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WBA0917_V1.

INTELIGÊNCIA E FUNÇÕES
EXECUTIVAS: ASPECTOS TEÓRICOS
E INSTRUMENTOS DE AVALIAÇÃO
2

Juliana Zantut Nutti

INTELIGÊNCIA E FUNÇÕES EXECUTIVAS:


ASPECTOS TEÓRICOS E INSTRUMENTOS DE
AVALIAÇÃO
1ª edição

São Paulo
Platos Soluções Educacionais S.A
2021
3

© 2021 por Platos Soluções Educacionais S.A.


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Editorial
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Beatriz Meloni Montefusco
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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


_____________________________________________________________________________________
Nutti, Juliana Zantut
N985i Inteligência e funções executivas: aspectos teóricos e
instrumentos de avaliação / Juliana Zantut Nutti. – São
Paulo: Platos Soluções Educacionais S.A., 2021.
40 p.

ISBN 978-65-5356-008-6

1. Conceito. 2. Instrumentos. 3. Indivíduo. I. Título.

CDD 658.562
____________________________________________________________________________________________
Evelyn Moraes – CRB 010289/O

2021
Platos Soluções Educacionais S.A
Alameda Santos, n° 960 – Cerqueira César
CEP: 01418-002— São Paulo — SP
Homepage: https://www.platosedu.com.br/
4

INTELIGÊNCIA E FUNÇÕES EXECUTIVAS: ASPECTOS


TEÓRICOS E INSTRUMENTOS DE AVALIAÇÃO

SUMÁRIO

Inteligência, desenvolvimento e instrumentos


para avaliação_________________________________________________ 05

Funções executivas e seus componentes_____________________ 20

Avaliação das funções executivas_____________________________ 32

Funções executivas e aprendizagem no cotidiano ____________ 47


5

Inteligência, desenvolvimento e
instrumentos para avaliação
Autoria: Juliana Zantut Nutti
Leitura crítica: Alessandra Campanini Mendes

Objetivos
• Conceituar a inteligência em seus vários aspectos.

• Discutir os principais modelos explicativos para


o desenvolvimento da inteligência: Inatismo,
Ambientalismo e Interacionismo.

• Analisar os principais instrumentos para a avaliação


da inteligência no âmbito da psicometria e da
neuropsicologia.
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1. O que é inteligência?

Em algum momento da vida, você, com certeza, já parou para pensar se


é e/ou se alguém próximo a você é uma pessoa inteligente. Isso ocorre
porque ser inteligente é uma característica muito valorizada em nossa
sociedade. No entanto, nem sempre as pessoas conseguem definir
claramente o que é inteligência e o que significa ser inteligente.

Algumas pessoas podem listar, sem muita hesitação e com opiniões


claras, vários aspectos da inteligência, enquanto outras parecem ter
mais dificuldades para definir esse atributo humano. Em geral, os leigos
têm a tendência a associá-la à maior capacidade de armazenamento de
informações por um indivíduo e à forma de resolver problemas de difícil
solução, como no caso das pessoas “superdotadas”.

Mas, afinal, o que é a inteligência? Há apenas um tipo de inteligência ou


vários? Como se mede a capacidade de inteligência? De quais fatores
dependem o desenvolvimento da inteligência, da hereditariedade ou do
meio?

Vamos iniciar nossos estudos sobre a inteligência com uma afirmação


instigante: os cientistas não se mostram muito seguros para definir o
conceito de inteligência nem se essa característica é fruto de herança
genética, de influências ambientais ou da combinação entre ambos os
aspectos, ou se há diferença entre dependendo do sexo do indivíduo,
entre outros questionamentos.

Os pesquisadores da Psicologia estudam a inteligência há mais de um


século, por ser um dos temas mais importantes e polêmicos dentro
dessa área. Eles concordam que ela tem uma influência decisiva no
desenvolvimento do conhecimento, da competência para a tomada
de decisões, na resolução de problemas e na aprendizagem (ROAZZI;
SOUZA, 2002).
7

De modo geral, a inteligência pode ser definida como:

(...) o conjunto das habilidades cognitivas do indivíduo, a resultante, o


vetor final dos diferentes processos intelectivos. Refere-se a capacidade
de identificar e resolver problemas novos, de reconhecer adequadamente
as situações vivenciadas cambiantes e encontrar soluções, as mais
satisfatórias possíveis para si e para o ambiente, respondendo às
exigências de adaptação biológica e sociocultural. (DALGALARRONDO,
2008, p. 277, grifo do original)

Existem vários modelos explicativos sobre o desenvolvimento e a


aprendizagem humana que também que se desenvolveram ao longo
dos séculos XIV e XX e abordam a inteligência, buscando explicar os
fatores que interferem em sua origem. Os modelos explicativos sobre
o desenvolvimento e a aprendizagem humana são classificados em
Inatismo, Empirismo ou Ambientalismo e Interacionismo.

Seguindo o Inatismo, a inteligência é definida como uma capacidade


inata do indivíduo, herdada por meio da determinação genética, que
não sofre maiores alterações ao longo do desenvolvimento, nem
mesmo da escolarização. A inteligência herdada torna o indivíduo apto
a responder a testes de inteligência, como os testes que avaliam o
chamado “Quociente Intelectual – QI”, em uma perspectiva chamada de
psicometria na Psicologia.

Os testes de avaliação de inteligência foram desenvolvidos pelo francês


Alfred Binet, em 1904, ao estabelecer a relação entre a idade cronológica
e idade mental de indivíduos. Seu objetivo era analisar os progressos
intelectuais de crianças deficientes e mensurar o sucesso ou fracasso
escolar de estudantes (MADER, 1996).

Para o Empirismo ou Ambientalismo, o ambiente tem um poder


absoluto no desenvolvimento da inteligência, do conhecimento e da
aprendizagem. O homem é visto como um ser flexível e que desenvolve
suas características em função das condições existentes no meio
8

(XAVIER; NUNES, 2015). Enfatiza a experiência sensorial como a única


fonte do conhecimento, sendo assim possível identificar, controlar e
manipular os fatores que estão associados a essas experiências.

Na Psicologia, o maior defensor do ambientalismo é o norte-americano


B. F. Skinner, que elaborou uma teoria denominada de Behaviorismo
Radical. Para Skinner e seus colaboradores, o papel do ambiente é
muito mais relevante do que o dos genes e o da maturação biológica,
pois os estímulos existentes em uma determinada situação determinam
os comportamentos do indivíduo (XAVIER; NUNES, 2015).

Já para o Interacionismo, o desenvolvimento da inteligência é


resultante da interação ativa entre indivíduo e meio. O sujeito tem
um papel ativo na incorporação dos dados fornecidos pelo meio e os
modifica e os recria para desenvolver estruturas cognitivas cada vez
mais complexas ao longo do seu desenvolvimento, as quais permitem
maior domínio do ambiente e, até mesmo, a sua transformação (XAVIER;
NUNES, 2015).

Portanto, para o Interacionismo, a inteligência, o conhecimento e a


aprendizagem são desenvolvidos por meio da construção de operações
mentais que ocorrem pela interação entre o indivíduo e o ambiente, em
um processo constante e dinâmico. E várias tendências educacionais
decorrem dessa visão, com implicações importantes para os processos
de ensino e aprendizagem, sendo a mais conhecida a sociointeracionista
construtivista, que envolve a interrelação entre as ideias de Jean Piaget e
L. S. Vygotsky (XAVIER; NUNES, 2015).

Para Piaget, a inteligência não é herdada nem inata ao ser humano,


mas está relacionada ao processo de funcionamento de toda herança
biológica. Em outras palavras, o indivíduo herda as estruturas biológicas
9

– sensoriais e neurológicas –, que possibilitam o desenvolvimento de


estruturas mentais, isto é, os seres humanos herdam um organismo
que se desenvolve a partir da interação ativa com o ambiente, o que
trará como consequência a possibilidade de construção de estruturas
cognitivas que funcionarão de forma semelhante em todos os
indivíduos, o desenvolvimento da inteligência, o qual também auxiliará
na aquisição (XAVIER; NUNES, 2015).

Figura 1 – Jean Piaget

Fonte: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Jean_Piaget_in_Ann_Arbor.png.
Acesso em: 27 ago. 2021.

Já para Vygotsky, os indivíduos nascem com um potencial biológico e


cognitivo que dá início ao desenvolvimento de funções psicológicas
superiores – e que envolvem a inteligência –, como o pensamento e a
linguagem, em contraposição às funções psicológicas simples, como os
reflexos. Tudo isso o habilitarão a se interrelacionar com o mundo ao
seu redor.

Além dos modelos explicativos mais amplos sobre o desenvolvimento


humano apresentados anteriormente, existem os estudos mais
10

específicos realizados na área da psicometria para analisar o conceito


de inteligência. Na mesma época em que Binet criava os testes de QI,
o psicólogo inglês Charles Spearman propôs a existência de um fator
geral, ou simplesmente fator g, chamado de inteligência geral, o
qual seria subjacente a toda atividade intelectiva. Assim como Binet,
acreditava que a inteligência seria universal, não contextualizada social
ou historicamente, mas um marcador da capacidade mental inata.

Em 1936, David Wechsler, um dos alunos de Charles Spearman, publicou


a Wechsler Bellevue Scale. Ao contrário de Spearman, Wechsler partiu
do pressuposto de que a inteligência é a capacidade do indivíduo de
agir de forma intencional, pensar racionalmente e resolver situações
contextuais.

Segundo Mader (1996), apesar de Wechsler ter elaborado um teste


de avaliação da inteligência quantitativo, não perdeu de vista a
complexidade da inteligência humana, pois, para ele, a inteligência se
manifesta de várias formas e os subtestes de sua escala não poderiam
refletir sua amplitude. O pesquisador observou que os fatores não
cognitivos, como motivação, persistência, consciência, curiosidade,
autocontrole, traços de personalidade, atitudes, interesses e valores
pessoais, tinham impacto sobre o comportamento inteligente e seriam
parte do funcionamento cognitivo, sendo distintos, mas inseparáveis da
inteligência (MADER, 1996).

As escalas Wechsler são estruturadas em dois grupos de testes: os


verbais e os não verbais, chamados de performance e execução. A
estrutura é a mesma para todas as baterias e para todas as idades,
permitindo a análise fatorial dos subtestes em quatro índices.

A Wechsler Intelligence Scale for Children (WISC), publicada em 1949,


contém escalas para a faixa etária de 6 a 16 anos. Já a Wechsler Adult
Intelligence Scale (WAIS) foi publicada em 1955 e abrange a faixa etária
de 16 a 74 anos. Por fim, a Wechsler Primary and Intelligence Scale for
11

Children (WPPSI) foi publicada em 1967 e permite a avaliação de crianças


de 3 anos e meio a 7 anos.

