediários. Baal
Shem Tov no século XVIII professava: O homem deve verdadeiramente apartar o ego do seu
corpo e atravessar por todos os mundos, tornando UM com Deus, até obscurecer-se
totalmente do mundo corpóreo.
______________
24
Hassidismo: movimento que surgiu no judaísmo no século XVIII e consiste numa forma de secularização da
vida religiosa mediante a difusão de sua prática em todos os momentos da existência humana (NUDEL, 1994, p.
43).
No início século do XX, a busca da existência como algo sagrado, volta a impressionar e influenciar outros
pensadores. Martin Buber (filosofo) (1878-1965) reuniu as histórias do Rabi Nakhman de Bratslav (Bisneto do
Baal Shem Tov) e fez dos ensinamentos dos mestres hassídicos as bases de um existencialismo religioso dos
mais originais, preservando os principais elementos dessas fabulações de ideias, que é a busca do espírito e da
condição humana. Segundo Martin Buber, a capacidade do Homem de desenvolvimelnto é inter-relacional,
acontece entre o Eu e o Tu, e denomina-se relacionamento Eu-Tu. A inter-relação envolve o diálogo, o encontro
e a responsabilidade entre dois sujeitos e/ou a relação que existe entre o sujeito e o objeto: o ser humano se torna
eu pela relação com o tu à medida em que me torno eu, digo tu. Todo viver real é encontro. Não há um Eu em Si.
Buber morava em Viena, eles estavam juntos no Jornal o Daimon.

34
- Outros autores que influenciaram sua adolescência: na Filosofia: Agostinho, Pascal,
Spinoza, Kant, Hegel, Marx, Nietzsche, Bérgson, Kierkegaard, Dilthey, Unamuno, Vaihinger,
Heidegger, Pierce, Schopenhauer, Dewey. Na Pedagogia: Rousseau, Montessori, Fröebel. Na
Sociologia: Mead, Cooley, Comte, Smith, Allport. Na Psicologia: Freud, Pavlov, Lipps,
Jaspers, Watson, Jung, Scheler e também os autores: Dostoievski, Tolstoi, Goethe,
Shakespeare, Wall Whitman.

No início da adolescência passei a vagabundear e sonhar, procurando


compreender- me. Quem sou? Sou eu o corpo que possuo? É isso tudo que
eu sou? É tudo matéria? Ou há alguma parte do meu corpo, ou alguma outra
manifestação de mim, que poderia chamar-se alma? Eu era taciturno e
desrespeitoso (CUSCHNIR, 1997, p. 40).

- As leituras místicas o fizeram ficar cada vez mais estranho. Até nu apareceu frente à
família onde morava. Muitos disseram que ele era doente mental. Após uma vida sexual
intensa entrou em abstinência. A parada foi quase total, foram dois anos de profunda dor,
busca e revolta com Deus e o mundo. Mas, com as leituras aprendeu que toda criação é uma
emanação da divindade e que a existência da alma é eterna. Dogma que foi atrelado ao livro
do Gênese da sua infância: No principio Deus Criou o céu e a terra. Desta junção nasceu: “O
Profeta”, o “Escolhido”. A barba ruiva cresce, expõe no seu rosto um aspecto paternal e sábio.
Apesar da pouca idade, os olhos azuis parecem ler a mente de seus interlocutores,
transmitindo ternura, altruísmo, bondade. Assim se fez conhecido pelas ruas de Viena. Sua
indumentária diária é uma capa verde-escuro que cai até os tornozelos. Um símbolo de
fidelidade ao seu papel de Profeta.
- Após ter vivido recluso com sua dor e desilusão, encontrava-se vestido de “Profeta”,
brincando mais uma vez de ser Deus; o espírito enconta abrigo na criação, vive estados de
iluminação e de aparição divina. Fenômenos acorridos com diversos personagens históricos,
com líderes religiosos, filósofos, cientistas, místicos, escritores, muitos descreveram momento
como esse. Como nada acontece de repente ou brota do vazio: “Não foi de repente que eu me
tornei um profeta. Foi um crescimento gradual, lento, cujos os determinantes poderiam ser
encontrados na minha infância (CUSCHNIR, 1997, p. 45). Nesse sentido, cita-se também o
seguinte:

Com quatro anos de idade, comecei a frequentar uma escola bíblica


sefardita. [...] Assim meu fascínio pela ideia de Deus começou em minha
tenra infância. A mais famosa “pessoa” do universo era Deus, e eu gostava
de estar ligado a Ele. A primeira sessão psicodramática teve lugar quando eu
atuei como Deus, aos quatro anos de idade, em alguma data em 1894
(MORENO, 1997, p. 27).

- Desde quatro anos e meio, encenando as várias faces de Deus: Deus que cai, Deus que
divide, Deus da Raiva, Deus do puro Amor. Com tantos ensaios, algo tinha que borbulhar.
Isso é aquecer, buscar o que há dentro. É uma assunção humana; o Criador emerge
espontâneo e depois do esforço do vir a ser, o momento privilegiado da revelação, acontece e
"ilumina" a vida do protagonista.
- Para sobreviver continuava com as aulas particulares. Certo dia foi procurado por uma
mãe. Seu pedido era de socorro para a filha mentirosa e baderneira; chamava-se Elisabeth
Bergner; a menina pode ter-lhe representado um conforto; ela se parecia com ele, poderia ser
considerada com um “pedaço seu”, encaixava na sua órbita; incentiva a mãe da Elisabeth que
a coloque no teatro. Elizabeth cresceu e tornou-se uma grande atriz do teatro alemão. Depois
de moça ela disse mais ou menos assim:
35
Eu me divertia muito com ele, parecia um nazareno, devia ter 20 anos, mas
parecia ter 100. Usava barba, era alto, esbelto com grandes olhos azuis,
cabelos pretos sempre sorrindo, era dono de um sorriso fascinante. Era
indescritível... Ele me dava poemas para aprender. E não apenas “o ensino”
“o refém”. [...] Ah! Isso era um novo mundo![...] quando nós íamos ao
Prater, [...] onde há linda e grande campinas. Ele dizia: Mas você não precisa
de uma cordinha para pular. Vamos dá-la a uma criança pobre que nunca
teve uma. Outras vezes: Mas você não precisa de bola para jogar! Venha eu
jogo o sol para você, apanhe-o! Ai, eu me queimei; Venha, venha eu vou
fazer um curativo para refrescar a queimadura do sol. Encha a boca vamos
mastigar como é gostoso esse chocolate (CUSCHNIR, 1997, p. 46,47).

- Elisabeth passou a gostar da escola e a brincar com as outras crianças. Lógico que esse
método de ensino não deu certo com todas as crianças. Observa-se que como professor ele
incentivava a criatividade, a imaginação. Ensinar é um processo de motivação ativo,
socializante e criativo. A metodologia de ensino da sua admiração era o método socrático da
troca, brincava de ser o aluno e os alunos tornavam-se professores. Sócrates dizia que nada se
ensina, o papel do professor é de ajudar as pessoas alcançarem o conhecimento pelo diálogo, a
buscar a verdade dentro de si em acordo com a sua consciência. O professor é um orientador,
cabe a ele somente orientar, esclarecer as dúvidas, fazer emergir o discernimento interno, a
aprendizagem é um processo que vem de dentro. O Homem, para Sócrates, não seria capaz de
progredir somente pela administração do conhecimento. Educar é levar o aluno a pensar,
refletir os valores universais, os pré-conceitos e os pré-juízos. Além disso, Sócrates
argumentava que os valores universais teriam primazia às importâncias individualistas.
Aprender em Sócrates é um processo subjetivo de reflexão, é uma arte de fazer com que as
ideias se multipliquem, que nasçam e que sejam paridas pela alma, para em seguida serem
organizadas pelas próprias experiências e não por conclusões de construções já elaboradas.
Sócrates chamou essa metodologia de maiêutica (parir), nome escolhido para homengear sua
mãe que era parteira. Ouça o que ele diz de Socrates:

Tive dois professores Jesus e Socrates; Jesus, o santo improvisador e


Socrates, que, de maneira curiosa, é o que chega mais perto de poder ser
chamado de pioneiro do formato psicodramático1. [...] Socrates estava
envolvido com as pessoas reais, agindo como um parteiro e clarificador, de
forma muito parecida com a usada pelos psicodramatistas modernos. [...]
escolheu como seu contraprotagonista um personagem representativo, um
sofista. Inconscientemente, usando a técnica de “inversão de papéis”,
promoveu o sofista a professor, ao passo que ele, Sócrates , assumia o papel
de aluno ignorante que fazia perguntas. Chegou, intuitivamente, a
conclusões que me custaram muito tempo de prática: que, através da
inversão de papéis, poderia mais facilmente encontrar os pontos fracos
na armadura do sofista, do que se lhe apontasse diretamente seus erros
de lógica. À medida que levava o sofista por vários dilemas, seu público
se envolvia e o diálogo terminava com “catarse dialética”2 [...] quando ele
ouviu dizer que Aristófanes havia escrito uma comédia na qual ele, Sócrates,
era um personagem cômico, foi assumindo a mais verdadeira conduta
psicodramática... [...] Poderia ter revirado o teatro, o que talvez resultasse em
“sociodrama”. [...] (1 grifo do Autor; 2 grifo nosso).

- A narrativa da Elizabeth lembra o dito popular: Assombração sabe para quem aparece
e com a teoria dos Átomos Assombrados que foi citada lá atrás (p. 9-10), essa coisa de

36
comunicação a distancia. O certo é que, neste ínterim, Einstein revolucionava o mundo com
mais uma descoberta sobre o átomo. Assim caminhava o século XX, com sua humanidade
fervilhante de ideias revolucionárias. Atento, curioso, ávido por leituras com amplas reflexões
criativas, sua imaginação transpõe os fatos, como Leucipo e Demócrito. Idealiza o indivíduo
como o núcleo; no seu entorno, cadeias de redes invisíveis que seriam as órbitas, de indivíduo
para indivíduo, com variados tamanhos, indo e vindo de um para o outro. Uma verdadeira
constelação! Olha para o Céu, para o Universo, depois para a terra com toda a sua expansão e
organização. Pensa que os seres da terra também se compunham em constelações de forças e
elas se organizam em acordo, em torno de uma órbita. Como posso religar as pessoas? Os
questionamentos do jovem ardem no seu coração.
- Neste tempo, retoma os estudos, entra na faculdade no ano de 1909. Matricula-se no
primeiro momento nos cursos de filosofia, matemática e assiste as práticas clínicas na
faculdade de medicina, andamento necessário para completar a carga horária e compensar o
tempo da “vagabundagem”. Após dois anos, faz os exames e ingressa na Universidade de
Medicina. Ele, caminhante, anônimo, silencioso com sua longa capa verde perambulando
pelas ruas, pela Universidade, ouvindo, circulando, chamando a atenção de todos. Certo dia,
um jovem judeu, com o nome de Chaim Kellmer, de tradição hassídica, estudante de filosofia,
aproximou-se dele e desta aproximação nasceu uma linda amizade. Chaim dizia: “Se você der
amor às pessoas, elas lhe retribuem. Assim nasceu a religião do encontro entre os anos de
1908 e 1014” (CUSCHNIR, 1997, p. 56).
- Este foi o amigo de maior afinidade neste período. Quiçá não tenha sido o Chaim que
o introduziu na prática hassídica. Outros jovens se aproximaram: Andras Petö, Hans Feda e
Hans Brauchbar. Formaram um grupo de cinco. Só o Chaim não estudava medicina. Grande
Chaim! Grande grupo. Conversavam sobre valores, crenças espirituais e sobre a volta de
Cristo.
- Durante todos estes anos manteve o hábito de frequentar os parques, principalmente o
Augarten, localizado nos Bosques de Viena. Abaixo de uma árvore frondosa, junto às
crianças, criou um “jardim Encantado”, o lugar das histórias narradas pelos pequenos; eles
eram convidados a brincar, jogar, criar um novo mundo; formavam círculos e círculos, muitos
círculos concêntrico; ele às vezes ficava no centro, outras vezes subia nas árvores. Parecia um
Druida, o céu era o limite (MORENO, 1984, p. 16). No ano de 1910, esta era a sua maior
dedicação:

Um dos meus passatempos prediletos consistia em sentar-me ao pé de uma


grande árvore nos Jardins de Viena, permitindo às crianças que se
aproximassem e escutassem um conto de fadas. A parte mais importante da
estória era que eu estava sentado ao pé de uma árvore, como um ser exterior
ao conto de fadas e que as crianças haviam sido atraídas para mim “como
se” tivessem ouvindo a flauta mágica, tendo sido removidas corporalmente
daqueles monótonos arredores para irem até o país do faz-de-conta. [...] Eu
ocupava o centro, muitas vezes deslocava-me do pé da árvore e sentava-me
mais no alto, num galho: as crianças formavam um círculo, um segundo
círculo atrás do primeiro, um terceiro atrás do segundo, vários ciclos
concêntricos para os quais o céu era o limite (MORENO, 1984, p. 15).

- As brincadeiras tornaram-se conhecidas, ele foi acusado de pedofilia. A polícia chegou


junto com os pais e os professores. Esperto, com sua mente viva, convida os pais para brincar:
Vocês serão os filhos e os filhos serão os pais. Todos ficaram surpreendidos. Saiu do parque e
com a ajuda dos pais criou o Teatro para Crianças. O Teatro fechou por causa da guerra.

37
Aos poucos, foi ficando claro para mim que deveria deixar o reino das
crianças e passar-me para o mundo, o vasto mundo [...] acompanhava-me a
decisão de que essa ideia fixa deveria permanecer como o meu guia.
Portanto, todas as vezes que eu entrava em uma nova dimensão da vida, as
formas que eu vislumbrava com os meus próprios olhos, naquele virginal
universo, erguiam-se à minha frente. [...] O paradoxo, o irreal tornando real
(MORENO, 1984, p. 14-16).

- A sua felicidade consistia em ver a atmosfera, o mistério, o “como se”25, a realidade


suplementar o palco onde não há passado, presente e futuro, que abre suas portas para viver as
ocorrências boas ou ruins e transformá-las em papéis originais:

Realidade Suplementar é um conceito que pode ser compreendido de


diversas formas. Tecnicamente toda dramatização está contida na realidade
suplementar, já que cria um espaço que está longe de tentar repetir um
acontecimento. Num drama se procura uma cena para abrir significados e
para que possa acontecer aquilo que a realidade concreta não conseguiu
fazer. Passado, presente, ideias, fantasmas, sentimentos, podem ser
atualizados dentro da realidade suplementar. É um conceito rico banalizado
com o final feliz (BUSTOS, 2010 – Perguntas e comentários feitos para
Zerka no Congresso Processual – Ning – 2010).26

- Aliás, toda a sua vida será na busca de desenvolver uma teoria que permita quebrar,
renovar os papéis, as crenças endurecidas, uma passagem, um caminho para uma nova
resposta, um novo significado dentro da categoria do momento. Brincar, jogar, permitir viver,
reviver o mundo, apropriar-se dele, transpor uma nova realidade; sua estrela maior e
norteadora seria sempre os olhos das crianças sagazes diante do “como se”:

[...] Eu gostava desse reino encantado e planejara não abandoná-lo jamais.


(MORENO, 1984, p. 15) .

Eu mesmo me apeguei ao anonimato, à espontaneidade e à criatividade


como a madeira ao fogo (CUSCHNIR, 1997, p. 51).

- Com dificuldade, saiu do mundo das crianças e partiu para o vasto mundo de Deus.
Paralelo aos Jogos nos Jardins de Augarten e às aulas particulares, organizou junto dos quatro
amigos a Casa do Encontro. A meta dos cinco era a ajuda recíproca (MORENO, 1974, p. 79).
- Com Chaim ele desenvolve a verdadeira compreensão do encontro e escreve: O
Convite ao Encontro, gênese da teoria das relações interpessoais, escrito em 1914 (MORENO,
1992, p. 36). Antes é necessário dizer que o Convite a um Encontro era uma brochura com
vários artigos, que depois vieram a ser publicados no Jornal Daimon, entre os anos de 1918 a
1919. Os artigos são escritos em forma de diálogos, têm caráter psicodramático e são hoje
precursores da chamada “Psicoterapia Existencial”. Os diálogos são: A Divindade como
autor, A Divindade como Orador, (Psicodrama de Deus, o Axiodrama) A Divindade como
Comediante (MORENO, 1974, p. 145).
______________
25
Hans Vaihing (1852-1933). Despertou para a importância do “como se”. Mostrou que esse jogo intuitivo
amplia a “estética da percepção” e que o imaginário através desta experiência passa por elaborações
significativas.
26
NING- Espaço virtual desenvolvido pela Comissão Organizadora do 17° Congresso Brasileiro de Psicodrama e
1° Latino-americano de Psicoterapia de Grupo e Processos Grupais. 2010.

38
- O dígito binário: Encontro de Dois Olhos é um convite emblemático, que irá delinear
as suas principais edificações. Como viver e como atingir as metas focadas? Como peregrino
da verdade, disponibiliza o seu viver para delinear suas principais construções teóricas. Viver
não tem regras fixas, é como pintar uma tela, buscando formas de relacionamento, de partilha,
sem medidas para aprender a arte do encontro. No poema a seguir, é possível verificar a sua
teoria: O Momento; O Valor do Criador; O Ato; A Inversão de Papéis; O Encontro; O Tele; A
Espontaneidade; A Criatividade; A Corresponsabilidade; A Ética. É possível sentir “na pele”,
conviver com o indeterminado, com o momento, o exato minuto do encontro das relações
interpessoais; não vale qualquer valor de compensação, pois, a sua dimensão encontra-se na
espontaneidade e na criatividade: No Criador. É um apelo à liberdade, ao encontro e a
responsabilidade do Homem, à sua existência sem pré-definição, em constante construção
feita à medida que se vive a vida e as relações.

Divisa
Mais importante do que a ciência é o seu resultado,
Uma resposta provoca uma centena de perguntas.
Mais importante do que a poesia é o seu resultado,
Um poema invoca uma centena de atos heroicos.
Mais importante do que o reconhecimento é o seu resultado,
O resultado é dor e culpa. Mais importante do que a procriação é a criança.
Mais importante do que a evolução da criação é a evolução do criador.
Em lugar de passos imperativos, o imperador.
Em lugar de passos criativos, o Criador.
Um encontro de dois: olhos nos olhos, face a face.
E quando estiveres perto, arrancar-te-ei os olhos e colocá-los-ei no lugar dos meus;
E arrancarei meus olhos para colocá-los no lugar dos teus;
Então ver-te-ei com os teus olhos
E tu ver-me-ás com os meu.
Assim, até a coisa comum serve o silêncio
E nosso encontro permanece a meta sem cadeias:
Lugar indeterminado, num tempo indeterminado,
A palavra indeterminada para o Homem indeterminado.
(MORENO, 1984, p. 7).

- Com Chaim edifica “A Religião do Encontro”, a religião do ser, centrado na


criatividade, no encontro e no anonimato. Chamada Seinismo, segundo a qual, Ser e Saber são
condições inseparáveis e mútuas, o lugar da origem da existência e do pensamento. O Deus
cósmico, que há dentro de cada ser, as centelhas divinas, que preservam o fluxo natural do
momento, do espontâneo, com toda primazia da liberdade, e da criatividade. Agiam. A vida
precisava testemunhar suas crenças.
- Deliberaram seis princípios norteadores do Seinismo:
1. O da significação indivisa do ser e o esforço constante de se manter, momento a
momento, ininterruptamente, o fluxo natural e espontâneo da existência.
2. O da bem-aventurada bondade de todas as coisas existentes.
3. O do instante não como função do passado ou do futuro, mas como uma
categoria em si.
4. A ideia de situação e os desafios que ela implica.
5. As ideias de espontaneidade e criatividade como processo universal de conduta
contra os clichês e as normas da cultura já superadas.
6. A urgência de viver imediatamente a realidade desses princípios. (ALMEIDA,
1991, p. 24).
39
- Segundo Almeida (1991) a construção do Seinismo foi feita com tamanha lealdade e
convicção que permaneceu por toda a sua existência, corroborando para os principais
fundamentos da teoria psicodramática, juntamente com os ensinamentos hassídicos. Todos
adotaram a política do anonimato; ele, desde muito antes, já empregava esta conduta em
relação ao seu nome por acreditar ter um “caso” especial com Deus. Os cinco seguiam o
anonimato à risca como uma forma de ação ligada à tradição religiosa: “A presença absoluta
de Deus faz de sua falta de nome uma consequência lógica. Aquele que está sempre presente
não precisa de nome” (CUSCHNIR, 1997, p. 38).
- Todos compartilhavam os mesmos ideais e viviam na comunidade. Não aceitavam em
remuneração por seus serviços; tudo que recebiam revertiam em gratificações para Casa do
Encontro. Eles pregavam a santidade, a auto perfeição, a boa ação. Cumpriam o anonimato à
risca e os princípios definidos pelos primeiros existencialistas:

O primeiro princípio desse grupo era a “inclusão total” de ser e o esforço


constante, momento a momento, em manter seu fluxo natural, espontâneo e
ininterrupto da existência. Nenhum minuto podia ser ignorado porque cada
minuto fazia parte do ser. O segundo princípio era a bondade, a benção
natural de todas as coisas existentes. Havia a ideia do “momento”, não como
função do passado nem do futuro, mas como uma categoria por si mesma; a
ideia de “situação” e os desafios dela procedentes; as ideias de
espontaneidade e criatividade como processos universais de conduta, [...]
acima de tudo a urgência de sua experiência imediata (CUSCHNIR, 1997, p.
64).

- A vida segue misturando os fatos, as vivências, as teorias, de tal modo que o viver vai
se construindo e desconstruindo sem forma, sem paradeiro, em constate busca, não se fazendo
de rogado frente aos abalos, seguindo convicto em seu papel de Godplayer: “Precisamos
repartir a responsabilidade de cuidar do cosmo com Deus” (CUSCHNIR, 1997, p. 9).

Além da responsabilidade por mim mesmo e os cuidados comigo próprio, a


responsabilidade para com todas as pessoas mais próximas, meu pai, minha
mãe, minha irmã, meu irmão, meus amigos, as pessoas da minha cidade e de
todos os lugares [...] os povos com suas guerras, revoluções e misérias não
seriam também da minha responsabilidade? Será que todo o universo está
sobre a minha responsabilidade? Comecei a perceber que não há limite para
a responsabilidade, exceto para o que há nela de inclusivo de tudo que se
move e que se transborda em vida. Se existir responsabilidade ela deve ir
além da mera responsabilidade com a existência pessoal. Ela deve ser uma
responsabilidade com o Todo! (MORENO, 1992, p. 10, grifos do autor).

- Juntos, os cinco decidiram:

Cristo estaria nu. [...] Ele não seria um exibicionista, mas um homem que
referenciasse o estado natural do corpo. [...] Ele estaria nas ruas, onde
houvesse gente. [...] Fomos assim ampliando as fantasias um do outro,
nenhuma fantasia era absurda ou louca demais. [...] Estávamos livres em
companhia uns dos outros para compartilhar nossos pensamentos mais
íntimos. [...] Cristo ouvia vozes. Nós todos ouvíamos vozes. Qualquer um
que não ouvisse não era normal (CUSCHNIR, 1997, p. 49).

- Viviam às vezes em estado de epifania, todos com aquela súbita sensação de


realização, de compreensão da essência e do significado das coisas:
40
Escapei do destino do esquizofrênico, que funciona no vácuo e tem que
preencher o vazio com figuras alucinatórias até o ponto de chegar ele mesmo
acreditar que essas figuras interagem com ele. A única forma de livrar-se da
síndrome de Deus é desempenhando-a. [...] O psicodrama de minha vida
precedeu o psicodrama como método. Eu fui o primeiro protagonista e
diretor da terapia psicodramática, a uma só vez. Com a ajuda das pessoas,
desenvolvi uma realidade suplementar, um mundo que a cultura vigente não
proporcionara e nem podia proporcionar. [...] Fui desafiado porque tinha não
apenas de inspirar a mim mesmo para atuar em meu papel, mas porque tinha
de inspirar as pessoas ao meu redor a atuar comigo.
[...].
Naquele tempo e por muitos anos eu tive a sensação de que era o principal
ator, o protagonista de um drama com grandes cenas e saídas, cada ato
superando o outro, culminando numa grande vitória final. Era drama, mas
não teatro.
As cenas eram reais [...] mas não tão reais como numa vida comum. Eram de
uma realidade superior. Eram criadas pela minha imaginação e com a ajuda
das pessoas e objetos verdadeiros em plena vida real. [...] Eu fui capaz de
despertar ao meu redor pessoas. Às vezes, parecia-me que era capaz de
convencer a grama a ser tão verde, o céu a ser tão azul e as árvores a
crescerem tanto como eu quisesse. Quanto maiores eram as barreiras que eu
superava, mais crescia minha confiança de que podia vencer novos
obstáculos. [...] Naquele tempo eu estava tão profundamente ligado ao
estabelecimento do meu papel de benfeitor da humanidade, de um santo, que
não percebia como minha conduta podia parecer ridícula e paradoxal
(CUSCHNIR, 1997, p. 44, 53, grifo do autor).

- Todos esses feitos tiveram grande repercussão, principalmente a Casa do Encontro:


“[...] como isso impressionava a minha família. Procurei não demonstrar meu prazer com tudo
isso. Teria sido incompatível com o ar de santidade que eu procurava manter (CUSCHNIR,
1997, p. 43).
- O local fora criado para abrigar refugiados que, nos anos tumultuados precedentes à
Primeira Guerra Mundial, transitavam por Viena em busca de um novo lar. A Casa de
Encontro era uma paragem cujo propósito consistia em ajudar e assistir às pessoas pelo tempo
necessário. O grupo movimentava segundo as facilidades dos próprios conhecimentos: Ex:
Quem possuía conhecimento na prefeitura? Um dos cinco corria para conseguir uma licença
de trabalho, as melhores conquistas eram essas, conseguir emprego para os agregados:
Ajudantes em residências, em fazendas, como pedreiros etc. Quando adoeciam corriam para
obter assistência médica. Nas paredes da casa havia uma frase desenhada em cores com o
seguinte pronunciado: “Venha a nós todas as Nações. Nós lhe daremos abrigo (CUSCHNIR,
1997, p. 57).
- Todas as noites, após o jantar, havia sessões de “grupos de encontro”, onde os
problemas eram levantados, os ressentimentos expressos, esclarecidos e refeitos,
compartilhavam a vida, os sentimentos, caminhavam sem as chispas da raiva ou do rancor,
cantavam, dançavam, jogavam, estavam livres para experimentar a alegria. Os cinco
participavam do processo, não ficavam de fora como meros coordenadores. Essas reuniões
foram os modelos dos grupos de encontro que se espalharam mais tarde pelo mundo. Quando
mais tarde contar as suas histórias, ele dirá:

41
Começaram a chegar a nossa casa pessoas da Rússia, Bulgária, Romênia e
Turquia, velhos e moços, muitas vezes trazendo jornais nas mãos. Havia
artigos a meu respeito, às vezes com foto. [...] Ainda hoje fico espantado
como tantas pessoas se amontoavam naquela casa, compartilhando uns com
os outros tudo o que tinham, sem brigas nem rancores. Tentávamos manter
as famílias juntas, mas havia pouca privacidade. Mesmo assim, muitas
crianças foram concebidas e nasceram durante a longa espera pelos passes
(CUSCHNIR, 1997, p. 42, 58).

- Os cinco viviam um novo tempo. Ele particularmente é super ativo. Na Universidade


retoma o papel de excelente aluno, é participativo do meio acadêmico e mesmo absorvido
pelo Misticismo, pela Casa do Encontro e pelas Crianças, rende bons frutos nos estudos.
Realiza estágio das aulas clínicas com exceção da clínica de obstetrícia, nunca conseguiu
realizar partos. Checa e confronta com a vida, rebelando-se contra a rigidez dos dogmas.
Certa noite, em 1911, ele e um amigo caminharam para o Teatro para assistir à peça “Assim
Falou Zaratustra”. Os dois sentaram na primeira fila; a intenção era despertar os atores e o
público. Queriam chamar a atenção sobre os conflitos entre personagem e espectador e
personagem e ator. O ator devia representar a si mesmo e não o personagem:

Após meu amigo ter enfrentado o ator e o autor, subi ao palco e apresentei
minha filosofia radical. Clamei para derrubarem a instituição vigente do
teatro, a fim de criar um novo, que não seria apenas o “espelho do
sofrimento das coisas estrangeiras... mas atuaria no nosso próprio problema”
(CUSCHNIR1997, p. 91, destaque nosso).

- Nesse contexto, ele dizia que “O teatro das coisas últimas não é a repetição eterna do
mesmo, por necessidade eterna (Nietzsche), mas o oposto disso. É a repetição autogerada e
autocriada se si mesmo” (MORENO, 1984, p. 78).
- Clamava por um novo teatro, que representasse os problemas próprios do ator e do
público, que fosse de total imaginação e criatividade. Foi um escândalo, cuja consequência,
por sorte, foi apenas uma noite passada na prisão. Sua meta era debater contra os valores
vigentes, suas primeiras lutas foram axiodramática, cheias de intervenções aos valores
“caducos” moralistas.
- No segundo ano de medicina, fazia parte do currículo do curso assistir conferências.
As duas que mais o marcaram foram as seguintes: uma com Albert Einstein, no Instituto de
Física, em curta visita a Viena:

Fiquei particularmente impressionado pela capacidade de Einstein na sua


visão ampla do Cosmos. Olhando para o Universo, ele ficou excitado pela
ideia de Deus. Ele não era somente um físico, mas também um teólogo.
Disse-nos: “Vocês sabem, Deus não joga dados com o Universo”. [...] estava
convencido, ao olhar para o Cosmos como uma entidade composta de forças
criativas, ele podia descobrir as leis gerais que as regulavam. Ao penetrar no
Cosmos com sua mera intuição, ele foi capaz de fazer enormes descobertas...
[...] Nunca esqueci meu breve encontro com ele, nem das declarações que
fez à nossa classe (CUSCHNIR, 1997, p. 77).

