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A PSICOLOGIA DE RUDOLF ALLERS E O TOMISMO

DRA. ZELMIRA SELIGMANN

Tradução Robert Barbosa Batista


Rudolf Allers foi um médico psiquiatra e filósofo católico, que aplicou o pensamento tomista
ao estudo da neurose e da psicoterapia. Critica as posições da psicologia contemporânea que
levam à obsessão pelo inferior. A principal característica da neurose é a inautenticidade, que é
tratada por Tomás de Aquino como mentira, simulação, hipocrisia. Para curar a neurose, uma
verdadeira metanóia é necessária. Considerando a necessidade da graça para o
desenvolvimento harmonioso da personalidade, Allers afirma que a saúde psíquica, em
sentido estrito, só pode repousar em uma vida santa, ou pelo menos em uma vida que tenda à
santidade.

Zelmira Seligmann

É doutora em Filosofia pela Pontifícia Universidade "Regina Apostolorun" de Roma. Licenciada


em Psicologia, Professora de Psicologia e Pedagogia, da Pontificia Universidad Católica "Santa
María de los Buenos Aires". Licenciada em Filosofia pela Pontifícia Universidade "Regina
Apostolorum" de Roma. Professora da Universidad Católica Argentina "Santa María de los
Buenos Aires" e da Universidad Católica de La Plata.
Rudolf Allers psiquiatra e filósofo, nasceu em Viena em 1883 em uma família católica de alto
nível cultural, com interesses humanísticos e científicos. Seu pai era médico e por parte de
mãe tinha parentes com um papel importante na vida universitária vienense. Segundo dados
autobiográficos,1 lembra que desde muito jovem leu inúmeras obras de filosofia e literatura
em várias línguas. A formação humanística recebida foi muito significativa não só na sua
formação científica, mas também o reconhece, familiarizou-o com os problemas mais
profundos da existência humana, tornando-o capaz de enfrentar as dificuldades que costuma
encontrar um psiquiatra, embora com uma sensibilidade mais viva que muitos de seus colegas.
Esta formação inicial resultou também na sua atividade docente, visto que mais tarde será
lembrado como um professor excepcional, pela sua capacidade intelectual e vasta cultura.

Ele estudou medicina na Universidade de Viena, tendo frequentado as últimas aulas por
Sigmund Freud. Ele sempre manteve uma posição independente contra a psicanálise,
posteriormente escrevendo uma das críticas mais profundas e bem fundamentadas.2 Ele
recebeu seu diploma de médico em 1906 e começou sua carreira com pesquisas em
bioquímica. Foi psiquiatra em 1908 e trabalhou em Praga e Munique até o início da guerra; Lá
ele se dedicou ao estudo do metabolismo nas psicopatias. Durante a Primeira Guerra Mundial
trabalhou como cirurgião, e também estudou pessoas em estado de estresse, principalmente
com os traumas emocionais decorrentes da situação vivida na frente de batalha. Ele foi diretor
do centro de psicologia médica e das sensações do Instituto de Fisiologia da Universidade de
Viena. Dedicou-se ao ensino e passa a conceber a psicoterapia - após longos anos de prática
psiquiátrica - como uma tarefa de reeducação.

Diz Allers: 'Durante a guerra de 1914-18, nos longos períodos de relativa inércia no hospital de
campo, cresceu em mim a convicção de que a filosofia tomista realmente oferece a base mais
apropriada para o desenvolvimento de um sistema de “antropologia filosófica” como
fundamento de uma teoria da psique tanto normal como anormal ».3

No pós-guerra, Allers tornou-se discípulo de Alfred Adler, médico e psicólogo de origem


judaica, colaborador de Freud, de quem se separou em 1912, fundando a Escola de Psicologia
Individual. Em 1927, começou a se distanciar de Adler, um grupo de médicos com interesses

1 Cf, RENZO TITONE, Rudolf Allers psicologo del carattere, La Scuola Editrice, Brescia 1957. ID:
“Psichiatria e Metafisica in Rudolf Allers”, en Salesianum 12 (1951) 1, 127-135; ID, “Rudolf Allers
filosofo e psicologo del carattere”, en Orientamenti Pedagogici 3 (1956) 1, 34-52; JAMES COLLINS,
“The Work of Rudolf Allers” en The New Scolasticism 38 (1964) 3, 281-309. Allers escreveu sua
autobiografia, publicada em The Book of Catholic Authors, W. Romig, Michigan 1948.
2 En 1920 Über Psychoanalyse y en 1941 The Succesful Error. ( Este livro há uma edição em português

intitulada como Freud: estudo crítico da psicanálise)


3 RENZO TITONE, Rudolf Allers psicologo del carattere, 26-27.
relacionados aos fundamentos filosóficos da psicologia e uma abertura para a transcendência,
mesmo de uma perspectiva religiosa da psicoterapia. Em 1927 deu-se a ruptura definitiva com
A. Adler, porém, a formação psicológica será marcada por sua influência, embora aprofundada
pelo pensamento cristão e tomista.

