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TÉCNICA DE

ENTREVISTA E
ACONSELHAMENTO
PSICOLÓGICO
Comunicação
terapêutica
facilitadora
Claudia Marques Comaru

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM

> Identificar habilidades básicas para a escuta do paciente.


> Explicar comunicação em fluxo, comunicação turbulenta e a boa escuta.
> Reconhecer os possíveis erros a serem evitados na escuta.

Introdução
A comunicação terapêutica, que diz respeito ao fluxo de informações (e à compreen-
são da mensagem) entre paciente e psicólogo, pode ser facilitada pelas habilidades
em comunicação apresentadas pelo profissional de saúde. A partir da primeira
entrevista, podemos identificar o estabelecimento de relação interpessoal, o
desenvolvimento de diferentes tarefas que visam ao diagnóstico do paciente e
o compartilhamento de informações que orientam o planejamento terapêutico.
O ambiente onde a comunicação se realiza pode variar entre um hospital geral,
um consultório particular, uma organização não governamental, entre outros
espaços. Desse modo, diferentes fatores podem influenciar na qualidade da prática
profissional, como o estado emocional do terapeuta, o clima organizacional do
local onde ela acontece, o equilíbrio entre recursos e demandas para a realização
do trabalho, entre outros.
Nesse sentido, é importante que o psicólogo possa mobilizar conhecimentos e
habilidades que contribuam para o estabelecimento de um processo de comuni-
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cação eficiente, por meio do qual o paciente possa perceber que o profissional de
saúde está integralmente vinculado a ele durante o atendimento/sessão. Assim, o
paciente pode falar o que sente sem ser interrompido em momento inadequado,
verbalizar suas expectativas com o processo terapêutico e compreender o conteúdo
da mensagem emitida pelo profissional de saúde.
Neste capítulo, você vai estudar as habilidades básicas do psicólogo para uma
escuta eficiente capaz de criar um ambiente facilitador para que a comunicação
se efetive. Além disso, vai conhecer a comunicação em fluxo, a comunicação
turbulenta e a boa escuta no âmbito da comunicação terapêutica. Também vai
ver entendimentos que nos permitem compreender, de certo modo, o que facilita
e o que lacuna a atividade desenvolvida pelo psicólogo. Por fim, vai estudar
possíveis erros que podem ser evitados na escuta terapêutica, como excesso
ou frieza de cumprimento, falta de atenção, falta de delimitação de entrevista,
afirmações carregadas de certeza precoce, postura de onipotência do psicólogo
e desconhecimento dos próprios limites.

Habilidades para a escuta eficiente


A entrevista psicológica é um instrumento eficaz na comunicação terapêutica
do psicólogo. Ela atende a diferentes finalidades: a investigação de sinto-
mas, o fechamento de um diagnóstico, o tratamento psicoterapêutico, etc.
(BLEGER, 2003). Benjamin (2008) define o recurso da escuta terapêutica como
uma manifestação positiva orientada para o outro, transmitindo a sensação
calorosa do afeto de forma respeitosa e interessada. Nessa seara, para a
escuta eficiente, o psicólogo, de modo geral, deve mobilizar um conjunto
de repertórios para a comunicação terapêutica. Esses repertórios devem
influenciar tanto na continuidade de sua prática quanto em potenciais re-
sultados terapêuticos alcançados na relação de troca com o seu paciente. A
seguir, vamos debater sobre habilidades de escuta para uma comunicação
terapêutica eficiente. Vamos começar pela definição de escuta no processo
de comunicação terapêutica.
Em geral, a comunicação é um processo intrínseco à nossa condição
humana relacional e à vida social compartilhada. Desde a mais tenra idade,
iniciamos a aquisição de regras e signos que constituem nosso repertório
comum de comunicação ao longo de nosso ciclo vital. Esse repertório é
influenciado por processos conscientes e inconscientes da relação que esta-
belecemos entre nosso eu e o mundo e entre o nosso eu e o outro (BRANCO
et al., 2004). “Beck e Alford (2000) referem que o psicoterapeuta, ao orientar
uma consulta de terapia, conta em primeiro lugar com a comunicação verbal
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para facilitar a resolução do problema psicológico” (SILVA, 2008, p. 27). Tal