- A outra conferência aconteceu no período que trabalhou na clínica psiquiátrica do


respeitável Professor Otto Pötzl, como interno: Dr. Freud, sobre a análise dos sonhos. Nesta
ocasião, a conferência era a análise de um Sonho Telepático. Ao termino da conferencia falou:
“O senhor analisa os sonhos dos seus pacientes e eu tento estimulá-los a sonhar de novo. Eu

42
os encontro na rua, nas suas casas. Eu ensino as pessoas a representar Deus” (CUSCHNIR
1997, p. 70).
- Nas horas livres, comparecia a julgamentos e, ao voltar para casa, convidava as
pessoas para ajudá-lo a simular as situações. Representava os diversos papéis: Júri, juiz,
promotor, criminoso e formulava as sentenças, acertava bastante. Podemos considerar que
esses foram os prelúdios do treinamento de papéis, duplo, espelho e inversão. Já foi dito no
começo que a mãe é o primeiro ego auxiliar, assiste a criança de várias formas, uma delas é
traduzindo para o bebê o que ele sente, fazendo o seu duplo. Espelho é quando a criança
começa a brincar de ser o outro. Mais à frente iremos aprofundar um pouco mais.
- Os cinco saiam pelas ruas conversando com as pessoas, entravam em suas casas. Às
vezes todos frequentavam e acompanhavam as brincadeiras com as crianças em Augarten.
Uma tarde, em 1913, após uma sessão com as crianças, ele caminha só:

Depara com uma moça bonita sorrindo para ele [...] ela usava uma saia
vermelha berrante, uma blusa branca enfeitada com laços vermelhos que
combinava com a saia. Mal começaram conversar quando aconteceu um fato
inusitado [...] um guarda se colocou entre eles e a levou embora. A afronta e
o choque me levaram a seguir o par. Quando ela retornou indaguei o que
havia acontecido: - A polícia disse que não podíamos usar roupas tão
chamativas durante o dia porque poderíamos atrair fregueses. Somente ao
entardecer temos licença para isso.
[...].
Fiquei compadecido, com raiva e ressentido pelo abuso por parte dos
pequenos deuses da delegacia de polícia contra essas mulheres. [...] aqui se
achava uma classe inteira de gente segregada pelo resto da sociedade, não
por causa de sua religião ou caráter étnico, mas por seu trabalho. Elas eram
inaceitáveis para os burgueses, os marxistas, até mesmo para os criminosos.
Estes, após cumprirem as suas sentenças, são novamente pessoas livres. Mas
essas mulheres estavam perdidas para toda eternidade. Elas não tinham
nenhum direito civil. Não havia leis nem mecanismos sociais para proteger
seus interesses. As prostitutas haviam sido estigmatizadas como pecadoras
desprezíveis e pessoas indignas durante muito tempo em nossa civilização e
isso as fizeram aceitar esse fato como algo imutável (MORENO, 1992, p.
35).

- Após esta ocorrência, passa visitar as suas casas, sem desejo de reformá-las ou de
analisá-las. No começo elas ficaram desconfiadas, posteriormente, começaram a relaxar e
contar suas histórias. Formaram um grupo de discussão, para que elas pudessem se olhar
como seres humanos e lutar pelos seus direitos de cidadãs. Compõe uma equipe
multidisciplinar: um jornalista, um médico venerologista e mais tarde um advogado, para
representá-las no tribunal. Gradualmente elas vão reconhecendo os valores reais dos
encontros e passam a se instruir e a desenvolver saídas para aquela situação, até então
imutável. Começaram a cotizar fundos para as emergências das doenças, desemprego e
velhice.
- O nosso protagonista é estudioso e é também um homem de ação! Conectou a palavra
axiologia a ação e cunhou o termo Axiodrama. O lugar onde os valores não estivessem
somente no discurso, mas também na ação. Oportunizou o sentir, o viver as aspirações morais
do psiquismo individual e coletivo, como a justiça, injustiça, verdade, beleza, bondade,
complexos, perfeição, eternidade, paz, ética, inclusão, rejeição, paradigmas, imutabilidade.
Este movimento envolvia um sentido pleno, levando sempre em conta os valores e as
necessidades de uma sociedade e a sua luta por uma vida digna. Com essa perspectiva começa
a elaborar uma teoria e uma terapêutica diferenciada, onde os grupos e os indivíduos
43
pudessem sentir e discutir as condições necessárias para o desenvolvimento de suas
potencialidades, sua autonomia, tornando-se um ser social. Através deste incidente nasceu
verdadeiramente a Psicoterapia de Grupo:

Começamos a perceber que um indivíduo poderia tornar-se o agente


terapêutico do outro. E as potencialidades de uma psicoterapia de grupo, no
nível de realidade, cristalizaram-se em nossas mentes. [...] Quatro aspectos
vieram a sua mente: 1) A autonomia do grupo. 2) A existência de uma
estrutura de grupo e a necessidade de saber mais sobre ela, o diagnóstico
grupal existindo como preliminar da psicoterapia de grupo. 3) O problema
da coletividade: a prostituição representa uma ordem coletiva como padrões
de comportamento, papéis e costumes que dinamizam as situação sociais
independente de participantes individuais e grupos locais. 4) O problema do
anonimato, a psique deixa de ser uma propriedade privada. Na terapia
individual a psique é uma propriedade privada valorizada, o grupo
enfraquece o “ego”, a tendência é a queda do narcisismo (MORENO, 1992,
p. 36).

- Essas foram as quatro pedras angulares para a criação da psicoterapia de grupo:

Em alguns círculos, a opinião sobre a teoria das relações interpessoais


prevalece como sendo um produto do pensamento psiquiátrico. Na verdade a
psiquiatria chegou em terceiro lugar nessa corrida. Primeiro chegou o
pensamento religioso e ético que proporcionou a definição operacional mais
rigorosa das relações interpessoais. [...] Em segundo lugar, veio o
pensamento sociológico. [...] e outros que culminaram com a sociometria; a
psiquiatria chegou por último. A teoria das Relações Interpessoais nasceu da
religião.
A gênese do Mestre Divino fertilizou outra ideia em minha mente. Deus não
foi um Godplayer (ator no papel de Deus) no sentido literal. Se Deus tivesse
sido somente Deus, um Narciso enamorado de si mesmo e com Sua
própria expansão, o Universo jamais teria existido. Foi porque Ele se
tornou um “amante” e um criador que foi capaz de criar o mundo. Senti
que um dos primeiros planos poderia ter sido uma ordem universal
axionormativa do Cosmos. De acordo com isso formulei duas hipóteses:
• A hipótese da proximidade espacial postula que, quanto mais próximo
dois indivíduos estão um do outro no espaço, mais eles devem sua
prioridade de amor um ao outro, uma pronta atenção e aceitação...
• A hipótese de proximidade-temporal postula que a sequência da
proximidade em tempo estabelece uma ordem precisa de atenção.
[...] O Aqui agora requer ajuda do primeiro. [...] necessita de atenção
para trás ou para frente.
Com essas duas hipóteses, tive alguns dos ingredientes do sistema
sociométrico: A ideia da proximidade e da métrica. [...] Esse modelo do
Mestre Divino, o “olho objetivo de Deus”, foi uma excelente base para o que
o investigador sociométrico pudesse construir... (MORENO, 1992, p. 36-38,
destaques nosso).

- Tudo isso durou até o começo da guerra, quanto os cinco se separam: Chaim morreu,
acabou sucumbindo à tuberculose – o excesso de trabalho e as tensões dobraram e ele não
suportou: “Foi enterrado num cemitério campal. Ninguém sabe onde descansam os seus restos
mortais. Ele morreu assim como viveu, no anonimato (CUSCHNIR 1997, p. 60).

44
Feda voltou para Praga, Andreas Petö, para Budapeste, onde começou a
trabalhar com crianças com lesões cerebrais. Anos mais tarde, foi chamado
de “doutor milagre” pela forma que conseguia reabilitar tantos pacientes.
Existe uma clínica em Budapeste que traz seu nome [O Instituto Petö,
funciona até hoje]. Ficou famoso (CUSCHNIR, 1997, p. 79).

- Novamente o nosso protagonista caminha só e conclui:

A guerra trouxe muitas mudanças em minha vida. Quando ela começou, eu


era um profeta, um líder religioso. Quando terminou, eu era um autor
publicado (apesar de anonimamente), o autor de poesia religiosa, o líder de
um grupo literário existencialista. A primeira parte do meu Invitation to na
Encounter (Convite a um Encontro) foi escrita na primavera de 1914.
A guerra teve um efeito redutor de meus êxtases religiosos. Quer o motivo
tenha sido a debandada de um círculo íntimo de entusiastas, quer a morte de
meu amigo Chaim, houve de minha parte uma conduta mais normal durante
os anos de guerra (CUSCHNIR, 1997, p. 77-78).

- Passa por mais um momento de retraimento, mas a reclusão dura pouco, afinal, os
últimos anos foram significativos para o encaminhamento de suas ações. Incorporou-se às
entidades de ajuda aos refugiados, inicialmente como estudante do último ano de medicina e
logo em seguida como recém formado. Trabalhou em dois campos de refugiados, um na
Áustria e o outro na Hungria (1915-1917). Veja como ele relata o fato na citação de Cuschnir:

Apresentei-me como voluntário para o serviço militar, mas não me aceitaram


devido à minha cidadania confusa. Entretanto, como estudante de medicina,
adiantado com uma considerável experiência clínica, fui contratado pelo
governo como oficial médico. O salário era alto [...] pela primeira vez na
vida possuí muito dinheiro. Pedi licença da escola e me coloquei à
disposição do governo (CUSCHNIR, 1997, p. 78).

- O mais relevante foi com os refugiados do Tirol do Sul no Campo Austríaco de


Mitterndorf, cuja população falava italiano, sobre os quais fez as seguintes revelações:

Estudei uma colônia italiana com população de mais de dez mil pessoas,
durante a primeira guerra mundial, quando muitos camponeses, cidadãos
austríacos de ascendência italiana, foram removidos pelo governo austríaco
para o Campo de Mitterndorf, nas cercanias de Viena. A comunidade era
construída de cabanas simples, cada uma alojando várias famílias. No
comando de cada habitação havia “um capo di barraca”, homem que se
responsabilizava pelo bem estar daquele grupo. [...] O governo se preocupou
com três problemas durante o planejamento: segurança contra o inimigo,
saneamento e subsistência. O planejamento social e psicológico, porém, não
foi considerado, nem tão pouco concebido. Um grupo do qual participei foi
nomeado pelo governo para supervisionar a questão do saneamento da nova
comunidade. Neste cargo e, mais tarde como superintendente do hospital
infantil, tive a oportunidade de estudar a comunidade [...] (MORENO, 1992,
p.38).

- Nesta ocasião, observou as condições de vida daquelas pessoas, fez amizade com
Ferruccio Bannizone, psicólogo italiano, administrador do campo desde sua abertura em
1914. Ferruccio apoiou e contribuiu para que fosse iniciado um trabalho em que pudesse ser
levado em consideração as preferências das pessoas. Em 6 de Fevereiro de 1916, escreveu
45
uma carta ao ministro, recomendando uma nova ordem para organizar os grupos. A ordem
deveria ser a reciprocidade, ela os ajudava transpor as estações de grande dor e os
fortaleceriam para vencer as intempéries. Sobre este fato veja o relato:

Os sentimentos positivos e negativos que emergem de cada casa, entre as


casas, de cada fábrica, e de cada grupo político e nacional na comunidade
podem ser explorados por meio da análise sociométrica. Uma nova ordem,
por meio de métodos sociométricos, é aqui recomendada (CUSCHNIR,
1997, p. 81).

- No campo ele desenvolveu uma vida comunitária completa. Experiência que germinou
a ideia do planejamento sociométrico das comunidades e a busca de parâmetros de
objetividade científica para as Ciências Sociais. Fez um estudo completo sobre a sociedade do
campo, usou critérios variados para os estudos das correntes psicológicas – observou que vilas
inteiras acostumadas com as montanhas do Tirol foram transportadas para área plana de
Viena, e jogadas sem seleção e sem conhecimento do meio ambiente, do sistema social, da
filosofia política, do seu sexo e da sua função comunitária. Ele considerou tais fatos como
fontes de desajustes à medida em que os atritos eram muitos e as pessoas estavam infelizes.
(MORENO, 1992, p. 38). Essa nova ordem de organização grupal é o cabeçalho da ciência
da sociometria, a ciência das redes interativas. Abraça mais que nunca os sinais do seu tempo,
com toda a sua tendência socializante contra os valores absolutistas. Nesse campo, Moreno se
envolve com o sofrimento das mulheres e das crianças em decorrência dos abusos sofridos, ou
seja, havia mergulhado nas suas vidas a tal ponto que, quando elas foram embora, uma parte
sua desejou partir junto. Participante ativo, fosse onde fosse, nos parques, nas ruas, nos
tribunais, nos campos de refugiados.
- Os anos anteriores haviam aprimorado o seu olhar versátil, astuto, aguçando a sua
percepção para novas habilidades. Conseguia mapear as constelações grupais com certa
clareza. A experiência com os jogos infantis dos jardins de Augarten contribuíram de maneira
significativa. Utilizava o “como se” e devagar ele foi percebendo as combinações grupais, as
afinidades, e foi agrupando as pessoas conforme seus interesses, em função da sua classe
social etc. Lentamente a comunidade tornou-se mais cooperativa. Suas instruções eram
simples: há um grupo ali fazendo tal “coisa”, quem deseja participar? A observação inicial
quanto à infelicidade da comunidade mudou de “prosa” e os frutos apareceram: eles, os
refugiados, se mostraram mais animados. Nesse contexto,

A tese proposta colheu frutos em sua execução: as pessoas passaram a


enfrentar com mais ânimo as dificuldades, as provações e suportavam-se
melhor, o que permitiu esboçar uma operação mais produtiva. Continuava
sendo descoberta a dinâmica das atrações e repulsas afetivas na organização
interna dos grupos (ALMEIDA, 1991, p. 36).

- Todos estes esforços nunca aliviaram a sua alma. Sempre que podia ir a Viena, à tarde
pensava: “Eu posso relaxar em um dos Cafés, mas para eles não há escapatória (CUSCHNIR,
1997, p. 82).
- Nesses passeios até Viena, conhece um novo grupo. Logo começa a pensar em
publicar um Jornal de Filosofia Existencialista, o nome do jornal deveria prestar uma
homenagem a um dos seus mestres: Sócrates. O Jornal se intitula Daimon – O Duplo Interior.
Corre o ano de 1918. O jornal é interessante é escrito por uma rede de quase todos os
intelectuais da Áustria. Eles estão tentando recuperar os destroços. Os jovens e os mais velhos
continuam se encontrando nos cafés, eles estão buscando alternativas para toda a
desintegração. Ele e um grupo encontram-se no Café Herrenhof ou no Café do Museum. A
46
turma do Café do Museum cria o Jornal Daimon. Eles são: Martin Buber, Paul Claudel,
(irmão de Camille Claudel), Nicholaus Cusanus, Otto, Stoessl, Georg Kaiser, Max Brod; tinha
um grupo de amigos literatos tchecos, entre eles, Robert Musil, Kafka, Otokar Brezina; eles
faziam parte do círculo maior em torno do Daimon. Franz Werfel era o mais íntimo dele, os
outros já estão mais velhos. O Jornal Daimon vai durar uns cinco anos.
- Neste ínterim, começa trabalhar em outro campo de refugiados. Foi para Sillein, um
campo na Hungria. Exerceu mais a prática médica, era assistente do Dr. Wragasy, “cirurgião
do cérebro”. Reagiu de forma imediata a essa técnica bárbara de “trepanação do crânio” e
aplicação de iodo no tecido exposto: “Nunca pude entender como o Dr. Wragasy chegara a
sua panacéia particular” (CUSCHNIR, 1997, p. 83).
- Ele era sádico. Os seus métodos serviram mais uma vez para abrir os seus olhos para a
natureza do poder. Em Sillein, o costume era colocar os refugiados recém-chegados em
rigorosa quarentena, como prevenção de doenças infecciosas. Ao examinar um grupo inteiro
de judeus ortodoxos, descobriu que eles estavam cheios de vermes. Foi dada uma ordem
estrita para que eles raspassem os cabelos e a barba. Os Judeus ortodoxos não queriam.
Mandou que os chamassem. Chegaram três idosos, o mais velho explicou que não poderiam
tirar a barba por questões religiosas. Um deles perguntou:

– Doutor o senhor usa barba e por que nós não podemos usá-la? Ou será que
sua barba é mais sagrada ante Deus que a nossa?
Bem, eu disse alisando a barba loura do meu queixo:
– Vocês estão enganados, não há barba no meu queixo. Abram os olhos.
Eles responderam: – Sim, Doutor.

- Na manhã seguinte o supervisor voltou mais desesperado. Mandou chamá-los


novamente:

– Ontem vocês prometeram seguir minhas ordens, mas continuam


com suas barbas.
Falou o mais velho:
– Caro Doutor, nós não temos barbas. O senhor está enganado, abra os
olhos.

- E com um enorme prazer os olhos dos velhinhos brilharam. Naquele dia, após longos
anos, chamou o barbeiro e cortou a sua barba. Na manhã seguinte pediu que os três voltassem.
Eles exclamaram:

– Doutor, o senhor mandou raspar a barba! Por quê?


– Quietos. Eu lhes disse que não tinha barba.
– Agora vocês podem se convencer disso.
– Naquela noite nenhum dos homens das barracas da quarentena tinha barba
(CUSCHNIR, 1997, p. 84).

- Pouco depois ele volta para Viena, sem barba e com dinheiro no bolso. Conclui o
curso de medicina e obtém o título no dia 5 de Fevereiro de 1917. Um dos últimos
certificados assinados pelo Imperador Francisco José. Sua mãe foi à cerimônia e “[...] voltou
para casa feliz e compensada por todos os anos de trabalho que ele havia dado” (CUSCHNIR,
1997, p. 84).
- A guerra chegou temporariamente ao fim. Os novos eventos fortaleceram ainda mais a
sua crença de nunca retirar da mente o reino encantado das crianças. O lugar do criador.
Inicia sua vida profissional em Bad Vöslau no ano de 1919. Aluga uma casa:
47
Figura 8 – Foto da casa
alugada por Moreno em
1919; atual ‘Morenos
Museum’.

- Bad Vöslau fica a 40 quilômetros ao sul de Viena. Ganha dinheiro para executar os
seus projetos em Viena: ir aos cafés, ser redator do jornal e trabalhar com o Teatro
Espontâneo. Portanto, nos anos de 1919 a 1924, sua vida será dividida entre Vöslau e Viena.
Mantém os cabelos curtos e torna um médico tradicional, trabalhando na indústria têxtil,
ganha bem. Nas horas vagas exerce a medicina clínica e resolve não cobrar pelos serviços
prestados na cidade. Tornara-se avesso à psiquiatria tradicional, dois movimentos se
entrelaçavam fora e dentro dele: o expressionista e o existencialista, movimentos que
projetavam a visão de um mundo que pretendia compreender as necessidades singulares de
cada pessoa e não aceita as classificações sistemáticas na área de saúde mental. Escolhe ser
médico de família e do trabalho, sempre atento ao sentimento e ao corpo. Abraça o
subjetivismo e exige que a vida se apresente como é experimentada no aqui-agora. Sua
reputação cresce, passa a ser visto como um médico que se importava com os pacientes,
discutia os problemas com eles e as possíveis soluções, repetindo a experiência com as
prostitutas e a Casa do Encontro de Viena. Chamou essa nova forma de tratamento de Teatro
Recíproco: “Convocava a família, os membros próximos e os convidava para reapresentar de
novo situações que tinham inicialmente trazido o sofrimento” (MARINEAU, 1992, p. 78). Às
vezes, as pessoas começavam a rir ao ver suas representações: “Cada representação é
verdadeira, a segunda vez é uma libertação da primeira” (MORENO,1974, p.120).
- Segue em conexão com as suas propostas de sempre o Encontro, o Momento, o
Anonimato e aos poucos isso se transforma em um glamour para o povo. Tornou-se um
wunderdoktor. Um Doutor Maravilhoso. Situação que despertou e provocou ciúmes nos
outros médicos na cidade e falaram que ele era um charlatão. A Universidade de Viena
assegurou que ele era um Doutor em Medicina. Deu boas risadas e pensou no paradoxo:
“Quanto mais eu me ligo ao anonimato, mais conhecido eu fico. Meus esforços para tratar dos
pobres foram vãos” (CUSCHNIR, 1997, p. 107).
- Começa a ser procurado por pessoas de posses. Certo dia, uma filha e a esposa de um
burgomestre (prefeito), o procurou; estavam sem esperanças. Ao encontrá-lo, ficaram
espantadas pela jovialidade do Doutor.
- Percebendo o espanto de ambas, rapidamente Moreno diz:

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Sinto muito, mas meu pai não pode vir essa noite; está muito, mas muito
ocupado. Sou o seu filho, ele me deu todas as instruções e me disse o que eu
preciso fazer. As duas suspiraram aliviadas, entraram na bela carruagem e
foram até a Mödling. [...] A praça que ficava em frente a casa estava lotada.
A senhora informou: O Pai está muito, muito ocupado, mandou o filho. O
senhor sorriu! Foi examinado: Tinha pneumonia e problemas do coração.
Como ele recuperou, a fama cresceu. Agora falavam: existem dois, o pai e o
filho (CUSCHNIR, 1997, p. 108).

- Certa noite, outro burgomestre foi procurá-lo; bateram à sua porta. Frau Frank foi
chamá-lo. Vinha de uma cidade mais distante, Sankt Pölten. Era um “homenzarrão”, começou
a falar... Parou e disse:

– Eu não vim para vê-lo. Quero ver o próprio velho. Onde está o seu pai?
– Ele está muito ocupado o senhor terá que esperar muito tempo.
– Preciso vê-lo. Preciso. Onde é a sua sala?
– Talvez esteja em uma das salas em cima. Siga-me.
– Subiram todos os andares e procuram por todas as salas. Eram três andares.
Ele não estava lá! O senhor Prefeito olhou interrogativamente...
– Bem, esse é o ultimo andar. Ele pode ter ido ainda mais para o alto. Siga-
me.
– Foram até o topo, acima estava o céu de inverno coberto de estrelas. Olhou
bem dentro dos olhos do Senhor, apontou para o céu e falou:
– Talvez o seu consultório esteja lá.
– Emocionado tomou suas mãos:
– Compreendo. O Pai está muito ocupado (CUSCHNIR, 1997, p. 108-109).

- O prefeito queria se suicidar e em troca daria sua herança. Deixa claro que como
médico seu papel era o oposto. O prefeito ficou hospedado no hotel da cidade. Durante
semanas falaram sobre o seu plano de morte. O Senhor escrevia suas vontades e discutia
longamente as várias maneiras que queria morrer. Em seguida comia com apetite, pensando
que essa poderia ser sua última refeição. Atuava com o Senhor Prefeito em diferentes roteiros.
Esse foi o seu primeiro trabalho com um paciente internado; seguia um processo. Aos poucos
descobre mais um dado: o valor da atuação imaginária.
- Nas idas para Viena, começa a formar um novo grupo; um grupo de atores e atrizes
frequenta os cafés, o Edifício da Secessão e o Cabaret Fledermaus. Ainda tem o Jornal. A
verdade mesmo é que após intensa atividade sexual, durante a guerra, tornou-se novamente
celibatário. Vive um novo momento de Deus-encenado. Fica triste e constata: “A maioria das
mulheres não aceita o amante carnal junto com o Deus-encenado. [...] O Deus-encenado faz
dois pedidos à musa: que faça amor com ele fisicamente e que faça amor com ele
espiritualmente” (CUSCHNIR, 1997, 102).
- Aparece então Mariane Lörnitzo. Uma bela jovem de 18 ou 19 anos, muito loura,
olhos azuis, 1,70m, esbelta, muito segura e “sugestiva”: “Não toquei nela. Ela não tocou em
mim. Amei-a com os olhos, em meus sonhos. E imaginei que ela fazia o mesmo comigo”
(CUSCHNIR, 1997, p. 103).

49
Figura 9 – Fotografia de Mariane Lörnitzo.

- Depois de Pia, na adolescência, Mariane foi a segunda mulher que tornou sua
existência maior, sua Segunda Musa. Inicialmente, atuou como secretária, depois passou a
acompanhá-lo nos atendimentos, ajudando, contracenando e atuando os pacientes nos seus
diversos roteiros. Mariane foi um grande ego auxiliar no caso do paciente suicida. Deu a ele a
possibilidade de expansão do Deus-encenado, a espontaneidade e a criatividade. Com ela,
pela primeira vez, Moreno confessa o seu íntimo, liberta a criança, o adolescente aprisionado.
Ela o acolhe e compartilha suas “vozes”, passam a viver uma “experiência interna mútua”.
Foi à plenitude total, finalmente chegou ao ápice da espontaneidade e criatividade e do
encontro. A maior epifania de todas. Era como se o universo estivesse em movimento num
número ilimitado de dimensões. Depois do Chaim, Mariane foi a primeira pessoa a quem ele
se revelou. Assim, nasce o livro: As Palavras do Pai. Toda a sua teoria, filosofia e os seus
conceitos futuros estão contidos nesse livro. Mais tarde iremos encontrá-lo no hospital de
Beacon EUA, permitindo que todos atuassem verdadeiramente no seu mundo e com os seus
papéis imaginários, com os seus egos auxiliares e o seu mundo auxiliar. Após um longo
período de conhecimento, iniciam a vida sexual e pensam em casar:

Começa encontrar um sentindo para existência que parecia, em si, vazia de


significados. Se não existisse na vida além dos sonhos sobre o nada,
poderíamos, ao menos protestar contra esse destino absurdo, esse pecado
imperdoável, esse eventual erro cósmico que teria nos abandonado por aqui,
neste planeta deserto [...] (MORENO, 1992, p. 10).

- O livro “arrebenta”, “sangra” toda a sua dor e questionamentos que batiam no seu
peito desde os 14 anos:

No livro há uma tentativa simbólica de torna-se seu próprio pai. É uma


chamada a todos os leitores para acreditarem que se transformarão em
alguém só quando tiverem a percepção e assumirem a responsabilidade de
sua criatividade e compromisso com o cosmos (MARINEAU, 1992, p. 75).

- Os sintomas, à medida que são vividos na realidade suplementar e encontram um


caminho através dos seus egos auxiliares, deixam de doer. Esse é o objetivo de ele se romper
com o domínio do discurso, trazer para fora o que há dentro; o discurso não é suficiente para
os relatos da vida interior e exterior do indivíduo. Ele encaminha as “forças contrárias do seu
ser”, o seu “duplo interior” para fora, e potencializando sua ação em um grande ato
transformado, relaxa e entrega os seus dilemas e medos.

50
AS PALAVRAS DO PAI

Cânticos:

Eu abaixo os olhos à terra com admiração


Eu levanto os olhos ao céu com surpresa
e olho em todas as direções.
Eu olho o universo uma e outra vez.
e então Eu digo com voz forte
que todos os ventos levem
a todo ser vivo ou morto
nas alturas do céu ou debaixo do céu,
sobre a terra ou debaixo da terra,
sobre as águas ou debaixo das águas,
Eu digo:
Eu sou o Criador (PALAVRAS DO PAI, 1992, p. 66).

A essência da nossa existência é a fome de criar, não no sentido intelectual,


mas como uma força dinâmica, uma corrente de criatividade (PALAVRAS
DO PAI, 1992, p. 23).

Uma suprema e silenciosa essência que Eu a chamei de amor (PALAVRAS


DO PAI, 1992, p. 61).

Oxalá que todos os seres nasçam pelos menos uma vez! (PALAVRAS DO
PAI, 1992, p. 45).

Meu eu e o Teu Eu. Quantos eus somos nós? (PALAVRAS DO PAI, 1992,
p. 91).

O que seria de ti.


Se Eu não existisse?
O que seria de Mim.
Se tu não existisse? (PALAVRAS DO PAI, 1992, p. 92).

- O apego ao anonimato permanece no livro: “Ele tinha que ser necessariamente


anônimo... [...] O nome do autor já estampa no título do livro: As Palavras do Pai” (1992, p.
16, 273).
- Todos os seus livros, publicados entre 1919 e 1925, foram anônimos:

A maior praga do século XX é a adoração do ego, [...] o anonimato, por


outro lado, começa e termina com a suposição de que um trabalho criado por
indivíduo ou grupo não é propriedade de ninguém em particular, pertence ao
universo (MORENO, 1992, p. 42).

Mariane foi uma parteira que liberou as palavras a serem ditas. Foi também
o outro significativo, através do qual ele pôde ser o criador de uma nova
“dinastia”. Não podia existir sem uma mulher... Eu era sem nome até que
falaste comigo (MARINEAU, 1992, p. 75).