Movido por estes interesses, estudou filosofia e obteve o doutoramento em 1934 na


Universidade Católica do Sagrado Coração de Milão. Entre seus amigos estava Edith Stein, com
quem compartilhou sua preocupação com a tradução de Santo Tomás para o alemão, obra que
Allers realizou a tradução em 1936 foi a De ente et essentia. Em 1938, antes do início da
Segunda Guerra Mundial, ele foi convidado por Francis Braceland(amigo de longa data de
Rudolf Allers e diretor do Institute of Living em Hartford) a lecionar na Universidade de
Washington, e se estabeleceu com toda a família nos Estados Unidos. Em 1948 ele foi para a
Universidade de Georgetown. Em 1960 foi agraciado com o Cardeal Spellman ─ Medalha de
Aquino (da American Catholic Philosophical Association), em reconhecimento ao seu trabalho
como intelectual católico (já havia sido recebido por personalidades como Maritain e Gilson, e
posteriormente J. Pieper, C. Fabro e Karol Wojtyla). Ele morreu em 18 de dezembro de 1963.

Allers aplicou o pensamento tomista aos princípios da neurose e da psicoterapia, respondendo


não apenas à realidade das pessoas que sofrem emocionalmente, mas acima de tudo fazendo
uma psicologia consistente com a fé, que nos ensina a verdadeira desordem do homem. As
teorias psicológicas contemporâneas "em que o inferior constitui a base e o centro da
realidade"4 e aquelas que Edith Stein rotulou de "sem alma" geralmente se enquadram no
"olhar de baixo" 5 e até mesmo na "obsessão por o inferior ”. É por isso que Allers afirma: “É
necessário levantar os olhos para as alturas da nossa vida e do ser em geral. Jamais
entenderemos nada sobre a natureza humana, como ela realmente é, se continuarmos a vê-la
ligeiramente elevada acima da natureza dos animais. Compreenderemos muito melhor - sem
contudo podermos resolver o enigma - se o olharmos um pouco abaixo dos anjos.”6

Para Allers, está claro que a neurose é apenas uma doença por analogia. As doenças
propriamente ditas referem-se ao corpo, enquanto a parte principal da neurose é a desordem
da alma. Por isso, o seu diagnóstico requer a consideração da personalidade na sua totalidade,
dos fins que persegue, das suas atitudes perante a vida, perante a ordem objetiva do universo,
o seu Criador e o seu lugar como criatura. “É necessário que o homem se curve à ordem
objetiva dos seres e dos valores, é nisso que consiste a sua saúde mental e moral. Qualquer
rebelião contra essa ordem é, de alguma forma, um estado patológico que só pode levar a
alguma catástrofe. É o que observamos em muitos casos de neurose e o que antecipamos para
os povos que se deixaram seduzir pela mentira.”7

4 RUDOLF ALLERS, “El amor y el instinto, estudio psicológico”, en ANDEREGGEN-SELIGMANN, La


psicología ante la gracia, EDUCA, Buenos Aires 1999, 308. Traducción al castellano de Études
Carmelitaines, Desclée de Brouwe, Brugges 1936.
5 Ibid.
6 Ibid, 337. Cita el Salmo VIII, 5-7.
7 RUDOLF ALLERS, “Reflexiones sobre la patología del conflicto”, en ANDEREGGEN-SELIGMANN, La

psicología ante la gracia, 298-299. Traducción al castellano de Études Carmelitaines, 1938.


No caráter neurótico há sempre essa subversão da ordem da realidade, consciente ou não, e
que leva à mentira, que se manifesta no traço mais característico da neurose, que é a
inautenticidade.