comunicação também envolve o estabelecimento de um “processo cognitivo
entre os participantes e inclui, [dentre outros aspectos:] 1) estados emocionais,
2) sintomas comportamentais, 3) expectativas de melhoras e 4) experiências
e significados ligados” às expectativas identificadas e formuladas (SILVA,
2008, p. 27).
No bojo da complexidade e da pluralidade de elementos que constituem
o processo de comunicação terapêutica, para as autoras Cormier e Nurius
(2003) e segundo Silva (2008, p. 28), a escuta pode ser entendida como uma
“[...] forma de compreender o quadro de referência do [cliente, sendo] um
pré-requisito para todas as outras respostas e estratégias de ajuda” que
emergirem como necessárias ao longo do processo terapêutico. Isso ocorre
porque a qualidade das respostas por parte do psicoterapeuta é alavancada
pelo que ele ouviu e pela forma como compreendeu a mensagem enviada
pelo emissor-paciente.

No processo de escuta, é possível identificar quatro tipos diferentes


de respostas de escuta; veja a seguir, segundo Cormier e Nurius
(2003) e Silva (2008).
„  Clarificação: diz respeito, por parte do psicoterapeuta, à desambiguação da
mensagem (se difusa) emitida pelo cliente/paciente durante o processo de
comunicação terapêutica e, consequentemente, de escuta.
„  Paráfrase: nesse tipo de resposta, a tarefa do terapeuta é tornar o conteúdo
da resposta mais inteligível, a partir da repetição de parte do conteúdo da
mensagem (cognição) do cliente/paciente e da tradução do psicoterapeuta.
„  Reflexão: abrange a repetição dos sentimentos do cliente ou de parte da men-
sagem que o afeta, com a intenção de desvelar os sentimentos do paciente
acerca do conteúdo compartilhado por ele ao seu psicólogo.
„  Sumário: corresponde às respostas de paráfrase e reflexão de forma mais
ampla, envolvendo unir e repetir duas ou mais partes da mensagem. Desse
modo, os temas publicizados pelo paciente são identificados em categorias/
tópicos que recorrentemente o paciente traz à conversa. Envolve intensidade
e repetição.

O processo de escuta tende a mobilizar o repertório técnico e pessoal do


psicoterapeuta de diferentes maneiras. A partir disso, o entendimento sobre
habilidades na escuta apresenta-se como ponto importante a ser debatido,
coadunado à prática profissional alavancada pelo estabelecimento de relação
entre duas partes (o psicoterapeuta de um lado e o paciente individual, o
casal ou a família, por exemplo, de outro). Mas o que são habilidades para a
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prática profissional? De modo geral, a noção de habilidade é apresentada na


literatura de desenvolvimento de pessoas junto à definição de competências.
Na escola de sociologia francesa, Zarifian (1999) define competência no/
para o mundo do trabalho como “a inteligência prática para situações que
se apoiam sobre os conhecimentos adquiridos e os transformam com tanto
mais força, quanto mais aumenta a complexidade das situações” (FLEURY;
FLEURY, 2001, p. 187).
A partir disso, podemos argumentar que a competência envolve um con-
junto de conhecimentos, habilidades e atitudes que o indivíduo mobiliza
dadas as contingências colocadas pelo exercício da atividade profissional.
A performance, então, pode ser entendida como contexto-dependente. Ela
envolve o saber-ser, relacionado às interações interpessoais e às atitudes,
o saber-fazer, que relaciona os conhecimentos exigidos para a prática, e o
saber-agir, que abrange conhecimentos necessários, as habilidades e as
atitudes que se associam para a realização de um determinado trabalho
(GONDIM; BRAIN; CHAVES, 2003).
Ao flexionarmos as perspectivas do saber-ser, saber-fazer e saber-agir
para a escuta terapêutica, podemos elencar diferentes habilidades cognitivas,
interpessoais e emocionais esperadas do profissional de saúde em sua prática
clínica. São exemplos: avaliação do estado emocional e do humor antes da
sessão/atendimento e abertura pessoal para acolhimento das pautas que
serão compartilhadas pelo paciente/cliente. Aqui podemos considerar a
lei do eco emocional, ou seja, a de que recebemos o que damos. Isso signi-
fica que quem oferta cordialidade tende a receber o mesmo como retorno
(CARRIÓ, 2012). Também, é de suma importância compreender o ambiente
onde a comunicação terapêutica vai ocorrer: instituição pública, privada ou
consultório particular. Ainda, é preciso considerar se a entrevista vai ocorrer
no âmbito individual ou em grupo. Cada formato vai requerer adequações e
uma atenção específica do psicólogo no modo como vai abordar o paciente,
para além das questões intrapsíquicas deste.
Ainda, podemos classificar as habilidades de escuta, de modo geral, em
externas e internas (CARRIÓ, 2012). As externas seriam demonstrar interesse,
gerar condições facilitadoras de contato e ter empatia. As internas seriam
tentar assumir a postura de visualizar e prever o que ouvirá, permitir-se
espaço aberto para o que receber e ter consciência dos pontos sensíveis. É
importante que o profissional esteja aberto para visualizar seus pacientes
de forma positiva, o que contribui para o estabelecimento de relação de
confiança, indispensável para a escuta eficiente. O profissional também
deve monitorar sua disposição e a quantidade de demanda de trabalho,
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para que o excesso não lacune a sua capacidade de vincular-se ao paciente