- Até o final da faculdade, quando era necessário entrar no mundo real sair do
anonimato, ele assinava Jacob Levy. Quando criou o Daimon e foi para Vöslau, começou
assinar Jacob Moreno Levy. Lembra que o seu pai chamava Moreno Nissim Levy. “Moreno”
significa “professor” em hebraico. Lentamente, quando mais o pai se afastava, ele ganhava
51
em autonomia e criava sua própria dinastia. Ser “professor” era o lugar do jardim encantado.
Somou tudo e se batizou como Jacob Levy Moreno. O primeiro nome do Pai torna o nome da
sua descendência. A partir desse momento ele será Dr. Moreno ou simplesmente Moreno.
- Continua a frequentar Viena e com o Grupo de Atores principia um teatro diferente.
Sem script, sem ensaio, no improviso. Todas estas experiências abriram o caminho para a
primeira sessão oficial de psicodrama, num famoso teatro em Viena, em 1921. Na
apresentação, a tentativa era de expurgar a plateia de uma doença: o sentimento geral de
descontentamento e revolta que pairava em Viena do pós-guerra. Não há governantes. O
público era elenco e autor; a peça, sobre a situação.
- No dia 1° de Abril de 1921, convida a população para ir ao Kömödienhaus, entre as
7 e as 10 horas da noite. Ele está só. A plateia se compõe de mil pessoas:

Quando subiu a cortina, o palco estava vazio, exceto por uma poltrona de
veludo vermelho com moldura dourada e encosto alto, como um trono de um
Rei. Havia uma coroa dourada no assento da poltrona à espera de alguém
que o assumisse como um novo líder do mundo pós-guerra. Na plateia havia
curiosos, alguns apreciadores de escândalos, havia políticos, líderes
religiosos [...]. E, como outras nações da Terra, a Áustria estava inquieta, em
busca de uma nova alma (CUSCHNIR, 1997, p. 90).

- Ninguém foi aprovado, o mundo continuou sem líder. Mais tarde ele dirá: sempre
que se recordava daquela cena espantava-se com a sua ousadia, que custou a perda de alguns
amigos. A proposta sofreu severas críticas em Viena, tanto do público como dos jornais. O
jornal com a crítica mais favorável registrou no dia 2 de Abril:

O dramaturgo se apresenta ao público como um bufão do rei, que em busca


do rei do mundo, daquele rei que não pode ser escolhido, mas que deve ser
reconhecido porque ele existe como ideia e tem seu verdadeiro habitat no
coração da humanidade (CUSCHNIR, 1997, p. 91).

- Uma das funções do “bufão do rei” é dizer a verdade através da ironia e das
metáforas. O palhaço na Corte do Rei era chamado de bufão, seu o papel era aconselhar ao rei
que, apesar do seu amplo domínio, era humano e não um deus. Certo dia, o bufão, exercendo
o seu papel, chamou a atenção do rei. O Rei mandou cortar a sua cabeça, passagem dolorosa,
que fez nascer uma lágrima no seu rosto. Palhaço não fala, não tem nome, é anônimo,
representa uma variedade de emoções que vão desde as lágrimas até o riso, está sempre
preparado para arriscar de novo e mostrar que o amor é o único ensejo de ser.

Este mito é longevo, dizem que ele existe desde o momento que Deus criou
o ser humano, mas o seu nascimento é um mistério. Os primeiros relatos
desse personagem vêm da Igreja Cristã Antiga. Na igreja dos primeiros
séculos, o palhaço participava na liturgia. Era ele quem despertava a atenção
das pessoas, interrompia os que não estavam atentos a Palavra de Deus,
inclusive o pastor, e questionava os membros da igreja. Seu nome era o
“Interruptor Divino”. Foi banido, por ser considerado incômodo às
consciências da época.
O papel inicial do palhaço era lembrar aos fiéis o zelo pela Liturgia pelas
Palavras de Deus, para o encontro com a Luz Divina. A palavra “Palhaço”
em algumas línguas quer dizer o “torrão de terra”. Sua figura serve para nos
fazer lembrar quem nós somos: mesmo que tenhamos o espírito de Deus
dentro de nós, um dia vamos morrer. A máscara branca é o símbolo da

52
morte, ao colocá-la ele morre e torna-se outro personagem. Representa o
trágico, a humilhação, o seu sorriso abriga um coração estilhaçado.27
[...] o que ligares na terra terá sido ligado nos céus: e o que desligares na
terra será desligado nós céus. Mateus 16.18-19.

- Não sei se o Jornalista ou ele mesmo sabia de tudo isso. Sendo assim, a matéria do
jornal é um super elogio. A estória da origem do palhaço encaixa exatamente com os
propósitos que ele desejava.
- Registrou: ninguém é profeta na sua própria casa. Ou seja: Santo de casa não faz
milagre. Logo após o ocorrido, encontra com o seu grupo de teatro no Café do Museum.
Acreditaram que apesar de tudo, aquele teatro era viável. Alugaram uma sala no topo de um
edifício residencial, onde cabia de 40 a 60 pessoas. Nascia O Teatro da Espontaneidade, uma
forma de arte viável e um local de encontro para artistas e intelectuais conhecidos. Pessoas de
fora faziam questão de frequentá-lo quando visitavam Viena. O material dramático era
sugerido pela plateia ou surgia da cabeça dos atores. Viajavam pela Alemanha fazendo
apresentações. Nasce O Teatro da Espontaneidade em 1921.
- O grupo de atores do teatro diferenciava do grupo da Casa do Encontro e do Jornal o
Daimon, que era só de homens. Havia mulheres no “bando”. A proposta era sempre
desafiante. Não havia perfeição estética. Quando a peça saia ruim provocava muitas vaias,
quando saia boa ninguém acreditava. Passaram a trabalhar com o jornal do dia. As pessoas da
plateia liam as matérias e escolhiam. As escolhas eram representadas pelos seus atores. O
nome: Jornal vivo:

O Jornal Vivo tornou-se um divertimento popular para o povo de Viena. Era


a primeira alternativa moderna às noticias escritas.
Fizemos mais, porém, do que reencenar cenas dos jornais. A companhia
procurou pesquisar os conflitos que causavam os acontecimentos, sentir
as motivações das pessoas envolvidas, e tentar projetar as soluções finais
das histórias dramatizadas (CUSCHNIR, 1997, p. 94, grifo nosso).

- “O tom é terapêutico sociológico”. Antes de a peça ser encenada havia uma pesquisa
prévia e, ao final, os atores procuraram levar um tipo de “insight”, para plateia.
- Certo dia, um cara da plateia apaixonou por uma das atrizes. Seu nome era George e
o dela Bárbara. Bárbara era considerada a melhor atriz do Teatro, fazia com competência os
papéis de ingênua, romântica, feminina e pura. George, por sua vez, era um desconhecido e
atormentado poeta. Passado algum tempo eles se casaram. Preste atenção: ele apaixonou pela
atriz que no palco era sempre doce. Foi um fracasso!
- George procurou por ele, seus olhos estavam atormentados. Aquele ser suave,
angélico, não existia quando estavam a sós, agia como uma criatura endemoniada. Disse
George: “de doce ela não tem nada. Quando eu me zango ela responde com murros”. Quando
Bárbara subiu ao palco naquela noite, ele traçou uma nova estratégia. Bárbara passou de
mocinha para vilã. Naquele período, havia acontecido o assassinato de uma prostituta. Disse a
Bárbara: Você será a prostituta e Richard, um dos atores, será o bandido. Assim foi feito. A
atuação foi esplendorosa, o público ficou apavorado, achando que o fato poderia se repetir. O
público gritava: Pare! Pare! Este episódio e outros libertaram as suas amarras, Bárbara
começou a encarar e olhar a bruxa dentro dela. Foi sua libertação, o casal se separou. A

______________
27
Culto dos Palhaços. (Phyllis Reily e Ernesto C. Barros Juname em Lins/1979). Datas Especiais. Datas para
Celebrar. Disponível em: <http://www.bing.com/search?q=o+palha%c3%a7o+na+igreja+dos+primeiros+secul
os&FORM=WLETLB&PC=WLEM&MKT=pt-br>. Acesso em: 05 de maio de 2013.

53
Bárbara cresceu, George que era um tipo temperamental e provavelmente exigia maiores
cuidados, não foi visto, o foco desse enredo era Bárbara. Seus olhos não perceberam que
George merecia uma atenção especial.
- George se suicidou. Desta vez, o fato não ocorreu como a história do prefeito de
Vöslau. Nesta época ele não tinha o conhecimento suficiente sobre as correntes dinâmicas, e
as distorções da percepção entre as relações. Antes de Bárbara e George outro membro do
grupo também havia se suicidado. Estavam realizando “terapia dramática”, tudo parecia bem,
mas um dia Diora deixou Robert. Ele se suicidou no dia seguinte.
- Parece que Diora e Bárbara conseguiram desatar os seus “nós”, mas seus parceiros não
tiveram a mesma resposta. Mais tarde, ao aprofundar seus estudos sobre as patologias do
grupo, irá observar que há entre as relações uma “nuvem” complementar, uma medida
vincular desencadeante de cadeias eternas e recorrentes de um aprofundamento dos próprios
problemas. Assim, “Buscar a autodestruição, nestes casos, provoca a negação e a eliminação
da consciência, não do conflito. O conflito é eterno. O nó é cortado, ao invés de ser
desmanchado” (MORENO, 1984, p. 106).
- Se o nó é cortado e o outro mantém uma percepção destorcida da relação, o resultado
pode ser catastrófico. Há relações onde o nó serve para os indivíduos solucionar as suas
necessidades de amor. São as relações projetadas, que no contexto terapêutico ganham o
nome de transferência, isto é, atualizar as frustrações, o desejo do passado no presente. Neste
caso cabe ao Psicoterapeuta saber como manejar. Mas quando o nó ocorre no contexto da
relação familiar ou de casal, vários papéis podem ser desenvolvidos e representar várias
formas de se relacionar; uma delas é a relação da co-dependência. O papel do cuidador pede
o papel complementar do doente. Portanto, o cuidador passa a viver em função do “doente”,
praticando o cuidado através de um papel tutelar obsessivo, tornando a razão da vida do
cuidador. Os co-dependentes e seus dependentes parecem viver sobre um intenso sentimento
de culpa; buscando o reconhecimento do outro, cristalizam papéis e sentimentos que não
conseguem desvencilhar. Suas escolhas são ambivalentes e projetam sobre o mesmo
indivíduo, amor e ódio, atração e repulsão. As escolhas ambivalentes se baseiam em
percepções deformadas, e com grandes discordâncias entre as expectativas e os fatos. Nestas
circunstâncias é que um papel “doente” encontra o complementar desejado. A comunicação,
nestes relacionamentos, é escusa, as emoções não são expressas, criando expectativas
irrealistas. Há um pacto de silêncio mantenedor do equilíbrio caótico entre os pares. Bárbara
e Diora deixaram, ou não quiseram representar, o papel complementar que seus maridos
demandavam. É a hipótese mais cabível neste contexto.
- Para todo o papel existe um complementar saudável ou doente. O papel saudável é o
do Criador, o doente o da criatura. Só mais tarde é que ele irá descobrir que relacionar é uma
dança envolta por dimensões invisíveis, indo e vindo, de um para o outro. Dimensões que
podem ser sombrias, desajustadas levando a dança ao descompasso e ao ritmo frenético da
morte. No caso do George e Robert, eles encontraram a morte. O corte aconteceu antes de eles
aprenderem a se desligar ao se separar de suas parceiras. Também não cabia a elas
submeterem ao jugo da co-dependência de seus parceiros.
- Estas ocorrências deixaram marcas profundas. Novamente ele passa por um período de
intenso autoexame. Reflexões que o levaram a procurar soluções para aprimorar e elaborar
melhor o “lugar da cena”; inicia a criação de uma metodologia e averigua a importância do
aquecimento, a “cautela” nas intervenções e como explorar os papéis e suas relações. Novos
recursos terapêuticos começam a ser disponibilizados: Duplo, Inversão de Papéis, Solilóquio e
o Compartilhar, a plateia começa a ser incluída. Alarga sua produção e amplia ainda mais o
“Teatro Recíproco” nas casas com as famílias. Nasce do caso Barbara e George a
Psicoterapia de Casal e do Teatro Recíproco, a Psicoterapia de Família. Neste intervalo,
Moreno vive outro grande golpe junto a “trupe” do Teatro espontâneo: “A pior dificuldade
54
que tive foi ver os meus melhores alunos flertando com o clichê... [...] Em fase desse dilema
voltei ‘temporariamente’ para o teatro terapêutico” (CUSCHNIR, 1997, p. 94).
- Era muito difícil trabalhar só no improviso, aquilo não trazia a fama do Teatro
Tradicional. Era imperdoável um ator que não comungasse com a estética da conserva. Era
mais fácil defender 100% a espontaneidade num teatro terapêutico:

As imperfeições estéticas de um ator não são aceitas [...] mas as


imperfeições e incongruências que um paciente mostra num palco [...] não só
são facilmente toleradas, mas esperadas e, muitas vezes, calorosamente bem-
vindas. Os atores se tornaram verdadeiros “egos auxiliares”. Eles também
foram aceitos na pureza do seu talento natural sem o perfeccionismo
emprestado do teatro (CUSCHNIR, 1997, p. 94).

- As sementes do nazismo e do anti-semitismo estavam cada vez mais fortes, além da


crescente mediocridade da sociedade germânica da época. Assim, nosso protagonista teve
uma intuição: deixar a Europa e buscar refúgio nos Estados Unidos. Sonha que estava em
Nova York, na Quinta Avenida; começa a ouvir uma mensagem gravada; sua mente
borbulhante imagina um aparelho de gravação; chama o irmão de Mariane e começam a
projetar um “Radio Film”. Trabalham três anos com o projeto, com esperança de vender o
aparelho. Sente-se livre para deixar Viena. Embarca de navio para a América no ano de 1925.
Mariane ficou cuidando da casa de Vöslau, pois ele pretendia ter dupla residência.
- A motivação para emigração não foi simplesmente por apreensão pessoal, mas
também pela urgência de se descobrir um lugar apropriado para a consumação de seu
trabalho. O ano de 1924 havia revelado o valor Terapêutico da dramatização espontânea, da
inversão de papéis e o alerta quanto ao uso dos métodos sem enquadre clínico. Sua mala
continha várias criações, alguns recursos, muitas dores e uma enorme esperança:

De tudo, ficaram três coisas: a certeza de que ele estava sempre começando,
a certeza de que era preciso continuar e a certeza de que seria interrompido
antes de terminar. Fazer da queda um passo de dança, do medo uma escada,
do sono uma ponte, da procura um encontro (SABINO, Fernando. O
encontro marcado. Editora Record, 1977, p. 145).

- Chegou a Nova York em Outubro de 1925. Um repórter perguntou a ele o que sabia da
vida da América. Falou-lhe sobre suas ideias e que talvez elas pudessem ser aceitas ali e
declarou: O mais notável sociologista e Godplayer americano de que posso me lembrar é
Walt Whitman. Outra figura marcante para Moreno nos EUA foi John Dewey, reconhecido
como um dos fundadores da escola filosófica do Pragmatismo. Realizou estudos (1910) sobre
a análise do pensamento em termos de adaptação. Ele foi o responsável pela aplicação do
pragmatismo à educação. Para ele, era necessário estudar a influência do grupo no indivíduo
para saber como educá-lo. Dizia Dewey que o sentido da vida é a ação e o valor da verdade
resulta do rendimento.

Ação [...] é adaptação, ajustamento. [...] toda atividade se efetiva em um


meio, em uma situação, e com referência às suas condições. [...] Tudo afinal
se resume na atividade em que entra a inteligência, reagindo ao que lhe é
externamente apresentado (DEWEY, 1952, p. 45).

- Voltemos a Mariane. A América não foi como ele esperava. Os primeiros anos foram
anos difíceis. No começo eles se correspondiam, mas aos poucos... A nova vida foi tomando
conta. Ela ainda esperou por ele, mas depois casou-se, transformou-se; ao final, enviava para
55
ele todos os recortes de jornais de Viena que falava sobre suas conquistas, guardou suas
cartas. Morreu em 1984.
- Nas suas anotações ele escreveu:

O que aconteceu a Marianne e a mim [...] está profundamente impresso em


minha mente. [...] qual era o elemento que nos mantinha juntos? Penso que
pode ser melhor expressado como um relacionamento que se baseava em fé
mútua. [...] a gente sabe intuitivamente que pode confiar um no outro, que a
vida e a morte não vão atrapalhar a existência dessa devoção (CUSCHNIR,
1974, p. 104- 105).

- Ao chegar à América a luta no início foi grande. Sem muito sucesso com o gravador
ele tenta se restabelecer. Os primeiros cinco anos foram difíceis, separado de Marianne, sem
possibilidades de trabalho e com pouca perspectiva de recomeço; sofreu sérias dificuldades
econômicas. Esperou um bom tempo o reconhecimento de seu título de médico. Com
habilidade de adaptação e bons contatos com Dr. Bela Schick (o inventor do teste Schick para
imunização da difteria), inicia uma nova jornada, Bela interessou por seus trabalhos com as
crianças e por seu intermédio as portas começam abrir; realiza no Hospital Mt. Sinai o
primeiro role playing em uma instituição americana. Neste período, quase regressa para
Europa. Conhece a educadora Beatrice Beecher que, interessada pelos seus trabalhos sobre a
espontaneidade infantil, introduz o psicodrama com as crianças em Plymouth. Propõe-lhe em
casamento para ajudá-lo obter a condição de imigrante (legal) no país. Aceita a proposta e se
casaram em 1928, divorciando-se em 1939, como combinado, após a obtenção do visto. Em
22 de Setembro de 1927 seu diploma foi reconhecido. As coisas começaram a melhorar, volta
a atuar como médico, abre um consultório em Nova York e começa a dar conferências sobre
seus trabalhos de espontaneidade. Com carisma e determinação conseguiu ter ao seu lado
pessoas que se dispuseram em ajudá-lo. Outra foi Helen Jennings, considerada por ele como
uma grande Cientista Social. Helen o apresentou ao seu mentor e supervisor de sua tese de
Doutorado – Gardner Murphy. Através deste contato começa a se relacionar com pessoas
expressivas e a ter conexões com Psicólogos Sociais, Sociólogos, Grupos de Artistas e
intelectuais. Inicia um novo momento, consegue realizar alguns trabalhos, publicar algumas
obras e estabelecer importantes contatos com os psicólogos sociais americanos. Em 1927,
além de receber o certificado para exercer Medicina em Nova York, efetiva sua primeira
apresentação psicodramática, com o objetivo de difundir a espontaneidade e a criatividade.
Aprimora as técnicas do Teatro do Improviso, do Psicodrama do Jornal Vivo e da
Dramatização de Conflitos (axiodrama).

Poderíamos considerar esses cinco anos como “aquecimento” americano em


função de um trabalho futuro. Foram anos difíceis, mas, com sua habilidade
para adaptar às circunstâncias, Moreno armou com sucesso o cenário para os
mais criativos anos de sua vida (MARINEAU, 1992, p. 108).

No dia 5 de Abril de 1931, dez anos após o fracasso do Komödienhaus de


Viena, Moreno apresentou-se novamente em público, desta vez ele não
estava só no palco, estava só diante daquela nova comunidade, não tinha
Franz Werfel e o seu grupo de amigos para aplaudi-lo. Pelo programa oficial
pode-se observar que as peças eram improvisadas pelo grupo e analisadas
posteriormente por Moreno que atuava no papel de analista, ou então se
apresentava no papel de professor, sendo digno ao seu nome em hebraico
“Morenu” (MARINEAU, 1992, p. 132).

56
- Entre os anos de 1931 e 1932, Moreno desenvolve novas contribuições à comunidade
científica e introduz o termo Psicoterapia de Grupo ao participar de uma reunião da
Associação Psiquiátrica Americana; publica a revista Impromptu (a primeira do gênero sobre
o assunto). Trabalha com pesquisa sociométrica, analisando as relações interpessoais numa
prisão americana de Sing Sing (semelhante ao trabalho com os refugiados de Mittendorf).
Passa a ser diretor de pesquisa na escola de Reeducação de Jovens, localizada em Hudson.
Moreno inicia um trabalho utilizando a sociometria acrescida com as técnicas sócio-
dinâmicas, como o role-playing: treinamento de papéis. Moreno convidava as garotas para
representarem situações reais ou imaginárias, explorava os papéis que elas desempenhavam,
apresentava a analise de suas produções para que elas pudessem compreender o acontecido.
As meninas não eram repreendidas, experimentavam e reexperimentavam através das
dramatizações. A propósito dessa intenção terapêutica, Naffah Neto diz o seguinte:

Às técnicas sociométricas, são acrescidas técnicas sociodinâmicas como a de


desempenho de papéis (role-playing). A partir daí começa-se a operar a
reorganização da instituição: com base nos sociogramas e nos outros testes,
novos agrupamentos passam a substituir os antigos, as “patologias” das
relações passam a ser reveladas e “tratadas” em sessões de role-playing, de
psicodrama e sociodrama, enquanto o teste de espontaneidade e o teatro
espontâneo passam a funcionar no sentido de confrontar as detentas com
futuras situações que poderão encontrar quando saírem da instituição, em
liberdade total ou provisória. Como consequência de tudo isso, aumentam a
produtividade nas relações e a capacidade de abertura e entendimento entre
as detentas; as fugas diminuem, tornam-se raras, pois a vida em Hudson
adquire ao poucos um caráter mais humano (NAFFAH NETO,1997, p. 145).

- Nesta fase seus trabalhos estão direcionados para a investigação e mensuração das
relações interpessoais: a Sociometria. Era época de se fazer respeitar no meio científico;
renuncia novamente às suas ideias vanguardistas, preocupando-se em estruturar suas teorias.
Recebe apoio de Helen Jennings no mapeamento estatístico para o Livro “Quem
Sobreviverá?”, livro que reforça o ser criativo, critica as conservas e diz não ser preciso que a
Religião e Ciência estejam em oposição. Apresenta os resultados de sua pesquisa sobre
diagramas sociométricos com suas análises estatísticas na área da microssociologia. A
repercussão dessa obra foi tamanha que em 1937 é convidado a lecionar Sociometria na
Escola de Pesquisa Social de Nova York. Neste ínterim, acontece o famoso embate com o Dr.
A. A. Bril e a sua tese desenvolvida sobre Abraham Lincoln. O fato aconteceu numa sessão da
Associação Americana de Psicanálise. Nesta ocasião é possível ver que Moreno foi um
estudioso da psicanálise. O episódio encontra-se relatado no livro Quem Sobreviverá, nas
páginas 48 a 54 e no livro de René Marineau – Jacob Levy Moreno 1989-1974, nas páginas
133 a 136. Vale à pena ler. Essas são as indagações feitas por Moreno:

Há quatros perguntas intrigantes. Primeiro por que escolheu uma pessoa


morta ao invés de uma viva? Segundo, por que escolheu um personagem
ilustre destacado e particularmente americano? Terceiro por que Abraham
Lincoln? Quarto, por que escolheu a mim para discutir sua hipótese?

- Conhece Florence Bridge: casam-se em 1936 e ficam casados por 10 anos. Dessa
união nasce Regina Moreno. No entanto, seu casamento não lhe fazia feliz. Florence era
muito dedicada ao marido, mas não lhe proporcionava a parceria que precisava.

57
Figura 10 – Fotografia de J. L. Moreno, sua esposa,
Florence Bridge e Regina Moreno, filha do casal.

- Florence foi sua colaboradora e organizadora da Teoria da Espontaneidade do


Desenvolvimento Infantil.
- O Psicodrama, enquanto método terapêutico consolidou-se no ano de 1936, em
Beacon, cidadezinha próxima a Nova York, junto ao Rio Hudson. Moreno escolhe um prédio
que havia sido uma “velha escola”, fato altamente simbólico (MARINEAU, 1992, p. 138).
Constrói seu próprio hospital psiquiátrico e depois a Editora Beacon Press. No começo, não
havia pacientes. Gertrude Franchot Tone, interessada em expor suas ideias sobre o livro
“Quem Sobreviverá?”, passa a residir no hospital. Gertrude era alcoolista e extremamente
rica. Oferece dinheiro para que Moreno pudesse construir o primeiro palco de Teatro de
Psicodrama. Moreno dedica esse Teatro a Sra. Franchot Tone – O Teatro ficou famoso em
todo o mundo. Os pacientes eram estimulados a dramatizar sua vida durante as sessões e a
metodologia psicodramática ganha uma ordem: 1° as etapas: aquecimento, dramatização e o
compartilhamento; 2° os instrumentos: protagonista, egos auxiliares, diretor e plateia, como
elementos essenciais da sessão. As técnicas de inversão de papéis, duplo e espelho, são mais
aprimoradas. Mais tarde, a casa de Beacon tornaria um centro de formação de suas ideias.
Inicia os programas de formação em Psicodrama e Psicoterapia de Grupo. Publica os três
volumes de sua obra Psychodrama. No Brasil recebem os títulos Psicodrama; Fundamentos
do Psicodrama e Psicoterapia de Grupo e Psicodrama. Em Beacon aconteciam sessões
semanais de Psicodrama Público.
- O sanatório de Beacon foi para Moreno a sua libertação do Sistema; lá ele pode
verdadeiramente realizar toda a sua “utopia” e os pacientes podiam experimentar sua
liberdade interior, através da exploração de seus sentimentos, ainda que fossem à primeira
vista confusos e incoerentes. Beacon era o lugar sonhado por Moreno, o “cosmos” que
abarcava todos os seres e promovia a saúde mental, individual e social:

Ter meu próprio hospital foi uma espécie de libertação do sistema. Num
outro nível, foi análogo à minha experiência mais antiga de representar Deus
na idade de quatro anos. [...] Tive a brilhante ideia de voltar às fantasias de
minha infância. Naquele tempo, queria ensinar às crianças como se fazerem
de Deus. Agora, eu quis começar com os adultos, aqueles mais doentes
mentalmente, a fim de curá-los através do psicodrama. Ali, eu era Deus
usando o psicodrama como o remédio cósmico (MARINEAU, 1992, p. 142-
143).

- Durante todos esses anos esteve junto com o seu irmão, William. Seu irmão foi “seu
arrimo incondicional”; sempre estiveram juntos e “sabiam como usar a força um do outro para
minimizar as próprias fraquezas”. William havia chegado antes aos Estados Unidos. Ajudou
Moreno a fundar o Instituto de Sociometria em Nova York, contribuindo com tempo e
58
dinheiro. Ele era hábil financeiramente. O Livro Psicodrama, Volume I, foi dedicado ao seu
irmão.
- Em 1941 conhece Celine Zerka Toeman28, A Terceira Musa. Zerka chega ao
consultório de Moreno levando a irmã doente que fugia da Europa nazista. Um imediato
interesse e simpatia surgiram entre os dois. Gradativamente, tornou-se sua inspiradora, co-
terapeuta e parceira de pesquisas e de publicações subsequentes. Colaboradora notável e
insubstituível, tanto em sua vida quanto em sua obra. Nenhuma outra mulher havia entrado
tão profundamente na vida de Moreno. Ambos foram parceiros no amor e no trabalho. Zerka
foi mais que uma musa inspiradora, foi co-criadora, uma extensão dos seus pensamentos, seu
alterego em forma feminina. Em 1949 eles se casam. Zerka e Moreno tiveram um filho:
Jonathan Moreno.
- O sucesso chega. Viaja para dar conferências, aulas e atuar em Nova York. Em 1942
inaugurou os Institutos Sociométricos e Psicodramáticos em Nova York. Em Nova York,
mantinha dois consultórios: um em uma área pobre, atendendo as pessoas sem cobrar e o
outro em uma área rica, onde ganhava dinheiro. Nos anos 40 percebe a importância de criar
um fórum para os profissionais interessados em seus trabalhos. A vida impõe a Moreno
padrões e procedimentos de seleção para conceder diplomas no âmbito de sua organização.
Assim, o homem avesso às conservas culturais é obrigado a submetê-las para garantir sua
obra. Parece até que o modelo dos anos de Viena permaneceu... e cá está ele, cheio de várias
atividades...
- Começa ser solicitado cada vez mais em Nova York e a partir da década de 50, em
todo o mundo. Retorna à Europa (Paris) após de 25 ano; foi uma experiência comovente;
constrói pontes com alguns psicanalistas. No ano de 1955, Anne Ancelin Schützenberger
preside o Grupo Francês de Estudos de Sociometria, Dinâmica de Grupos e Psicodrama.
Realmente, ele agora entrava no vasto mundo. Anos mais tarde, em 1964, na abertura do
Primeiro Congresso Internacional de Psicodrama também em Paris, ele disse: “Se esse
congresso tem lugar em Paris é pelo que a França e o psicodrama representam para mim:
Liberdade, igualdade e fraternidade” (MARINEAU, 1992, p. 154).
- Nos anos de 1955 a 1958 tudo parecia bem: encontro com a musa, respeito da
comunidade e... acontece a maior dor de todas! Zerka teve que amputar o braço por causa de
um câncer. Zerka, que vinha sofrendo de dores no ombro desde 1955, após passar por vários
diagnósticos, o resultado conclusivo chega em maio de 1957: Condrosarcoma – uma
malignidade da cartilagem na junta do ombro. O médico sentenciou: “Não temos alternativa:
amputação ou a morte”. O tumor crescia a cada dia, a cirurgia deveria ser rápida para que o
câncer não atingisse o pulmão. A dor foi imensa, reflete: “A psiquiatria, o psicodrama, estão
fora desta questão. Não se pode conversar com os ossos...” No primeiro momento que soube
do diagnóstico, ele se afasta, retorna ao hospital às 17 horas para contar a Zerka a dolorosa
notícia. Ao se manifestar sobre este acontecimento, Moreno diz, segundo citação de
Cuschinir:

Durante os anos da doença de Zerka, fiquei cada vez mais atacado de artrite.
Sofri um primeiro ataque em Vöslau, quando era ainda jovem. Estava com
tal sentimento de desamparado e desesperado que era próximo ao ódio por

______________
28
Zerka continua a treinar e ensinar a teoria psicodramática desde a morte de Moreno. Zerka Moreno é
reconhecida como líder em trazer este método para a vida das comunidades em todo o mundo. Escreveu os
livros: Psicodrama de Criança, que foi publicado pela editora Petrópolis em 1975; Cantos de Amor à Vida,
publicado pela editora Psy II em 1995; A Realidade Suplementar e a Arte de Curar, que foi editado pela Ágora,
em 2001. Os seus muitos anos de pesquisa originaram o livro: A Quintessência de Zerka - São Artigos sobre
Psicodrama, Sociometria e Psicoterapia de Grupo – os dois últimos são Editados no Brasil pela Ágora.