Embora tenham sido construídas como baterias para a avaliação da


inteligência, essas escalas são utilizadas como baterias de avaliação
neuropsicológica. Porém, as diferenças individuais que se apresentam
por meio das facilidades ou das dificuldades para a realização de
atividades que envolvem o uso das capacidades intelectuais ainda
não eram totalmente compreendidas. Assim, vieram os estudos
fatoriais como forma de tentar responder a este questionamento
dos pesquisadores: quais as capacidades primárias que provocam as
diferenças entre as pessoas no uso da inteligência no cotidiano?

Assim, os estudos fatoriais realizados na área da psicometria buscaram


descobrir as causas primárias das diferenças individuais no uso das
capacidades intelectuais por meio da análise das correlações entre os
comportamentos “de superfície”, com base na ideia de que, quando
dois comportamentos têm uma causa comum, estes se manifestam
em correlação. Um exemplo simples para entender a correlação é
a ação do vírus da gripe, o qual provoca um conjunto de sintomas
(febre, congestão nasal e dores no corpo); esses sintomas aparecem
simultaneamente, porque estão associados entre si e indicam a
presença de uma causa comum, isto é, a presença do vírus (PRIMI;
NAKANO, 2015).

Assim, ao longo dos estudos psicométricos realizados sobre a


inteligência, analisavam-se as correlações entre os resultados de uma
série de testes cognitivos, a fim de mostrar que os subgrupos de testes,
de forma aparente, podem estar correlacionados. A ideia envolvida
nesse tipo de análise se baseia no conceito de que, se dois testes
requerem o uso de uma mesma capacidade cognitiva, ou seja, têm uma
causa comum, as pessoas que tiverem essa capacidade desenvolvida
tenderão a apresentar resultados maiores, simultaneamente, em
ambos os testes. Ao contrário, as pessoas com menor desenvolvimento
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cognitivo tenderão a apresentar resultados mais baixos em ambos os


testes.

As diferenças dos resultados entre os indivíduos se correlacionavam


porque foram usadas baterias de testes que avaliavam a mesma
capacidade intelectual. Para a investigação dos elementos que compõem
a inteligência, empregava-se a análise fatorial para identificar como
essas dimensões se interrelacionavam e compreender quais capacidades
intelectuais comuns foram utilizadas na resolução dos problemas
apresentados. Essa concepção de avaliação é denominada de reflexiva,
pois os testes são o reflexo (ou o efeito) das causas não aparentes ou
não observáveis diretamente, mas inferidas, a partir das correlações
encontradas entre os resultados e essas causas latentes, que recebem o
nome de fatores cognitivos (PRIMI; NAKANO, 2015).

Assim, em 1941, Cattell, um dos pioneiros dos estudos de análise


fatorial sobre a inteligência, ampliou o conceito de inteligência geral
de Spearman, por meio da teoria da inteligência de Cattell, e propôs
a divisão do fator geral de inteligência em um modelo hierárquico
denominado de Teoria Gf-Gc, dividindo-a em inteligência fluida (Gf) e
em inteligência cristalizada (Gc).

Horn, então um estudante de Cattell, aperfeiçoou ainda mais o modelo


e propôs a divisão da inteligência em mais categorias. Então, a teoria
passa a ser denominada de teoria da inteligência de Cattell – Horn
(PRIMI; NAKANO, 2015)

De acordo com Cattell, a inteligência fluida (Gf) corresponde à


capacidade de pensamento e ação rápida, de resolução de novos
problemas, de lidar de forma eficaz com situações desconhecidas, de
reconhecer padrões e formar memórias de curto prazo, enquanto a
inteligência cristalizada (Gc) é resultante da aprendizagem e se reflete
no uso dos conhecimentos gerais, da linguagem, da matemática e em
outras habilidades adquiridas. A Gc depende da Gf, que representa o
13

potencial cognitivo inato, assim como a personalidade, a motivação e as


oportunidades educacionais dadas ao indivíduo (KONKIEWITZ, 2015).

Mais adiante, em 1985, o psicólogo norte-americano Robert Sternberg


elaborou a Teoria Triárquica da Inteligência Humana. Ele critica a teoria
do fator g de Spearman e os testes psicométricos associados a ela por
considerar que esses instrumentos de avaliação medem apenas as
competências acadêmicas (como pensamento analítico e memória)
em detrimento de outros aspectos importantes para a adaptação do
indivíduo no contexto extraescolar, como a capacidade para lidar com
situações novas, atividades de ordem prática, relações interpessoais e
gestão dos recursos pessoais (KONKIEWITZ, 2015).

Figura 2 – Robert Sternberg

Fonte: https://www.apa.org/monitor/2013/05/sternberg. Acesso em: 27 set. 2021.

Sternberg afirma que a situação do teste e as ferramentas utilizadas,


como papel, caneta e símbolos gráficos, criariam uma situação artificial
e muito semelhante à situação acadêmica, o que poderia enviesar
negativamente os resultados para determinadas populações de sujeitos.
Assim, a Teoria Triárquica contempla aspectos cognitivos internos
relacionados ao processamento de informações e à aquisição de
14

conhecimento e afirma que a inteligência resulta da interação ativa entre


esses componentes e as exigências do ambiente sobre o indivíduo.

Em 1996, Sternberg apresentou o conceito de “Inteligência Funcional”,


que reforça o caráter cultural do comportamento inteligente, definido
como a capacidade de adaptação ao meio ambiente, o qual envolve
uma resposta de compensação das limitações e da ativação das
potencialidades do sujeito (MADER, 1996; KONKIEWITZ, 2015). De acordo
com essa proposta, a inteligência é:

• Modular: envolve diversos componentes de processamento


cognitivo da informação e não pode ser representada por uma
única variável.

• Idiossincrática: limitações e potencialidades variam


individualmente, de forma que não pode ser normatizada e
avaliada por parâmetros estatísticos.

• Dinâmica: é modificável pela ação do ambiente e pela experiência


vivida pelo sujeito, pois decorre de uma interação complexa entre
o indivíduo e o meio ao longo do tempo.

Ainda na década de 1990, Howard Gardner, psicólogo norte-americano,


desenvolveu a Teoria das Inteligências Múltiplas, na qual propõe que
existem vários tipos de inteligências básicas e diferenciadas entre si
(GARDNER, 2002).
15

Figura 3 – Howard Gardner

Fonte: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Howard_Gardner_2010.jpg.
Acesso em: 27 set. 2021.

Para esse estudioso, a mente é concebida como um conjunto de


faculdades distintas e relativamente separadas, e não como uma
unidade que desempenha todas as funções de forma completas. Ele
conceitua a inteligência como um potencial biopsicológico para realizar
o processamento de informações, o qual é utilizado em um cenário
cultural para solucionar problemas (GARDNER, 2002)

Gardner propõe a existência de sete tipos de inteligências em todos os


seres humanos, que podem se expressar de forma combinada e com
intensidades diferentes:

1. Visual-espacial: imprescindível nas artes visuais e para a solução


de problemas espaciais, aparece em pessoas que apresentam
habilidades específicas para se orientar no espaço, avaliar as
relações entre os objetos e desenhar com noções de perspectiva,
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profundidade e sombra, como artistas plásticos, arquitetos e


engenheiros.
2. Musical: destaca-se nas pessoas que possuem facilidade para
cantar, tocar instrumentos musicais, perceber e criar composições
com tons e ritmos harmônicos, como compositores, músicos e
maestros.
3. Verbal-linguística: é identificada nas pessoas que têm
funcionalidade e prazer na leitura e na escrita, na compreensão e
no emprego adequado das palavras e de seus significados, como
no caso de escritores, advogados, locutores e oradores.
4. Lógico-matemática: expressa-se na capacidade de analisar os
problemas com lógica, realizar operações matemáticas e investigar
as questões de maneira científica, bem como na habilidade para
enumerar, seriar, deduzir, comparar, medir, provar e concluir.
Esse tipo de inteligência é mais desenvolvido em engenheiros,
economistas, matemáticos, físicos e em pessoas que atuam com a
manipulação de números e de cálculos matemáticos.
5. Interpessoal: identificada em líderes, professores e
psicoterapeutas e em outros profissionais que têm capacidade
de se relacionarem com outras pessoas para compreendê-las,
comunicar-se bem e convencê-las. É ainda a capacidade de
discriminar emoções e de utilizá-las a fim de entender e orientar
o próprio comportamento. Muito utilizada no trabalho de
administradores, advogados e comerciantes.
6. Intrapessoal: expressa-se no conhecimento dos aspectos de
si mesmo, na discriminação dos próprios sentimentos, nas
emoções e no seu uso para a compreensão e o direcionamento
do comportamento. Em outras palavras, é a capacidade de
percepção, compreensão adequada de si mesmo, introspeção,
reflexão, autoavaliação e autoaceitação, que ocorre em filósofos,
psicólogos e religiosos.
7. Corporal-cinestésica: é a capacidade de utilização do corpo para
expressar a emoção, como na dança, para jogar um jogo esportivo
17

e realizar atividades manuais. Manifesta-se em atletas, bailarinos


e em artesões, bem como na comunicação, por meio de gestos,
e nos indivíduos com consciência corporal e motricidade bem
desenvolvidas (GARDNER, 2002).

Mais recentemente, Gardner admitiu a existência de mais dois tipos de


inteligência:

8. Naturalista: expressa-se na capacidade de reconhecimento de


objetos e situações diversas na natureza e na relação com a vida
humana, necessárias no trabalho de biólogos, botânicos, zoólogos,
ecologistas e oceanógrafos.
9. Existencial: refere-se à habilidade de compreensão para além do
âmbito corpóreo, na compreensão daquilo que transcende, no
entendimento sobre a vida, a morte, o universo, característico de
pessoas místicas e religiosas.

Gardner (2002) defende a utilização de avaliações informais da


inteligência, como a observação do indivíduo em variados contextos,
diante de situações reais, por meio da manipulação de objetos
concretos. A Teoria Triárquica da Inteligência Humana de Sternberg e a
Teoria das Inteligências Múltiplas de Gardner têm em comum:

a. A crítica ao fator g de Spearman e ao uso de testes psicométricos,


devido ao seu reducionismo.
b. A formulação modular da cognição, na qual existem áreas de
funcionamento relativamente diferenciadas.
c. O enfoque ao caráter individual e qualitativo da inteligência com a
valorização da compreensão de fatores individuais em detrimento
dos dados quantitativos.
d. A importância dada às interações dinâmicas e ativas com o meio
ambiente.
e. A ênfase nas diferenças desenvolvimentais.
18

f. O reconhecimento da plasticidade e da mutabilidade da


inteligência (KONKIEWITZ, 2015).