e de registrar informações importantes que estão sendo compartilhadas.
Nesse ponto, muitas vezes, é importante também dar voz ao acompanhante,
esvaziando qualquer interferência que possa ser nociva para a relação em
formação. Além disso, o profissional deve ler tecnicamente encaminhamen-
tos e dados pré-elaborados antes de iniciar a primeira sessão (CARRIÓ, 2012).
O vínculo em uma relação se fortalece quando as partes demonstram
interesse no que o outro tem a dizer. O interesse pode ser demonstrado
pelo corpo, por meio da postura adotada na cadeira, com o corpo total-
mente voltado para o paciente, e/ou pelas expressões faciais. A atenção do
psicólogo deve estar integralmente destinada ao paciente, sintonizando com
ele suas reações e expressões. Tais aspectos facilitam o contato, passando
a mensagem para o paciente de que sua presença está sendo percebida e
reconhecida pelo psicólogo. A empatia é uma competência importante para
o trabalho do psicólogo, pois favorece sua conexão com as emoções e os
pensamentos do paciente.
Em relação às habilidades internas, a tentativa de abrir uma postura
de visualizar e prever o que virá do paciente pode, por um lado, oferecer
mais segurança ao profissional frente ao inesperado do primeiro encontro.
A manutenção de um campo aberto entre psicólogo e paciente, em que se
demonstra disponibilidade para acolher tudo o que paciente dirá, também
é um ponto importante. É recomendado ao psicólogo que faz atendimentos
psicológicos que ele também seja acompanhado em algum momento da vida
por outro psicólogo. O autoconhecimento do profissional de psicologia é um
instrumento valioso para a identificação de suas limitações e o desenvolvi-
mento de estratégias para lidar com essa constatação.
Carrió (2012) descreve considerações acerca das entrevistas realizadas
por profissionais de saúde. O autor destaca a importância de treinar o modo
de falar. De fato, a dicção, a pronúncia, o tom de voz e as palavras usadas na
entrevista têm o poder de atrair ou afastar a atenção do paciente. Deve-se
evitar o uso de muitas palavras técnicas. Elas devem ser usadas somente
quando estritamente necessárias. Da mesma forma, é recomendável regular
o tom emocional utilizado no decorrer da entrevista. Pessoas diferentes
têm modos diferentes de lidar com as emoções, com as palavras e com as
disposições corporais. Encontrar um tom de respeito nesse espectro de
possibilidades vai favorecer a construção de uma forma de atuar que pode
se manter ao mesmo tempo em que permite flexibilidade para se moldar às
necessidades do paciente.
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Carrió (2012) ainda adverte quanto ao perigo do psicólogo se render aos