59
mim mesmo. Meu conhecimento médico e meu Godplaying não valeram de
nada. Com a doença de Zerka acontece o reverso: O Deus da Humildade. O
Senhor me deu um braço direito e agora o tomou.
[...].
Nos quinze anos desde a sua operação Zerka tem assumido gradualmente
mais e mais os meus deveres, conforme minha artrite, (tem) aumentado de
gravidade. Ela se tornou uma administradora capaz, além de todas as outras
especialidades e qualidades pessoais que a tornaram uma psicodramatista
talentosa, pesquisadora sociométrica capaz, escritora, editora e professora.
Ela faz quase tudo o que fazia antes da operação, Ela dirige, costura, dança,
datilografa tudo, menos nadar (CUSCHNIR 1997, p. 148).

- Zerka T. Moreno representa a maior contribuição para o campo da Psicoterapia de


Grupo e Psicodrama. Moreno e Zerka fundaram o Instituto sociométrica no Park Avenue,
Nova Iorque. Em 1942 produziram o Jornal Group Psychotherapy (originalmente chamado
Sociatry), que em 1947, publica um volume de pesquisas que documenta a aplicação e o
aperfeiçoamento do método para as ciências sociais, psicodrama e sociometria. Zerka Moreno
foi parceira de JL Moreno e co-criadora, por mais de trinta anos, até sua morte em 1974.

Figura 11 – Fotografias de Zerka Toeman


Moreno e Jonathan Moreno.

- O tempo e a idade o tornaram mais afável. Recebeu várias homenagens e


condecorações, inclusive de associações psiquiátricas dentro e fora dos EUA. Outros
empreendimentos exigiam de Moreno e Zerka constantes viagens. O momento era de divulgar
o Psicodrama para o mundo. Infelizmente Beacon deveria desaparecer.

Figura 12 – Fotografias do Teatro (original) Bughton Place (USA) e de cenas diversas alusivas à
vida de Moreno e às suas atividades ligadas ao Psicodrama.

60
- Ei? Cadê você... Tá dormindo? Falei muito?
- Não, eu só estou de olhos fechados, curtindo a sombra da árvore. Tem mais?
Continuo achando que esse “cara” é “doido” consciente.
- Ele disse certa vez que sofria de megalomania normalis. Eu compreendo que ele quis
dizer: para ser grande na existência a coragem é essencial. Só ela é capaz de mobilizar o
coração e fazer todo o corpo entrar em movimento. Por isso a sua raiz advém da palavra
francesa coeur, cujo significado é coração.
- Bonito isso. Continua.
- Bom, vamos fazer agora um olhar mais retrospectivo, lá nas civilizações primitivas.
- Agora é arqueologia?
- É quase arqueologia do desenvolvimento social. Mas, o que importa? “O que importa
é alimentar gente, educar gente, empregar gente. História é gente. Descobrir e reinventar
gente são a grande obra da cultura”.
- Quem disse isso?
- Betinho. O Herbert José de Sousa, sociólogo. Irmão do cartunista Henfil e do músico
Chico Mário?
- Todos foram embora num rabo de foguete, né? “Meu Brasil que sonha com a volta do
irmão do Henfil / com tanta gente que partiu num rabo-de-foguete / chora a nossa pátria”. Já
vieram e já foram... Até quem cantava já partiu. Vamos ficar quanto tempo mais em Viena?
V Calma. Aguenta a saudade do Brasil. Você está ficando boa nisso.
- Isso é interessante, a gente fala uma coisa e ela puxa outra e mais outra. Freud chamou
isso de “associação livre”?
- Sim! Tem muitos nomes além desse: ressonância, consonância, multiplicação
dramática, associação de cenas, contar “causo”. Mas, vamos voltar ao nosso Protagonista?
- Vamos. Esse menino de quatro anos e meio foi levado da “breca”. Cresceu, mas
manteve firme a proposta que fez neste jardim. Conservou a vontade e a coragem do olhar da
criança, sua estrela guia.
- Mas, isso não seria ingenuidade?
- Ingênuo? Nunca! Ele disse no livro “Quem sobreviverá?”, na página 90. Preste
atenção, é o seguinte:

Esse estudo revelou surpreendentemente verdade de que nosso universo


social encontra-se envergado ao peso da agressividade, crueldade, além de
sentimento da inveja de todos os tipos, profundamente implantadas, não
apenas nos indivíduos, mas, particularmente, na complexa estrutura de
interação social.

- Com tudo isso, ele foi até ao final e batalhou durante os seus últimos 20 anos, para
construir o IAGP? Bom, acho que era o que faltava para ele também partir num rabo de
foguete. Deve estar agora fazendo a tal da Cosmoterapia.
- Como sabe disso? Essa parte do IAGP, não entrou aqui?
- Peguei-te... Mas cadê a arqueologia social, a ontologia, a deontologia, a psicologia, a
epistemologia, a sociologia? Foi por isso que o Betinho surgiu com toda a sua irmandade.
Aquilo que você ia dizer lá traz, cabe numa dessas “logias”. Afinal todas estudam o homem
na sua construção social, na construção do seu conhecimento, na construção da sua alma, na
evolução, nos seus valores e nos seus costumes. Cadê a retrospectiva?
- Posso falar? ‘Você agora tá com tudo e não tá prosa’. Queria dizer que nosso
Protagonista disse o seguinte:

Que as civilizações primitivas, já haviam tomado consciência e que a sua


sabedoria consistia em atribuir às forças do grupo um papel decisivo na
61
construção social. Reconhecendo desde cedo que era mais fácil objetivar e
resolver problemas individuais dentro do grupo. Isso era revelado nas
danças, nos rituais primitivos, no “conselho dos anciãos”, nos conselhos de
guerra. Para ele, no começo existia o grupo, no fim o indivíduo, dizendo que
isso faz parte dos seres pluricelulares e até dos protozoários.

- Isso ele fala no livro Psicoterapia de Grupo e Psicodrama.


- Qual é a pagina?
- Página 27.
- No outro livro, que chama Psicodrama, na página 62 ele continua e diz que os
verdadeiros precedentes do psicodrama encontram-se no período pré-histórico. No livro
Psicoterapia de Grupo e Psicodrama, na página 33, ele reafirma este fato.
- Nossa, ele não poderia ter colocado no mesmo livro? Ele escreve duas coisas em livros
diferentes e repete?
- Não. Sim. Ele não lia um livro de cada vez. Isso deve ter influenciado na sua forma de
escrever. Isso é bom. A gente aprende a fazer uma leitura com todos os livros juntos, pulando
de um lugar para o outro. É bom para manter o cérebro ativo. Rosa Cukier até escreveu um
livro ensinando como ler de frente para traz, de lado, de cabeça para baixo etc. O nome do
livro é Palavras de Jacob Levy Moreno.
- Que chique! Será que ele sofria de Déficit de Atenção? Hiperatividade? Além
daquelas outras “coisinhas”?
- Você fica o tempo todo querendo enquadrá-lo em um diagnóstico. Esqueceu que ele
prometeu quando saiu do Parque?
- Verdade. Agora se fosse possível, aposto que estaria mostrando para todo mundo a
repercussão de suas ideias, depois de passado 35 anos do seu falecimento e 120 do seu
nascimento: “não falei que a minhas ideias só seriam compreendidas mais adiante?” Isso que
é um Homem à Frente do seu Tempo. É o Psicodrama no Século XXI.
- Você andou lendo? Esse é outro livro que foi escrito pelo Grupo de estudos do
Daimon.
- Bom, quero mostrar os meus conhecimentos. Já que vim parar aqui e você começou
com essa história toda. São muitos livros de Psicodrama?
- Muitos. Já perdi a conta... Só no Brasil dá uma biblioteca.
- Então ele ia precisar de um carro para sair mostrando, não dá para ficar com uma
biblioteca debaixo do braço. Ah! Hoje em dia pode ser “Virtual”... Será que cabe no “Pen
Drive”? Os seus livros já estão disponíveis na internet?
- Alguns. Você tá ficando maliciosa!
- Mas não é verdade?
- Vamos ao livro Psicodrama, na página 50, e ao livro Psicoterapia de Grupo e
Psicodrama. Veja o que ele diz...
- E as páginas?
- Páginas: 50, 110, 28, 80, 88 e 28 novamente.
- Como é tudo ambíguo, a ordem está correta, ou melhor, a desordem.

62
- Corretíssima. Veja só uma amostra:

O seu berço em minha autobiografia pode projetar mais luz sobre o seu
nascimento. Esta exceção ao hábito intelectual de sobriedade pode ser
particularmente desculpável em virtude do modo como desenvolveu o
psicodrama. Não foi uma obra escrita que o introduziu (coisa que só
secundariamente aconteceu), nem um bando de escritores, colaboradores e
protagonista, mas as repetidas apresentações públicas. Comecei como
condutor de sessões para grupos maiores ou menores em diferentes lugares –
jardins, ruas, teatros, unidades militares, prisões e hospitais. Com efeito, um
impulso tão persistente no sentido de metas por mim próprio escolhidas,
apesar de uma opinião pública despreparada, deve ter profundas implicações
pessoais (p. 50).

Historicamente o psicodrama origina dos princípios do Jogo. A brincadeira


sempre existiu, é mais velha que a humanidade, acompanhou a vida do
organismo vivo como uma manifestação de exuberância, nível precursor de
seu crescimento e desenvolvimento.
[...] Mas uma nova visão de jogo surgiu quando começamos a brincar com as
crianças nas ruas e nos Jardins de Viena, nos anos que precederam a
explosão da Primeira Guerra Mundial: o brinquedo como um princípio de
autotratamento e a terapia de grupo como uma forma de vivência original.
[...] a abertura do primeiro teatro terapêutico, o teatro de improvisação em
Viena, em 1921, foi um triunfo para o princípio do jogo (p. 110).

[...] A ideia de Psicoterapia de Grupo nasceu em Viena entre os anos de 1910


a 1914. Nos jardins de Viena comecei a formar grupos de crianças e
improvisar representação. [...] depois grupos de discussão com prostitutas
[...] depois os refugiados de Mittendorf. Coroaram esse primeiro período (p.
28).

[...] Todos eram terapeutas. A meta na época era a ajuda recíproca.


Finalmente fomos as suas residências e praticamos uma espécie de
psicoterapia de grupo familiar in situ. Com isso a psicoterapia de grupo foi
primeiramente praticada em situações de fatos reais de vida − foi aplicada
em grupos reais, existentes, muito antes que fossem formados grupos
sintéticos nas clínicas e instituições.
[...].
Grupo significava para nós, estarmos juntos. [...]. Tinha uma estrutura (p.
80).
Psicoterapia de Grupo significava um processo de cura determinado não por
um terapeuta talentoso, mas pelas forças do grupo (p. 88).

É, portanto, 1931, o ano que a criança foi batizada. Que deve ser considerado
o verdadeiro início da psicoterapia de grupo científico (p. 28).

- Vamos voltar ao livro Psicodrama. Nesse livro ele fala que o psicodrama não tem
precedentes nos tempos históricos atuais, que devemos buscar sua origem no período pré-
histórico, nos ritos dramáticos primitivos.
- Espera, espera. Ele não vem do Teatro Grego?
- Não. Veja como ele diz no livro Psicodrama, na página 61: A palavra é uma
transliteração do Grego, isso significa uma forma de mapear um sistema, de transcrever a
escrita de um alfabeto em outro. Apesar de usar termos do teatro como: Papéis, protagonista,
catarse, sololóquio etc. Na realidade o Psicodrama nasce do improvisso, o mais próximo dele
63
talvez seja a Commedia dell’Arte Italiana. Mas a finalidade da commedia dell’Arte era
entretenimento e não terapêutica. Ha! Transliteração da palavra psicodrama quer dizer uma
“coisa feita à psique e com a psique − a psique em ação”. Entendeu?
- Muito interessante. A psique, a alma do sujeito para fora do corpo. Nossa, dá arrepios!
Já disse que parecia Ficção Científica, agora tá mais para filme de terror. Imagina a cena. Um
palco cheio de almas...
- Você disse tudo. Os povos pré-históricos utilizavam da dramatização para acalentar
seus medos, suas almas em conflito.
- Novamente, no livro Psicodrama, na página 62: Há alguns anos essa ideia foi
confirmada por um antropólogo.
- Já estou meio zonza de pular de livro para livro, de página para página. Mas enfim!
Antropólogo? Nossa! Esquecemos deste. Essa é a disciplina que investiga as origens, o
desenvolvimento as semelhanças das sociedades humanas, assim como as diferenças entre
elas. A palavra antropologia deriva de duas palavras gregas: anthropos, que significa
“homem” ou “humano”; e logos, que significa “pensamento” ou “razão”. Os antropólogos
comumente investigam as formas de desenvolvimento do comportamento humano,
objetivando e descrevendo integralmente os fenômenos sócio-culturais. Certo? Sabe, estou
achando que esse “cara” enquadra em tudo, até na Bioética. Será ele um gênio?
- SIM!
- Deixa-me terminar, o sol já vai se por! Bom, o antropólogo chamava-se Bernard W.
Aginsky. Ele, após ter assistido uma sessão de psicodrama, procurou pelo Dr. Moreno e
contou o seguinte fato: Acabara de regressar de uma expedição científica que o levou a uma
aldeia de Índios Pomos.
- O que são Índios Pomos?
- As tribos ou sociedades indígenas são classificadas através de afinidades linguísticas,
como Tupi, Macro-Jê, Aruak, Karib, Tukâno, Pomo, Guaykuru, formando, assim, tribos de
determinados grupos linguísticos, pertencentes ao mesmo tronco genealógico. Portanto, Pomo
é o nome de uma tribo de índios. O mesmo acontece com os civilizados: há os Europeus... Os
Asiáticos...
- O Bernard disse a Moreno, que nessa aldeia ele assistiu o seguinte procedimento:

Um homem fora trazido do campo, doente e aparentemente moribundo. O


curandeiro apareceu imediatamente com os seus assistentes e perguntou o
que tinha acontecido. [...] Ele assustou quando viu um peru selvagem, uma
ave que nunca vira. O curandeiro retirou-se. Voltou pouco depois,
representando com os seus assistentes (egos-auxiliares) a situação do
choque, tal como ocorrera – o curandeiro atuava como um peru
esvoaçando freneticamente em redor do doente, mas de modo que ele
pudesse perceber que a ave era inofensiva e seus temores injustificados.
O homem começou gradualmente a reviver e a recuperar (destaques nossos).

- Muito bom! Esse Dr. Moreno é engraçado: briga com alguns e aparece aplaudindo
outros por realizar feitos iguais aos seus.
- Nota a diferença: uma coisa é ser furtado sem nunca vir à baila o seu nome, outra coisa
é encontrar as semelhanças. Nos Prelúdios dos Movimentos Sociométricos há um verdadeiro
desabafo sobre esses roubos de ideias.
- É uma música triste?
- Nossa! Agora você perdeu feio! Prelúdios quer dizer também prefácio. Têm momentos
muito tristes, mas tem alguns de dar risada.
- Conta um deles?

64
- Moreno disse que um dia estava passeando com um amigo e esse disse: Sabe qual a
diferença do psicodrama para psicanálise? Na psicanálise se morre por constipação e no
psicodrama por diarreia (MORENO, 1992, p. 34).
- Essa é ótima! Esse Prelúdio... Este texto está em qual livro, no Psicodrama ou no livro
Psicoterapia de Grupo e Psicodrama?
- Nenhum dos dois! Isso está no livro Quem Sobreviverá?, na página 34.
- Não! Mais um livro?
- Quero dizer mais uma coisa, sabe aquela do Bernard?
- O antropólogo?
- Sim. A dramatização que ele nos relatou é chamada no Psicodrama de Interpolação de
Resistência.
- Bom, nós sabemos o que um peru domesticado é capaz de fazer. Imagine...
- O que?
- Um peru selvagem? Ele pode arremessar agressivamente. Entretanto, o curandeiro fez
da sua dança frenética um ritual amoroso.
- O que tem isso?
- Ele subverteu a ordem. Será que os olhos perspicazes do doutor capturaram essa
mensagem? Afinal, sua vivacidade vem desde criança.
- Será que o cérebro dele era parecido com o do Einstein? Não era ele que dizia: “Que a
imaginação é mais importante que o conhecimento”?
- Pode ser.
- Nossa! Estava esquecendo um horrível detalhe.
- Qual?
- Você falou do Einstein e eu me lembrei da Segunda Guerra Mundial: agora é no livro
da Auto Biografia, nas páginas 151, 152 e153, Achou aí? Vou ler:

Ainda que essa guerra tenha sido a mais terrível da história por causa da
perfeição técnica do armamento, ela também foi a primeira guerra na história
que a psiquiatria se tornou um instrumento útil e importante no tratamento
dos feridos emocionais da segunda guerra. A psicoterapia de grupo tornou-se
o tratamento preferido nos hospitais do exército e também foi usada na
repartição dos prisioneiros de guerra. As pessoas ficam doentes num grupo;
elas também se recuperam melhor num grupo.

Figura 13 – Cenas de destruição (Segunda


Grande Guerra).

65
Figura 14 – Fotos: Memorial da Paz em Hiroshima e Marco Zero em Nagazaki, ambos no
Japão.

- Criatividade e espontaneidade crescem com mais intensidade através de auxilios


mútuos, essa é a maior força e emissão de saúde mental ou pode ser também a maior força de
emissão da doença mental. Pelo que tudo indica, o Átomo Social possui a forma mais
poderosa dos átomos. Na sua divisão provoca guerras, torres caídas, fome, descuido com o
planeta e outras mazelas:

Quando Deus criou o mundo, começou por fazer de todo o ser uma
engrenagem. Fez com que uma peça movesse a outra e o universo inteiro
funcionaria como uma máquina. Isto parecia ser confortavel, seguro e
homogêneo. Foi quando ele repensou sua ideia inicial, sorriu e acrescentou
uma pitada de espontaneidade em cada uma das máquinas, causando
intermináveis problemas desde então − bem como intermináveis prazeres
(MORENO, 1992, p. 25).

- Após o término da Segunda Guerra, a disputa pela hegemonia mundial fica por conta
dos Estados Unidos e da Rússia comandando o Leste Europeu. É uma intensa guerra
econômica e tecnológica pela conquista das zonas de influência. O mundo encontra-se de
novo dividido em dois blocos com sistemas políticos e econômicos opostos: Capitalista e
Comunista. Essa nova Guerra Fria durará 40 anos e colocará o mundo sob a ameaça de uma
Guerra Nuclear. De um lado a Ditatura Militar do outro a Cortina de Ferro. O símbolo final
da Guerra Fria acontece no de 1989, com a queda do Muro de Berlim. Com ela a Alemanha é
reunificada e, aos poucos, dissolvem-se os regimes comunistas do Leste Europeu. Faz 21 anos
que o Muro caiu.

Figura 15 – Fotos: à esquerda, cenas da construção do Muro


de Berlim e à direita, a sua ‘queda’, em 1989.
- Há momentos em que as quedas representam grandes Vitórias!
- Como ficarão as Construções das Torres daqui para frente?

66
Oh! Tu
que nascestes,
todo o universo
é criado por ti
e com ele uma pequena partícula de vida
que se sabe que é
uma pessoa concreta: TU
Tudo isto nasceu contigo
tudo isto foi criado para ti
e agora pertence a ti. (PALAVRAS DO PAI, 1992, p. 101).

67
Carta Mágica29

Estou aqui para apresentar a “Carta Mágica do Psicodrama – Uma forma simples de
restaurar a harmonia e paz em um mundo de inquietação e tensão.

Psicodrama é uma forma de mudar o mundo, no Aqui e Agora, usando as regras


fundamentais da imaginação, sem cair no abismo da ilusão, alucinação e irrealidade.

E mostro as seguintes barreiras: sexos; raça; idade; envelhecimento; doenças; morte;


medo; frustração; linguagem; animais; objetos, como a comida, dinheiro, meios de
transportes e computadores; limitações humanas e falta de unidade com o cosmo.

Falo do treino da imaginação e superação das diferenças.


Falo da coragem para encontrarmos nossa unidade para continuação da vida.
Falo dos conceitos básicos dos psicodramáticos (aquecimento, espontaneidade,
criatividade, encontro, simulação e as técnicas dramáticas).
Falo da nossa possibilidade de transmutar, ser outro, de outro sexo, de outra raça, de outra
idade, de outra categoria de reino animal, vegetal ou mineral.

Proponho uma viagem para atingir o saudável, a vida afetiva, o suportar da doença, a
desgraça e a morte.

Trago a forma de não submeter-se, mas de viver, através do psicodrama.

Sou de direito autoral do Doutor Jacob Levy Moreno (1969).

______________
29
A Carta Mágica – Livro: J. L. Moreno. O Psicodramaturgo – (1889-1989) Cem anos com J. L. Moreno. Ed.
Casa do Psicólogo – Revista Brasileira de Psicodrama (Vários autores).

68
4 BERÇO DO PSICODRAMA

 Brincadeira de Deus – 4 anos e meio.


 Jardim de Augarten – Teatro para Crianças – Apresentar Teatro Real.
 Axiodrama. Teatro do Conflito. Discutir os Valores.
 Psicoterapia de Grupo.
 Teatro Recíproco. Psicoterapia de Família. Visão da constelação familiar sistêmica.
 Kömödienhaus.A Busca de Uma Nova Ordem – Ficou conhecido como: A Cadeira do
Rei.
 Teatro Espontâneo, Jornal Vivo – Numa noite fugaz se converteu num Teatro
Terapêutico (Barbara e George) – Primeiro relato histórico de Psicoterapia de Casal.
 Psicodrama.
 Sociodrama.

Livro Psicodrama página 49:


 Data Oficial – O psicodrama nasceu no Dia das Mentiras, 1° de Abril de 1921, entre as
7 e as 10 horas da noite. O local foi a Komoedien Haus, um teatro dramático de Viena.
O intento era conseguir o sociodrama em status nascendi e analisar a produção. O
Psicodrama nasceu de um Ato Político.

Observação:
Interessante destacar as seguintes passagens sobre os feitos de J. L. Moreno:
“O axiodrama trata da ativação dos valores religiosos, éticos, e culturais na forma
espontânea dramática; o “conteúdo” original do Psicodrama é axiológico. Ao contrário das
afirmações encontradas em livros atuais, comecei o psicodrama de cima para baixo. Primeiro
foi o Axiodrama (1918), em segundo lugar veio o Sociodrama, (1921); o Psicodrama e, suas
aplicações nas doenças, foi o último estágio do desenvolvimento” (LIVRO PSICODRAMA,
p. 49).
O caminho mais curto para chegar à essência de uma ideia é explorar como foi
concebida e anunciada pela primeira vez: o Locus, o Status Nascendi e a Matriz.
Moreno procurou de forma incansável apreender as relações e seus efeitos. Nomeou a
Sociodinâmica como o estudo da interpretação profunda dos grupos isolados e unidos.
Consolidou teorias de desenvolvimento infantil, de grupo e concebeu uma metodologia de
tratamento com uma medida para as correntes emocionais (MORENO, 1992, p. 98, v. II). Em
Moreno há ininterruptamente um desejo intenso de pesquisar as relações sucessivamente
dentro de um sistema de rede, nunca excludente. O indivíduo só existe como um ser social,
como um membro de algum grupo social seguindo a estrada do desenvolvimento pessoal e
histórico. A composição e a estrutura de seus papéis revestem-se de um caráter intrapsíquico e
enterpsíquico dentro da evolução social. O escopo da sua ideação é compor toda a sociedade
através de pequenos grupos, formando uma rede de tratamento para toda a humanidade. O
ponto crucial é não separar o indivíduo da situação relacional iniciada antes do nascer,
incluindo todos os membros do grupo (família) como responsáveis por sua estrutura dinâmica,
atravessada pelas idealizações que tramitam em torno de cada indivíduo do grupo. Moreno
afirma, nesse sentido, sobre “Um indivíduo em relação ao outro. Um grupo em relação a
outros (MORENO, 1992, p. 109, v. II).
Não se analisa um indivíduo, mas o papel representado dentro do grupo, papéis
estreados, inaugurados dentro do núcleo familiar. No livro Psicoterapia da Relação, Fonseca,
junto com Maria Amália, dedicam um capítulo sobre o tema: Revisando a Terapia Familiar

69
(p. 289). Toda conglomeração teórica e metodológica de Moreno foi intencionalmente
desenvolvida para compreensão da organização psicológica desde a sua origem social
individual, tendo como meta a passagem da coesão grupal para coesão social. Os pequenos
grupos formariam redes, capacitando os indivíduos para grupos sociais mais saudáveis,
minimizando as disparidades sociais. Nesse contexto, nosso protagonista afirma que
“Qualquer que seja a ‘estrutura social’ é necessário determinar a ‘organização psicológica’.
As reações e respostas emocionais do grupo resultam em situação dinâmica, da ‘sua
organização psicológica’” (Moreno, 1992, p. 98, v. II) e acrescenta: “Um processo realmente
terapêutico não pode ter como objetivo toda a espécie humana” (MORENO, 1992, p. 117, v.
I).
A proposta é aproximar o homem psicológico do homem sociológico, cujo psiquismo é
a interação, a intersubjetividade, o Encontro das inter-relações. Com esse princípio
desenvolveu-se o conceito da Psicoterapia Interpessoal. No Psicodrama, a Ação, o Encontro,
o Momento e a Vivência de Papéis caminham juntos com a Palavra.
Ao se passar os grupos para os consultórios e instituições (Grupos Sintéticos) foi
necessário fazer algumas ampliações e adaptações. Os grupos passaram a ser formados por
pessoas estranhas. A meta era reunir uma miniatura da sociedade com todas as suas
representações das correntes emocionais dinâmicas: isolamentos, ambivalências, escolhas,
formação de pares, atitudes para angariar o carinho do grupo, figuras maternais, autoritárias,
minorias étnicas. Abarca nesta nova constelação o papel do psicoterapeuta/terapeuta com a
responsabilidade de desempenhar os dois papéis: Membro e Psicoterapeuta/Terapeuta do
grupo. Por conseguinte, duplicidade de papéis torna-se a pessoa mais vulnerável do grupo.
Como psicoterapeuta, transforma-se para os pacientes em um herói-terapeuta, representante
das figuras parentais e dos “protótipos” invisíveis. Protótipos (figuras coletivas atuantes em
todos os grupos), desencadeadoras do fator tele ou da transferência. Nesse sentido:

[...] A esperança de um herói-terapeuta é frequentemente a causa estimulante


que marca o início do tratamento, essa esperança se origina de sua
necessidade de auxílio e libertação e nem sempre pode ser satisfeita pelo
terapeuta. O terapeuta não é um mágico, um curador divino, mas um
homem... O paciente espera... Que ele atue no papel que necessita... Se a
incongruência entre a expectativa e a verdade for muito grande, a relação
terapêutica permanece infrutífera. As dificuldades “transferenciais” não são
sempre uma parte da neurose do paciente; originam-se, frequentemente, da
incapacidade do terapeuta de responder às exigências que lhe são propostas
(MORENO, 1974, p. 84-85).

Pesquisando a adequação de uma expressão mais profunda para os grupos sintéticos,


somadas a sua experiência com o Teatro para Criança, Teatro Recíproco, Teatro do Conflito,
Teatro Espontâneo e Teatro Terapêutico, Moreno aprimora e desenvolve o Psicodrama,
considerado por ele como a terapia profunda de grupo; seu objetivo era romper o domínio das
discussões ao observar a insuficiência do discurso para os relatos da vida interior e exterior do
indivíduo:

Psicodrama pode ser definido como o método que penetra a verdade da alma
através da ação. A catarse que ele provoca é por isso uma “catarse de ação”.
[...] Os problemas da sociedade humana, assim como o problema do
indivíduo − a representação de relacionamentos humanos − amor,
matrimônio, doença e morte, guerra e paz, que constituem a imagem do
mundo, podem agora, ser representados em miniatura, numa
“microrealidade”, dentro do grupo (MORENO, 1974, p. 106).

70
Constrói um tablado, um palco, para a produção do que há dentro de cada indivíduo e o
seu grupo, oficializa o mundo.

Figura 16 – Desenho esquemático: o palco do


Psicodrama.

A arte sugerida é um instrumento de intervenções das relações sociais, no qual os


participantes não só falam, mas também dramatizam os acontecimentos marcantes da sua vida
e do seu grupo, reconstruindo a vida do indivíduo ou do grupo no palco. Isso implica numa
investigação profunda das dimensões psicológicas: o não dito, encontros, desencontros,
retratos de fantasias, feridas narcísicas com todo o contingente dos diversos aspectos da
fenomenologia da experiência humana. A Realidade torna-se suplementar e envolve um
amplo espectro de questões: Passado, Presente, Futuro da Dinâmica Intrapsíquica e
Interpsíquica. A proposta é oferecer a construção de um espaço relacional contingente: O
Encontro:

No começo era a existência, mas a existência não existe sem um ser ou uma
coisa existente. No começo era a palavra, a ideia, mas o ato era anterior. No
começo era o ato, mas um ato não é possível sem ator, sem um objeto, a
meta do ator, é um TU que ele encontre. No começo era o Encontro. E tu
estás comigo, [...] e então quer olhar-te com os teus olhos e tu me olharás
com os meus.
A palavra encontro abrange diferentes esferas da vida. Significa estar junto,
reunir-se, contato de dois corpos, ver e observar, tocar, sentir, participar e
amar, compreender, conhecer intuitivamente através do silêncio ou do
movimento, da palavra ou do gesto, beijo ou abraço, torna-se um só – una
cum uno. A palavra Encontro contém como raiz a palavra contra abrange,
portanto, não apenas as relações amáveis, mas também as relações hostis e
ameaçadoras... Encontro é um conceito em si, insubstituível. Move-se do EU
para o TU e do TU para o EU. Ele “é sentir a dois”, Tele.
O encontro de duas ou mais pessoas conduziu à formação de um pequeno
grupo, que se transformou no núcleo do “Nós” (MORENO, 1974, p. 78).