A proposta de Gardner em 1994 rompeu com as teorias mais


tradicionais da inteligência ao elevar determinadas funções cognitivas
ao status de inteligência, como as habilidades corporais, viso-espaciais e
musicais. Ele afirma que essas capacidades não são apenas “talentos”,
mas formas de inteligências, e devem ser valorizadas assim como as
capacidades de raciocínio lógico-dedutivo e de abstração.

As hipóteses para a elaboração da Teoria das Inteligências Múltiplas


de Gardner são baseadas em seus estudos sobre pacientes com lesão
cerebral, que podem afetar isoladamente uma determinada inteligência,
sem interferir em outras, revelando seu isolamento e independência.
Apresenta-se o caso dos idiots savants, ou indivíduos prodígios, que são
pessoas com desempenho excepcional em uma habilidade isolada como
o cálculo matemático, mas um desempenho regular ou até mesmo
déficits intelectuais em outras áreas, em dados da psicologia evolutiva,
da psicologia do desenvolvimento, da análise lógica e da antropologia.

Em 2011, pesquisadores da University College London e do Centre


for Educational Neuroscience, na Inglaterra, desenvolveram estudos
envolvendo exames de ressonância magnética no cérebro de
adolescentes. Com isso, demostraram que o Quociente de Inteligência
(QI) pode aumentar ou diminuir com a idade, descartando-se a hipótese
de que a capacidade intelectual é fixa e imutável, como pressupõe a
abordagem inatista.

Referências
DALGALARRONDO, P. A Inteligência e suas alterações. In: DALGALARRONDO, P.
Psicopatologia e Semiologia dos Transtornos Mentais. Porto Alegre: Artmed,
2008.
19

GARDNER, H. Estruturas da mente: a teoria das inteligências múltiplas. Porto


Alegre: Artes Médicas, 2002.
KONKIEWITZ, E. C. Breve Panorama das Diferentes Conceituações e Abordagens
da Inteligência. 2015. Disponível em: http://cienciasecognicao.org/neuroemdebate/
arquivos/2090. Acesso em: 29 jun. 2021.
MADER, M. J. Avaliação neuropsicológica: aspectos históricos e situação atual
Psicologia ciência e profissão, [s.l.], v. 16, n. 3, 1996. Disponível em: https://www.
scielo.br/j/pcp/a/3HbDmGVsn6WbXFVgFNX3JpQ/?lang=pt. Acesso em: 29 jun. 2021.
PRIMI, R.; NAKANO, T. R. Inteligência. In: SANTOS, F. H; ANDRADE, V. M.; BUENO, O.
F. A. Neuropsicologia Hoje. Porto Alegre: Artmed, 2015.
ROAZZI, A.; SOUZA, B. C. Repensando a Inteligência. Paideia, Ribeirão Preto,
v. 12, n. 23, p. 31-55, 2002. Disponível em: https://www.scielo.br/j/paideia/a/
BpmxTfgcLhgc8zRrbZ3CkDk/abstract/?lang=pt Acesso em: 30 jun. 2021.
XAVIER, A. S.; NUNES, A. I. B. L. Psicologia do desenvolvimento. 4. ed. Fortaleza:
EdUECE, 2015. Disponível em https://educapes.capes.gov.br/bitstream/
capes/431892/2/Livro_Psicologia%20do%20Desenvolvimento.pdf. Acesso em: 30
jun. 2021.
20

Funções executivas e seus


componentes
Autoria: Juliana Zantut Nutti
Leitura crítica: Alessandra Campanini Mendes

Objetivos
• Definir o conceito de funções executivas e o seu
papel na elaboração de planos de ação de tarefas.

• Identificar os componentes, as capacidades e as


habilidades das funções executivas.

• Discutir sobre o desenvolvimento das funções


executivas no ciclo vital e a sua neurobiologia e
analisar as relações entre as funções executivas e a
metacognição.
21

1. Funções executivas, definição e


componentes

Imagine como seria se você não fosse capaz de planejar, monitorar e


controlar os seus processos de aprendizagem e as suas atividades do
cotidiano. E, ainda, se você não pudesse corrigir as suas ações durante
a realização de uma atividade, porque não tem consciência exata do
que está fazendo. Com certeza, a sua vida acadêmica e cotidiana seria
muito desorganizada e você perderia muito mais tempo para realizar as
atividades do seu dia a dia.

Nós podemos agir de forma planejada e consciente, porque temos


a ajuda das funções cerebrais executivas, que nos dão a capacidade
de ter a consciência de nossos atos e pensamentos e de monitorar e
autorregular os nossos comportamentos. Elas são compostas por áreas
cerebrais e pela utilização de recursos cognitivos, cujo papel principal
é iniciar e desenvolver atividades mentais para o alcance de objetivos
específicos (CYPEL, 2007).

As funções cerebrais executivas respondem pela organização das


capacidades de percepção, memória e atividades do cotidiano. Assim,
auxiliam na busca do melhor caminho para se alcançar um objetivo;
são responsáveis pela decisão de se iniciar uma proposta de trabalho;
planejam, executam e monitoram as etapas de um projeto, alterando o
modelo original quando necessário; além de avaliarem o resultado de
acordo com o objetivo inicial estabelecido (CYPEL, 2007).
22

Figura 1 – Funções executivas na elaboração de ações

Fonte: acervo da autora.

De acordo com Malloy-Diniz et al. (2013), as funções executivas se


referem a um conjunto de habilidades que agem de forma integrada
e nos permitem direcionar nossos comportamentos em relação a
metas, avaliando a eficiência e a adequação destes e abandonando
as estratégias ineficazes em favor de outras que se mostram mais
eficientes, a fim de resolver situações-problema imediatas, de médio e
longo prazos. Elas são solicitadas quando há a necessidade de elaborar
planos de ação e uma seleção adequada de respostas esquematizadas
para a realização de tarefas cotidianas de forma bem-sucedida

Assim, com o uso dessas funções, o indivíduo se torna capaz de


identificar, de forma clara, o objetivo final a ser alcançado e de elaborar
um planejamento de metas de forma hierárquica para facilitar o
alcance de seus resultados. Posteriormente, ele irá executar as etapas
planejadas, avaliando de forma constante o êxito alcançado em cada
uma delas, corrigindo as que não foram bem-sucedidas e escolhendo
novas estratégias, se julgar necessário.
23

Ao mesmo tempo em que as executa, o indivíduo mantém a atenção


na atividade que está realizando e a monitora as etapas que foram
feitas, aquelas que estão sendo feitas e as que ainda serão executadas.
Para isso, ele terá que armazenar em sua memória, ainda que de
forma temporária, as informações usadas durante toda a realização da
tarefa, o que implica a “proteção” da memória do efeito de estímulos
distratores.

A organização dos procedimentos para a realização das atividades,


possibilitada pelas funções executivas, garante-nos um melhor
desempenho nas atividades do cotidiano, especialmente as mais
complexas, que são aquelas que demandam maior seleção de etapas
hierarquizadas e de administração de várias informações, assim como
as atividades com maior nível de ineditismo, ou seja, aquelas que estão
sendo realizadas pelo indivíduo pela primeira vez. Assim, possíveis falhas
nas funções executivas tornam a realização de atividades corriqueiras
verdadeiros desafios para pessoas com comprometimentos cerebrais
adquiridos ou com desenvolvimento anormal do sistema nervoso
(MALLOY-DINIZ et al., 2013).

A princípio, o termo “funções executivas” era utilizado de forma restrita


à definição de objetivos, iniciação, inibição, planejamento, alternância
e monitoramento de ações. Os estudos recentes incorporaram no
domínio dessas funções a cognição social, a teoria da mente, os
processos estratégicos da memória episódica, o insight e a metacognição
(GODEFROY et al., 2010 apud MALLOY et al., 2013).

Para Santos (2015), as funções executivas são responsáveis pelo controle


cognitivo necessário para a realização de um objetivo específico e são
essenciais para o comportamento independente, criativo e socialmente
construtivo. Elas são agrupadas em dois tipos de componentes:
24

• Componentes “frios”: ocorrem quando os processos das funções


executivas não envolvem muita excitação emocional e são
baseados no raciocínio lógico ou mais mecanicista.

• Componentes “quentes”: quando os processos das funções


executivas envolvem emoções, crenças e desejos, como no caso
de experiências de recompensa e punição, na regulação do
comportamento social e na tomada de decisão que envolve a
interpretação emocional e de aspectos pessoais.

As funções executivas envolvem o uso das seguintes capacidades (DIAS;


MENEZES; SEABRA, 2010):

• Memória operacional ou de trabalho: é o sistema de capacidade


limitada de representação transitória de informações relevantes
para a realização de uma determinada tarefa.

• Atenção seletiva: é a seleção das informações relevantes para a


execução de uma determinada tarefa em um dado momento.

• Controle inibitório: é a habilidade de inibir a atenção a estímulos


irrelevantes ou distratores e a respostas a esses estímulos.

• Flexibilidade cognitiva: é a capacidade de mudar o curso de ações


ou cognições em andamento, alternando o foco da atenção entre
duas ou mais tarefas.

• Planejamento: é a identificação de objetivos e subobjetivos e a


delimitação da sequência de passos para alcançá-los.

• Automonitoramento: são a regulação e a correção do curso do


comportamento e da cognição a fim de atingir metas.

Miyake e Friedman (2012 apud MALLOY-DINIZ et al., 2013) classificam as


funções executivas em três habilidades essenciais:
25

1. Atualização: são o constante monitoramento e a rápida


transmissão de conteúdos da memória operacional ou de
trabalho, que corresponde à capacidade do cérebro de assimilar
as informações à medida que se realiza uma determinada tarefa.
2. Alternância: é a flexibilidade de revezamento entre as tarefas ou
os conjuntos de processos mentais envolvidos nas tarefas.
3. Inibição: é a capacidade de inibir ou frear as respostas que são
mais habituais em uma determinada situação para que não
ocorram de modo automático.

Esses autores entendem que as outras habilidades das funções


executivas, como o planejamento das atividades, estão incluídas nas
três primeiras habilidades e que habilidades podem ser decompostas
em subprocessos, como monitoramento, adição, manutenção ativa e
atualização. Nesse sentido, tarefas apropriadas são úteis para verificar
as diferenças individuais no uso desses subprocessos.

1.1 Funções executivas: neurobiologia e ciclo vital

Acerca da neurobiologia das funções executivas, estas são totalmente


localizadas no lobo frontal do cérebro. Goldberg (2002 apud MALLOY-
DINIZ et al., 2013) as considera como resultado das atividades dos lobos
frontais, mais especificamente da região pré-frontal.

As funções executivas do lobo frontal atuam como uma espécie de


“diretor executivo” do funcionamento da atividade mental humana e
da compreensão de suas atividades. Fica mais fácil se entendermos os
lobos pré-frontais como se fossem um maestro ou um general, cuja
missão é coordenar os outros sistemas e as estruturas neurais.