estereótipos, aos julgamentos rápidos baseados em representações sociais ou
à sua própria história de vida. O estereótipo no ambiente terapêutico impede
que o profissional acesse o espaço subjetivo do paciente, pois impõe outros
sentidos à frente. O autor define os profissionais que agem sob essa conduta
como preguiçosos, pois atuam conforme sua vontade. Segundo o autor, os
profissionais “[...] devem olhar para o paciente e para a relação assistencial
com os olhos ingênuos do aprendiz” (CARRIÓ, 2012, p. 42).
A posição que o entrevistador psicólogo mantém ao longo da entrevista é
dual: uma parte se mantém conectada ao paciente pela empatia; outra parte
se mantém distante e observa o ambiente e as subjetividades (BLEGER, 2003).
Presente em toda comunicação, o silêncio tem um valor próprio no contexto
psicoterapêutico. Benjamin (2008) considera que, por meio do silêncio, é
possível se aproximar do paciente, indicando a ele que a sua presença é
respeitada inteiramente pelo profissional. O autor ainda destaca que “[...] o
silêncio também tem significado” (BENJAMIN, 2008, p. 146).
Na psicoterapia, mais especificamente, podemos considerar tais habilidades
para a escuta também no âmbito das diferentes lentes teóricas que orientam a
prática profissional. Nesse ponto, no campo da abordagem centrada na pessoa,
de Rogers (1979), é possível recuperar habilidades específicas elencadas pelo
autor como desejáveis ao terapeuta. Tais habilidades também influenciam na
eficiência da escuta terapêutica. Veja a seguir (ROGERS, 1979, p. 97).

„ Presença significativa: o psicólogo mantém uma postura de presença


atenta, focada em fortalecer o vínculo afetivo da relação, nos limites
da relação terapêutica.
„ Permissão para a expressão do paciente: o psicólogo alimenta a manu-
tenção de um ambiente acolhedor e receptivo ao paciente, permitindo
a ele a livre expressão de atitudes e sentimentos.
„ Definição dos limites da relação: é importante definir certos parâmetros
para a relação terapêutica, dependendo de seu formato, como horário e
tempo de duração da sessão, conduta quanto a faltas ou remarcações,
pagamento, entre outros.
„ Ausência de pressão ou coerção: cabe ao psicólogo uma postura
que evite a pressão e coerção deliberadas no decorrer do processo
terapêutico.

As habilidades apontadas nesta seção orientam o psicólogo na forma


com que ele pode abordar o paciente de modo mais eficiente, dependendo
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dos objetivos definidos para a comunicação estabelecida. Enfim, a escuta


representa um processo dinâmico, que exige abertura por parte do profissio-
nal de saúde: “escutar é prever o que vão dizer e se surpreender quando não
coincidir com o que se esperava” (CARRIÓ, 2012, p. 41). Além disso, a empatia
auxilia o psicoterapeuta a manter “uma distância emocional com o sofrimento
do paciente, [permitindo que o profissional alcance] melhores e mais justas
decisões”, desenvolvendo, com isso, uma boa escuta (que será aprofundada
na próxima seção) (CARRIÓ, 2012, p. 41). A seguir, além da boa escuta, vamos
abordar a comunicação turbulenta e a comunicação em fluxo.

Comunicação turbulenta, em fluxo


e a boa escuta
O paciente de saúde mental, ao longo do processo de vinculação terapêu-
tica com constante fluxo de informações, trabalha junto ao profissional para
alcançar uma compreensão comum. A cooperação recíproca, no entanto,
pode enfrentar barreiras quando as agendas (paciente e profissional),
por alguma razão, não são coincidentes, ou seja, quando pensamentos,
emoções e aspectos individuais impedem a boa escuta (CARRIÓ, 2012).
Nesta seção, vamos abordar três importantes conceitos relacionados à
comunicação terapêutica: comunicação turbulenta, em fluxo e boa escuta
(CARRIÓ, 2012).

Comunicação turbulenta versus comunicação


em fluxo
Carrió (2012) descreve a comunicação turbulenta como aquela contaminada
com aspectos fortes e estigmatizadores, como a culpa, a humilhação e o
rancor. Nesse tipo de comunicação, o psicólogo se posiciona como o foco da
atividade, pois ele é quem emite os aspectos estigmatizadores. Considerando
que uma comunicação efetiva considera que a informação do emissor alcance
o locutor, percebe-se que aqui esse objetivo não se realiza. A relevância do
psicólogo em empreender seu próprio trabalho de autoconhecimento se
refere a localizar seus pontos frágeis, que podem colidir com aspectos do
paciente, seja em suas características físicas ou comportamentais, seja em
questões de sua história de vida. Nesse tipo de comunicação, a autoridade do
psicólogo se sobrepõe à presença do paciente, que pode sentir-se intimidado
no ambiente e desistir do tratamento.
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A comunicação em fluxo, segundo Carrió (2012), permite que a cooperação