Significa mais do que uma vaga relação interpessoal. Significa que dois
atores se encontram não apenas para se defrontarem, porém para viverem e
experimentarem um ao outro, como atores por direito nato (MORENO,
1992, p. 170).

O homem é um ser cósmico; é mais que um ser psicológico, biológico e


natural. Pela limitação da responsabilidade do homem aos domínios
71
psicológicos, sociais ou biológicos da vida, faz-se dele um banido. Ou ele é
também responsável por todo universo, por todas as formas do ser e por
todos os valores, ou sua responsabilidade não significa absolutamente nada.
A existência do universo é importante, é a única existência significativa; é
mais importante que a vida e a morte do homem como indivíduo, como tipo
de civilização, como espécie (MORENO, 1974, p. 21).

O sonho maior de Moreno era criar a “cosmoterapia”, o homem cósmico. Nesse sendo,
ela afirma que “O grupo terapêutico é, pois, não apenas um ramo da medicina e uma forma de
sociedade, mas, também, um primeiro passo no cosmo” (MORENO, 1974, p. 22).
Pierre Weil, (1924-2008), um dos precursores do Psicodrama no Brasil, diz que Moreno
falava que vivíamos numa “época espacial”: acontece, disse Pierre, que “Moreno falava e
escrevia sobre isto muito antes das primeiras viagens a lua”. No XIV Congresso Brasileiro de
Psicodrama em Belo Horizonte, realizado em 2004, Pierre, em conversa particular disse:
“Minhas últimas criações eu devo a Moreno. Demorei muito para compreender o que ele
queria dizer. Prestei ao Moreno uma homenagem quando criei o Cosmodrama”. Na
apresentação do livro Psicoterapia de Grupo e Psicodrama escrita por Pierre Weil,
encontram-se as seguintes citações de Moreno:
No Congresso de Barcelona afirmou textualmente:
 Sei que tenho sido rotulado de paranoico por ter dito que sou Deus. Há nisto
um mal entendido; o que quero dizer é que Deus está em nós, em qualquer de
nós, inclusive em mim.
Em reunião particular, no Congresso de Internacional de Liège, na Bélgica, Moreno
afirmou que quando escreveu “Palavras do Pai, Convite a um Encontro”, ele o fez numa
noite em que recebeu uma “inspiração”. Tendo escrito a noite toda.
No livro A Coragem de Criar, de Rollo May, da Editora Nova Fronteira, na página
39, está escrito o seguinte:

O processo criativo deve ser estudado, não como o produto de uma doença,
mas como a representação do mais alto grau de saúde emocional. [...] a
criatividade, como define o Webster, é basicamente o processo de fazer, de
dar a vida. [...] O primeiro fator que notamos no ato criativo é a natureza de
“Encontro”.

E Rollo May continua, na página 42 do livro mencionado antes:

A criatividade só existe no ato. [...] – a intensidade do encontro. Absorção,


arrebatamento, envolvimento completo, e assim por diante, são as
expressões usadas para descrever o estado. [...] Seja qual for o nome, a
criatividade genuína caracteriza-se por uma intensidade de percepção, por
um alto nível de consciência. [...] Êxtase é o termo exato para a intensidade
de consciência que ocorre no ato criativo.

72
5 METODOLOGIA PSICODRAMÁTICA

A) Instrumentos B) Contexto C) Etapas


Cinco Três Quatro
Diretor Individual Aquecimento
Egos auxiliares Grupal Dramatização
Protagonista Social Compartilhar
Palco/cenário Processar
Plateia/Público

5.1 Os Cinco Instrumentos

a) Diretor:
– é o agente terapêutico. Tem várias funções: dirigir e analisar a cena, ampliar e
incrementar a cena, focalizando a história do indivíduo ou grupo. Cabe salientar a importância
da formação teórica, metodológica e pessoal do Diretor, pois só assim ele poderá
N instrumentalizar recursos para a execução clara dos aspectos transferenciais e télicos:

Num psicodrama, o diretor e os egos auxiliares não estão fora do


processo do drama, como diretor de uma peça de marionetes
manipulando os cordéis. Eles são parte da produção, portanto parte da
análise, compartilhando com os pacientes a catarse social (MORENO,
2006, p. 220).

b) Ego-auxiliar:
– Moreno traz esse conceito da experiência do primeiro cuidador: Mãe. Aquela que
auxilia e complementa as primeiras experiências da criança. A função dele no cenário do
psicodrama é ser o ator (coadjuvantes) que representa as pessoas ausentes ou mesmo o
protagonista, interagindo e executando a ação. Ele é o veículo que compõe o cenário.
Importante também ter a clareza de suas emoções para que não interfiram na história do
protagonista ou na direção. Nesse contexto, Moreno ressalta o seguinte:

O Psicodrama desenvolveu, a partir disso, um sistema de métodos


cuidadosamente elaborados, com o qual o terapeuta e seus egos auxiliares se
introduzem no mundo do paciente e procuram povoá-los com imagens
extraordinariamente familiares que têm a vantagem de não ser totalmente
ilusórias e não totalmente reais, mas meio imaginárias e meio verdadeiras.
Os egos auxiliares são de fato pessoas reais, mas como uma fada boa,
penetram com os seus sortilégios no psiquismo do homem fracassado. [...]
Vê a si mesmo representando, ouve a si mesmo falando, mas suas ações e
pensamentos, seus sentimentos e percepções não vêm dele, vêm
estranhamente de outra pessoa, do diretor terapeuta [...] os egos auxiliares,
do duplo, de imagens espelhadas de seu espírito (MORENO, 1974, p. 114).

– para Moreno, os egos auxiliares promovem no paciente uma cartase de amor, à


medida que eles passam a ouvir e sentir o encontro de pessoas igualmente sofredoras, ou seja,
o encontro consigo mesmo;

73
c) Protagonista:
– é o ator central. Termo de origem Grega que significa aquele que se oferece a ação
em primeiro lugar; que se oferece para sofrer e morrer no lugar do outro. Segundo o
conceito de papéis e espontaneidade, essa metáfora é verdadeira. O protagonista apresenta,
“doa” o seu íntimo para o grupo;

d) Palco/Cenário:
– é o lugar da representação do mundo físico e do mundo intersubjetivo;

e) Plateia:
– são os componentes do grupo, beneficiados pela entrega do protagonista. A plateia
pode funcionar como caixa de ressonância e consonância. Na metodologia Sócio Educacional
e Organizacional o protagonista é a plateia, ou seja, o grupo como um todo é o protagonista,
– o Psicodrama, originalmente, era utilizado em um “setting” grupal. Com sua
evolução temos hoje: Psicodrama Bipessoal, Psicodrama Interno, Psicoterapia da Relação.
Além da modalidade Psicoterapêutica, o psicodrama possui vasta aplicabilidade no campo
pedagógico e empresarial, lugares onde o privado se torna coletivo, o protagonista não é o
indivíduo, mas o grupo. O foco da sua instrumentalização encontra-se no Treinamento de
Papéis (Role-playing), no Sociodrama, na Sociometria, no Axiodrama, e no Jogo Dramático,
aprimorando a aprendizagem e a estrutura criativa dos grupos, abrangendo toda organização
Empresarial e Escolar. Nesse contexto, recebe o nome de Psicodrama Foco Sócio
Educacional e Organizacional.

5.2 Os três contextos

a) individual:
– é a concretização dramática de todo processo privado;

b) grupal:
– é a interação dramática do pequeno grupo com os desdobramentos latentes, seus
manifestos e seus “ruídos”;

c) social:
– visa a mobilizar as interações dos papéis sociais – diz respeito ao grupo como
sociedade.

5.3 As quatro etapas

a) aquecimento:
– é a primeira etapa de toda sessão de Psicodrama, como também de qualquer outro
procedimento da Sociatria: Sociodrama, Jogo dramático, Treinamento de papel, Teatro
Espontâneo etc. Warming up é a preparação para sessão e consiste no conjunto de
procedimentos que atua para estabelecer os canais de comunicação e maior aproximação entre
o diretor e o protagonista. O aquecimento é o agente canalizador das energias para a ação.
Possui duas subetapas:
• Inespecífico: inicia a sessão. O terreno. O primeiro momento do encontro. Seu
objetivo é diminuir a tensão, propiciar um ambiente de acolhimento,

74
• Específico: começa no momento da construção da cena, com o aquecimento do
personagem, privado ou público;

b) dramatização;
– é todo o processo da atuação; é o “como se”; a Realidade Suplementar: a
utilização das técnicas em concordância com a matriz do indivíduo ou do grupo; é o núcleo de
toda a Sociatria;

c) compartilhar:
– Sharing: trocas do protagonista, platéia e direção; ressonâncias, consonâncias, do
protagonista e da plateia; é uma catarse de integração, a interação dinâmica do corpo com os
pensamentos e emoções;

d) processamento:
– é a análise do processo: o diretor encaminha o grupo ou o indivíduo para a reflexão
cognitiva sobre os procedimentos e o prosseguimento para as aquisições de novos papéis. É
um momento pedagógico. É importante ouvir as opiniões dos elementos que atuaram na cena,
as opiniões dos que assistiram, e fazer uma reflexão sobre a ação e incrementar os
encaminhamentos necessários para as ações posteriores.

75
6 O SISTEMA SOCIOMÉTRICO30

Figura 17 – Organograma da Socionomia.

6.1 Conceito de Socionomia

Socionomia é o conceito mais geral do Sistema sociométrico. É o estudo das interações


relacionais com os conceitos, espontaneidade, criatividade, conserva e a e teoria do momento.
Define-se como socionomia a ciência que estuda as leis das interações grupais e sociais a
partir dos seguintes conceitos da Psicoterapia Interpessoal:
• SOCIUS – companheiro; o indivíduo com o seu grupo.
• METRUM – medida; é o estudo das relações interpessoais.
• DRAMA – ação; Método Psicoterapêutico ou Terapêutico.

6.2 Divisão da Socionomia

A Socionomia se divide em:

a) Sociodinâmica:
– é a ciência da interpretação do estudo profundo dos grupos isolados e unidos e a
sua estrutura dinâmica. Estuda o funcionamento das relações, a interpretação de papéis, a
representação espontânea de papéis, o estudo da organização, compreensão e evolução dos
grupos; é um diagnóstico, uma técnica de aquecimento para a ação e dramatização. Os
principais instrumentos da Sociodinâmica são:
• A interpretação de papéis. Role playing – Treinamento e
adequação de papéis.
• Representação Espontânea de Papéis.

______________
30
Apesar de a Socionomia constituir o conceito geral, que compreende a “Sociometria”, como conceitos
secundários conservaram no título dessa parte a palavra “sociométrico”, como designante do sistema, uma vez
que, historicamente, a palavra “sociométrico” é a que mais se afirmou para todo este domínio científico (LIVRO
PSICOTERAPIA DE GRUPO E PSICODRAMA).

76
b) Sociometria:
– Metrein = medir = Medida das relações sociais com as suas estruturas espontâneas,
criativas ou conservadas dos grupos. Estuda a qualidade e a quantidade das correntes
emocionais, a qualidade e a quantidade dos vínculos com as forças de atração e repulsão. A
organização grupal com suas redes sociométricas, de comunicação e grupal. Permite conhecer
a posição dos indivíduos no grupo: as redes sociométricas do grupo, seu líder popular, líder
socioafetivo, membros isolados, rechaçados, com o seu status sociométrico (cotas de amor e
simpatia). Átomo Social (relacionamentos do sujeito e o grupo). A capacidade Télica –
transmissão, recepção e percepção de sentimentos das funções e dos papéis assumidos por
cada componente do grupo,
– o instrumento da Sociometria é o Teste Sociométrico, que consiste na análise
sociométrica, auxilia na investigação de processos complexos relacionados a escolhas,
aceitações, rejeições, mútuas ou não, que configuram uma realidade social não aparente e que
por muitas vezes estão em dissonância com a verdade oficial sobre as relações. A atuação
grupal e o seu co-inconsciente. Moreno afirma que em qualquer vínculo que se estabelece
existem entre os envolvidos, paralelamente, aspectos claros e conscientes e outros
inconscientes, que vão se acumulando durante as experiências compartilhadas. Pode se
entender por aspectos inconscientes, desde conflitos inter-relacionais, até momentos
traumáticos vivenciados e não elaborados;

c) Sociatria:
– Iatreia = terapêutica = Ciência dos tratamentos dos sistemas sociais. Para processar
o tratamento das estruturas inter-relacionais: o indivíduo e o grupo possuem diferentes
enquadre com objetivos terapêuticos ou psicoterapêuticos específicos. Seus instrumentos são:
• Psicoterapia de Grupo,
• Psicodrama,
• Sociodrama,
• Jogo Dramático,
• Psicodrama Individual,
• Psicodrama Bi-Pessoal,
• Psicodrama de Casal,
• Psicodrama Infantil,
• Sociodrama Público,
• Sociodrama Institucional,
• Sociodrama Educacional,
• Sociodrama Familiar,
,

6.3 Tricotomia Social – o Universo Social e suas três dimensões

O Universo Social possui três dimensões e caracterizam a Tricotomia Social. Estas três
dimensões são as seguintes:

Sociedade Externa – são os grupamentos palpáveis e visíveis ao olho


macroscópico, grandes ou pequenos, formais ou informais, que compõem a
sociedade humana: Família, Estado e Igreja.

77
Matriz Sociométrica – são as estruturas sociométricas invisíveis, mas que se
tornam visíveis através do processo sociométrico de análise da configuração
grupal, ou seja, como se dão as escolhas dentro do grupo, a existência de
subgrupos. A Matriz sociométrica consiste em várias constelações de átomos
interligados de correntes ou de redes interpessoais. É o que há de interno nas
relações.
Realidade Social – constitui-se na síntese dinâmica e na interpenetração da
Sociedade Externa e Interna e na Matriz Sociométrica, ou seja, a Realidade
Externa e Interna. Cada Indivíduo com o seu Átomo Social encontra com
outros indivíduos com seus Átomos Sociais e forma-se uma constelação de
Átomos Sociais que são as Redes Sociométricas (MORENO, 1992, p. 181-
182, v. I).

Em Moreno, o correto é pensar em uma sociopsicopatologia onde se postula que a dor


de um indivíduo reflete o sofrimento do coletivo, já que a psique é formada através de
constelações psicossociodinâmicas.
Psicossociodinâmica:
 Matriz Social/Átomo – Social/Matriz Sociométrica – para Moreno é impossível
separar o intrapsíquico do interpsíquico para análise e compreensão dos processos
de cada ser humano. Intra e interpsíquico, objetivo e subjetivo, o interno e externo
contribuem para a formação e para a compreensão do ser humano e legitimam o seu
caráter complexo, formado lado a lado pelas forças sociais e ambientais.
 Forças Sociais – Relações Interpessoais X Relações de Fantasia – Matriz de
Identidade.
 Forças Ambientais – Realidade Externa X Realidade Interna – Papéis Sociais. Toda
cultura é caracterizada por certo conjunto de papéis imposto, com grau variado de
sucesso.
A patologia do Grupo é também uma patologia do Indivíduo. As escolhas, os
isolamentos, as invejas, as atuações irracionais revelam a patologia dos Indivíduos e dos
Grupos. Moreno procurou encontrar um meio de investigar os mais complicados e secretos
mecanismos internos do indivíduo e seu grupo social. Para ele as questões coletivas só
poderiam ser tratadas em sua forma subjetivada. Decidiu permanecer centrado aos métodos de
ação, acreditando que as ações ratificam as contradições que a racionalidade esforça por
invalidar. A ação, ou a metapraxis proporcionariam, através de uma metodologia apropriada,
uma terapêutica do conhecimento interno e externo do indivíduo, de seu grupo e do seu
sistema social.
Psicodrama: Psique = Alma/Drama = Ação – Ação da Alma – Alma em Ação.
Sociodrama: Sócio = Amigos/Drama = Ação – Ação entre amigos.

6.4 Objetivo do Psicodrama

O objetivo do Psicodrama é o aprofundamento psicoterapêutico do indivíduo ou do


indivíduo inserido no grupo. O indivíduo é o Protagonista do Psicodrama.

6.5 Objetivo do Sociodrama

O objetivo do Sociodrama é o tratamento sociodinâmico das relações interpessoais em


grupos operativos, em grupos de estudo, trabalho, igrejas, comunidades, empresas. Segundo

78
Moreno (1992, p. 188, v. I), seu objetivo é o “tratamento das Relações intergrupais e das
ideologias coletivas”. O seu Protagonista é o Grupo.

7 PSICODRAMA: FOCO SÓCIO EDUCACIONAL, ORGANIZACIONAL E


PSICOTERAPÊUTICO

Após o que já foi exposto, fica fácil compreender porque o nome historicamente
conhecido é o Psicodrama. É respeitável salientar que o procedimento é o mesmo para toda
Sociatria. A diferenciação ocorrerá de acordo com o espaço estabelecido: Privado ou Público.
Moreno nos convida sempre a pensar em Metodologia e não em Técnicas. Metodologia é
um processo, um caminho para se alcançar a meta, o fim; técnica indica como realizar o
fim. É importante salientar que a teoria, a visão de homem em Moreno, é uma só, ou
seja, ele é um ser de relação.
Entretanto, a forma de conduzir o Psicodrama Sócio Educacional e Organizacional
difere do Psicoterapêutico.
No Foco Sócio Educacional e Organizacional não se remexe com o passado, com as
dores e as feridas individuais. Contudo, seu efeito terapêutico é imensurável. O objetivo é a
educação e não a psicoterapia; sua formação abrange um cenário maior de profissionais; os
protagonistas do contrato são os clientes, alunos, grupos sociais e não os pacientes.
O Psicodrama Sócio Educacional e Organizacional situa-se dentro de um amplo
esquema, enfatizando-se a necessidade de promover condições adequadas às manifestações
criativas nos diversos domínios sociais e pedagógicos. Há inúmeras formas de se realizar a
cura e o processo de aprendizagem dentro da visão moreniana.
Vale lembrar aqui, que o primeiro papel desempenhado por Moreno foi o de Educador,
com as Crianças nos Jardins de Augarten. Segundo o próprio autor, tudo começou com o
Axiodrama e o Teatro nas mais diferentes modalidades, mas sempre baseado no improviso e
na educação social, fosse onde fosse. O psicodrama como é conhecido hoje, para tratar a
“doença” enquanto estrutura psíquica, só aconteceu mais tarde. Em Moreno, a “doença” é um
fenômeno grupal e social, o que se pode observar através dos seus trabalhos desenvolvidos
primeiro em Viena e depois nos Estados Unidos. Nestes trabalhos, Moreno mostra como os
Grupos e os Indivíduos adoecem em função das “correntes interativas”, ou seja, do seu
sistema relacional Homem e Cosmos. Moreno descreve o mapeamento da comunidade no seu
trabalho com os refugiados do Tirol durante a Primeira Guerra Mundial. Portanto, há que se
pensar que em todo projeto científico moreniano existe sempre um Projeto Sócio Educacional,
uma abordagem metodológica ativa que produz aquisição de novos conhecimentos e
treinamentos de novos papéis, seja na escola, nas organizações, nas comunidades ou com os
indivíduos.
O Psicodrama traz ao homem o lugar de onde é possível vê-lo, sua mente e corpo com
toda sua abrangência emocional colocada para fora, no palco. Ao inserir uma metodologia que
privilegia a estética, o psicodrama expande a cognição, favorece a aprendizagem e a
construção ética à medida que sua atuação abrange todas as áreas da percepção do homem.
O Diretor e os egos auxiliares, na Sociatria, após estabelecerem conjuntura do grupo
(privado/público) que irá processar a metodologia psicodramática, seguirão aquecendo junto
ao protagonista (individual/grupo) o caminho para o desenvolvimento da montagem da cena e
sua dramatização.
Durante as etapas, vários recursos técnicos são utilizados e os mais importantes são:
Duplo, Espelho, Inversão de Papéis, conceitos desenvolvidos por Jacob Levy Moreno,
baseado nas Fases da Matriz de Identidade, consideradas como as Técnicas Básicas. Estas são
recursos que viabilizaram à terapêutica uma movimentação de papéis conservados para

79
aquisição de novos papéis, exigindo-se do Diretor um olhar sobre o protagonista como um ser
criativo, cujo fenômeno da espontaneidade é o seu componente principal.

O psicodrama repousa na definição do homem em quatro dimensões:


 Conjunto de papéis que representa na vida,
 A interação com todas as pessoas com as quais se relaciona,
 O átomo social – o mundo pessoal e afetivo,
 O status sociométrico – cota de amor com os grupos pertencentes,
 “Ser no mundo”. A educação é processo de socialização longo e complexo. Os
indivíduos deverão renascer a cada momento um com o outro, em dupla direção
(Tele). A criação de novos saberes, novos valores, ocorrerá na construção e
reconstrução do indivíduo, do seu grupo e a da sociedade.
O Psicodrama Sócio Educacional e Organizacional encontra-se diretamente ligado à
Socionomia. Educar é incluir todo o sistema: o cosmo, o indivíduo, o outro. O ser social com
toda a sua organização: Privado e Público, entrelaçados com a finalidade de construir e
reconstruir: o Cosmo → Família → Escola → Empresa → Cosmo. Hoje, mais do que nunca,
a palavra “sustentabilidade” tem alcançado o cotidiano das pessoas. O panorama do Planeta
Terra, com todas as consequências perigosas e lamentáveis, tanto no nível ecológico como no
social, tem motivado se pensar o papel do Homem, não só como um ser responsável
historicamente, mas também como um ser construtor de ações a serem tomadas para frear o
processo de decadência do todo.
No inicio do início do século XX, até à sua morte, Moreno trabalhou por uma sociedade
pertencente a todos, lutou por uma construção social inclusiva, sem exceção, e literalmente e
numericamente incluiu todas as pessoas. (MORENO, 2006, p. 425). Ele convidou a todos
para que se empenhassem como criadores relacionais e não criadores de “robôs”. A
sociedade, nesse panorama (criadores de robô), é uma “máquina” caminhante para a
degeneração, com expectativas futuras de maior desemprego, violência, drogadição e
aquecimento global. Moreno fez sua parte, apontou saídas para reverter e barrar esse processo
a partir da noção de uma educação para a ética, fundamentada na metapraxia (o ponto de vista
do criador) em oposição à metafísica (o ponto de vista da criatura). Com esses argumentos,
nasce a educação que se faz pela inclusão, numa acepção ampla: Indivíduos, Grupos,
Sociedade e Natureza. Moreno cria a Escola de Espontaneidade e no seu livro, Psicodrama,
encontram-se as seguintes definições:

A criança experimentava a árvore. Essa árvore convertia num centro de


atenção; em torno dela se libertava a imaginação e a fantasia da criança. Esta
aprendia amar a árvore antes de analisá-la (p. 200).

[...] durante os importantes anos da infância e da adolescência, o indivíduo


move em dois mundos, os quais estão de tal modo apartados e são de
estruturas tão diferentes, que nunca se coadunam. Muitos distúrbios
emocionais da personalidade em desenvolvimento são resultados imediatos
das perplexidades e incongruências do nosso sistema organizacional (p. 65).

[...] a ênfase sobre os conteúdos resulta na divisão do indivíduo entre uma


personalidade de atos e uma personalidade de conteúdos. [...] que se
desenvolve dois diferentes centros mnemônicos, um para atos e outro para
conteúdos, os quais, de modo geral permanecem como estruturas separadas,
sem relação entre si (p. 85).

80
[...] para que haja um real desenvolvimento é importante a experiência da
“totalidade” – o contato ativo com a coisa “em si”. (p. 200)
Experiência viva – [...] quando passamos a considerá-los não meramente
objetos... Mas como membros de uma grande família (p. 201).
Verifica-se que Moreno é extremamente cônscio no seu e indica a Socionomia como a
Ciência das Leis Sociais, pode-se ver todo o seu aspecto convergente e o seu formato
associativo: ciência, valores e construções éticas. No passado, ciência, filosofia e ética
estavam juntas, seguindo um caminho, mas a tecnociência desencadeou um caos, por
dissociar ciência e valores. Nesse rumo, Moreno (2006, p. 424) diz que “O homem se volta
mais e mais para uma função de conservas culturais e tecnológicas, premia a força e a
eficiência”.
Cada ciência, ao pretender transformar-se em recorte absoluto, exclui da rede os valores
e a ética, reduzindo o conceito de homem a coisa, ou a um simples número. Com o ser
humano contido, a lei passa a ser: os fins justificam os meios. Mas o homem em Moreno é
criador, possui espontaneidade e não um protocolo rígido. Todas as ciências são estruturadas
em parte com todos os seus absolutismos; se elas se propusessem estudar as interações sociais
obsecradas por Moreno, talvez fosse possível ter hoje um novo mundo. No passado as
ciências buscavam a harmonia com a natureza, mas assim que o homem deixou de ser o
centro da criação, o protagonismo humano começou a dissipar e foi sendo substituído por
uma “coisa humana” que é ao mesmo tempo sujeito e objeto. Chegou-se ao que preconizada
Moreno. Há hoje uma grande necessidade de uma ética em todos os sentidos. A Bioética está
de volta. Mas vale aqui pensar nessa junção: Axiodrama e Bioética.
Se Moreno tivesse vivo diria: A grande questão é transformar as ideias em ação dentro
de um grupo. Ainda hoje, falar de métodos grupais é assustador para alguns. Em Psicoterapia
de Grupo um terror, uma verdadeira invasão da privacidade. Alguns acreditam que as
discussões entre pessoas provocam afastamento e que podem deixar sequelas graves, mas isto
só ocorre quando não se distingue as pessoas das ideias. Saber dar dignidade à pessoa humana
e conduzi-la com respeito é uma aprendizagem grupal e não individual.
Neste contexto, José Fonseca afirma:

Se levarmos em conta que a obra de Moreno foi, praticamente escrita na


primeira metade do século XX, em que os paradigmas das ciências vigentes
apontavam o lado oposto da metodologia moreniana, ou seja, pregava o
racionalismo, a análise das partes e o rigor da causalidade no estudo dos
fenômenos, vamos compreender as dificuldades que teve na implantação de
suas ideias. [...] Falta-lhe, entretanto, a linguagem adequada, simplesmente,
porque ela não existe, não é a linguagem do seu tempo, é a linguagem do
futuro, de um tempo que mal chegou a viver (Org. COSTA, 2001, p. 28).

8 O SUJEITO MORENIANO E A SUA DINÂMICA VINCULAR: TEORIA DO


DESENVOLVIMENTO

8.1 Matriz de Identidade

Identidade não deve ser confundida com identificação. [...] Identificação


supõe uma existência de um eu estruturado que tenta encontrar sua
identidade com o outro eu igualmente estruturado. [...] Referimos, pois,
identidade à fase mais precoce do desenvolvimento da criança. Todos os
movimentos, experiências, atos, e interações que ligam a mãe e a criança
podem ser comparados como o fenômeno do duplo. Tudo que a mãe faz é
para a criança, como que uma porção inconsciente do seu eu: a mãe é o ego
81
auxiliar da criança. [...] aconteça o que acontecer mais tarde, durante o
crescimento da criança, esta experiência precoce de identidade modela o seu
destino. A criança emerge, lentamente, deste estado, estabelece outras
distinções e desenvolve paulatinamente, um universo mais complicado, no
qual o eu se separa do tu, das pessoas e dos objetos. A hipótese da identidade
postula que a unidade e integração existem de início em nível elementar,
antes que exista diferenciação (MORENO, 1974, p. 116).

Através deste pequeno enunciado, Moreno deixa claro que o ser humano é relacional,
um ser de vínculos, um ser interpsíquico. O intrapsíquico se formará através das relações
vinculares, dentro de um processo psicodinâmico, desenvolvido por uma longa série de
integrações vinculares, desde os primórdios da Matriz de Identidade. O conceito de Matriz é
um dos núcleos básicos do pensamento moreniano. É nela que se inicia a Rede de Relações,
com todo o seu Universo de Ações e Interações Fundantes de Encontros e Desencontros, que
levarão os indivíduos através da aprendizagem a Tomar, Desempenhar, Treinar e Criar Papéis
e a se constituírem de forma Evolutiva e Dinâmica dentro do Átomo Social. É necessário
compreender que a Matriz proposta por Moreno não ocorre de forma linear. Cada criança tem
seu próprio tempo e segue um contínuo desenvolvimento. A constituição do indivíduo se
estabelece por interações do organismo com os fatores socioculturais e sua força criativa e
construtiva. Portanto, para compreender a identidade humana em Moreno, há que se levar em
conta o conceito de Matriz, o Locus, o lugar do nascimento dos “acontecimentos básicos”:

Essa co-existência, co-ação e co-experiência que na fase primária


exemplifica o relacionamento das pessoas e coisas ao seu redor, são
características da Matriz de Identidade. Essa Matriz de Identidade estabelece
o fundamento do primeiro processo de aprendizagem emocional da criança
(FONSECA, 2000, p. 112).