A mentira surge quando a pessoa não quer ver e aceitar a realidade, ficando então trancada
em seu próprio sofrimento. “Os neuróticos não são tratados pela moralização, embora a
moralidade seja, em última análise, o caminho que cada um de nós deve seguir. Primeiro é
necessário abrir os olhos do neurótico, para fazê-lo ver o que ele faz, o que ele realmente é. "E
conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará.” Você pode se dar ao luxo de aplicar essa
expressão a todos os tipos de escuridão que os neuróticos estão presos nessa escuridão sem
perceber. Seus olhos estão fixos nesta pequena chama cuja luz negra exerce uma curiosa
atração: é a chama do egoísmo. Não podendo fazer-se iguais a Deus, fazem do seu pobre ego
pelo menos um deus.” 8

Para Adler, o caráter neurótico surge da tentativa compensatória do complexo de


inferioridade, por meio da vontade de poder e do desejo de superioridade, que é um fim
fictício, estruturando a personalidade. Allers identifica esta superioridade ─ seguindo o
pensamento tomista ─ com soberba. “Por outras palavras: [a neurose] é um resultado
imediato da situação puramente humana, visto que se constitui na natureza decaída. Pode-se
dizer também que, orientada para os mórbidos e pervertidos, é a consequência da rebelião da
criatura contra a sua finitude e impotência naturais.” 9

Essa soberba, fruto do pecado original, muitas vezes pode não ser consciente, mas leva
necessariamente à mentira que se expressa em "posturas" e "aparências" que dizem
insatisfação com o próprio ser, e que chega à atitude de negação e rejeição do que realmente
é. “O objeto da rebeldia não é um evento isolado, um sofrimento, um conflito, mas o fato total
de não ser mais do que uma criatura, limitada em seu poder, em sua existência, em seus
direitos. Apesar dos milhares ou milhões Nos anos que se passaram depois que a serpente
impeliu os primeiros homens à rebelião, as palavras do diabo não cessaram de ser ouvidas
furiosamente em nosso íntimo: eritis sicut Dii [ sereis como deuses]. ”10 Longe de ser na
interpretação psicanalítica de que os conflitos são causados pela repressão dos instintos, Allers
afirma: “Os conflitos não são, em si, causas de perturbação moral. São quando o indivíduo, em
vez de aceitar a vida como ela é ─ quer dizer, mais ou menos carregada de dificuldades ─
assume uma atitude de rebelião contra o seu destino.” 11

Na concepção allersiana, a neurose não se refere a uma desordem concreta e explícita, mas
como algo típico de todo homem devido à ferida da natureza, à desordem que ocorreu na
alma. Allers garante que no fundo de todo desequilíbrio psíquico está sempre esse
questionamento da criatura diante de seu criador. “Ainda não vi um único caso de neurose
que não tenha revelado como último problema e conflito radical uma questão metafísica não
resolvida ─ se você preferir chamá-la assim ─: a questão da posição do homem, mesmo que
fosse um indivíduo religioso ou não religioso, católico ou não católico. " 12

8 Ibid, 298.
9 RUDOLF ALLERS, Naturaleza y educación del carácter, Labor, Madrid 1950, 306. (Este livro também tem
uma tradução para o português com o seguinte título: Psicologia do caráter, tradução da edição em
alemão “Das werden der sittlichen person.”)
10 RUDOLF ALLERS, El amor y el instinto, 335
11 Ibid, 333.
12 RUDOLF ALLERS, Naturaleza y educación del carácter, 311.
É claro que essa tendência à rebelião, e a dobra gerada pela mentira [que aparece
psicologicamente com o traço da inautenticidade], têm como origem a natureza decaída. Por
esse motivo, entregue a si mesmo "todo homem é, em princípio," “capaz de neurose ".13 Todo
homem é, sem graça, virtualmente neurótico. A consequência imediata dos conceitos
expressos por Allers é a afirmação de que ─ para constituir uma personalidade mentalmente
saudável ─ a ajuda divina, a graça de Deus, é necessária. Somente em uma vida de crescimento
na graça a pessoa está livre de neurose. Afirma Allers: “Colocando-nos, então ─ e por isso
temos boas razões ─, do ponto de vista segundo o qual a superação definitiva da
inautenticidade, que caracteriza e define a neurose, só se consegue numa vida
verdadeiramente santa, obtemos esta outra conclusão: a saúde mental em sentido estrito só
pode encorajar com base em uma vida santa, ou pelo menos em uma vida que tende para a
santidade. " 14

No pensamento de Allers, a psicoterapia é uma pedagogia que tenta uma reeducação do


caráter, para que se adeque aos propósitos da natureza humana. E não apenas ao seu fim
natural, mas também sobrenatural. Allers diz sobre a tarefa do psiquiatra:

“Especialmente, o médico ─ embora seja verdade que por algum motivo pode ser chamado
de“ doutor das almas ”─ não pode esquecer que, assim como constitui para o prisioneiro
neurótico no seu isolamento a primeira ponte para regressar à comunidade humana, Ele
também deve ser o elo da comunidade sobrenatural. Sua maior glória e tarefa preferida,
nesses casos, é ser aquele que prepara o caminho para a graça.”15