Nessa metáfora, a orquestra continua tocando sem a presença do


maestro ou o exército continuaria lutando sem o general, assim como
as atividades dos diversos sistemas neurais permanecem agindo sem
a atuação reguladora do córtex pré-frontal. Porém, do mesmo modo
26

que a coordenação dos membros da orquestra e das estratégias


do exército ficariam bastante comprometidas sem as funções do
maestro e do general, a atividade dos diferentes sistemas neurais
e das funções subjacentes seria muito menos eficiente nos casos
de comprometimentos do córtex pré-frontal, que leva a disfunções
executivas. Essa região é uma área de convergência com diversas
modalidades, interconectada com outras áreas de associação cortical
e relacionada a processos cognitivos de estabelecimento de metas,
planejamento, solução de problemas, fluência, categorização, memória
operacional ou de trabalho, monitoração da aprendizagem e da atenção,
flexibilidade cognitiva, capacidade de abstração, autorregulação,
julgamento, tomadas de decisão, foco e sustentação da atenção
(MALLOY-DINIZ et al., 2013).

Figura 2 – Lobo pré-frontal

Fonte: Dr_Microbe/Istock.com.

Sobre o desenvolvimento das funções executivas nas espécies animais,


ou seja, na evolução filogenética, estas atingiram o auge na espécie
humana. Portanto, o desenvolvimento das funções executivas é um
27

marco adaptativo significativo da espécie humana, relacionado a


comportamentos típicos da nossa natureza, como altruísmo, formação
de coalizões e capacidade de imitação e de aprendizagem, que são
aprendidos por meio da observação do comportamento dos nossos
semelhantes. Ademais, temos a capacidade de usar ferramentas
cognitivas para resolver problemas, habilidades comunicativas e a
capacidade para lidar com grupos, ainda que se protegendo de suas
influências e manipulações (MALLOY-DINIZ et al., 2013).

Porém, em comparação com o desenvolvimento do indivíduo da


espécie humana, ou seja, da evolução ontogenética, as funções
executivas atingem seu ápice tardiamente, se comparadas às demais
funções cognitivas. Elas se desenvolvem com maior intensidade entre
os 6-8 anos de idade e seu desenvolvimento continua até o final da
adolescência e o início da idade adulta.

Porém, mesmo que a intensidade da maturação ocorra mais


tardiamente, o desenvolvimento dessas funções inicia-se no primeiro
ano de vida e já é possível identificar os seus comprometimentos
em bebês a partir de 9 meses (MALLOY-DINIZ et al., 2013). O
desenvolvimento inicial dessas funções é de essencial importância para
que haja a adaptação social e ocupacional e para a saúde mental em
etapas posteriores da vida, pois, embora não possuam valor para a
diferenciação de síndromes neuropsiquiátricas, são necessárias para a
determinação de risco de surgimento de transtornos infantis (JOHNSON,
2012 apud MALLOY-DINIZ et al., 2013).

Apesar das disfunções executivas não serem condições necessárias ou


suficientes para o aparecimento de psicopatologias, como o Transtorno
de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) e o autismo, supõe-
se que a presença inicial de uma disfunção executiva aumentaria o
risco para a determinação desses transtornos e para o intensidade
de sua gravidade, pois essas disfunções diminuem a possibilidade de
reorganização dos sistemas neurais compensatórios e de se lidar com
28

as adversidades em situações do cotidiano (MALLOY-DINIZ et al., 2013).


Em estudos realizados com populações não clínicas, o desenvolvimento
inicial de algumas das funções executivas demonstrou estar diretamente
relacionado ao sucesso em diversas atividades e áreas da vida.

Em um estudo clássico realizado na área da Psicologia do


Desenvolvimento, o psicólogo Walter Mischel avaliou um grupo
de crianças de 4 anos em relação à sua capacidade de adiar uma
gratificação imediata, usando a famosa tarefa dos marshmallows
(MISCHEL; SHODA; RODRIGUEZ, 1989 apud MALLOY-DINIZ et al., 2013).
Nesse teste, a criança recebia um marshmallow e um sino e se dizia a
ela que, se esperasse um tempo, ganharia um segundo marshmallow,
ou, se ela preferisse, poderia comer o marshmallow imediatamente e
não ganhar o segundo. Durante o período de espera, ela deveria tocar
o sino na hora que quisesse para sinalizar a sua desistência do segundo
marshmallow.

As crianças que participaram da pesquisa foram acompanhadas por


vários anos e diversos estudos foram derivadas dessa pesquisa inicial,
demonstrando que aquelas que conseguiram adiar ou postergar a
gratificação aos 4 anos tiveram um melhor desempenho em relação
à cognição social no enfrentamento mais adequado de adversidades,
assim como obtiveram um melhor desempenho acadêmico na
adolescência.

A postergação da gratificação aos 4 anos também foi capaz de predizer


o desempenho em tarefas de inibição de respostas aos 18 anos. Um
estudo de Casey e colaboradores (2011 apud MALLOY-DINIZ et al., 2013)
encontrou diferenças entre os que postergaram a gratificação aos 4 anos
e os que não o fizeram, agora com 40 anos, verificando que, do final
da adolescência até a sua maturação, as funções executivas passaram
por um período de relativa estabilidade, mas tenderam a diminuir a sua
eficiência naturalmente ao longo do processo de envelhecimento. Dessa
29

forma, o desenvolvimento das funções executivas ao longo da vida


apresentaria o formato de um “U” invertido.

1.2 Funções executivas e metacognição

Os processos proporcionados pelas funções executivas estão


presentes em outras capacidades além das cognitivas, como na
tomada de decisões pessoais e nas interações sociais, por exemplo no
planejamento de uma viagem ou na compra de um imóvel. No entanto,
como as atividades escolares envolvem a autonomia e o uso de recursos
de atenção e de organização mental, as funções cerebrais executivas
precisam ser ativadas para um planejamento, uma execução e um
controle mais eficientes dessas atividades (CYPEL, 2007).

Os estudos sobre a aprendizagem vêm relacionando o processo de


aprender às capacidades de planejamento e regulação da própria
atividade em função de determinados objetivos, o que se denomina
de metacognição. Entende-se como metacognição o “pensar sobre
o próprio pensamento”, mas esse processo pode abranger qualquer
aspecto psicológico, como as emoções ou as motivações (FLAVELL, 1977
apud JOU; SPERB, 2006).

Quando ouvimos comentários de alunos como “se eu tivesse prestado


atenção na sala de aula, agora lembraria a matéria” ou “se não estivesse
nervoso no vestibular, teria lembrado a maioria das respostas”,
está presente todo um conhecimento adquirido pela experiência,
concernente ao próprio funcionamento cognitivo e afetivo. Para
Jou e Sperb (2006), os indivíduos metacognitivamente hábeis têm
a capacidade de apreender e aplicar diversos conhecimentos para
melhorarem o seu desempenho acadêmico, transformando-se em
aprendizes eficientes.

Os indivíduos com boas capacidades metacognitivas têm consciência


do que sabem e de como, porque, onde e quando usar o que
30

sabem. Portanto, de modo geral, a aprendizagem envolve processos


metacognitivos, já que transforma as informações adquiridas em
conhecimento. É importante ressaltar que os processos metacognitivos
também são processos cognitivos e, por isso, é muito difícil delimitar as
fronteiras entre o que é cognitivo e metacognitivo.

Em um ambiente de aprendizagem adequado no que diz respeito ao


espaço, é possível encontrar atividades e recursos para que o aluno as
utilize como ferramentas para interpretar as informações que resultam
da interação com as pessoas de seu meio. Dessa maneira, eles podem
explorar suas estratégias e metas de aprendizagem, com autonomia
e responsabilidade sobre a construção de seu próprio conhecimento,
e realizar atividades juntos, trocando aprendizagem entre si e com
o ambiente. O uso da metacognição possibilita o armazenamento
de elementos da informação ou a representação de fatos, em que a
informação nova é incorporada às informações já armazenadas.

Apesar de o desenvolvimento da metacognição ser um dos objetivos


da educação escolar, ou seja, possibilitar que os alunos planejem
suas ações futuras com base nos conhecimentos adquiridos e sejam
capazes de identificar e procurar métodos mais eficazes para superar
as dificuldades, nem sempre é ensinado nas salas de aulas. Existem
pessoas com capacidades metacognitivas, mas essas capacidades
devem ser desenvolvidas e aperfeiçoadas pela escola para que todos os
alunos sejam capazes de usá-las.

Os alunos, em geral, ficam muito dependentes das correções das


provas e das notas dadas pelos professores, mais do que de suas
próprias avaliações internas, ou seja, do seu automonitoramento (JOU;
SPERB, 2006). Dessa forma, o professor deve incentivá-los a planejarem
seus próprios métodos de estudo, a se autoavaliarem e a buscarem
formas para superar suas dificuldades. Ele deve capacitá-los para
desenvolverem a habilidade de refletir sobre o melhor modo para
aprender e para trabalharem com a metacognição.
31

Isso não significa que os professores não devam mais ensinar porque as
crianças irão aprender sozinhas, nem que não devem mais avaliar seus
alunos. Pelo contrário, têm que fazer justamente isso, ou seja, devem
organizar e apresentar os conteúdos escolares e avaliar seus alunos
e seus próprios métodos de ensino. As funções cerebrais executivas
nos ajudam a “executar” as atividades de aprendizagem, auxiliando no
planejamento e no monitoramento dos processos acadêmicos.

Quanto à metacognição, o conhecimento metacognitivo diz respeito ao


conhecimento adquirido pelo indivíduo com relação ao todo cognitivo
(mente e características psicológicas) e às experiências metacognitivas
(consciência das experiências cognitivas e afetivas que acompanham
cada empreendimento cognitivo). Assim, escolas que estimulam e
promovem o raciocínio e orientam a tomada de decisões acertadas
são as que ensinam os alunos a aprender a controlar melhor a
impulsividade, aumentando a capacidade de reflexão e planejamento.

Referências
CYPEL, S. Déficit de atenção e hiperatividade e as funções executivas:
atualização para pais, professores e profissionais da saúde. 3. ed. São Paulo: Lemos
Editorial, 2007.
DIAS, N. M.; MENEZES, A.; SEABRA, A. G. Alterações das funções executivas em
crianças e adolescentes. Estudos Interdisciplinares em Psicologia, Londrina, v. 1,
n. 1, p. 80-95, 2010. Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_
arttext&pid=S2236-64072010000100006&lng=pt&nrm=iso. Acesso em: 7 jul. 2021.
JOU, I.; SPERB, T. M. A metacognição como estratégia reguladora da
aprendizagem. Psicologia: Reflexão e Crítica, [s.l.], v. 19 n. 2. p. 177-
185, 2006. Disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_
arttext&&pid=S0102-79722006000200003. Acesso em: 7 jul. 2021.
MALLOY-DINIZ, L. F. et al. Neuropsicologia das funções executivas e da atenção. In:
FUENTES, D. et al. Neuropsicologia: teoria e prática. Porto Alegre: Artmed, 2013.
SANTOS, F. H. Funções executivas. In: ANDRADE, V. M.; SANTOS, F. H.; BUENO, O. F.
A. Neuropsicologia Hoje. São Paulo: Artes Médicas, 2015.
32

Avaliação das funções executivas


Autoria: Juliana Zantut Nutti
Leitura crítica: Alessandra Campanini Mendes

Objetivos
• Apresentar as principais características da Síndrome
Disexecutiva (SD).