O Conceito de Matriz de Identidade (MI) é o ponto de partida, nela inclui tudo o que há
a sua volta: clima psicológico, expectativas quanto ao papel do bebê, o lugar, o espaço que ele
vai situar no grupo:

Fatores biológicos, psicológicos e socioculturais se entrelaçam, formando o


locus de toda aprendizagem socioafetiva-cognitiva da criança. A MI,
portanto pode ser entendida como um processo de cunhagem da identidade
psicossocial de um indivíduo (LESBAUPIN, 2010, p. 43).

A formação da identidade é um processo particular e coletivo, que se efetua dentro de


um grupo e gera uma nova construção dentro deste grupo; cada indivíduo possibilita e
intercede na construção desta aliança, ambos emitem e recebem estímulos producentes de
mudanças, ao estabelecer o encontro, tanto nos aspectos intrapsíquicos (subjetividades) como
nos interpsíquicos (intersubjetividades).
O fato de a antropologia moreniana conceber o homem como fundamentalmente e
constantemente vincular, complexo e misto, permitiu a saída das taxonomias
psicopatológicas. Moreno percebeu o sofrimento humano como manifestação de conflitos de
caráter eminentemente interacional. Assim, se os distúrbios mentais eram provenientes das
relações grupais, iniciados dentro do grupo familiar, os mesmos poderiam ser “curados” com
a interação do indivíduo em grupos.
Fonseca (2000), afirma que identidade é o processo em que a criança ganha consciência
de si (singularidade) e do outro (alteridade), e que caminha por toda vida. Identidade não é
algo estático e sim em movimento, novos conhecimentos são capazes de re-significar os
82
velhos. A formação da identidade é contínua, ininterrupta, interdependente; a consciência dos
conteúdos relacionais e sentimentos estimulam uma nova organização, ou seja, abrem portas
para construção de novos sentidos, novos papéis. Este núcleo dinâmico possibilita a
compreensão dos conceitos de espontaneidade e criatividade, como fenômenos primários e
positivos contrapondo-se o seu oposto que são as condutas estereotipadas – as conservas
culturais. Moreno (1974, p. 120) afirma que “Cada verdadeira segunda vez é a libertação da
primeira”.
Liberar é uma expressão generalizada nas próprias palavras de Moreno. A apresentação
psicodramática propõe através do cenário, do ato psicodramático, que os papéis patológicos
sejam re-significados. Ao permitir que o sujeito atue no palco psicodramático com a
utilização das técnicas adequadas, abrem-se as portas para um novo olhar sobre si mesmo. A
libertação das antigas conservas tem por objetivo a construção de novos papéis, novos modos
de existir, de sentir, de ser e de estar no mundo. “É um fato reconhecido que a produtividade
do protagonista quando relata sua história, é diferente da produtividade que alcança se a
apresenta em forma dramática” (MORENO, 1974, p. 124).
Através da compreensão evolutiva, espontânea, criativa e relacional, Moreno amplia os
conceitos do desenvolvimento infantil e cria a Teoria da Matriz de Identidade e o
Desempenho de Papéis.
No ato do nascimento, a criança transpõe a Matriz Materna – Placenta Biológica para a
Matriz de Identidade – Placenta Social e para a Matriz Familiar – Átomo Social – Matriz
Sociométrica e Rede Sociométrica.
Na obra moreniana, o conceito de identidade está vinculado à sociometria, pois esta se
interessa pelo movimento que congrega as formações sociais e os valores norteadores das
escolhas de papéis com os seus respectivos desempenhos, construtores de uma configuração
grupal e identitária. A identidade é estabelecida na inter-relação, e sua configuração faz parte,
segundo Aguiar (1990), do processo de pertença de um sujeito em relação a um grupo social e
cultural específico. Isto é o que Moreno denomina como a Placenta Social com suas redes de
relações ao redor da criança que promoverá o início da co-existência, da co-experiência entre
a criança e aqueles que cuidam dela (egos-auxiliares). A Placenta Social é o Locus, a raiz
primeira da comunicação entre a criança, a mãe e o seu sistema social, ou seja, a sua matriz
sociométrica com o seu átomo social que corresponde ao ponto de transição entre o indivíduo
e a sociedade é o elemento formador associativo de outras configurações mais complexas.

A matriz sociométrica consiste em várias constelações: tele, o átomo, o


superátomo ou molécula (diversos átomos interligados), o ‘socióide’ que
pode ser definido como agrupamento de átomos interligados a outros através
de correntes ou de redes interpessoais (MORENO, 1992, p. 182).

A Matriz de Identidade irá dissolver de forma gradual, à medida que a criança cresce em
autonomia, diferenciando as “coisas reais” das “coisas imaginárias” e declina a sua
dependência dos egos-auxiliares. Os atos da realidade e os atos de fantasias começam a se
organizar mediante as Interpolações de Resistências, impostas pelo meio social, pelo tempo,
espaço etc. As derivas, as “pedras no meio do caminho”, tudo aquilo que frustra, que fere o
narcisismo e compele o indivíduo para uma nova conduta.
O Primeiro Universo é formado pelos Papéis Psicossomáticos; a fusão da realidade e
fantasia, a Fome de Atos, os papéis fundidos e indiferenciados da Identidade Total, com sua
vivência simbiótica, começam a decrescer gradativamente em intensidade, iniciando a
Brecha entre a Fantasia e a Realidade:

83
Não se trata de abandonar o universo do imaginário em favor do universo da
realidade [...] mas antes definir os meios pelos quais o indivíduo pode
adquirir um completo domínio de uma situação, vivendo nas duas vias e
capaz de passar de uma para a outra. A personalidade passa a estar
normalmente dividida. Formam-se dois conjuntos de aquecimento
preparatório – um de atos de realidade e outro de atos de fantasia. [...] Na
brecha ente a fantasia e a realidade começam a existir dois conjuntos de
papéis [...] a divisão de papéis reais e fictícios (MORENO, 1984, p. 123-
124).

Vale lembrar aqui, que o Primeiro Berço do psicodrama nasceu dessa divisão. Brincar
de Deus, jogar o Jogo de Deus é um momento da passagem da fantasia para a realidade.
Através dos jogos de papéis (brincadeiras) com figuras reais ou protótipos, a criança apropria
de maneira gradativa o lugar do “Eu” e do “Outro” no mundo. O declínio gradual dos
fenômenos fundidos, reais e fictícios, insere a criança dentro de um novo contexto, é o
estágio do SEGUNDO UNIVERSO. A criança começa estabelecer o que há nela para o seu
prazer imediato e o que há separado dela. A estreia da consciência da realidade e fantasia
contribui para uma transformação total na Sociodinâmica do Universo Infantil, acarretando o
surgimento de novas formas de representação; o TU começa a surgir na dinâmica evolutiva
dos papéis, na relação com as pessoas, as coisas e as metas. Inicia-se a fase da inversão, que
é a capacidade de transferir de um a outro o ser no mundo lançado em sua existência, através
de uma longa série de integrações. O EU se constrói a partir destas representações e das
integrações dos papéis relacionais. O papel é uma experiência interpessoal indivisível que
brota da relação vincular intersubjetiva do EU-TU.
A dança contínua entre fantasia e a realidade com toda a sua abrangência emocional-
social lançam o indivíduo para condição: o Criador – Co-responsável por todo o cosmos. O
ser de transcendência.
Desde o início o bebê irá ocupar um espaço de nascimento, seja de inclusão ou
exclusão, um espaço virtual, com toda gama de expectativas. Esse é o pontapé inicial de toda
organização psicológica. Aos poucos a criança irá reconhecer o outro e a si mesma; lado a
lado com o seu papel complementar. Para a composição de todo o espaço gestacional
interpessoal, Moreno define que a Matriz de Identidade representa as fases mais remotas do
desenvolvimento, seu lugar não é só da placenta biológica, mas é também o lugar da placenta
social, o lugar da comunicação familiar com toda sua rede de “mitos”. Desenvolve três
fatores que irão representar a importância do lugar como um todo: Locus, Status Nascendi,
Matriz. O terreno preparado, fertilizado, com tudo que há em sua volta, propiciará o
nascimento.
Moreno descreve cinco etapas da formação da Matriz, que depois resume em três:
a) fase da Indiferenciação: onde a criança, a mãe e o mundo são uma coisa só. O EU
e o mundo imediato é a mesma coisa. Isolamento Orgânico;
b) fase onde a criança concentra a atenção no outro, esquecendo-se de si mesma;
c) movimento inverso: a criança está atenta a si mesma, ignorando o outro;
d) fase onde a criança e o outro estão presentes de maneira concomitante; a criança já
se arrisca a tomar o papel do outro, embora não suporte o outro no seu papel;
e) fase na qual já se aceita a troca de papéis (inversão de papéis).
Depois ele agrupou as fases, dividindo-as em apenas três:

84
a) Fase do Duplo: fase da indiferenciação, onde a criança precisa sempre de alguém
que faça por ela aquilo que não consegue fazer por si própria, necessitando, portanto, de um
ego-auxiliar. Dependência total – Papel Psicossomático – Corpo – Isolamento Orgânico.
Papéis aglutinados;
b) Fase do Espelho: diferenciada; existem dois movimentos que se mesclam, o de
concentrar a atenção em si mesma, esquecendo-se do outro e o de concentrar a atenção no
outro, ignorando-se a si mesma (exemplo disso pode ser o de quando a criança olha a sua
própria imagem no espelho e não se identifica como ela mesma, ela só diz: olha o nenê.).
Percepção à distância – Tele – início da separação – Reconhecimento do TU – Brecha entre
Fantasia/Realidade – Papel Psicodramático;
c) Fase de Inversão: em primeiro lugar, existe a tomada do papel do outro para em
seguida haver a inversão concomitante dos papéis. Psicossocial – Papel Social:

O desenvolvimento da estratégia de inversão da criança é um indicador da


liberdade obtida em relação ao ego auxiliar... [...] significa o primeiro passo
na emancipação da criança de dependentes, se não de fatos pelo menos na
sua imaginação. Reforça também as imagens de “um dia eu serei grande”...
[...] A fase inicial de co-experiência e colaboração com o ego mais forte
proporciona à criança um incentivo para ação independente (MORENO,
1984, p. 114).

A relação dinâmica evolutiva da criança amplia o seu modelo relacional; do


Bi-Pessoal ao Triádico, quando acontece a descoberta do ELE, a separação é
concretizada – angústia da separação é a Fase da Triangulação, que irá
ampliar para circularização, para socialização e representa a entrada do ser
humano na vivência sociométrica dos grupos (FONSECA, 1980, p. 95).

Vencendo as etapas de relacionamentos bipessoais e triangulares, o


indivíduo ganha a perspectiva de relacionar-se com o ELES e, em seguida,
também de sentir-se parte de um conjunto, de uma comunidade, de deixar-se
entrar no mundo do NÓS. A possibilidade de “inclusão” grupal, de deixar de
sentir a frieza do EU-ELES para sentir o cálido envolvimento do EU-NÓS,
significará um passo importante para que seus futuros relacionamentos
grupais e sociais sejam satisfatórios ( FONSECA, 1980, p. 95).

A Identidade humana se forma, no Reconhecimento do Outro. A saúde se relaciona


com a possibilidade de inversão, a saída narcísica, do umbigo, possibilitando o Encontro-
Entrega mútua com perda momentânea da identidade, com volta revitalizante e
transformadora. Fonseca propõe que a capacidade de inverter papéis possa ser considerada
como método de avaliação saúde/doença.

Por mais importante que seja a linguagem no desenvolvimento do indivíduo


e do grupo ela é sempre “logificada”, é a sintática da comunicação: uma
grande descoberta do desenvolvimento da comunicação humana é a vida pré
verbal da criança. Os conflitos profundos das crianças se enraízam nas
experiências do seu primeiro mundo, na sua ligação com a figura materna,
com objetos e com o seu ambiente. Essas experiências se encontram mais
tarde com sua expressão na língua materna, mas nunca mais atingirão a
consciência do vínculo, da unidade e do sincretismo das primeiras semanas
de vida. A linguagem não esgota o psiquismo todo (MORENO, 1974, p. 22).

85
Fases da Matriz de identidade
Desenvolvimento Evolutivo

*Onipotência
*Imaturidade Neurológica
1oUniverso *Aprendizagem através do corpo.
Vincular: *Registros Corporais
Matriz de Identidade
Matriz Materna * Fome de Atos. Condutas Básicas-
Total Indiferenciada
Placenta Ansiedade Básica. Egocentrismo-
Fase do Duplo
Biológica imediato.
Papel Psicossomático
*Vínculo-Mãe/Filho-Dependência/
Mãe (1o Cluster)
incorporação, sincretismo absoluto.
(Acolhedor)
Matriz de *Atos Fundantes - O Ato é anterior a
Identidade Palavra - Moreno.
Placenta Social *Adoção de Papéis. Papéis Reais e
Imaginários aglutinados.
*Início da distinção espacial: próximo-
longe. Interno-externo.
Relações
*Início do discernimento - sujeito-
Assimétricas
objeto-meio.
*Diferenciação do não-eu. Sonhos.
Matriz de Identidade
*Queda da Fome de Atos.
Total Diferenciada
*Início Separação- Brecha:
Fase do Espelho
Fantasia/Realidade
Papel Psicodramático e
*Início do Fator Tele - relação distância.
Papel Imaginário
*Papéis Fundantes - Desempenho no
Pai (2o Cluster)
mundo real/fantasia. Dimensão do EU
(Operativo)
Psicológico/ Psicodramático.
*Concentração em si - Reconhecimento
do Eu.
*Concentração no Tu - Reconhecimento
do outro (Papéis ativos).
*Consolidação da Brecha entre
fantasia/realidade - Percepção das
limitações, da Onipotência - Fome de
2oUniverso Relações Transformação. “O paraíso perdido se
Vincular simétricas transforma em terra prometida” -
Inversão de Papéis
Matriz Familiar Moreno.
*Preparação para o Papel
Átomo Social *Rede vincular vai se formando na
Social;
“Núcleo das interação dos Papéis originários.
Irmãos (3o Cluster)
relações se *Funções parentais-triangulação.
(Compartilhar)
forma em torno *Distância das “coisas” - nomeação com
do indivíduo” palavras.
Moreno *Tomada do papel do outro - seguida da
troca de papéis.
*Papéis Interativos: Passivos/Ativos.
Competir, rivalizar, ciúmes.
3o Universo * Papéis Sociais.
Vincular * Papéis Psicossomáticos.
Rede Relações Sociais *Papéis Imaginários.
Sociométrica *Papéis Psicodramáticos - nosso eu,
com todos os como qualificamos as coisas.
vínculos *O ser no mundo com toda sua
operacionais abrangência emocional - social - cultural
formados pelo onde os papéis acolher, operar,
Átomo Social compartilhar funcionam de forma
dinâmica.

86
8.2 Teoria do Papel

É o conceito original do Teatro Grego Clássico, onde as peças eram escritas em “roles”
(rolos); do Latim: rotula; do Inglês Medieval: “role” (papel).
Como foi visto alhures, os vínculos são formados na Matriz de Identidade –
Indiferenciada – Diferenciada – Social. O Papel é uma forma de funcionamento, um
desempenho que inicia nos vínculos originais no Primeiro Universo da Criança.
Gradualmente, à medida que a criança experimenta a realidade, novas adoções de papéis vão
surgindo, interagindo ao papel anterior e formando “cachos de papéis”. O processo de
desenvolvimento de um novo papel passa por três fases:
a) Role-tanking: tomada do papel – adoção por imitação;
b) Role-playing: jogar os papéis, exploração simbólica das representações;
c) Role-creating: criação e o desempenho de papéis novos.
Para Moreno (1984) “A habilidade em desempenhar papéis é essencial para a
comunicação adequada e para o desenvolvimento do eu social”. Portanto, o desempenho de
papel possibilita à pessoa reconhecer a si própria e ao outro. Assim, “Todo papel é fusão de
elementos particulares e coletivos; é composto de duas partes – seus denominadores coletivos
e seus diferenciais individuais (MORENO, 1992, p. 178).
Papel é uma unidade de condutas inter-relacional resultante de um processo evolutivo
ontogenético, singular, com grande força construtiva e plasticidade. É precursor do EU e sua
formação acontece através da inserção social do agente com sua atuação diante das situações
específicas em que estão envolvidos pessoas e objetos que atuam como contrapapéis. O
processo do desenvolvimento dos papéis iniciados na Matriz de Identidade, continuam por
toda a existência do indivíduo; não sendo assim, o Homem estaria fadado a uma estrutura
fixa, sem criatividade e espontaneidade. Para Moreno, a “doença mental” é vista dentro de um
Papel Patológico, isto é, quando a capacidade perceptiva e intuitiva do indivíduo encontra-se
desvirtuada, ou seja, o seu mundo interno não coaduna com o externo:

O paciente age como se conhecesse os sentimentos das pessoas de seu


ambiente em relação a ele, como se soubessem que elas o amam ou odeiam.
[...] Quando essa diferença é muito grande temos razão para pensar que sua
avaliação perceptual do ambiente social é insuficiente e deformada. Ele
tomará o seu amigo por inimigo [...] ou então viverá com medo de ser
perseguido ou maltratado pelos amigos. Vemos frequentemente, em grupos
patológicos, que um grande número de escolhas é ambivalente, isto é,
projetam-se sobre o mesmo indivíduo, amor, ódio, atração e repulsão.
Os pontos de cristalização perceptíveis [da percepção] disso que nós
chamamos de eu são os papéis no qual esse eu se manifesta. Papéis e suas
relações entre si são os fenômenos mais importantes de uma determinada
cultura. É, metodicamente, mais simples falar dos ‘papéis’ de uma pessoa
que do seu eu ou “ego”, ego tem significações secundárias misteriosas e
metapsicológicas. O papel, no entanto, pode ser definido como a menor
unidade de uma cultura. Os papéis não aparecem isolados, mas
conglomerados, como, por exemplo: pai, filho, esposo, neto. [...] esse
conjunto de papéis, através dos quais um indivíduo se expressa, modifica-se
com o ambiente, idade e cultura a que pertence o indivíduo (MORENO,
1974, p. 56-57, destaques nossos).

Os Papéis, na sua formação, são divididos em:


a) Psicossomáticos;
b) Psicodramáticos (imaginários e fantasias): Brincar de Deus;
87
c) Sociais: os papéis sociais podem ser desempenhados em ressonância com
vivências anteriores, formadas através da aprendizagem e o desempenho dos cachos de
papéis: Cluster.
O papel tem a importante função de inserção e de comunicação entre as pessoas. A
inclusão de um indivíduo em uma determinada rede sociométrica irá depender da quantidade
de papéis que ele tenha desenvolvido, fato que exporá a sua capacidade de estabelecer
vínculos. Segundo Knobel (2001), através dos papéis é possível mapear as relações adjacentes
de uma pessoa. O papel pode definir, para a mesma pessoa, vários tipos de átomo social:
• Átomo familiar: membros de sua família;
• Átomo profissional: pessoas significativas do seu trabalho;
• Átomo sexual: orientação sexual ou com quem mantém relações sexuais;
• Átomo social total: todas as pessoas importantes, segundo vários papéis e critérios.

8.3 Cachos de Papéis – Cluster

Como foi visto antes, os papéis não são isolados, eles tendem a se configurar em
clusters (agrupamento de papéis dentro da dinâmica relacional). Respostas do bebê frente à
ansiedade, aos impasses, as dores, aos cuidados, ao aconchego, a amamentação. E ao mesmo
tempo a resposta que ele acarretar aos seus cuidadores. Em Moreno há sempre uma mão dupla
nas relações Mãe ←→ Bebê; “[...] organismos individuais em interação” (MORENO, 1984,
p. 99). “[...] a relação entre mãe e filho é uma dupla relação que implica em uma ação
cooperativa, muito além de pautas individuais de condutas separadas entre si” (MORENO,
1984, p. 110).
O Efeito cluster é de extrema relevância para se perceber as respostas conservadas,
“pontos cristalizados”, em determinados contextos. Ex: medo das figuras de autoridade,
posturas autoritárias – Provavelmente estão vinculadas ao 2° cluster. Seres isolados,
dependentes podem estar relacionados ao 1° cluster.
Existem três clusters principais ou três dinâmicas essenciais para a existência do ser humano.
Os dois primeiros Clusters são assimétricos. O terceiro inicia as relações simétricas, a
socialização.

8.3.1 Primeiro Cluster

Materno – Cuidado – Passivo.


Primeiras experiências da existência humana. O bebê depende integralmente de sua mãe
ou de quem cuida dele.
Nesta fase predomina a passividade, a incorporação dos cuidados, a experiência da
espera, a aprendizagem da paciência e da tolerância.

8.3.2 Segundo Cluster

Paterno – Autonomia – Ativo: Triangulação.


Aparece a figura do pai. Posição ativa, aprendizagem da autonomia, da autoconfiança,
da capacidade de conquista e do exercício do poder. Introjeção do Não.
A criança passa da dependência total para uma consciência mais autônoma, começa a
objetivar a relação com o mundo externo.

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8.3.3 Terceiro Cluster

Irmãos – Simetria – Interativos.


Representa os vínculos simétricos, nos quais a responsabilidade é igual para todos os
envolvidos. É o caso dos irmãos, amigos, companheiros.
Além de aprender a competir e a rivalizar, aprende-se a colocar limites, cuidar das
posses, atacar ou se defender de agressões. O auto cuidado e o cuidado ao outro.
Para averiguação perceptiva dos papéis e suas correntes emocionais, Moreno propõe a
sociometria da dinâmica dos papéis no seu contexto social fazer o levantamento do seu átomo
social através do diagrama de papéis. Isso dará uma medida relacional (sociograma) do EU e
TU:

Pede-se ao paciente que se coloque no lugar de uma pessoa de seu grupo por
ele preferida e, como se fosse essa pessoa, escolha e avalie que sentimentos
têm as demais pessoas diante dele. Esse teste é baseado no fato de cada
indivíduo procura perceber, intuitivamente, que sentimentos têm por ele
pessoas imediatamente próximas. [...] uma grande discordância entre suas
expectativas e os fatos objetivos dão-nos importantes indicações sobre o seu
status e um conhecimento mais preciso de sua posição no sociograma do
grupo (MORENO, 1983, p. 24-26).

O mapeamento do átomo social do indivíduo e sua representação de papéis com


pessoas, objetos e escolhas, utilizando-se da metodologia e das técnicas psicodramáticas,
trazem uma representação significativa do seu mundo.
O exemplo a seguir aconteceu em uma aula no Curso de Pós Graduação em Psicodrama,
durante a disciplina Atos Psicodramáticos:
- A aluna queixa das múltiplas atividades que desempenha. Não consegue organizá-
las e terminá-las, encontra-se ansiosa, ela tem que entregar o trabalho de conclusão do curso.
- Convido- a para fazermos o mapeamento (átomo social) de suas atividades.
- Ela aceita. Peço que ela escolha um lugar da sala e que se coloque no meio.
- A seguir o diálogo:

– Feche os seus olhos, respire. Permaneça de olhos fechados e “veja” o seu


mundo com todas as coisas que há nele. Visualize cada uma e veja como elas
estão em relação a você. Isto é, as que estão mais próximas, as mais
distantes, as mais urgentes, as que você mais ama... Agora abra os seus
olhos, escolha alguém para ocupar o seu lugar. Escolha as suas atividades, as
pessoas para representar cada atividade, tarefas e as coloque em “torno de
você”, olhe de longe a escultura da sua vida e me diga o que sente...
– Sufoco. Que horror! Fica difícil de respirar, com tanta coisa em cima de
mim.
– É assim que você está vivendo?
– Assim mesmo.
– Escolha uma das tarefas e ocupe o lugar dela.
– Respire, fecha os olhos, agora você será esta tarefa. Pense em voz alta
como você se sente. Diga agora a sua importância para a vida “daquela
pessoa” que se encontra no meio. Troque agora de lugar com ela. Responda
agora para aquela “tarefa”...

Assim foi feito, sucessivamente, com todas as “tarefas.” As técnicas: duplo, espelho,
solilóquio e inversão foram utilizadas.
89
As escolhas das “tarefas” foram sendo remanejadas. Algumas retiradas, outras
poderiam esperar um pouco. A cada movimentação de mudança da “tarefa” em relação ao
protagonista, era utilizada a técnica do espelho. Ao final solicitei que ela voltasse mais uma
vez para o centro, respirasse e sentisse como estava o seu mundo, dentro do centro e fora do
centro. (espelho): – Ufa!
Sentamos para compartilhar e a “nossa protagonista” disse: “Puxa vida! Eu escolhi
carregar tudo isso para compensar a falta do meu pai e ajudar minha mãe, agora está claro”.
O grupo passou a compartilhar sobre os papéis desempenhados e cristalizados.
Ao final foi escolhido um título que representasse a dramatização: “O Mundo que eu
Escolho”. O título traz a possibilidade de se fazer diferente, de se escolher um novo papel.
Na teoria Socionomica, se faz necessário uma visão flexível, criativa e espontânea do
indivíduo como um ser criador, um gênio capaz, co-criador e co-responsável pelo Universo.
Este é o ponto máximo da visão moreniana do homem: desempenho e aprendizagem de
papéis para a criação de um novo papel. Observa-se que quando existe representação de uma
determinada situação, a imaginação é desafiada pela busca de solução para problemas criados
pela vivência dos papéis assumidos. As situações imaginárias estimulam a inteligência e
desenvolvem a criatividade. A formação dos papéis com os seus estágios evolutivos dentro da
cadeia das constelações do átomo social se complementam de maneira bioantropológica,
articulação que insere o Homem dentro da natureza e essa dentro dele. Essa inclusão mostra
que o ser biopsicossocial se revela por meio de “múltiplos nascimentos”, ou seja, por meio de
várias relações cósmicas: pessoas, animais e natureza. Tudo que “toca” o indivíduo é capaz de
lançá-lo em novas dimensões, em novos papéis criativos.

8.4 Átomo Social

Meu eu
e Teu Eu
Quantos eus somos nós?
Eu em mim e eu em Ti
são dois.
Tu em mim e Tu em Ti
são mais dois
Porém o meu Eu são dois
em cada Tu
e o teu Tu são dois em cada Eu
E assim
quão assombroso é descobrir
quantos eus existem em mim
e quantos estão em Ti!
(PALAVRAS DO PAI, 1992, p. 195).

Moreno denominou como Átomo Social, os vínculos, as redes relacionais que se


constituem em torno do indivíduo. Inicialmente o átomo social do bebê se resume a ele e a
sua mãe. Gradativamente, esse universo se expande, outros indivíduos são incluídos,
causando um aumento da constelação e da percepção, seja ela positiva ou negativa, levando o
indivíduo a adotar os diversos papéis frente a sua dinâmica relacional.

90
Os papéis, à medida que vão sendo experenciados com sua constelação de forças
positivas e negativas, conquistam sua dinâmica relacional, possibilitando a formação das
diversas identidades e seus processos. A forma predominante de um papel ou outro explicita a
história de vida de cada um. Como se viu no exemplo citado antes e que foi nomeado de “O
Mundo que eu Escolho”. Para Moreno o “átomo social é fato” (1992, p. 158). Seu significado
conceitual só foi possível após os estudos da formação do sistema das constelações das redes
sociais. “Uma parte não existe sem a outra. É um contínuo” (MORENO, 1992, p. 259). Átomo
Social é conceito introduzido por Demócrito na linguagem científica (p. 9). Moreno recorre a
esse termo para definir o menor padrão de conduta relacional que gravita em torno do
indivíduo, iniciando já na primeira fase do desenvolvimento infantil:

A menor unidade funcional dentro do grupo social. Toda pessoa é


relacionada, positiva ou negativamente. [...] o átomo social expande-se
concomitantemente à medida que crescemos. [...] o indivíduo tem, desde o
seu nascimento, uma estrutura de relacionamento ao seu redor: pai, mãe,
avó, avô e outros membros. [...] também tem uma gama de papéis e
contrapapéis (MORENO, 1992, p. 172, v. I).

Há que se lembrar, que o átomo social é um construto dinâmico que cresce, flui e
encolhe; consiste nas ligações interpessoais, compostas por papéis dentro de uma cadeia
relacional, uma rede sociométrica de tele (atrações, rejeições, mutualidades e incongruências)
em volta de cada indivíduo. O átomo social gera círculos de relacionamentos transmitidos de
gerações a gerações (questões atávicas): as cadeias dos mitos familiares que se expõe
atravessadamente ao sistema de vinculação do indivíduo (vínculos residuais e atuais). Essa
configuração social das relações interpessoais é um processo em mudança, à medida que a
imagem que se tem de si mesmo e do outro se modifica no decorrer da existência,
expandindo-se as conexões da rede sociométrica, ajuizando-se novos valores e qualidade aos
relacionamentos, desarticulando velhos padrões para obtenção de novos conhecimentos. No
decorrer do seu desenvolvimento, a criança interioriza as pessoas e as relações entre elas; essa
entronização irá revelar mais tarde como os papéis foram introjetados e como a sua
subjetividade, o seu grupo imaginário e o real foram construídos: como ela se vê e como ela
vê o outro em relação a si mesma (fase do espelho). O átomo social são constelações da
intersubjetividade das relações do interpsíquico e do intrapsíquico; são forças de atrações,
rejeições e indiferenças e cada pessoa desempenha um conjunto de papéis, e provoca no outro
outros papéis. Nessa dança intercambial Eu-Tu, de conjunções e sistemas abertos por
processos vinculares e seus complementares é que são geradas as construções individuais e
sociais. À medida que o indivíduo estabelece novas configurações sociais às constelações,
tende para expansão, aumentando a cadeia de átomos e formando uma complexa corrente de
sistema de inter-relação vincular, denominadas como Rede Sociométrica. A saúde social seria
a incorporação da alteridade, ou seja, o exercício da existência do diferente. Segundo Moreno,
essas redes têm uma importante função operacional na formação da sociedade, que é a
“Função de formar a tradição social e a opinião pública” (MORENO, 1992, p. 158, v. I).
Neste contexto, ele revela, ainda,

[...] que, dentro das correntes sociais em permanente movimento e


modificação, persistem estruturas mais ou menos sólidas: os meios de
comunicação dos sentimentos sociais. Essas redes são o foco da origem da
opinião pública. [...] são transmitidas sugestões e através de seus canais
podem as pessoas se influenciar e educar mutuamente. (MORENO, 1974, p.
55).
91
Para compreender as estruturas invisíveis (vínculos interativos) da rede sociometrica,
foi criada a Sociometria e com o fim de medir as relações criou-se o Teste Sociométrico:

Durante o crescimento, a criança não fez somente experiência com outrem,


mas também com ela mesma nos diferentes papéis que representa. O
resultado de suas relações, baseadas no tele, é que ela começa não somente a
se experimentar a si própria, mas também a se considerar como alguém em
face de quem se reage de determinada maneira, e que provoca, por sua vez,
certas reações ao redor. Pouco a pouco desenvolve uma imagem de si
mesma. Essa pode ser muito diferente da que os outros têm dela, mas é
importante para ela. O hiato entre o que ela é o que faz e a imagem que tem
dela pode crescer progressivamente. Finalmente se diria que ela tem ao lado
de seu “eu” real, íntimo, outro ‘eu’ que exclui progressivamente (MORENO,
1974, p. 313).