entre psicólogo e paciente aconteça. Afinal, o psicólogo precisa do apoio do
paciente na construção de um ambiente favorável e seguro para que ele se
sinta à vontade para falar aspectos gerais e íntimos de sua própria vida. O
autor contrapõe o conceito de autoridade da primeira comunicação apre-
sentada com a utilidade, característica da segunda forma de comunicação.
O psicólogo torna-se útil ao paciente para que as informações relevantes
sejam oferecidas. A humildade do psicólogo, que desce do lugar de autori-
dade, favorece o estabelecimento de uma comunicação efetiva baseada na
empatia e na aceitação do outro. As expectativas de ambas as partes são
consideradas e integradas nesse posicionamento.
A expressão “bom paciente” (CARRIÓ, 2012, p. 70) é apontada como um
fator de risco na área do cuidado, pois cria resistências nos profissionais que
dificultam sua atuação. A fixação do profissional no julgamento negativo de
um paciente distorce a sua visão da imagem do outro e, principalmente, do
seu sofrimento. O autor ainda destaca:

Um paciente difícil é uma grande oportunidade para detectar deficiências técnicas


e emocionais. A utopia (na verdade, a distopia) do “bom paciente” consiste em
um mundo repleto de cidadãos educados que trazem motivos de consulta bem
elaborados em um perfeito estilo expressivo e, de preferência, com doenças inte-
ressantes. A utopia do bom paciente tem feito um mal enorme ao profissionalismo
e vai se alastrando de forma imperceptível de tutores para alunos ou residentes
(CARRIÓ, 2012, p. 70).

Como um exemplo da comunicação turbulenta transformada em comu-


nicação em fluxo, Carrió (2012, p. 70) apresenta a seguinte fala turbulenta do
profissional no contexto médico: “Você não faz nada para emagrecer e quer
resolver tudo com medicamentos. Assim não vamos chegar a parte alguma”.
Ela é transformada na fala em fluxo: “Claro, vou receitar um remédio para a
dor no joelho, mas pense que a outra metade do trato é que você emagreça,
mesmo que sejam 5 ou 10 quilos” (CARRIÓ, 2012, p. 70).

A boa escuta
Uma estratégia que favorece o estabelecimento da boa escuta é, segundo
Carrió (2012), o apoio narrativo ou ponto de fuga: um momento da entrevista,
por exemplo, em que o psicólogo escolhe abrir o campo para a expressão
do paciente, mantendo a posição de motivador e apoiador. Nesse momento,
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as informações verbais e não verbais que o paciente pode oferecer são de


grande valia para o psicólogo compreender a sua forma de agir no mundo. O
autor ainda sinaliza mais algumas estratégias que amparam uma boa escuta;
veja a seguir (CARRIÓ, 2012).

„ A cordialidade e a reatividade do psicólogo: designam a quantidade de


informação que o paciente oferece de modo espontâneo e o tempo que
o psicólogo leva para responder à pontuação do paciente. A medida
ideal deve ser avaliada pelo psicólogo ao compreender a postura do
paciente, bem como suas motivações e necessidades.
„ As facilitações e ordens cordiais são estímulos dados pelo psicólogo
para que o paciente prossiga no seu fluxo de fala, podendo ser de
ordem verbal ou não verbal.
„ As frases de repetição podem ser utilizadas pelo psicólogo para poten-
cializar a sintonia com o paciente. Por meio dessa estratégia, o psicólogo
repete expressões do paciente na intenção de dar seguimento à sua
fala. No entanto, elas não devem ser utilizadas de modo exaustivo,
pois podem denotar monotonia na comunicação.

Assim, a boa escuta configura-se como aquela que é motivada pelo


profissional. Ele deve se voltar ao paciente com a atenção e a motivação
necessárias para que a comunicação flua da forma mais respeitosa para
ambas as partes.

O manual “Comunicação de notícias difíceis: compartilhando desafios


na atenção à saúde”, coordenação de Priscila Magalhães, Liliana
Lugarinho e Liliane Penello (2010), foi elaborado para apoiar os profissionais de
saúde na delicada tarefa de comunicar informações difíceis para os pacientes e
suas famílias. O estabelecimento da comunicação eficiente com o público externo
e interno (a equipe de saúde) foi considerada parte das ações de humanização
dos serviços de saúde.