• Analisar as alterações cognitivo-comportamentais


decorrentes do prejuízo das funções executivas na
Síndrome Disexecutiva.

• Discutir os fundamentos dos principais instrumentos


de avaliação das funções executivas e da Síndrome
Disexecutiva, como o teste de Wisconsin, o Teste da
Torre de Londres, o Teste de Stroop e o BADS.
33

1. Síndrome Disexecutiva (SD)

As funções cerebrais executivas se constituem em um conjunto de


processos que permitem a regulação da cognição e do comportamento,
possibilitando o engajamento do indivíduo no planejamento, na
execução, no monitoramento e no controle de atividades complexas
(DIAS; MENEZES; SEABRA, 2010). Portanto, são as habilidades cognitivas
que nos permitem realizar as atividades necessárias para o alcance
de objetivos, por meio de ações voluntárias, independentes e auto-
organizadas.

Essas habilidades são importantes para a ação diante de situações novas


ou de circunstâncias que exigem a adaptação ou a flexibilidade de ideias
e de comportamento. Assim, são consideradas fundamentais para o
direcionamento e a regulação das habilidades intelectuais, emocionais e
sociais.

Cypel (2007) também caracteriza as funções executivas como um


conjunto de processos responsáveis por dar início e desenvolver uma
atividade com direção a um objetivo determinado. Elas são consideradas
responsáveis pela utilização de recursos cognitivos, de atenção e
memória que auxiliam no planejamento, no controle e na autoavaliação
do comportamento, inclusive do comportamento de aprendizagem.

Os distúrbios e as dificuldades de aprendizagem têm sido o foco de


estudos na perspectiva neuropsicológica, que enfatiza a relação entre
as funções executivas e o processo de aprendizagem. A literatura sobre
esses distúrbios, especialmente na área da Neuropsicologia, destaca
o papel das funções executivas no processo de aprendizagem e,
consequentemente, o déficit dessas funções nos quadros de dificuldades
de aprendizagem.

Para a realização das atividades escolares, o aluno necessita planejar,


controlar e monitorar as etapas envolvidas na ação, a fim a alcançar
34

os objetivos de forma eficiente, o que exige a atuação das funções


executivas. Pesquisas verificaram um desempenho significativamente
inferior nas funções cerebrais executivas entre crianças com dificuldades
específicas na compreensão da leitura.

Diante do conteúdo escolar, espera-se que o aluno seja capaz de


selecionar, organizar, elaborar, reter e transformar a informação
relevante a todo o momento. Até mesmo na pré-escola, as capacidades
executivas devem ser estimuladas para que a aprendizagem ocorra de
forma satisfatória.

A compreensão da leitura de textos, por exemplo, é garantida por


recursos de atenção, memória, estratégias de organização e realização
de raciocínios, entre outros aspectos. A capacidade de compreensão
da leitura (ou compreensão leitora) é um momento perfeito para
observar as relações entre as habilidades das funções executivas e a
aprendizagem.

O comprometimento das funções executivas caracteriza a


Síndrome Disexecutiva (SD), que pode levar a alterações cognitivo-
comportamentais variadas, associadas ao prejuízo de processos
componentes dessas funções, como dificuldades na seleção de
informação, aumento da distração e dificuldades para a tomada
de decisão e organização. Há ainda o aumento de comportamento
perseverante ou estereotipado, dificuldade para estabelecimento de
novos repertórios de comportamentos e para a abstração e antecipação
de consequências do comportamento, o que leva a um prejuízo na
realização de atividades do cotidiano (DIAS; MENEZES; SEABRA, 2010)

Os sintomas no comprometimento das funções executivas mais


relatados são: dificuldades no planejamento, falta de insight, apatia,
perseveração, alta agitação, distratibilidade, incapacidade ou limitação
para a tomar decisões e desprezo ou despreocupação com as normas
35

sociais (HAMDAN; PEREIRA, 2009). Alterações no uso e controle das


funções executivas têm sido relatadas especificamente em casos de:

• Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH).

• Transtornos Invasivos ou Globais do Desenvolvimento,


compreendidos no espectro autista (TEA).

• Distúrbios ou transtornos de aprendizagem, como dislexia e


discalculia.

• Quadros neurológicos, como epilepsia.

• Quadros caracterizados por alterações cromossômicas, como a


Síndrome de Down (DIAS; MENEZES; SEABRA, 2010).

Reiter, Tucha e Lange(2005) investigaram os aspectos das funções


executivas em crianças com dislexia, e os dados demostraram que
disléxicos apresentam desempenho inferior ao do grupo de controle
em tarefas relativas à memória de trabalho e de figuras, à fluência
verbal, e ao controle inibitório, quando avaliados em tarefas complexas.
Já a avaliação da resolução de problemas mostrou-se parcialmente
comprometida, enquanto a habilidade de formação de conceitos não
apresentou maiores comprometimentos.

Há evidências de alterações executivas em crianças com Distúrbio


Específico de Linguagem (DEL), sugerindo a existência de prejuízos
em habilidades de atenção, memória, inibição e memória de trabalho
associadas a esse diagnóstico. Além de quadros clínicos bem definidos,
há relações estabelecidas entre as habilidades executivas e o
desempenho escolar em geral (DIAS; MENEZES; SEABRA, 2010).

Em uma revisão acerca dos transtornos do funcionamento executivo,


Papazian, Alfonso e Luzondo (2006) concluíram que há alterações
em funções executivas em crianças com quadros diversos, como
36

em traumatismo cerebral, Síndrome de Tourette e Transtorno


Obsessiva-compulsivo (TOC). Se a Síndrome Disexecutiva, ou seja,
o comprometimento no funcionamento das funções executivas,
for considerada uma das possíveis causas dos distúrbios e/ou das
dificuldades de aprendizagem de um aluno, indica-se a necessidade de
se incluir a verificação do funcionamento dessas funções na avaliação
psicológica, neuropsicológica e psicopedagógica (DIAS; MENEZES;
SEABRA, 2010).

1.1 Instrumentos de avaliação das funções executivas

Existem vários instrumentos de avaliação das funções executivas e,


especificamente, a investigação de Síndrome Disexecutiva, que podem
ser usados pelos profissionais da área de Psicologia e Neuropsicologia.
Aqui iremos nos ater aos mais mencionados nas pesquisas sobre o
tema. Nesse sentido, os instrumentos mais conhecidos para a avaliação
das funções executivas são o Teste Wisconsin de Classificação de Cartas
e os Testes das Torres de Londres e da Torre de Hanói (DIAS; MENEZES;
SEABRA, 2010).

1.1.1 Teste Wisconsin de Classificação de Cartas

O Teste Wisconsin de Classificação de Cartas (Wisconsin Card Sorting


Test – WCST) é considerado como o teste “padrão-ouro” para avaliar
as funções executivas. Seu material consiste em 128 cartões com três
características diferentes:

• Cores: amarelo, verde, vermelho e azul.

• Figuras: círculo, estrela, triângulo e cruz.

• Números de figuras (de 1 a 4).


37

A tarefa principal do teste é associar o conjunto de cartões (divididos


em dois grupos de 64) a 4 cartões-estímulo, de acordo com uma regra
determinada pelo examinador (em relação à cor, à figura ou ao número
de figuras). Após 10 associações consecutivas corretas, as regras são
alteradas. Para ser bem-sucedido, o sujeito necessita deduzir a regra e
usá-la corretamente. A pontuação é realizada de diferentes maneiras,
destacando-se o número de categorias completadas, o total de erros e
o total de erros perseverados (SPREEN; STRAUSS, 1998 apud HAMDAN;
PEREIRA, 2009).

Figura 1 – Teste de Wisconsin de Classificação de Cartas

Fonte: https://en.wikipedia.org/wiki/Wisconsin_Card_Sorting_Test#/media/
File:WisconsinCardSort.png. Acesso em: 24 ago. 2021.

1.1.2 Torre de Londres

O teste da Torre de Londres tem como objetivo avaliar a capacidade de


planejamento e raciocínio lógico. Ele foi desenvolvimento com base no
teste da Torre de Hanói, que contém um nível de dificuldade maior do
que o de Londres.
38

A torre é composta por uma base de madeira com 3 pinos verticais


e 4 discos coloridos do mesmo tamanho, com furos no centro para
encaixar os pinos. O objetivo é mover os discos para reproduzir a
posição de uma figura-alvo mostrada ao sujeito pelo aplicador, em um
número determinado de movimentos. Existem 10 situações-problema
com um grau crescente de dificuldade e são permitidas 3 tentativas
para a resolução de cada problema. Cada resposta é considerada
correta quando a solução apresentada é alcançada com o número de
movimentos determinados. Os escores de cada item podem variar de
0 a 3 pontos e o total é a soma dos escores de todas as aplicações, que
varia de 0 a 30 pontos.

Figura 2 – Teste da Torre de Londres

Fonte: Souza et al. (2001).

1.1.3 Teste Stroop

O Teste Stroop foi criado a partir do efeito Stroop e é também chamado


de Teste Stroop de Cores e Palavras. É muito utilizado na área de
39

Neuropsicologia e investiga a existência de problemas neurológicos


cerebrais e disfunções cognitivas (HAMDAN; PEREIRA, 2009).

Ele avalia a atenção seletiva, a capacidade de manutenção do sujeito


em uma atividade e a capacidade de inibição das respostas impulsivas,
além da velocidade do processamento de informações. Por meio dele, é
possível realizar comparações do tempo que o sujeito utiliza para
nomear as cores das palavras que estão coloridas com a sua cor real
ou para dizer as cores de palavras escritas em outras cores, o que gera
conflito cognitivo.

O teste é constituído por um manual técnico, uma folha de registo e


cartões-estímulo. Dever ser aplicado em adultos, preferencialmente com
mais de 25 anos, mas é possível avaliar indivíduos desde os 15 anos, de
forma individual, e por aproximadamente 10 minutos.