Esse colapso na percepção da sua autotele é o desencadeador dos grandes sofrimentos


psíquicos. Para Moreno (1974, p. 3120, “A casa e a rua podem existir, mas a maré subiu tão
alto que não se vê mais nada na cidade”.
A percepção encontra-se integralmente nublada. É sabido e aceito que as emoções não
expressas têm que obter um caminho para sua expressão. Os conteúdos das percepções
vinculares precisam encontrar um destino apropriado, caso isso não ocorra os sintomas
ganham a forma de demonstração e com o decorrer do tempo passam a ser percebidos como a
própria identidade do indivíduo ou como a sua maneira de ser no contexto social. Nesse
sentido, Morem destaca o seguinte:

Os investigadores sociométricos assinalaram que o isolamento orgânico do


embrião prossegue durante um breve período, após o nascimento, até que o
aparecimento do tele inicia as primeiras estruturas interpessoais. Mas
algumas crianças perpetuam o padrão de isolamento orgânico pelo
isolamento social. Com efeito, uma considerável percentagem de indivíduos
manifesta a tendência para serem postergados ou isolados em grupos durante
a vida inteira; a questão é se o ego auxiliar na forma de mãe, não teve, desde
tempos imemoriais, uma função mais profunda a cumprir do que ser apenas
a fonte alimentar da criança. Talvez os nossos ancestrais menos instruídos,
mas mais intuitivos, tenham tratado melhor os seus bebês (MORENO, 1984,
p. 122).

A partir dessas observações, Moreno passa a tecer considerações sobre os artefatos com
suas vidas mortas e que podem ser amados, destruídos em excesso e nunca realizando a troca
de forma a substituir os egos auxiliares. E afirma que “Deixar a criança sozinha com seus
bonecos é paralelo a deixar o bebê sozinho com a mamadeira, um objeto auxiliar”
(MORENO, 1984, p. 123).
Quando Moreno criou a Psicoterapia de Grupo, seu desejo primordial era de incluir os
seres isolados e execrados dentro de um contexto social. O grupo seria o agente transformador
para o acréscimo do Átomo Social e para o aprimoramento de novos acoplamentos
sociométricos. Ao criar a Teoria das Relações Interpessoais, Moreno evidencia a importância
da relação social com sua dinâmica vincular para aquisição da espontaneidade e criatividade e
para a compreensão das relações tele transferenciais. Ao propor esta mudança na visão de
homem, foi possível lançar o conceito de doença mental dentro de uma nova perspectiva.
Neste contexto, interessantes as afirmações que se seguem:

92
Graças a ela [mudança] tornou-se possível conceber as neuroses e as
doenças mentais não mais como “doenças” no sentido biofisiológico do
termo e não mais como fenômenos intrapsíquicos (como certas linhas
psicanalíticas as veem); foi o conceito de átomo social de Moreno, por mais
imperfeito que possa ser, que favoreceu às psicopatologias saírem de sua
toca individualista e solipsista para reencontrarem, na estrutura inconsciente
das relações sociais, seu motivo. Nesse sentido, não seria absurdo dizer que
Moreno foi o precursor da antipsiquiatria (NAFFAH NETO, 1997, p. 171-
172).

8.5 Tele

Tele (do grego: distante, influência à distância) é a capacidade de se perceber de forma


objetiva o que ocorre nas situações e o que se passa entre as pessoas. O Fator Tele influi
decisivamente sobre a comunicação, pois o homem só se comunica a partir daquilo que é
capaz de perceber.
O termo foi criado por Moreno, que o definiu como “um processo emotivo projetado no
espaço e no tempo, em que podem participar uma, duas ou mais pessoas. É uma experiência
de algum fator real na outra pessoa e não uma ficção subjetiva. É, outrossim, uma experiência
interpessoal e não o sentimento ou a emoção de uma só pessoa” (MORENO, 1984, p. 295).
Para Aguiar (1990, p. 98), tele “é a articulação criativa entre parceiros de um mesmo ato.
Nesse sentido, o termo tele deve ser entendido como co-criação”.
Segundo Moreno, o desenvolvimento infantil permite que a criança comece e vá
distinguindo aos poucos os objetos das pessoas, sem distorcer seus aspectos essenciais,
aprimorando a capacidade de se perceber de forma objetiva o que ocorre nas situações e o que
se passa entre as pessoas. Toda essa percepção pressupõe relação com pessoas reais e
imaginárias (papéis de fantasias e papéis psicodramáticos) que são representadas pela
“percepção interna mútua entre dois indivíduos”. Por meio do fenômeno relacional, a criança
irá, paulatinamente, se reconhecendo no que a identifica e no que a diferencia dos outros:

Na fase primitiva da matriz de identidade, a criança ainda não distingue entre


próximo e distante. Mas, gradualmente, o sentido de proximidade e distância
vai-se desenvolvendo e a criança começa a ser atraída para pessoas e objetos
ou afasta-se deles. Este é o primeiro reflexo social – indicando o
aparecimento do fator tele, e é o núcleo dos subsequentes padrões de
atração-repulsa e das emoções especializadas – por outras palavras, das
forças sociais que cercam o indivíduo ulteriormente (MORENO, 1990, p.
119).

Moreno desenvolve a Teoria do Fator Tele como o núcleo das relações vinculares,
interpessoais. É através deste fator que os intercâmbios de papéis sociais e o Encontro se
promoverão. O tele organiza a capacidade de escolha e rejeições de um indivíduo, como
também a noção da continuidade, a distância, a aprendizagem relacional do outro separado e
existente. O encontro é a experiência essencial da relação télica.
Ao falar de Encontro, Moreno propunha aprender com o “contra” na relação EU-EU,
com o Outro e com o Mundo; isso acontece num sistema psicodinâmico aberto, num Universo
Aberto que tem lugar para o novo, para a criação. Moreno acreditava na possibilidade real do
Encontro – sem relação transferencial. Se a cada relação os membros conhecerem seus
direitos, obrigações e os respeitarem, o crescimento será possível. Quando isso não ocorre a
relação encontra-se sob a égide de um Papel Patológico e Transferencial. A visão do outro,
comprometida por Vínculos Regressivos e Vínculos Compensatórios é relação complementar,
93
que o indivíduo estabelece com as pessoas ou com as coisas, delegando às outras pessoas ou
coisas, funções psicológicas de cuidado, proteção e orientação dos seus primeiros anos de
vida. A transferência é uma relação projetada, na qual se transporta alguma coisa para o outro;
tele é a percepção verdadeira do outro, não afetada pelo inconsciente recalcado e regressivo.
A transferência é a patologia do tele; para Moreno ela é uma “excrescência psicopatológica”,
impedindo o indivíduo de se relacionar de forma verdadeira, nublando a percepção e a
comunicação, favorecendo as distorções e os equívocos, é uma contra espontaneidade
desencadeadora do embotamento das relações interpessoais, gerando sofrimento, o lugar do
desencontro, do patológico e das atuações irracionais. O Tele é a possibilidade da abertura, da
flexibilidade, onde a comunicação flui e as distorções diminuem.
No momento atual, estes conceitos foram unificados; para muitos psicodramatistas,
tele/transferência acontecem juntas. Sabe-se que a “percepção verdadeira” do outro se
encontra tingida de afetos e juízo de valores. Com a possibilidade do reconhecimento do
vínculo residual projetado, aumenta-se o fator tele. Zerka Moreno diz, que O TELE
desenvolve-se com o passar dos anos, à medida que o indivíduo aprende e expande o seu
átomo social através do constante aprendizado do amor. A constante aprendizagem do amor,
da saída das conservas, desenvolve a auto tele. Moreno preferia este termo ao conceito de
insight:
Auto tele tenta ir além. É poder estar em contato com o profundo mundo interior.
Poder estar consigo mesmo, como dentro de um fascinante caleidoscópio. Insight é
uma dimensão racional. Auto tele é emocional e racional. Significa ter uma boa
relação com essa magnífica e complexa diversidade que é ser humano em relação.
(BUSTOS - Perguntas e comentários feitos para Zerka no Congresso Processual
(Ning) 2010).31

9 TÉCNICAS BÁSICAS DO PSICODRAMA

São Consideradas Técnicas Básicas as que fazem parte das fases da Matriz de
Identidade. São elas:
 O Duplo – no “estágio de identidade total” a relação mãe-bebê-mundo encontra-
se indiferenciada. Logo, a técnica embasada nesta fase é o duplo, na qual o
psicoterapeuta “dá voz” a algum conteúdo emocional-cognitivo que o paciente-
protagonista não consegue traduzir em palavras ou ações corporais. Em outros
termos, o psicoterapeuta tenta “intuir” o conjunto afetivo-cognitivo do paciente
em um determinado momento e, assim, expressar por ele o conteúdo em questão.
É utilizada quando o protagonista encontra-se em dificuldade de expressar. O ego
auxiliar se coloca ao lado do protagonista e assume a sua expressão, dando voz a
sua emoção. É uma linguagem interpretativa;
 O Espelho – posteriormente ao estágio fusional, a relação mãe-bebê-mundo
começa a se diferenciar. Moreno (1986) nomeia esta fase de “estágio do
reconhecimento do eu”. O bebê dá continuidade ao surpreendente processo de
construção de sua identidade, exercitando sua crescente autonomia diante de
objetos exteriores, inclusive da mãe. Ao observar sua imagem no espelho, a
criança vai se dando conta de suas ações enquanto “atos voluntários”, o que a leva
a desdobrar em espirais crescentes suas habilidades cognitivo-emocionais e,
portanto, seus testes da realidade. O psicoterapeuta, ao espelhar o comportamento
linguístico e corporal do paciente, acaba por oferecer condições para que este
______________
31
NING - Espaço virtual desenvolvido pela Comissão Organizadora do 17° Congresso Brasileiro de Psicodrama
e 1° Latino-americano de Psicoterapia de Grupo e Processos Grupais. 2010.

94
obtenha uma “versão” exterior “fiel” de si. O Protagonista se torna o espectador
de si mesmo, como dizia Moreno. O ego auxiliar refaz todo o seu percurso e
movimento, contatando com o seu átomo social. É necessário ter habilidade para
que o protagonista não se sinta caricaturado. O paciente se senta no lugar do
espectador e vê uma cópia de si mesmo.
 A Inversão de Papéis – no “estágio de reconhecimento do outro”, a criança já
detém, plenamente, a capacidade de simbolização. Ela já possui suficiente senso
de identidade para poder assumir o lugar do outro sem se perder. O
reconhecimento do outro pode ser exemplificado na corriqueira brincadeira de
“casinha”, onde uma dupla ou um grupo de crianças exercem papéis sociais dos
mais variados, como: mãe, pai, filho, irmão, tio, avó etc. A dinamicidade com que
os papéis podem ser invertidos entre elas é um fator relevante desta capacidade de
reconhecimento do outro e, consequentemente, de se colocar no lugar do outro.
Só é possível quando as pessoas em questão estão presentes.
Ex.: Marido e Mulher. Pai e filho. Esse seria de fato o verdadeiro trocar de olhos.
Usa-se hoje uma variação da técnica: o ego-auxiliar assume o lugar do
antagonista. O protagonista confronta com o seu imaginário. A técnica da
inversão de papéis oferece possibilidades ao paciente de tomar o papel de outro
membro do grupo e vice-versa. Em uma relação bi-pessoal, tal inversão poderá ser
exercitada entre o psicoterapeuta e o paciente. Importante ressaltar que os
indivíduos que se encontram nas fases anteriores da identidade não conseguem
fazer inversão.

Há outras Técnicas, que não são consideradas como Técnicas Básicas:

a) Solilóquio:
– ele ajuda o protagonista a aquecer e permite que o ego-auxiliar conheça um
pouco do mundo interno do indivíduo. No popular, é “falar com os próprios botões”, “pensar
em voz alta”. Moreno, no livro Psicodrama, na página 245 diz o seguinte sobre esta técnica:

O problema da técnica consiste em permitir ao ego auxiliar superar a


tragédia inerente ao nosso mundo interpessoal. Vivemos simultaneamente
em mundos distintos que só por vez se comunicam e mesmo assim de um
modo incompleto. A psique não é transparente. O psicodrama total de
nossas inter-relações não emerge; está enterrado em e entre nós. O
Psicodrama teve que desenvolver numerosas técnicas para dar expressão aos
níveis mais profundos do nosso mundo interno pessoal. Uma das técnicas é o
solilóquio. [...] é usada pelo paciente para duplicar sentimentos e
pensamentos ocultos [,] o seu valor reside em sua veracidade. O seu
propósito é a catarse (grifo nosso).

b) Apresentação do Átomo Social:


– o protagonista monta o cenário com suas cadeias de relação, levando em
consideração (aproximação e rejeição). A partir da montagem do cenário ele representa a si
mesmo e a todos os membros da sua relação. O diretor utiliza a metodologia psicodramática
para que o átomo social tenha uma resposta producente. Essa técnica pode ser feita também
na ajuda da escolha profissional, redirecionamento de novos papéis profissionais ou para
discernimento de acúmulos de tarefas, bem como para o esclarecimento de várias teias da
dinâmica interpsíquica. Ex.: O Psicodrama: o Mundo que Eu Escolho. (Cf. neste trabalho).

95
9.1 Teoria da Ação

9.1.1 Catarse de integração-Ab-reação

O conceito origina da Grécia Antiga – ritual mítico – introduzida por Aristóteles –


purificação dos espectadores. Para Moreno o passo decisivo para o desenvolvimento do
psicodrama foi:
• A psicoterapia de Grupo (MORENO, 1974, p. 32);
• O Psicodrama pode ser definido como o método que penetra a verdade da alma
através da ação. A catarse que ele provoca é por isso uma “catarse de ação”
(MORENO, 1974, p. 106).
Essa passagem reflete o ponto culminante da associação do Teatro da Espontaneidade
para o Teatro Terapêutico.
Historicamente, o Psicodrama representa o ponto culminante na passagem do
tratamento do indivíduo isolado para o tratamento do indivíduo em grupos: do tratamento do
indivíduo por métodos verbais para o tratamento dos indivíduos por métodos de ação. Moreno
desenvolveu uma teoria de personalidade e uma teoria do grupo. O psicodrama é uma
combinação eficaz da catarse individual com a coletiva, da catarse de participação com a de
ação. O método terapêutico ativo da ação dramática propõe percorrer estados emocionais,
com certa estética: no primeiro momento, busca-se reproduzir a história real (Mimese), para
modificá-la pela ação (Poesis), buscando-se através do corpo produzir uma nova expressão
(Catharsis). O indivíduo se vê e refaz sua ação dentro de um processo relacional (Catarse de
Integração). Só é possível desempenhar um papel social através do seu papel complementar.
Por isso a catarse de integração pressupõe vínculo, grupo, intersubjetividade e vivência; o ser
humano em ação para aquisição de novos papéis. “Catarse nesse conceito não mais refere à
liberação, ao expurgo da plateia, mas sim do protagonista com a representação dramática da
sua própria história. O espectador converteu-se, ele próprio, num ator” (MORENO, 1975, p.
38-39).
Não é apenas o diálogo que representam; seus corpos rejuvenescem seus nervos, suas
fibras cardíacas: eles se representam, novamente, desde o começo, como se saíssem de uma
memória divina: prazer de ser o “duplo” de si mesmo, todas as coisas, forças, atos e
pensamentos renascem em sua forma original e passam pelas mesmas etapas que
atravessaram antigamente. Todo o período surge por um instante. Mas essa louca paixão, esse
desencadeamento irreal da vida, não funciona como uma marcha do calvário, mas reafirma a
frase: cada verdadeira segunda vez é uma libertação da primeira. Assume-se o aspecto
criador da própria vida, de tudo o que se fez e se faz.
Um ato catártico é um ato fundante, liberador dos papéis fixados; o nascimento de
papéis novos e espontâneos é um ato integrante porque enriquece a percepção do meio social,
movimentando o átomo social (MORENO, 1974, p. 119-120).
A catarse proposta por Moreno é a ação total; o protagonista no palco não está
retratando um drama escrito e ensaiado por um terceiro, mas sim um drama que nasce de uma
experiência grupal ou de uma escolha do grupo, devolvendo a todos uma ação consciente e
sistemática. Ao falar em catarse de ação, Moreno apresenta o psicodrama da seguinte forma:

96
O psicodrama coloca o paciente num palco onde ele pode exteriorizar os
seus problemas com a ajuda de alguns atores terapêuticos. É um método de
diagnóstico, assim como um tratamento. Um de seus traços característicos é
que a representação de papéis inclui-se organicamente no processo de
tratamento. Pode ser adaptado a todo e qualquer tipo de problema, pessoal
ou de grupo (MORENO, 1984, p. 231).

Para haver catarse é necessário que haja um momento emocional que é o próprio sentir,
o viver de novo, junto com o momento intelectual de esclarecimento dos papéis e dos
vínculos, que é o momento axiológico, o momento do nascimento de um novo valor. A
catarse na proposta do psicodrama integra a cognição, a estética e a ética. Esse é o grande
tripé metodológico de toda sociatria; a aprendizagem de novos papéis ocorre porque a ação
dramática permite através da estética o olhar em espelho e esse olhar abre o campo da
cognição e da ética do ser no mundo. Wilson Castelo de Almeida sistematiza as três formas
clínicas da catarse:

a) Catarse de Integração Revolutiva: sensibilizar para novos e oportunos


aprofundamentos;
b) Catarse de Integração Evolutiva: soma gradativa de elementos parciais dentro de
si. Uma associação livre de cenas;
c) Catarse de Integração Resolutiva: como um relâmpago, pensamento, sentimentos e
ação fundidos no momento. A grande presença, responsável por sessões esteticamente belas e
emocionalmente significativas.
Neste contexto, Moreno (1983, p. 230), diz que “Quanto mais exaustivas e
honestamente forem atuadas as experiências subjetivas, mais completa elas se tornam [...]”.
O conceito de Catarse em Moreno é também diferente de Freud e Breuer (descarga
emocional), pois através da ação dramática o indivíduo torna-se inteiro, completando alguma
etapa do seu processo de identidade, mobilizando afetos e emoções ocorridas nas inter-
relações télicas ou transferenciais incluídas no processo Psicoterapêutico, podendo mobilizar
todo o grupo. São o ápice de um caminho gradativo de integrações sistemáticas de vários
conteúdos, provocando a liberação de papéis fixados, impressões inadequadas, abrindo e
facilitando o caminho para novas condutas; completando aspectos não resolvidos no modo de
ser, caracterizado por ordenações vinculares inadequadas no átomo social e ampliadas pela
rede sociométrica. No Psicodrama, o convite é a Passagem ao Ato de pensamentos e
impulsos, possibilitando-se uma auto-avaliação, a Introvisão da Ação. Significa “Passar para
fora o que esta dentro, agir do interior para o exterior – Acting out” (MORENO, 1984, p. 35).
O Acting Out – atuação em psicodrama, é visto de forma Racional e Irracional.
Racional: aquela que é levada ao contexto psicoterapêutico, possibilitando uma catarse;
é terapêutica e controlada.
Irracional: transferências projetivas, prejudicando o indivíduo e os outros. Vínculos
Compensatórios (fofocas, resistências, abandono da Psicoterapia etc.).
A catarse mental é definida como um processo que acompanha todo o tipo de
aprendizagem. Ela consiste não apenas em descarga, mas na resolução do conflito cuja meta é
o equilíbrio. Portanto, em Moreno, a catarse não é de ab-reação e sim de Catarse de
Integração. Ela é uma associação livre de cenas.
O conceito psicodramático de catarse enunciado, diz que a segunda vez tem a função de
libertar a primeira, pois podemos fazer um novo registro de emoções que irão resiginificar os
conteúdos internos.
A catarse na compreensão de Moreno se desloca do espectador para o ator e do ator
novamente de volta para o espectador – Moreno. Catarse de Integração é a mobilização de
97
afetos e emoções ocorridas na inter-relação, télica ou transferencial, de dois ou mais
participantes de um grupo terapêutico durante uma dramatização; não é simplesmente a
libertação de energia dentro de si; significa evoluir, deixar um patamar para alcançar outro:

Protagonista Grupo

9.1.2 Espontaneidade – Criatividade – Conserva

A cabeça da gente é uma só, e as coisas que há e que estão para haver são
demais de muitas e diferentes, e a gente têm de necessitar de aumentar a
cabeça para o total (Riboaldo, In: Grandes Sertões Veredas, de Guimarães
Rosa).

Espontaneidade deriva do latim – sua sponte “Livre Vontade” – “Ação Livre”. Moreno
sempre enfatizou esta característica – sua sponte – para reforçar a fonte livre dos atos
fundantes.
Atos fundantes são os emergentes que incitam à mimética, os atos corporais repetitivos
iniciadores da cadeia vincular; a primeira linguagem: o corpo, “o ato é anterior a palavra”, os
arranques físicos são as primeiras demonstrações da infância de conforto e desconforto, é no
intercâmbio dos atos corporais e na sua relação com o ego-auxiliar que a criança aprende a
discriminar o prazer e o desprazer. Os atos são registrados em cadeias de memória atual e
memória de evocação por meio do processo de prazer e desprazer vividos na relação com o
ego-auxiliar que as sensações subjetivas serão armazenadas, desenvolvendo o modelo interno
do mundo real, instalando os primeiros modelos de conserva cultural.
Em fases posteriores, esses modelos vivenciados e memorizados podem retornar para
uma nova elaboração, para libertação da vida. O nascimento com seus
arranques/atos/liberação/libertação é momento máximo de aquecimento para a
espontaneidade; é a mola propulsora da expressão operacional do ato de libertação. No
psicodrama o aquecimento irá favorecer a submersão, o vir à tona da subjetividade com toda a
sua expressão somática, psíquica e social. Ao romper os caminhos do não dito o aquecimento
libera o imaginário, com suas manifestações, favorecendo ações espontâneas, criativas e as
suas atualizações.
Há várias formas de aquecimento: físicos, mentais, psicoquímicos, econômicos, ou
mesmo a palavra. O importante é que o aquecimento favoreça e prepare a livre vontade para
fome de Atos, para criação, para a elevação e o desenvolvimento de papéis criativos e
renovadores. A Fome do momento do nascimento caminhará como o impulso básico, por toda
existência, e ressonará na Fome de Transformação, o limiar fundante da capacidade da
criação.
Criatividade deriva do latim creare, que significa criar dar existência, estabelecer
novas configurações ao universo das redes de relações interativas. Está associada a variáveis
diversas, envolvendo um processo dinâmico entre elementos relativos à pessoa, ao social, ao
ambiente, com os seus valores e normas, contemplando associações, combinações inovadoras
modelos, sentimentos, experiências, planos e fatos.
Conserva deriva do latim conservare, cujo significado quer dizer manter em lugar
seguro, preservar. Moreno usa conserva como substantivo seguido do adjetivo cultural.
Moreno em seu livro O Teatro da Espontaneidade, às paginas 126 e 127 destaca o
seguinte:

98
Atuar pelo improviso é: uma preparação para satisfazer as exigências da vida
com calma e elegância.
A vida real consiste de sequências intermináveis do inesperado e de
situações improvisadas, as quais não são escolhidas pelas pessoas; elas lhe
acontecem. Nessas situações, a pessoa ou segue um hábito cego e obedece
ao mecanismo estabelecido segundo experiências pregressas, ou então pode
agir espontaneamente, modificando radicalmente o mecanismo, sob o
estímulo de uma situação central, a urgência criativa.
Quanto menor for à solidificação de padrões, melhor o indivíduo reagirá aos
imprevistos.

A espontaneidade principia quando não se toma mais as coisas como certas, quando se
examina e passa a interrogar as conservas culturais. A livre vontade expande, nasce como um
“assombro”, como uma “surpresa” diante da vida. E o momento se inicia após a via de acesso
ser percorrida, é a chegada de um novo patamar. Momentos de maravilha e medo, como de
uma criança, maravilhada ou aterrorizada diante da realidade. A experiência da
espontaneidade causa impacto, terror, arrebatamento, maravilha, espanto e também
perplexidade, abrindo fendas, provocando rupturas, quebrando ao meio as conservas, à
medida que possibilita o surgimento de outros papéis, outros conceitos e valores. Inclui a
habilidade de tomar decisões, agir diante das divergências com adaptação, memória,
pensamento rápido, mostrando e equacionando soluções criativas.
Sob esse olhar pode-se dizer que espontaneidade, criatividade e conserva são
estrategicamente unidas. Categorias diferentes com interações relacionais que vão se
constituindo, não como realidade em si, mas como co-existência que se constroem na relação
com o Outro. A perspectiva é sempre interacionista e salienta a importância viva e ativa do
Outro para aquisição da espontaneidade, que só ocorrerá no interjogo vincular; intercâmbios
que são revelados pela ação que se completam no complexo sabor do encontro face a face,
propulsor das quebras narcísicas e da descoberta do amor, garantidos pela coragem de se olhar
num espelho e de se colocar no lugar do Outro para construção, transformação ou evolução de
novas cenas; o momento, a criação, o olhar que há de ser a cada instante novo, a alma que se
lança na busca dos sonhos, o encontro que é feito no trocar dos olhos, onde se aprende pela
experiência de relacionar o conhecimento de EU interagindo com o conhecimento do TU.
O vínculo com suas redes relacionais são fatores preponderantes nesse ponto de vista; é
pelo viés vincular que a responsabilidade, a ética, o respeito geram a inspiração para
construção de uma nova ação educativa. Pensar sobre si mesmo é pensar na sua relação com o
outro. O TU, na abordagem antropológica moreniana, é uma construção identitária, processo
pelo qual o indivíduo e seu grupo se contitue e constrói novos grupos de valores e
representações de sentidos, integrando os movimentos das sociedades humanas com o
universo. Eis o núcleo central da antropologia de Moreno: a coesão das redes relaçionais,
resultam na inter-dependência dos sistemas psicodinâmicos, sociodinâmicos e
cosmodinâmicos como sistemas abertos, revelando o Universo com criatividade infinita.
E. G. Martin, página 121 assevera o seguinte:

Em um sentido cosmológico, a espontaneidade se opõe à energia física que


se conserva. No psicológico, desenvolve no homem um estado de perpétua
originalidade e adequação pessoal, vital e existencial a circunstância que lhe
compete viver. Se em sua dimensão filosófica a espontaneidade é a
explicação da constante criatividade no mundo, na dimensão individual ela
pressupõe uma concepção do homem como gênio em potencial.

99
Gênio em potencial na concepção moreniana, não é o representante das supremacias
intelectual e dos QI elevados e sim os indivíduos espontâneos, com capacidade de responder
adequadamente.
No livro: Quem Sobreviverá, no capítulo Prelúdios do Movimento Sociométrico, na
página 67, está registrado:

Por ocasião da visita de um grupo de distintos cientistas sociais a HUDSON,


as meninas interpretaram várias situações de role playing, nas quais
mostravam sua habilidade ímpar em solucionar alguns problemas de relações
humanas. Um dos visitantes, impressionado com o alto grau de inteligência
das intérpretes, questionou-me sobre o QI delas. Apontando para as meninas,
sucessivamente, respondi: “55 59,64, 69.” Ficou atônito. Expliquei-lhe: o
psicodrama é um cosmético para a psique. Faz as pessoas parecerem mais
inteligentes e atraentes do que realmente são.
De tempos em tempos, surgem momentos que se convertem em lócus
nascendi, os quais lançam essa pessoa numa nova trilha de experiência ou,
como digo frequentemente, num novo papel (MORENO, 1984, p. 154).

Na teoria da espontaneidade, a energia como sistema organizado [...]


Reaparece na forma de Conserva Cultural [...]. Devemos, portanto,
Estabelecer entre duas variedades de energia, a conservável e a não
conservável. Há um tipo de energia preservável na forma de “conservas
culturais”. Como um robô a serviço do seu dono [...]. É na interação de
espontaneidade e criatividade com conserva cultural que a existência do
fator E pode de alguma forma ser reconciliado com a ideia do universo
sujeito a leis, como, por exemplo, a lei de conservação de energia
(MORENO, 1992, p. 152).

Vai-se agora relacionar a sua interdependência, conceituando-a na categoria do


momento:

Deve ser diferenciada de “presente”. O presente é uma característica


universal, estática e passiva, é um correlato de toda experiência, por assim
dizer, de forma automática. Como transição do passado para o futuro, está
sempre aí. O presente é uma categoria formal, distinguindo-se, por oposição,
do momento, que é dinâmico e é uma categoria criativa. É através de um
processo criativo espontâneo que a categoria formal do presente alcança
significado dinâmico, quando, então, ele se torna um momento (MORENO,
2006, p. 427).