É importante que o psicólogo se empenhe na realização da boa escuta e


da comunicação em fluxo, possibilitando que a troca de informações ocorra
de forma fluida e consciente. A seguir, vamos estudar as interferências que
influenciam na qualidade da comunicação e os cuidados que o profissional
deve ter no planejamento e na condução da entrevista.
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Interferências na comunicação
Alguns fatores podem prejudicar a efetividade da comunicação terapêutica
entre paciente e psicólogo. Bleger (2003) aponta a ansiedade como um ele-
mento que pode emergir tanto do paciente quanto do próprio psicólogo. A
consciência da intensidade e o curso da ansiedade ao longo da comunicação
é de suma importância para o psicólogo, pois a perda de controle desse
aspecto pode comprometer a realização da comunicação. O autor comenta a
importância da identificação da ansiedade (ou sua ausência), bem como sua
administração pelo profissional no cotidiano de trabalho: “Sem ansiedade
não se aprende, e com muita ansiedade também não. O nível ótimo é aquele
no qual a ansiedade funciona como um sinal de alarme” (BLEGER, 2003, p. 83).
Para o paciente, é inegável que uma situação que envolva conversar sobre
conteúdos íntimos com uma pessoa desconhecida por si só pode levar à
ansiedade. A confiança pode se estabelecer no decorrer da comunicação.
Com o aumento desta, a ansiedade tende a diminuir. Por parte do psicólogo,
os aspectos do paciente podem favorecer um aumento de ansiedade e de-
vem ser considerados. Sustentar a ansiedade pode ser importante caso a
comunicação esteja inserida no contexto do tratamento psicoterapêutico,
a depender das características emocionais do paciente e de sua história de
vida, aspectos a serem avaliados pelo psicólogo.
O encontro entre psicólogo e paciente pode evocar percepções que podem
atrapalhar o psicólogo: as projeções. Identificar no paciente aspectos seus
(sem se permitir lidar diretamente com isso) pode prejudicar a condução
da comunicação, seja no contexto da avaliação, seja no da psicoterapia. O
espaço da entrevista, por exemplo, não se configura como um espaço de
conflito. Portanto, os comportamentos e as emoções evocados pelo paciente
devem ser considerados no contexto do encontro, e o psicólogo não deve
personalizar a relação (BLEGER, 2003).
Os erros realizados durante a comunicação terapêutica, especificamente
em entrevistas, são definidos por Carrió (2012) como dos tipos técnicos e de
atitude. Os erros técnicos têm relação com a forma de conduta do psicólogo.
Veja a seguir.

„ Excesso ou frieza de cumprimento: o psicólogo deve manter-se atento


à forma com que o paciente se expressa no mundo. Por exemplo, um
psicólogo com uma personalidade mais extrovertida e que força o
cumprimento dos “dois beijinhos”, característico da cultura brasileira,
pode ser visto como invasivo por um paciente de personalidade mais
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introvertida ou de outra cultura. No mesmo sentido, um psicólogo que


não ofereça um ambiente acolhedor ao paciente, expressando frieza,
pode afastar o paciente, inibindo-o em uma situação que indica maior
vulnerabilidade. Assim, é adequado que o psicólogo observe o modo
como o paciente adentra o espaço terapêutico, respeitando seus limites.
„ Falta de atenção: assim como a atenção do psicólogo está voltada ao
paciente, a atenção do paciente está totalmente focada na atitude
do psicólogo. Portanto, a falta de atenção do psicólogo logo pode ser
percebida, gerando desmotivação no paciente. Atitudes como esquecer
o nome do paciente, utilizar uma entonação de voz punitiva e ignorar
as observações feitas pelo paciente podem emitir a mensagem de que
a presença do paciente não é percebida.
„ Falta de delimitação da entrevista: é importante que o psicólogo tenha
definido para si o objetivo da atividade, para que consiga transmitir con-
fiança ao paciente, oferecendo a segurança necessária para estimular
o engajamento na comunicação terapêutica. A falta de delimitação para
o psicólogo e o paciente pode atrapalhar a efetividade da comunicação.
„ Afirmações carregadas de certeza precocemente: na comunicação
terapêutica, o psicólogo deve conduzir a conversa com cautela quanto a
intervenções e interpretações, principalmente nos primeiros encontros,
quando ainda está conhecendo a história e a dinâmica do paciente. As
afirmações realizadas de forma ansiosa e precoce podem expressar
julgamentos equivocados sobre o paciente.