A psicoterapia consiste então em uma conversão interior, uma transformação profunda que
envolve uma mudança na dinâmica psíquica, uma inversão das potências da alma para o
verdadeiro fim. Allers conclui: “Para se manter firme diante dos conflitos, dificuldades,
tentações, é preciso ser simples. Para curar uma neurose não é necessário uma análise que
desça às profundezas do inconsciente para extrair não sei quais reminiscências, ou uma
interpretação deixe-o ver as modificações ou as máscaras do instinto em nossos pensamentos,
nossos sonhos e ações. Para curar uma neurose é necessária uma verdadeira metanóia, uma
revolução interior que substitua o orgulho pela humildade, o egocentrismo pelo abandono.”16

A filosofia tomista, que Allers concebeu como a mais adequada para explicar a normalidade e a
verdadeira doença da alma humana, nos dá os fundamentos desses conceitos expostos na
psicologia e aplicados à prática psicoterapêutica.

Allers vê a necessidade de viver radicalmente a verdade para ter uma personalidade saudável.
A verdade ou veracidade é uma virtude [ligada à justiça] que "faz bem a quem a possui e
também torna boas as suas obras.”17 Esta virtude exige que as palavras e os comportamentos
se adaptem à realidade; deve haver uma manifestação do lado de fora do que se está dentro,
nem mais, nem menos. "Viver na verdade" também significa viver em retidão, segundo a lei
divina, segundo a ordem estabelecida por Deus. E já vimos como o neurótico se rebela contra

13 Ibid, 310.
14 Ibid, 311.
15 Ibid, 336.
16 RUDOLF ALLERS, El amor y el instinto, 336.
17 S. Th. II-II q 109 a 1 corpus.
a ordem da realidade. Corresponde também à virtude da verdade, à simplicidade que rejeita o
duplo, que é a discordância entre o que é e o que aparenta.18 Allers afirma que os neuróticos
são sempre complexos. "Diz-se que os neuróticos são de natureza complicada; seria mais justo
dizer que naturezas complicadas são ameaçadas pela neurose." 19

O homem é um ser sociável e deve aos outros aquilo que preserva a sociedade. É por isso que
deve haver uma base de confiança entre as pessoas, é necessário “Para tal convivência, dar
crédito mútuo às palavras e acreditar nos dizem a verdade.”20 Lembremos que para Adler e
muito mais para Allers, na neurose o conflito com os outros se manifesta pelo egocentrismo
que o caracteriza. Nosso autor afirma: “Também não devemos deixar de advertir que não é
uma indiferença, longe disso, para o desenvolvimento íntimo e o aperfeiçoamento do homem,
a maneira como ele se posiciona diante da comunidade de seus semelhantes. Pois bem, como
diz Santo Tomás, “no que diz respeito à realização, o amor ao próximo é o primeiro” (S. Th. II-II
q 68 a 8), embora na ordem de posição e superioridade ocupe o primeiro lugar, o amor a
Deus.21 O orgulho e a autopreservação perturbam as relações interpessoais, pois se cai na
mentira que exagera sobre o que se é e, como diz Aquinate, chateado e com raiva porque é
como se ele quisesse superar os outros.22 É precisamente a virtude da verdade ou veracidade
que razoavelmente combina as manifestações externas: palavras, gestos, atitudes, modos de
agir perante os outros, vestir, estilo de vida, expressar o que realmente somos sem excessos
ou defeitos; é a virtude da autenticidade pessoal nas relações externas. A mentira - expressa
pelo traço neurótico da inautenticidade - não é apenas ruim porque causa dano a outros que
têm direito à verdade, prejudicando a vida social, mas é intrinsecamente ruim por causa do
transtorno que causa em si mesma por não responder a natureza da linguagem e sua
expressão.23 Esse tipo de desacordo - antinatural segundo o “apóstolo da verdade”24 - está
muito instalado em nossa cultura hoje e é, sem dúvida, a causa de graves patologias, pelo vício
que engendra . Poderíamos afirmar sem medo de errar, que vivemos uma “cultura da
mentira”, da astúcia, do artificial, do fictício, fundada no pensamento filosófico moderno e
contemporâneo, que não hesita em propor mentiras como parte da secularização e de imersão
no mundo. Talvez esse traço neurótico da inautenticidade seja mais claramente indicado, com
simulação: que é uma forma de mentir aos fatos, no comportamento, manifestar
externamente o que não é.25 É a hipocrisia de quem finge ou se esconde por trás de uma
máscara que parece uma personalidade diferente daquela que ele possui. 26 Allers afirma:
"Mas, mais do que tudo, as máscaras da vontade de poder e do egoísmo, e a inclinação para se
enganar e mentir para si mesmo, são perigosas.”27