Vejam-se outras definições de Moreno:

Um dos conceitos mais importantes do pensamento humano, o conceito do


momento (o momento de ser, viver, criar), tem sido o filho de todos os
sistemas filosóficos conhecidos. [...] Na conserva cultural, achou-se um
conceito à luz do qual o sentido dinâmico do momento refletia-se e pode ser
mais bem avaliado, tornando-se para ele um marco de referências, [...]. A
conserva cultural é, pois, uma categoria consoladora e que dá segurança.
Não é, portanto, surpreendente que a categoria do momento tenha tido uma
oportunidade muito pobre para desenvolver-se em uma cultura como a
nossa, saturada de conservas culturais e, relativamente, satisfeita com elas,
[...]. Processos concluídos, atos terminados e obras mestras parecem
satisfazer a nossa história de valores melhor do que os processos e as coisas

100
inacabadas num estado de imperfeição. Essas ideias de perfeição são
associadas com a ideia de Deus [...], no entanto, a Sua função de espontâneo
criador, que é o conceito mais revolucionário sobre a função de DEUS, tem
sido quase sempre abandonada, [...]. É evidente que um processo de
criatividade espontânea é a matriz e o estágio de qualquer tesouro ou
conserva cultural – seja em forma de religião, obra de arte ou um invento
tecnológico. Isso põe em relevo a relação imediata entre o momento e a
ação, a espontaneidade e a criatividade, em contraste com o nexo tradicional
entre espontaneidade e a resposta automática. [...]. Beethoven é presente
condição de conserva cultural [...]. Enquanto ele caminhava pelo seu jardim
[...] Toda a sua personalidade já estava em comoção. Fazia uso de todo
estímulo físico ou mental que se pudesse evocar com a finalidade de colocar-
se na direção correta – constituíam o “background” indispensável, do qual
brotou a música Nona Sinfonia [...]. Somente apresenta-se, ali, o resultado
final. O fato da eliminação “background” da sua ideia atual [...] resulta de
uma armadilha intelectual que é jogada sobre nós pelos séculos
(PALAVRAS DO PAI, 1992, p. 135, 163).

As conservas pretendem dar ao homem imortalidade e continuidade. A


conserva cultural presta ao indivíduo um serviço semelhante ao que, como a
categoria histórica, presta a cultura em geral – continuidade da herança –
assegurando para ele a preservação e continuidade do seu ego (MORENO,
1984, p. 157).

[...] A categoria do momento só tem significado num universo aberto. [...]


Uma teoria do momento é inseparável da teoria da espontaneidade
(MORENO, 1984, p. 154-155).

[...] a espontaneidade não opera no vácuo, mas sim em relação a fenômenos


já estruturados, as conservas culturais e sociais [...]. A espontaneidade é
função da organização (MORENO, 1992, p. 112).

Há definições que permitem se notar a importância da categoria do momento para a


espontaneidade, criatividade e conserva cultural. O ato criador é a interação desses três
conceitos distintos dentro do momento, desde o seu nascimento. É o lugar da passagem da
conserva cultural para o um novo desabrochar; é a capacidade espontânea criativa de recriar e
criar e recebeu a Centelha Divina: “O pulsar vivo do pensamento construtor, uma pequenina
parte de Deus que brilha em todos nós, vivendo com a missão de crescer e co-criar um
mundo. É essa a diferença entre uma criatura e um criador” (MORENO, 1975, p. 85).
Para melhor esclarecimento, é importante compreender que tudo, absolutamente tudo,
tem um lugar de brotar; todas as ações e todos os atos nascem dos vínculos, sejam eles
individuais ou sociais eles têm a sua origem, o seu lugar na interação dos papéis
intersubjetivos reais ou imaginários. Para que haja entrosamento é preciso que o EU e o TU
abracem as ações intervenientes e os atos espontâneos.
Para a compreensão da teoria do momento e para o norteamento psicodramático, se
fazem necessários os conceitos: Locus, Status Nascendi e Matriz. Esses fatores integram com
a realidade interna, real ou imaginária, como também têm a capacidade de lançar o sujeito
dentro de outro papel espontâneo.
Locus equivale ao lugar onde se inicia o processo → o contorno original → com todo o
seu espaço virtual → direcionado a corresponder à ideia da coisa. Cada lugar é responsável
por nutrir o que se espera dele.
Status Nascendi equivale ao aquecimento preparatório → o tempo da concepção → o
terreno, o estágio da criação, tudo está contido ali, mas aguarda o tempo de brotar.
101
Matriz equivale ao núcleo de todo o processo → o óvulo fecundado do qual surgirá o
embrião.
Enfatizado a correspondência dos conceitos, espontaneidade, criatividade, conserva
cultural, enquadrados dentro da categoria do momento, é possível perceber que essas
interações não são abstratas ou fortuitas. Na verdade, elas são “inteligentemente” dirigidas
para a integração, para a sintonia ajustada, procurando afinar, transformar os aspectos
insatisfatórios estabelecidos, em uma nova resposta, abrindo percepções capazes de promover
novos canais de linguagem verbal e não verbal, em ressonantes correntes de vibração
consensual, refletida por intermédio das relações e das condutas sociais. Espontaneidade e
criatividade abrangem a habilidade de usar o cérebro para alterar, renovar, recombinar os
aspectos da vida. Implica em sentir o mundo com vitalidade e fazer um novo uso do que se
percebeu. É expressar as vivências, sonhos, conforme os sentidos, e descobrir novas formas,
segundo as quais, uma sociedade pode ser construída.
A espontaneidade é o catalisador. A criatividade é o elemento ‘X’, elementar sem
compreensão específica, o ‘X’ que se reconhece por seus atos. Para entrar em ação
(aquecimento), necessita-se de um catalisador. Nesse sentido, Moreno (1992, p. 152) afirma
que “Espontaneidade é como a Bela Adormecida: precisou do Príncipe Encantado para sair do
seu sono”.
A espontaneidade envolve tendências complementares para a organização, para
adaptação e para o novo. Organização refere-se à propensão para construir um sistema de
relações e estruturas, cujas funções são relativas umas às outras. O sistema de redes é,
portanto, uma totalidade funcional, na qual o papel de cada estrutura está em relação (ou está
coordenada) com a função de todas as outras redes. As doenças das redes acontecem quando
os papéis se complementam na co-dependência, ou seja, as mesmas e velhas repostas de
sempre, a cristalização da conserva, das defesas, com a permanência nos papéis inadequados,
robóticos ou normóticos. Moreno diz que o homem é um animal político e por isso, desde o
nascimento, mesmo antes da criança perceber a diferença entre ela e seu ego-auxiliar, ela já se
encontra inserida na forma vivencial social através da relação com a mãe:

O princípio que colocou a sociometria em movimento foi o conceito gêmeo


de espontaneidade e criatividade, não como abstrações, mas como função em
seres humanos reais e em seus relacionamentos. Aplicado ao fenômeno
social, clarificou o fato de que seres humanos não se comportam como
bonecos [...] (MORENO, 1992, p. 115).

Em todos os contextos da sociatria a ação dramática acontecerá, aquecendo o


protagonista ou o grupo para o desenvolvimento da espontaneidade e de atos criativos,
possibilitando o desenvolvimento da capacidade télica (relações mutuas) e de novos papéis. O
processo da dramatização aglutina a área corporal, imaginária e simbólica, permitindo
investigar, reparar e recriar aspectos fixados na matriz e no seu átomo social e liberando-os
para assunção espontânea e criativa do próprio papel representado. Nesse sentido, para
Moreno (1975, p. 143), “Espontaneidade é a capacidade de responder adequadamente a um
estímulo novo, assim como a faculdade de responder de maneira nova e adequada a um velho
estímulo”. Para ele, é “A capacidade do indivíduo de dar respostas adequadas às situações
novas ou respostas novas adequadas às situações antigas (MORENO, 1984, p. 142).
Adequação moreniana quer dizer flexibilidade, livrar-se da fixação de antigas formas de
comportamento; é a justeza dos valores intrínsecos à própria ação, nunca como acomodação
ao status quo. Moreno preocupava-se com o malogro da espontaneidade: espontaneísmo
Teatral e Atuação Irracional; para Moreno, espontaneidade não é emocionalismo e falta de
disciplina.

102
A espontaneidade acontece num universo aberto, dentro da categoria do momento, sem
determinismos psicológicos, mas ela também não se enquadra nos atos contínuos que
acontecem a qualquer momento. A espontaneidade depende da harmonia entre a conserva
cultural e a criatividade, possibilitando um novo ato, a matriz criadora, o momento que algo
surge para a existência. Espontaneidade também não é algo que se encontra vinculado a ação,
a emoção ou a diminuição do controle. O comportamento desordenado e os emocionalismo
impulsivos estão dominados pela patologia da espontaneidade; são papéis dissociados,
distorcidos e dominados pela atuação irracional: “fazer o que der na telha”.
Ser espontâneo é ser criativo, oportuno e adequado; é expressar a existência, as emoções
mais profundas. A teoria proposta por Jacob Levy Moreno visa a treinar, ampliar o processo
da espontaneidade e da criatividade.

Digrama dos Campos de Operações Rotativas Entre E. C. CC. (MORENO, 1992, p. 153)
Operação Total
ator
Espontaneidade-criatividade-ato de aquecimento

conserva

Moreno diz que o indivíduo se dirige ao mundo, e se interessa por ele, por princípio de
organização ontológica, sendo certo que a sua existência ocorre no encontro.
Epistemologicamente, seu conhecimento ocorre na presença, na ação com o mundo. Conhecer
e existir são construções relacionais. A criteriosa e sistematizada separatividade não cabe na
“ciência” proposta por Moreno. Ela é inclusiva, permite a contradição, vislumbrada através do
universo das constelações dos átomos sociais e das redes sociométricas de escolhas, rejeições
e mutualidades.
Ao ler Moreno, pode-se observar a contrariedade perpassando toda sua obra, diante dos
núcleos duros, da cristalização do passado agarrado ao hábito milenar do pensamento
racional. Com sua visão cosmológica, ele fala do todo, das dobras circulares, da dinâmica
rede humana, apontando a existência como uma co-existência realizada num incessante
movimento espontâneo/criativo, convidando a todos para o desenvolvimento da genialidade,
da responsabilidade e da co-criação. Na sua ontologia com pretensões divinas, o gênio da
ação intui uma grande obra; cria a Religião do Encontro, volta ao Cosmo e engendra a poética
e apaixonada arte da relação. Eis o ponto de partida, a relação, a co-criação, o saber
acontecendo num estado de incessantes relacionamentos: não há como separar o ser PSICO-
SÓCIO-DRAMÁTICO. Nesta tríade, o indivíduo (psico) se constrói pelo encontro (sócios),
desenvolvido nas redes interativas vívidas e vividas, com suas mais variadas formas de ação
(drama). O indivíduo, seu grupo, as ideologias sociais, as relações intergrupais, a unidade na
diversidade, legitimam a visão do Homem em Moreno. É na sequência dos atos vinculares,
articulados no como se e na realidade suplementar, em processo contínuo de troca entre
Diretor, Protagonista e Ego auxiliar, que as cenas se integram. A ação dramática
compartilhada, re-significa e possibilita a saída das conservas culturais, promovendo um novo
papel. Ao fazer o convite para o treinamento da espontaneidade (um novo papel), Moreno
lança a mente para fora, integrada no tempo, espaço, realidade e cosmo; cria o PALCO DA
ALMA, o lugar das imagens. O palco oferecido por Moreno reflete a vida, a busca da
organização para uma nova produção, para uma nova resposta diante do inesperado que pode
surgir a qualquer momento diante das interações sociais; o EU-TU, como propulsor do
encontro, da espontaneidade e da ação criativa, revelador de um saber que se cria a cada
momento na complexidade e complementaridade da rede sociométrica. O centro de todo o
processo é o Encontro, realizado dentro da categoria do momento espontâneo criativo,
103
operando um processo de catarse de integração. A vida é atuada e atualizada no palco:
Presente, Passado e Futuro no mesmo espaço de tempo. O chamamento é a preparação para o
desempenho de papéis com mais eficácia: tomar, treinar, desempenhar e criar. Portas abertas
para o eterno processo de aprender e aprimorar as correntes psicológicas com o outro. Neste
contexto, destacam-se as palavras de Moreno:

Correntes psicológicas consistem em sentimentos de determinado grupo em


relação a outro. A corrente não é produzida em cada indivíduo
separadamente; não se encontra pronta em todos, esperando, apenas ser
somada para chegar ao resultado final. A contribuição de cada indivíduo
difere da dos outros e o produto final não é, necessariamente, idêntico às
contribuições pessoais. Porém, da interação espontânea destes contribuintes
diferenciados teremos, como resultado, correntes psicológicas poderosas
(MORENO, 1994, p. 283).

10. ALGUMAS CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS .

Co-inconsciente: são vivências, sentimentos, desejos e até fantasias comuns a duas ou


mais pessoas, e que se dão em “estado inconsciente”.

Dramatização: é o método por excelência para o autoconhecimento, o resgate da


espontaneidade e a recuperação de condições para o inter-relacionamento. É o caminho
através do qual o indivíduo pode entrar em contato com conflitos, que até então permaneciam
em estado inconsciente.

Sociodrama: é a dramatização da história do grupo. É usado no contexto social, onde o


coletivo assume o lugar do indivíduo.

Projeto Dramático: (Moysés Aguiar) após a realização do Pscodrama/Sociodrama/Jo-


go dramático, o grupo/indivíduo estabelece uma ação, uma atitude a ser realizada.

Jogo Dramático: tem como objetivo permitir uma aproximação terapêutica do conflito
através do jogo. A cena dramática é aquela que expressa algum conflito; sem conflito não há
dramaticidade e a cena é vazia, segundo o teatro. Propicia ao indivíduo expressar livremente
as criações do seu mundo interno, realizando-as na forma de representação de um papel pela
produção mental de uma fantasia ou por uma determinada atividade corporal.

Diretor: na realização de cenas ou jogos, geralmente o Diretor é o terapeuta. É ele


quem dirige o grupo ou a cena, orientando ou sugerindo determinados jogos e papéis.

Ego-Auxiliar: a princípio, é todo indivíduo que, ao contracenar com o cliente, joga o


papel de pessoas de sua relação ou de figuras de seu mundo interno, figuras já existentes ou
não, mas desejadas.

Como se: lugar destinado a atuação controlada, reestruturada e integrada do que


ocorreu. É o Universo do imaginário representado “como se” fosse realidade.

Realidade Suplementar: a realidade no psicodrama é sempre suplementar; ela


representa dimensões intangíveis e invisíveis da vida intra e extrapsíquica, através da união

104
tempo, espaço, realidade, cosmos, inserida nas técnicas psicodramáticas: Moreno diz que uma
das técnicas de realidade suplementar é a inversão de papéis.

Rede Sociométrica: é a estrutura do vincular de atrações, rejeições e mutualidades.

O Psicodrama Bipessoal: é o atendimento ao cliente somente pelo terapeuta, onde o


processo psicoterapêutico se desenvolve na relação dois-a-dois e as dramatizações são feitas,
frequentemente, utilizando-se de almofadas ou blocos de espuma no lugar dos Egos-
Auxiliares.

O Psicodrama Individual: com Egos-Auxiliares é uma das modalidades de


Psicodrama em que se podem utilizar pessoas para assumir os lugares dos personagens que o
cliente solicita.

O Psicodrama Grupal: das modalidades do Psicodrama esta é a mais eficiente, pois


além de possibilitar todas as vantagens do psicodrama individual com ego, possibilita ao
cliente lidar com sua intimidade frente a um público, numa relação mais próxima das relações
da vida real, diminuindo a distância entre o vivenciar terapêutico e o vivenciar real.

Psicoterapia da Relação: derivada do Psicodrama Individual; foi desenvolvida por José


Fonseca filho e nela o psicoterapeuta joga os papéis sem montagem de cena, tendo como
enfoque principal a filosofia da relação.

Ontologia: vem do grego, “ontos” e “logos”, ser e estudo; assim, é o estudo do ser em
sua essência. É a parte da filosofia que estuda o ser enquanto ser, ou seja, o ser concebido
como tendo uma natureza comum a todos e inerente a cada um dos seres. Para Miguel Reale,
a ontologia trata dos problemas ontológicos, enquanto entendida como metafísica, enquanto
que a ontologia em sentido estrito preocupa-se com os problemas ônticos, que são os relativos
ao ente.

Deontologia: tem sua formação semântica também originária do grego, “deontos” e


“logos”, significando, respectivamente, “o que é obrigatório, necessário” e “estudo”. Com
isso, a deontologia procura desvendar os pressupostos inseridos nas normas de conduta social
pertencentes a todos as fontes das quais emanam, ou seja, religião, moral, ética, direito,
costume. Em sentido estrito, pode-se entender a deontologia com um tratado de deveres (Cf.
Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa).

105
11. UMA HISTÓRIA PSICODRAMÁTICA

Um Conto de Nachman da Bratslav


(Em torno de 1820)

Era uma vez um príncipe que mergulhou na ilusão de que era um galo. Despiu-se por
completo, postou-se debaixo da mesa e passou a comer apenas grãos ou migalhas. O rei
recorreu à ajuda de inúmeros médicos, mas nenhum deles conseguiu curar o príncipe. Até
que, um dia, um sábio apresentou-se ao rei e disse-lhe: “Acredito que eu possa curar o
príncipe”, e o rei deu-lhe permissão para tentar.
O sábio tirou suas roupas e, juntando-se ao príncipe embaixo da mesa, começou a ciscar
os grãos e a cacarejar como um galo. O príncipe olhou desconfiado e perguntou: “Quem é
você e o que faz aqui”? O sábio retrucou com a mesma pergunta. O príncipe respondeu: “Eu
sou um galo.” “Oh, é mesmo”?, disse o sábio. “Eu também sou!” E ficaram amigos.
Quando o sábio percebeu que o príncipe já se acostumara à sua presença, ele fez sinal
pedindo uma camisa e vestiu-a. O príncipe, então, questionou-o de modo hostil: “Você ficou
louco? Será que está esquecendo quem é você? Está tentando virar um homem?”. O sábio
respondeu: “Não me diga que você acredita que um galo que se veste de homem deixa de ser
galo”. O príncipe refletiu sobre isso e, em seguida, também vestiu uma camisa. Algum tempo
depois, o sábio fez um gesto pedindo que colocassem comida embaixo da mesa. “Droga! O
que você está fazendo?”, protestou o príncipe. “Será que agora você vai comer como eles?” O
sábio aplacou seus temores: “Não se aborreça. Ainda que um galo coma a mesma comida que
os seres humanos, continuará sendo um bom galo”. O príncipe refletiu alguns minutos sobre
essas palavras e, em seguida, começou a comer também.
Por fim o sábio disse: “Você acredita que um galo precisa sentar-se embaixo da mesa o
tempo todo? Se quiser pode levantar-se e passear por aí e ainda assim será um bom galo”. O
príncipe, então, seguiu o sábio que saiu debaixo da mesa e começou a andar. “Lembre-se”,
disse o sábio, “você pode fazer tudo com os homens, no mundo deles e, ainda assim,
permanecer o galo que você é”. O príncipe convenceu-se e retomou sua vida como pessoa.

106
12. AXIOLOGIA

A Axiologia iniciou-se com o filósofo Platão, com a sua teoria das formas: a forma do
Bem. Desenvolveu-se posteriormente com Aristóteles, com os Estóicos e os Epicuristas
quando investigavam o “Supremo Bem”. Na filosofia escolástica o Supremo Bem é Deus.
Axiologia: do Grego: axios = valor; logos = teoria.

12.1 Axiologia: os valores

O que leva o homem a se decidir quando ele se encontra entre duas ou mais realidades
de que gosta ou deseja? O que o move a fazer a sua escolha?
A primeira resposta poderia ser: o home decide porque é livre, e por ser livre, faz as
escolhas as quais são determinadas pelo valor que ele atribui àquilo que escolhe. Mas isso
ainda não é tudo. A decisão do homem se deve a algo que vai além da liberdade ou que dá
sentido à liberdade. Ele decide porque é capaz de determinar o valor das realidades com as
quais se relaciona, não se esquecendo de que a liberdade também é um valor que ele preza.
Quando se pergunta o que leva o homem a valorizar alguma coisa em detrimento de
outra, observar-se que além de livre e com capacidade de fazer escolhas, a partir dos valores
que desenvolve, o homem é capaz, também, de hierarquizar suas observações e suas relações.
Nesse sentido, ele se relaciona com as coisas e com as pessoas a partir de uma hierarquização
chamada de “valores”; neste ponto, ele perceberia que está diante de questões culturais.
Os valores que o homem desenvolve nascem da sua cultura. Essa é a razão pela qual,
povos diferentes valorizam realidades distintas. É a razão pela quais muitos elementos que são
valorizados por alguns grupos humanos não o são por outros. Os valores, portanto, não são
absolutos, mas condicionados pela cultura espaço-temporal. Nem todos os valores de
antigamente permanecem sendo valores atualmente; nem todos os valores para uns são
valores para outros.
Neste prisma, concorda-se com o professor Manuel Garcia Morente, em seu livro,
intitulado “Fundamentos de Filosofia: lições preliminares” (Editora Mestre Jou, 1967), que
às páginas 293-294 afirma que as relações do homem com as realidades se desenvolvem a
partir de significado que elas têm para ele, ou seja, as coisas não lhes são indiferentes: “Não
há coisa alguma diante da qual não adotemos uma posição positiva ou negativa, uma posição
de preferência [...] não há coisa alguma que não tenha valor. Umas serão boas, outras más,
umas úteis, outras prejudiciais; porém nenhuma absolutamente indiferente”. Assim, vê-se que
sempre o homem está emitindo juízos sobre as realidades, ou nos relacionando com elas a
partir da valoração que lhe atribui.
Note-se, também, que o conceito “valor” é empregado para diferentes realidades:
quando se fala em valores econômico-financeiros, refere-se à qualificação de coisas ou
serviços. Esses, no padrão sócio-cultural da pessoa considerada, são completamente distintos
dos valores sociais, humanos e morais. Enquanto os valores econômico-financeiros são
aplicados a coisas ou situações específicas e objetivas, os valores sociais, culturais, humanos e
morais demandam certa subjetividade e isto torna mais difícil a classificação de tais valores.
Há que se considerar, também, os elementos estéticos e religiosos. Nessa amálgama de
relações emerge o que se denomina de valor ético-moral.
Esse é o centro da reflexão que, de alguma forma, precede a discussão sobre ética e
moral: a capacidade humana de escolha se deve à maneira como se afirma, não à liberdade,
mas à capacidade de se formar juízos. Isso se dá em função da capacidade do homem em
estabelecer ou perceber os valores. Dessa forma, pode-se retomar as palavras do Professor
Morente:
107
A filosofia atual emprega muitas vezes a distinção entre juízos de existência
e juízos de valor; é esta uma distinção frequente na filosofia, e assim os
juízos de existência serão aqueles juízos que enunciam de uma coisa aquilo
que essa coisa é [...]. Em frente a estes juízos de existência, a filosofia
contemporânea põe ou contrapõe os juízos de valor. Os juízos de valor
enunciam acerca de uma coisa algo que não acrescenta nem tira nada do
cabedal existencial e essencial da coisa. Enunciam algo que não se confunde
nem com o ser enquanto existência nem com o ser enquanto essência de
coisa (MORENTE, 1967, p. 294).

O professor Espanhol mostra que algo é justo ou injusto quando nesse julgamento não
está à coisa em si, mas o seu significado para a pessoa que decide ou precisa desse algo; tudo
dependerá de como ela valorizará aquilo que se considera justo/injusto.
Em síntese, pode-se dizer que aquilo que leva uma pessoa a tomar decisões não é em
primeiro lugar à liberdade, mas o quadro de valores que ela considera. Este quadro, em grande
parte, é determinado pela cultura da pessoa em evidência. Além de se formar juízos sobre a
existência, (os juízos de fato), a partir da constatação da existência desses, caracterizada no
tempo e no espaço, formam-se também os juízos de valor, a partir de uma relação
intencionada com os elementos que foram absorvidos. A pessoa age assim ao escolher o que
lhe interessa e o que deve rejeitar, ou seja, o que não lhe interessa. Assim sendo, pode-se dizer
que viver é fazer escolhas e estas são feitas porque o homem atribui valores aos elementos e
às realidades que circundam sua vida.
Diante do que foi exposto antes, pode-se concluir com o professor espanhol, que o
“critério de valor não consiste no agrado ou desagrado que nos produzem as coisas, mas em
algo completamente distinto; porque uma coisa pode produzir-nos agrado, e, não obstante, ser
para nós considerada como má e poder produzir-nos desagrado, ou ser por nós consideradas
como boa”. Nesse contexto, vê-se que o bem pode não ser agradável, da mesma forma que o
mal pode não ser desagradável. Em ambos os casos, o que leva alguém a fazer o bem ou o mal
é a capacidade de escolha entre ambos (Neri de Paula Carneiro: Filósofo, Teólogo,
Historiador, Radialista e colaborador em Jornais da Região de Rolim de Moura/RO.
Texto com adaptações feitas pela Autora desta Apostila).

108
13. REFERÊNCIAS

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Psicólogo, 1990.

AGUIAR, Moisés. O teatro terapêutico: escritos psicodramáticos. Campinas: Papirus, 1990.

ALMEIDA, Wilson Castello de. Encontro existencial com as psicoterapias. São Paulo:
Ágora, 1991.

CAMPOS, Maria das Graças de Carvalho. O Papel do professor supervisor em psicodrama.


XIII Congresso Brasileiro de Psicodrama. Costa do Sauípe, 2000.

CUSCHNIR, Luiz. J. L. Moreno: autobiografia. São Paulo: Saraiva 1997.

KNOBEL, A. M. Moreno em ato: a construção do psicodrama a partir das práticas. São


Paulo: Ágora, 2004.

FONSECA, José. Psicoterapia da relação. São Paulo: Ágora, 2000.

_____. Psicodrama da loucura. São Paulo: Ágora, 1980.

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_____. Psicoterapia de grupo e psicodrama. São Paulo: Editora Mestre Jou, 1974.
Tradução: Dr. Antonio C. Mazzaroto Cesarino Filho.

_____. Quem sobreviverá? Fundamentos da sociometria, psicoterapia de grupo e sociodrama.


Cânones de Criatividade, V, I, II e III. Goiânia: Dimensão Editora, 1992 e 1994. Tradução:
Denise Lopes Rodrigues e Márcia Amaral Kafuri.

_____. Fundamentos de psicodrama. São Paulo: Summus, 1983. Tradução: Maria Silva
Mourão.

_____. O teatro da espontaneidade. São Paulo: Summus 1984. Tradução: Maria Silva
Mourão.

_____. Psicodrama – terapia de ação e princípios da prática. São Paulo: Daimon, 2006.
Tradução José de Souza Mello Werneck.

_____. Quem Sobreviverá? São Paulo: Daimon, 2008. Tradução: Moysés Aguiar.

_____. As Palavras do Pai. Campinas: Editorial Psy, 1992. Tradução: Dr. Jose Carlos
Landini e Jose Carlos Vitor Gomes.
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NAFFAH NETO, A. Psicodrama: descolonizando o imaginário. São Paulo: Plexus, 1997.

LESBAUPIN, Sandra F. Adolescente X Adulto Jovem: o que os diferencia? Revista


Brasileira de Psicodrama – Publicação da Federação Brasileira de Psicodrama. Vol. 18.
Número 2. ANO 2010

MARINEAU, René F. Jacob Levy Moreno (1889-1974) – Pai do Psicodrama, da


Sociometria e da Psicoterapia de Grupo. São Paulo: Ágora, 1992. Tradução: Jose de Souza
Mello Werneck.

NUDEL, Benjamin Waintrob. Moreno e o hassidismo: princípios e fundamentos do


pensamento filosófico do criador do psicodrama. São Paulo: Ágora, 1994.

14 .OUTRAS REFERÊNCIAS

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BERMAN, Marshall [1982]. Tudo que é sólido desmancha no ar: a aventura da


modernidade. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.

BUBER, Martim. EU-TU. São Paulo: Morais, 1974.

CARL, E. Schorske. Viena, Fin-de-Siecile – Política e cultura. São Paulo: Ed. da Unicamp;
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COMTE, Sponville, Andre. Apresentação da filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 2002.
Tradução: Eduardo Brandão.

DEWEY, J. Vida e educação. São Paulo: Melhoramentos, 1952.

_____. Como pensamos: como se relaciona o pensamento reflexivo com o processo


educativo – uma reexposição. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1959.

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MAY, Rollo. A coragem de criar. Rio de Janeiro: Nova Fronteira. Tradução: Aulyde Soares
Rodrigues.

QUINE, W.v.o. “Epistemologia naturalizada”. In: Realidade ontológica e outros ensaios.


São Paulo: Abril Cultural, 1985. Tradução: Andréa Maria A. De C. Lopari.

15. RESUMO DO CURRÍCULO DA AUTORA DESTE TRABALHO

A autora desta Apostila é a fundadora do Instituto Mineiro de Psicodrama Jacob Levy


Moreno (IMPSI), reconhecido pela Federação Brasileira de Psicodrama (FEBRAP). É
formada em Psicologia pela UFSJ (1981), Especialista em Psicologia Clínica – nº 0347/2001,
formada em Psicodrama pela SOBRAP, Psicodramatista Didata e Professora-Supervisora da
FEBRAP. É Psicoterapeuta há 30 anos: Individual, Grupos e Famílias.

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