É constituído por três tarefas: a leitura de palavras, a nomeação de cores


e a identificação da cor em que está escrita cada palavra, sem levar
em consideração o significado. A tarefa de leitura de palavras indica a
fluência de leitura e estabelece comparações em relação à nomeação
de cor. O fato de existir discrepância entre o nome da palavra e a cor
da tinta que a colore provoca uma interferência na nomeação de cor,
chamada de efeito Stroop, elaborado por John R. Stroop em 1935.

Em outras palavras, o efeito Stroop é uma demonstração da


interferência no tempo de reação de uma tarefa quando as palavras
como azul, verde e vermelho são impressas em cores diferentes da cor
expressa pelo significado semântico. Com isso, há uma alteração na
velocidade do processamento de leitura da cor da palavra, causando
reações mais lentas e aumento de erros.
40

Figura 3 – Efeito Stroop

Fonte: https://psicoativo.com/2016/08/efeito-stroop-teste-e-explicacao-da-psicologia.html.
Acesso em: 24 ago. 2021.

Pesquisas realizadas com os estímulos do Efeito Stroop comprovaram


que as dificuldades ao nível da leitura das palavras podem se dar devido
a possíveis danos no hemisfério esquerdo do cérebro, enquanto o
hemisfério direito está mais relacionado à identificação de cores. Esse
teste também pode ser utilizado como instrumento de diagnóstico para
determinados problemas mentais, como demência, esquizofrenia, danos
cerebrais após um acidente vascular cerebral e Transtorno do Déficit de
Atenção com Hiperatividade (TDAH), de forma a avaliar a capacidades
de atenção e o foco. Estudos mostram que pacientes esquizofrênicos
parecem demostrar mais interferência de Efeito Stroop do que os sem
esquizofrenia, porque a esquizofrenia torna mais difícil para o cérebro
focalizar e selecionar alguns tipos de estímulos.

Apesar de bastante utilizados, esses instrumentos tradicionais utilizados


para a avaliação das funções executivas, como os testes de Wisconsin,
das Torres de Hanoi e de Londres, apresentam algumas limitações, pois,
mesmo que alguns sujeitos apresentem bom desempenho, demonstram
sintomas evidentes de mau funcionamento das funções executivas no
cotidiano. Isso evidencia que esses instrumentos podem não avaliar
41

o comportamento dos sujeitos em situações naturais, ou seja, não


mostram resultados ecologicamente válidos (HAMDAN; PEREIRA, 2009).

A fim de suprir as limitações dos instrumentos mais tradicionais,


desenvolveu-se a bateria neuropsicológica Bateria da Avaliação
Comportamental da Síndrome Disexecutiva (Behavioural Assessment
of the Dysexecutive Syndrome – BADS), projetada especificamente para
predizer problemas cotidianos decorrentes da Síndrome Disexecutiva
(MACUGLIA et al., 2016). Ela propõe a utilização de tarefas semelhantes
às realizadas no cotidiano para avaliar as funções executivas, sendo a
mais utilizada internacionalmente, devido à sua aplicabilidade ecológica.

A bateria é composta por 6 subtestes neuropsicológicos, compostos


por tarefas que simulam atividades da vida diária e avaliam o uso das
funções executivas, com pontos de zero a quatro e uma pontuação
geral de 0 a 24 pontos (MACUGLIA et al., 2016). Essa pontuação pode
ser transformada em um escore-padrão, com uma média de 100, e em
um escore-padrão por idade. Assim, é possível obter a classificação de:
comprometido, limítrofe, média baixa, média, média alta, superior e
muito superior.

Alguns itens têm componentes relativos ao tempo que contribuem para


a pontuação do subteste. Pode ser usado em sujeitos de 16 a 87 anos e
a média de aplicação é de 40 minutos.

A BADS possui um questionário com uma versão a ser respondida pelo


paciente e outra por um familiar ou cuidador. De acordo com Macuglia
et al. (2016), seus subtestes são os seguintes:

1. Teste das Cartas de Alternar Regras

São avaliadas as tendências de perseveração e de flexibilidade


cognitiva, solicitando-se aos sujeitos para que respondam ao
estímulo (21 cartas vermelhas ou pretas) de acordo com uma
das duas regras apresentadas. O desempenho é avaliado
42

pela capacidade de responder às regras e de se adaptar-se às


alterações propostas.

Na primeira regra, os sujeitos devem responder “sim” para as


cartas vermelhas e “não” para as pretas. Já na segunda regra,
devem responder “sim” se duas cartas em sequência forem da
mesma cor e “não” se forem de cores diferentes. As regras são
colocadas diante do sujeito para evitar interferências de restrição
de memória.

2. Teste do Programa de Ação

Avalia a habilidade de planejar soluções para uma situação prática.


O desempenho é avaliado pelo número de etapas realizadas sem
ajuda.

Em uma base retangular são colocados dois tubos transparentes:


o tubo maior possui uma tampa com um furo central, cheio com
dois terços de água, enquanto o outro tubo é fino e transparente
e contém uma rolha de cortiça. À esquerda da base, é colocada
uma haste de metal em forma de L, com comprimento insuficiente
para alcançar a rolha no fundo do tubo menor, e um recipiente
pequeno com uma tampa de rosquear, retirada e colocada ao
lado. Pede-se ao sujeito para que retire a rolha para fora do tubo
menor usando qualquer um dos objetos colocados à sua frente,
mas sem levantar a base, os tubos, e sem tocar a tampa do tubo
maior com os dedos.

3. Teste de Procurar Chaves

Avalia a capacidade de planejamento de estratégias para


solucionar um problema do cotidiano.
43

É apresentada uma folha de papel A4 com um quadrado de 100


mm desenhado no centro e um pequeno ponto preto de 50 mm
abaixo. O sujeito é solicitado a imaginar que o quadrado é um
terreno no qual está realizando um passeio, quando perde suas
chaves; então, a partir do ponto preto, deverá desenhar uma
linha mostrando o percurso que deveria percorrer no campo
para encontrar as chaves com absoluta certeza. O desempenho
é verificado por meio do número de estratégias elaboradas e o
quanto estas são sistemáticas, eficientes e eficazes para encontrar
as chaves.

4. Teste do Julgamento Temporal

Analisa o julgamento e o pensamento abstrato de acordo com


o senso comum. O sujeito é solicitado a estimar os tempos para
realizar quatro atividades diárias, e o desempenho é avaliado de
acordo com a precisão das estimativas apresentadas.

5. Teste do Mapa do Zoológico

Avalia a capacidade de formular e implementar uma proposta


de planejamento pré-formulado. Envolve o delineamento ou o
seguimento de uma rota por meio de um mapa.

Os sujeitos são orientados a dizer como visitariam uma série de


locais indicados em um mapa de um zoológico, sem deixar de
seguir as regras colocadas à sua frente. O mapa e as regras são
construídos de modo que existam somente quatro rotas possíveis
a serem seguidas, sem a violação das normas. São apresentadas
duas versões do teste: na primeira versão, o sujeito deverá
elaborar a sua própria rota, enquanto na segunda deverá seguir
somente as instruções apresentadas. O desempenho é avaliado
por meio da formulação de planos eficientes.
44

6. Teste dos Seis Elementos Modificados

Verifica a capacidade de administrar o tempo.

Os sujeitos devem distribuir o tempo de 10 minutos entre


um número de tarefas, como nomear figuras, fazer cálculos
matemáticos e responder a duas questões em duas partes (A e B),
obedecendo a algumas regras. Deverão realizar, ao menos, um
pouco de cada uma das seis subtarefas no tempo solicitado, mas
sem fazer as duas partes da mesma tarefa consecutivamente, ou
seja, sem responder A seguida de B da mesma subtarefa.

O Questionário Disexecutivo (DEX) é composto por 20 itens que


identificam os comportamentos associados à Síndrome Disexecutiva.
A frequência dos comportamentos é avaliada por meio de uma escala
com uma pontuação de zero a quatro (nunca, ocasionalmente, às vezes,
frequentemente e sempre), totalizando no máximo 80 pontos.

Há uma versão para ser usada com o sujeito e uma segunda versão para
ser aplicada com um familiar ou cuidador que possa avaliar o sujeito.
Porém, os resultados dos questionários não são utilizados para o cálculo
do escore total da BADS.
45

Figura 4 – BADS

Fonte: https://www.pearsonclinical.co.uk/Psychology/
AdultCognitionNeuropsychologyandLanguage/AdultAttentionExecutiveFunction/
BehaviouralAssessmentoftheDysexecutiveSyndrome(BADS)/
BehaviouralAssessmentoftheDysexecutiveSyndrome(BADS).aspx. Acesso em: 24 ago. 2021.

A BADS é considerada um instrumento promissor para a avaliação das


funções executivas por propor tarefas que dependem do fornecimento
de dados sobre componentes dessas funções e que permitem a análise
sobre o comportamento do sujeito no seu dia a dia. É importante
ressaltar que a avaliação das funções executivas não deve se basear
somente na aplicação de instrumentos de avaliação neuropsicológicos,
como os testes, pois, apesar de estes fornecerem informações objetivas
sobre o nível de comprometimento das funções, as entrevistas, a
observação do comportamento e o uso de escalas de avaliação revelam
dados significativos para a compreensão da extensão e do impacto dos
prejuízos das funções executivas.
46

Referências
CYPEL, S. Déficit de Atenção e Hiperatividade e as Funções Executivas:
Atualização para pais, professores e profissionais da saúde. 3. ed. São Paulo: Lemos
Editorial, 2007.
DIAS, N. M.; MENEZES, A.; SEABRA, A. G. Alterações das funções executivas em
crianças e adolescentes. Estudos Interdisciplinares em Psicologia, Londrina, v. 1,
n. 1, p. 80-95, 2010. Disponível em http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_
arttext&pid=S2236-64072010000100006&lng=pt&nrm=iso. Acesso em: 7 jul. 2021.
HAMDAN, A. C.; PEREIRA, A. P. Avaliação Neuropsicológica das Funções
Executivas: Considerações Metodológicas. Psicologia: Reflexão e Crítica,
[s.l.], v. 22, n. 3, 2009. Disponível em: https://www.scielo.br/j/prc/a/
LS4msbtm7QwXcschRXVFCby/?lang=pt#. Acesso em: 16 jul. 2021.
MACUGLIA, G. R. et al. Behavioural Assessment of the Dysexecutive Syndrome
(BADS): Adaptação e Evidências de Validade. Revista de Psicologia, Bragança
Paulista, v. 21, n. 2, p. 219-231, mai./ago. 2016. Disponível em: https://www.scielo.
br/j/pusf/a/sqtNdfKZJzgfxPcWDrs7wBc/?lang=pt. Acesso em: 16 jul. 2021.
PAPAZIAN, O.; ALFONSO, I.; LUZONDO, R. J. Trastornos de las funciones ejecutivas.
Revista de Neurologia, [s.l.], v. 42, supl. 3, p. 45-50, 2006.
REITER, A.; TUCHA, O.; LANGE, K. W. Executive functions in children with dyslexia.
Dyslexia, [s.l.], v. 11, n. 2, p. 116-131, 2005.
SOUZA, R. de O. et al. Contribuição à neuropsicologia do comportamento executivo:
Torre de Londres e teste de Wisconsin em indivíduos normais. Arquivos de Neuro-
Psiquiatria, [s.l.], v. 59, n. 3A, p. 526-553, 2001. Disponível em: https://www.scielo.
br/j/anp/a/yxh9fwQ3kqYJLYxV4TTR6wF/?lang=pt. Acesso em: 17 jul. 2021.
47

Funções executivas e
aprendizagem no cotidiano
Autoria: Juliana Zantut Nutti
Leitura crítica: Alessandra Campanini Mendes

Objetivos
• Refletir sobre a importâncias das funções
executivas no dia a dia, especialmente no contexto
escolar.