Mas vemos muito melhor a aplicação dos conceitos tomistas aos princípios da psicopatologia,
quando Santo Tomás fala dos fins que especificam o ato moral. E nisso também coincide com o
pensamento de Adler: o fim aparente (não real), fictício da hipocrisia é a vanglória e a
ganância.28 Diz o angélico: “o hipócrita, fingindo ter uma virtude, a propõe como um fim não

18 S. Th. II-II q 109 a 2 ad 4.


19 RUDOLF ALLERS, El amor y el instinto, 336.
20 S. Th. II-II q 109 a 3 ad 1.
21 RUDOLF ALLERS, Naturaleza y educación del carácter, 333-334.
22 S. Th. II-II q 109 a 4 corpus.
23 Cf. S. Th. II-II q 110 a 3 corpus.
24 S.S. Paulo VI llama así a Santo Tomás en la Carta Apostólica Lumen Ecclesiae.
25 Cf. S. Th. II-II q 111 a 1.
26 Cf. S. Th. II-II q 111 a 2.
27 RUDOLF ALLERS, Naturaleza y educación del carácter, 325.
28 Cf. S. Th. II-II q 111 a 3.
em relação à sua posse real, como se realmente quisesse possuí-la, mas por pura aparência,
como quem deseja é aparentar que tem [...] Nesse caso, as obras de tal virtude não são
praticadas como objetivo, mas instrumentalmente, como signos dele. " 29

Certamente, a pessoa não atinge um crescimento e desenvolvimento harmonioso de sua


personalidade, pois está atenta ao fim aparente que é o fingimento, a simulação, a
inautenticidade. Mentiras, como a hipocrisia e o prazer de fingir, se gabar, arrogância, etc.,
nascem do vanglória e da soberba. É próprio dos perfeitos e daqueles que tendem para a
perfeição buscar a glória de Deus e não a sua; são eles que certamente estão a salvo da
neurose. No entanto, a afirmação mais importante que Allers alcança para a psicologia
contemporânea é a necessidade da graça e do caminho da santidade para ter uma vida
psiquicamente saudável, que está além de qualquer neurose possível. Santo Tomás ensina
que, no estado de natureza integral, o homem com suas únicas forças naturais poderia querer
e fazer o bem na proporção de sua natureza, que é a correspondente às virtudes adquiridas.
"No estado de corrupção, o homem não está mais no nível do que sua própria natureza
implica, e é por isso que ele não pode, com suas forças naturais, realizar sozinho todo o bem
que lhe corresponde." 30

Aquinate esclarece que, no entanto, a natureza não está corrompida a ponto de ser despojada
de todo o bem natural, portanto, neste estado de desintegração pode realizar algum bem
particular ("como construir casas, plantar vinhas e coisas assim"31) E acrescenta: “Ele é como
um doente, que pode executar alguns movimentos sozinho, mas não atinge o bem-estar
perfeito de um homem são até que esteja curado com a ajuda de um remédio”. 32

Por causa do pecado, o homem está triplamente deteriorado: a mancha, a bondade natural e o
crime de punição. Esses males não podem ser reparados se não for pela ação de Deus. Diz São
Tomás: "A bondade da natureza se deteriora porque se desordena por não submeter sua
vontade à de Deus, pois, se falta essa submissão, toda a natureza do homem que peca é
desordenada.”33 A graça é necessária para que Deus atraia para si a vontade do homem, e as
potências desintegradas pelo pecado sejam ordenadas, unificando-se. O homem não pode ter
uma personalidade ordenada, não pode estar em paz consigo mesmo, com a comunidade
humana e a "sobrenatural" ─ ao qual Allers reconhece que é chamado ─, senão com a ajuda
divina.

A psicologia contemporânea deve ousar olhar para cima, para levar em conta o homem com
sua dignidade, deve procurar sair das posições materialistas e também naturalistas, que hoje
se multiplicam e que não refletem a realidade do homem e tampouco podem compreender
seu verdadeiro sofrimento.

Rudolf Allers conclui afirmando que somente quando o homem responde com um "sim" à sua
posição como criatura, ele pode se livrar da neurose. "Ou, em outras palavras: na margem da
neurose nada resta senão o santo. 34

29 Cf. S. Th. II-II q 111 a 3 ad 1.


30 S. Th. I-II q 109 a 2 corpus.
31 Ibid.
32 Ibid.
33 S. Th. I-II q 109 a 7 corpus.
34 RUDOLF ALLERS, Naturaleza y educación del carácter, 310.

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