A relação do psicólogo com o paciente deve ser pautada pelas demandas


do paciente sob os limites do ambiente terapêutico. O excesso e a ausência
de atitudes de atenção e cuidado devem ser avaliados caso a caso, pois
podem denotar falta de comprometimento do profissional, implicando até
em infrações éticas. No que diz respeito aos erros de atitude, Carrió (2012)
destaca os seguintes.

„ Postura de onipotência do psicólogo: o psicólogo tem a crença de que de-


tém o poder do conhecimento na atividade desenvolvida, negligenciando
a importância do conhecimento do paciente. Na comunicação terapêutica,
essa postura pode se expressar pelo autoritarismo, com o domínio da fala
por todo o tempo pelo psicólogo, como também pelas ações negativas
que este pode destinar ao paciente, sendo antipático e prepotente.
„ Desconhecimento dos próprios limites: é desejável que o psicólogo
tenha em algum momento da carreira a experiência de ter passado
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por psicoterapia como paciente. A investigação dos desafios e limites


da pessoa do psicólogo contribuirá para que ele realize um trabalho
mais atento e consciente dos próprios limites.

Neste capítulo, vimos a importância da comunicação como um potente


recurso para a coleta de informações por parte do psicólogo. Aspectos
relacionais e técnicos foram apontados como focos necessários de atenção
do profissional. Independentemente do referencial clínico do psicólogo,
é de suma importância o aperfeiçoamento das técnicas de comunicação,
aliadas a uma maior compreensão acerca da inteligência emocional nas
relações interpessoais. Benjamin (2008) construiu uma ampla tipologia de
posturas adotadas por psicólogos que ilustram a variedade de comporta-
mentos que o psicólogo pode adotar. As estratégias mais extremas, como
utilizar tons de crítica, humor, ordem e repreensão ao paciente, devem ser
utilizadas com parcimônia e destinadas à dinâmica do acompanhamento
terapêutico.

Referências
BENJAMIN, A. A entrevista de ajuda. São Paulo: Martins Fontes, 2008.
BLEGER, J. Temas de psicologia: entrevista e grupos. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
BRANCO, A. U. et al. A sociocultural constructivist approach to metacommunication in
child development. In: BRANCO, A. U.; VALSINER, J. (ed.). Communication and metacom-
munication in human development. Greenwich, CT: IAP, 2004. p. 3-32.
CARRIÓ, F. B. Entrevista clínica: habilidades de comunicação para profissionais de
saúde. Porto Alegre: Artmed, 2012.
CORMIER, S.; NURIUS, P. S. Interviewing and change strategies for helpers. Califórnia:
Thomson, Brooks/Cole, 2003.
FLEURY, M. T. L.; FLEURY, A. Construindo o conceito de competência. RAC — Revista de
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GONDIM, S. M. G.; BRAIN, F. R. M.; CHAVES, M. Perfil profissional, formação escolar e
mercado de trabalho segundo a perspectiva de profissionais de Recursos Humanos.
rPOT - Revista Psicologia: Organizações & Trabalho, v. 3, n. 2, p. 119-152, jul./dez. 2003.
Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/pdf/rpot/v3n2/v3n2a06.pdf. Acesso em: 15
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ROGERS, C. R. Psicoterapia e consulta psicológica. São Paulo: Martins Fontes, 1979.
SILVA, M. T. V. C. S. A micro-análise da comunicação em psicoterapia: comparação
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Dissertação (Mestrado integrado em Psicologia) — Universidade de Lisboa, Lisboa,
2008. Disponível em: https://repositorio.ul.pt/bitstream/10451/702/1/17620_A_Mi-
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ZARIFIAN, P. Objectif compétence: pour une nouvelle logique. Rueil-Malmaison: Editions


Liaisons, 1999.

Leitura recomendada
MAGALHÃES, P.; LUGARINHO, L. P.; PENELLO, L. M. (coord.). Comunicação de notícias difí-
ceis: compartilhando desafios na atenção à saúde. Rio de Janeiro: INCA, 2010. Disponível
em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/comunicacao_noticias_dificeis.pdf.
Acesso em: 15 set. 2021.

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