• Apresentar a relação entre os déficits nas


funções executivas e nas condições patológicas,
neurológicas e psiquiátricas.

• Discutir o desenvolvimento das funções executivas


na infância e na adolescência.

• Analisar a relação entre funções executivas e o


desenvolvimento socioemocional.
48

1. A importância das funções executivas no


cotidiano

Vamos discutir sobre a importância das funções executivas e as


consequências da Síndrome Disexecutiva (SD) em nosso cotidiano.

As funções executivas do cérebro são um conjunto de habilidades


essenciais para que haja a realização de ações, a adaptação dos
indivíduos ao seu cotidiano e o desenvolvimento de novas habilidades
de ação e adaptação. Essas funções auxiliam no convívio com os outros,
no contexto social e no contexto de trabalho, por meio da competência e
do aumento de rendimento ocupacional.

Os déficits nas funções executivas estão relacionados a várias condições


patológicas, neurológicas e psiquiátricas. Entre estas estão: o Transtorno
de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH); os Transtornos Globais
do Desenvolvimento, especialmente o Transtorno do Espectro Autista;
o Transtorno Obsessivo-Compulsivo (como no jogo patológico); os
transtornos esquizofrênicos; os quadros de demências; e o mal de
Alzheimer (MALLOY-DINIZ et al., 2013).

As funções executivas deficitárias ou comprometidas estão associadas


à Síndrome Disexecutiva (SD) e, de forma geral, aparecem como uma
decorrência do comprometimento de ações do córtex pré-frontal e/ou
dos circuitos neurais relacionados a essa área do córtex. Pessoas com
SD apresentam maiores dificuldades para tomarem decisões por, entre
outros fatores, traçarem metas pouco realistas e pela incapacidade de
predizerem as consequências de suas ações por um período mais longo
(MALLOY-DINIZ et al., 2013). Elas tendem a solucionar as situações-
problema do cotidiano utilizando mais o método de “tentativa e erro”,
considerado pouco eficiente, assim como apresentam mais dificuldades
para o controle dos impulsos, o que as tornam mais propensas a
distrações e despreocupadas com as consequências de seus atos.
49

O humor alterado é frequente em pessoas com SD, as quais


se expressam por excessiva apatia, sintomas de depressão,
comportamentos e humor eufórico e afetos pouco contextualizados,
como rir descontroladamente diante de situações tristes (MALLOY-
DINIZ et al., 2013). Porém, não apresentam a totalidade desses sintomas
simultaneamente, pois a sua demonstração clínica dependerá dos
circuitos pré-frontais danificados ou comprometidos.

A importância da atuação das funções executivas é inquestionável


para o comportamento do indivíduo na vida cotidiana e no rendimento
de suas atividades nos diversos contexto em que está envolvido,
como no contexto social, escolar e profissional. As políticas públicas
que incentivam programas de estimulação das funções executivas
na infância são fundamentais para a prevenção de transtornos de
desenvolvimento e aprendizagem, além da reabilitação de seus
prejuízos. Nesse sentido, deve-se investir nessas políticas públicas nas
áreas de Saúde e Educação como uma forma essencial de prevenção
de aspectos relativos a comportamentos de risco que envolvam o
comprometimento das funções executivas (MALLOY-DINIZ et al., 2013).

Diamond (2013 apud MALLOY-DINIZ et al., 2013) adverte para a escolha


de metodologias pedagógicas mais diretivas, que têm como objetivo
a estimulação da cognição social, como o método Montessoriano
(criado na década de 1920 por Maria Montessori, médica italiana), que
valoriza a individualidade, a autonomia e a responsabilidade da criança.
Além disso, a prática de esportes que envolvam disciplina, como artes
marciais, e jogos de tabuleiro e/ou informatizados, que estimulam o
desenvolvimento dos processos psicológicos, são alguma das estratégias
para a estimular o desenvolvimento das funções executivas na infância.

Ademais, é importante a compreensão aprofundada sobre o


funcionamento das funções executivas para que se desenvolvam as
estratégias de avaliação, de estimulação, de habilitação e de reabilitação
50

dessas funções. As intervenções elaboradas podem ser direcionadas aos


casos de déficits no funcionamento do sistema nervoso, como também
na estimulação em populações sem déficits comprovados (MALLOY-
DINIZ et al., 2013).

1.1 Desenvolvimento das funções executivas na infância


e na adolescência

A infância é o período do desenvolvimento em que as habilidades das


funções executivas e de autorregulação estão agindo de forma mais
acelerada. Assim, é muito importante adaptar as atividades oferecidas
para a criança às suas habilidades, reduzindo, de forma gradativa, a sua
necessidade de apoio e aumentando a capacidade de autonomia. Essas
ações fazem com que sejam capazes de resolver situações-problema de
maneira cada vez mais independente (SOUZA, 2017). Vale lembrar que
as crianças mais novas geralmente buscam mais ajuda dos adultos para
aprender e entender as regras e normas relacionadas às atividades do
que as crianças mais velhas.

Sobre o uso de brinquedos, deve-se sempre estimular as crianças a


criarem seus próprios brinquedos, de forma artesanal e/ou adaptando
os objetos encontrados no lar. Por volta dos 3 anos, elas já estão aptas
a transformar os objetos, com ou sem auxílio de adultos, usando o
recorte, a colagem e pinturas (SOUZA, 2017). Nesse sentido, podem ser
usadas embalagens de papelão que se “transformam” em carros, navios,
trens, aviões, fogões ou jogos para encaixar formas geométricas, como
mostra a figura a seguir.
51

Figura 1 – Brinquedo educativo de encaixe de formas geométricas

Fonte: Floortje/iStock.com.

Outros exemplos de adaptação de materiais são os rolos de papel


alumínio, que se transformam em lunetas e foguetes, e a amarração de
lençóis em cadeiras para criar “cabanas” para as crianças brincarem ou
ouvirem histórias. Jogos como Pega Varetas, quebra-cabeças e jogos de
memória são excelentes para estimular a coordenação motora fina e
exercitar as funções executivas, além de serem acessíveis e terem regras
simples (SOUZA, 2017).

Figura 2 – Pega Varetas

Fonte: https://pt.wikihow.com/Jogar-o-Pega-Varetas#/Imagem:Play-Pick-up-Sticks-Step-9-
Version-2.jpg. Acesso em: 24 ago. 2021.
52

As brincadeiras de faz de conta, que contam com o uso do simbolismo,


da imaginação e da imitação de papéis, como brincar de ser médico,
cozinheiro e/ou professor, são fundamentais para o estabelecimento de
regras que irão direcionar o comportamento da criança durante essas
atividades simbólicas (SOUZA, 2017). Durante o brincar, a criança deve
seguir regras e, assim, irá inibir os impulsos e os comportamentos que
não se relacionam à fantasia, o que auxilia no controle inibitório.

O estímulo às brincadeiras colaborativas com as crianças de 3 anos


ou mais, que ainda estão aprendendo a brincar com outras crianças,
auxilia a autorregular o comportamento. Já em brincadeiras e jogos com
crianças mais velhas, de 4 a 5 anos, é possível observá-las corrigindo os
colegas que não seguem as regras e/ou as normas estipuladas pelos
adultos.

Pode-se promover brincadeiras imaginativas mais interessantes quando


se tem o hábito de levar a criança para ter contato com a natureza e de
ler histórias para ela, estimulando sua capacidade de observação e de
imaginação (SOUZA, 2017). A contagem e a dramatização de histórias
são um recurso fundamental para estimular a imaginação e ampliar o
vocabulário e o contato com estruturas de linguagem mais complexas,
especialmente quando se estimula a recontagem das histórias por
parte da criança, além da criação e da contação das próprias histórias
e da realização de dramatizações. Criar histórias auxilia tanto no
desenvolvimento da seriação e na capacidade de organização dos de
eventos, no armazenamento e na utilização de informações da memória
de trabalho quanto na estimulação da criatividade (SOUZA, 2017).

A respeito do controle psicomotor, a realização de atividades físicas em


crianças menores pode se dar por meio do uso de balanços, gangorras
e brinquedos para escalar, agarrar bolas, brincar de bambolê, andar
em traves de equilíbrio e realizar movimentos como saltar e rolar. Para
realizar essas atividades físicas, as crianças precisarão de atenção,
concentração, automonitoramento, ajuste de ações de forma a alcançar
53

os objetivos e persistência diante dos fracassos. Elas auxiliam na


construção da imagem corporal e da noção de espaço, o que auxiliará
no desempenho da leitura e da escrita posteriormente (SOUZA, 2017).

As brincadeiras e jogos que envolvem música, gestos e movimentos


estimulam intensamente as funções executivas, pois as crianças
devem se mover de forma ritmada e sincronizar as palavras e os
comportamentos de acordo com o a música. Essas atividades também
auxiliam a desenvolver o controle inibitório e a memória de trabalho.
Depois de um tempo, o grau de complexidade das canções e dos jogos
deve ser aumentado, gradativamente, para se tornarem desafiantes
e interessantes para as crianças (SOUZA, 2017). Um exemplo dessas
brincadeiras são a “dança das cadeiras” e “vivo-morto”, que ajudam a
exercitar a atenção e o controle psicomotor.

No que diz respeito à estimulação das funções executivas na


adolescência, alunos que estão frequentando o Ensino Médio podem
ter uma boa capacidade de compreensão dessas funções, se for
esclarecido como elas funcionam (FEIN, 2021). De forma geral, devido
ao amadurecimento cognitivo, os adolescentes demonstram estar
mais preparados para o planejamento de suas atividades com relativo
sucesso, apesar de não ser uma regra. Nessa idade, são capazes de se
programarem em relação à urgência e à importância de realização de
tarefas, pois estão mais disponíveis para o gerenciamento do tempo.

As funções executivas se tornam mais amadurecidas à medida que o


indivíduo passa a ser responsável por compromissos mais complexos,
quando se engaja em ações relacionadas ao alcance de objetivos mais
difíceis, quando realiza mais tarefas estruturadas, como atividades de
caráter acadêmico, e quando as atividades sociais são incrementadas,
como ocorre na adolescência (FEIN, 2021). Porém, se a forma de
autorregular o comportamento se reduzir apenas à memorização das
atividades, o resultado da monitoração do comportamento não será
bem-sucedido.
54

Alunos que são capazes de compreender os três componentes


essenciais das funções executivas irão se preparar melhor para o
cumprimento de suas atividades e reduzir, e até evitar, o estresse
envolvido na realização de tarefas com prazos urgentes. De acordo com
Fein (2021), esses três componentes são:

• Flexível cognitiva (pensamento flexível): possibilita utilizar


o pensamento analítico e a capacidade de resolver situações-
problema para o aumento da eficácia das atividades, assim como a
abertura para buscar novas maneiras de resolver os problemas do
cotidiano.

• Autorregulação: auxilia na capacidade de se perseverar mesmo


diante de obstáculos e desafios e usar estratégias, como a
fala interiorizada (falar consigo mesmo), para direcionar o
comportamento e tolerar a frustração.

• Memória de trabalho: amplia a possibilidade de análise e de


avaliação no planejamento de atividade, pois permite o tempo de
uma tarefa anteriormente realizada para estimar o tempo para a
conclusão de uma tarefa posterior, entre outras capacidades.

E como os professores podem auxiliar os alunos adolescentes a


entender e utilizar os componentes de autorregulação das funções
executivas? Em primeiro lugar, devem estimular o uso da flexibilidade
cognitiva, pois, em muitos momentos, os alunos nessa idade tendem
a usar a reflexão de forma superficial, e não de maneira mais
aprofundada, por nem sempre serem maduros o suficiente para
analisarem as consequências de seus atos.

Os adolescentes podem resistir a novas formas de abordar


situações-problema e metodologias de ensino, especialmente as que
considerarem mais difíceis. Nessas situações, os professores devem
estimular a identificação das estratégias ineficazes e a busca de
estratégias alternativas com maior possibilidade de sucesso (FEIN, 2021).
55

A análise das responsabilidades para ampliar a tomada de decisões mais


impulsivas ou baseadas no caráter emocional pode ser realizada por
meio da seguinte atividade:

• Solicitar que os alunos cumpram as seguintes etapas:

a. Elencar de seis a oito tarefas que devem realizar agora e no futuro.


b. Dividir essa listagem em três classes de acordo com a data de
entrega, como um dia, dois dias ou mais.
c. Mudar essas classes ou categorias para um dia, uma semana
e um mês, à medida que suas habilidades de planejamento
melhorarem.
d. Identificar uma etapa de ação para cada uma das tarefas,
incentivando-os a separar as atividades em etapas mais
gerenciáveis, como “fazer um esboço de redação” ou “fazer a
revisão de notas de história”.

Os alunos geralmente acreditam que a autorregulação do


comportamento se dá somente pela ação da vontade ou do seu próprio
esforço, mas devem entender que essa é uma condição que limita a
capacidade de autorregulação. Em outras palavras, a autorregulação do
comportamento, se usada em excesso, pode se tornar cada vez mais
limitada.

O impacto de controlar as emoções, de resistir às tentações e de realizar


tarefas complexas deve ser discutido com os alunos adolescentes, pois
isso os ajuda no desenvolvimento da autoconsciência e na compreensão
da inibição da persistência em relação à busca da eficiência (FEIN,
2021). A metáfora de que o uso da autorregulação é como o uso de um
músculo em um exercício os ajuda a entender que a fadiga do processo
a curto prazo, se bem controlada, poderá levar ao seu fortalecimento a
longo prazo.
56

A priorização das tarefas ajuda a exercitar as habilidades de


autorregulação, tornando o processo mais fortalecido por meio do
hábito de se organizar. Porém, para priorizar tarefas, é necessário que
se identifiquem as mais importantes e as orientadas por resultados.

Assim, selecionar dados de pesquisa para redigir um artigo com data


de entrega para a semana seguinte é menos urgente do que escrever
uma redação que já está com a entrega atrasada. Deve-se explicar
aos alunos que as tarefas mais urgentes solicitam menos flexibilidade
cognitiva do que as ainda estão dentro do prazo, pois o estresse gerado
pela necessidade de agir com pressa tende a nos levar a substituir o
pensamento lógico pelas decisões impulsivas e emocionais, diminuindo
a eficiência dos resultados.

Sobre a memória de trabalho, este é um processo que tende a ser pouco


valorizado pelos indivíduos no processamento das informações, apesar
de todos os dados serem retidos, recuperados e manipulados pelos
processos de memória (FEIN, 2021). É necessário auxiliar os alunos a
compreenderem como a memória de trabalho atua em relação a sua
capacidade, sua duração e seu foco. Para é possível usar um exemplo
deste tipo: uma leitura feita e entendida em uma noite anterior, se não
for levada para a memória de longo prazo, será descartada rapidamente
pela memória de trabalho.

A lembrança de detalhes, como os dias e horários de reuniões,


sobrecarregam a capacidade da memória de trabalho e levam troca
dessas informações por outras mais importantes, como estruturar
argumentos para redigir um texto. O planejamento é um processo que
envolve muito mais do que somente o registro de compromissos em
uma agenda; a divisão de trabalho em etapas de ação e a priorização
dessas ações aumentam a capacidade do aluno de se aprofundar no
processamento das informações.
57

Figura 3 – Planejamento além do agendamento

Fonte: Moyo Studio/iStock.com.

O hábito de escrever de duas a três palavras para refletir sobre a


realização de uma dada tarefa ajuda a avaliar sucessos, fracassos,
desafios e estratégias alternativas.

1.2 Funções executivas e desenvolvimento


socioemocional

Os humanos são seres predominantemente sociais, e a compreensão de


suas emoções e a dos outros é uma das habilidades mais importantes
do desenvolvimento. Uma parte do cérebro é dedicada a esses
processos e a emoções básicas, como alegria, tristeza e medo, que
são diferentes das chamadas emoções morais, como vergonha, culpa
e orgulho, as quais se originam nas interações sociais, com o uso de
normas ou o estabelecimento de comportamentos idealizados (RUEDA;
PAZ-ALONSO, 2013).

Sobre o desenvolvimento emocional nos seres humanos, há evidências


de que o aumento da capacidade de sentir, compreender e distinguir as
58

emoções se tornou mais complexo com o uso das funções executivas,


assim como a capacidade de autorregulação, de modo que o indivíduo
tem mais chances de se adaptar ao seu contexto social e de atingir
metas. As evidências desses estudos, como o de Carlson e Wang (2007
apud RUEDA; PAZ-ALONSO, 2013), demonstram que o amadurecimento
das funções executivas, como o controle inibitório e a atenção executiva,
está relacionado ao aumento da compreensão das emoções de si
mesmo e dos outros e à regulação emocional.

Em seu desenvolvimento, as crianças devem enfrentar situações em


que há a escolha entre duas ou mais opções conflitantes entre si, como
fazer a lição de casa ou brincar e comer uma guloseima ou esperar uma
refeição mais saudável. Quando fazem escolhas e tomam decisões, elas
necessitam conciliar conflitos entre as escolhas possíveis e as que estão
opostas em um conjunto de expectativas e normas, assim como devem
controlar seus impulsos para uma gratificação mais imediata em prol de
uma que será menos imediata.

O tipo de controle cognitivo-comportamental está relacionado ao uso


das funções executivas, o que ocorre porque as funções executivas
são processos de caráter multidimensional e de controle cognitivo e
se caracterizam por serem voluntárias e exigirem um grau de esforço
cognitivo alto. Os achados de pesquisas da neurociência cognitiva
demonstram que o desenvolvimento da capacidade de regulação das
emoções é fortemente sustentado pelas funções executivas essenciais,
como o controle da atenção, a capacidade de inibir comportamentos
inadequados e de tomar decisões e outros processos cognitivos que
ocorrem em contextos emocionalmente exigentes (TOTTENHAM; HARE;
CASEY 2011 apud RUEDA; PAZ-ALONSO, 2013).

Alguns estudos demonstram que o controle das funções executivas


é afetado por fatores ambientais, como a qualidade das interações
entre pais e filhos na primeira infância, o que leva à estimulação do
desenvolvimento das funções executivas em períodos posteriores. As
59

atitudes dos pais, como serem afetivos, receptivos e acolhedores, além


do uso de métodos disciplinares não violentos, relacionam-se ao uso
de habilidades avançadas da função executiva nas crianças (BERNIER;
CARLSON; WHIPPLE, 2010 apud RUEDA; PAZ-ALONSO, 2013).

Os currículos escolares que incluem o ensino de habilidades de


autorregulação proporcionam aumento significativo do desenvolvimento
do controle executivo na idade pré-escolar. Esse fato deve encorajar os
responsáveis pelas políticas educacionais a incluírem a abordagem das
competências socioemocionais nos programas educacionais (RUEDA;
PAZ-ALONSO, 2013).

Referências
DIAS, N. M.; MENEZES, A.; SEABRA, A. G. Alterações das funções executivas em
crianças e adolescentes. Estudos Interdisciplinares em Psicologia, Londrina,
[s.l.], v. 1, n. 1, p. 80-95, 2010. Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.
php?script=sci_arttext&pid=S2236-64072010000100006&lng=pt&nrm=iso. Acesso
em: 7 jul. 2021.
FEIN, A. M. Ajude os alunos a desenvolver suas funções executivas. 2021.
Disponível em: https://porvir-org.cdn.ampproject.org/c/s/porvir.org/ajude-os-
alunos-a-desenvolver-suas-funcoes-executivas/amp/. Acesso em: 21 jul. 2021.
MALLOY-DINIZ, L. F. et al. Neuropsicologia das funções executivas e da atenção. In:
FUENTES, D. et al. Neuropsicologia: teoria e prática. Porto Alegre: Artmed, 2013.
RUEDA, M. R.; PAZ-ALONSO, P. M. Função executiva e desenvolvimento emocional.
Enciclopédia sobre o Desenvolvimento na Primeira Infância. Espanha:
Universidad de Granada, 2013. Disponível em: https://www.enciclopedia-
crianca.com/sites/default/files/textes-experts/pt-pt/2474/funcao-executiva-e-
desenvolvimento-emocional.pdf. Acesso em: 21 jul. 2021.
SOUZA, C. Atividades para Estimular as Funções Executivas dos 3 aos 5 anos.
2017. Disponível em: http://www.espacoaprendercpp.com.br/sem-categoria/
atividades-para-estimular-funcoes-executivas-dos-3-aos-5-anos/. Acesso em: 21 jul.
2021.
60

BONS ESTUDOS!

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