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TÉCNICA DE

ENTREVISTA E
ACONSELHAMENTO
PSICOLÓGICO
O terapeuta
como pessoa
Gleison Gomes da Costa

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM

> Descrever o estilo pessoal do terapeuta.


> Identificar o papel da intimidade na relação terapêutica.
> Reconhecer os limites da relação entre o terapeuta como pessoa e o paciente.

Introdução
O profissional que trabalha com atendimento terapêutico é alguém que passou
por longa e sólida formação acadêmica e prática e cujo trabalho é pautado pela
ética e pela ciência. No entanto, antes disso, ele é uma pessoa, que, como tal, tem
sentimentos, emoções e crenças, que vivencia dias bons e dias ruins, que adoece,
ou seja, é um ser humano como qualquer outro.
Ter consciência disso é muito importante para o terapeuta, que deve compreen-
der que, para além de seu conhecimento técnico e teórico, é fundamental investir
em seu autocuidado. Esse é um entendimento necessário também ao paciente,
que deve estar consciente de que o terapeuta não detém todas as respostas e
não está destinado a obter sucesso em suas intervenções.
Um dos segredos para o estabelecimento de relações terapêuticas saudáveis e
duradoras consiste no terapeuta se permitir ser vulnerável e estabelecer relações
de intimidade com seus pacientes, pois esta tem grande influência no estabele-
cimento de relações de confiança, tão importantes para o processo.
2 O terapeuta como pessoa

Neste capítulo, você vai refletir sobre o estilo pessoal do terapeuta e


como suas características pessoais podem influenciar a terapia. Além disso,
vamos discutir sobre a importância da intimidade para o estabelecimento
de vínculos saudáveis e sobre os limites entre o terapeuta como pessoa e
o seu paciente.

Estilo pessoal do terapeuta


Em um processo psicoterápico, sempre haverá duas ou mais pessoas, sendo
uma delas o profissional técnica e legalmente habilitado para conduzir o
processo. Esse profissional é comumente conhecido como “psicoterapeuta”,
ou “terapeuta”. É importante compreender que o terapeuta é uma pessoa e
que, como tal, tem seu estilo pessoal, com características singulares. A terapia,
portanto, consiste em uma relação complexa e única entre pessoas, com
foco no processo de mudanças, e não na simples aplicação de uma técnica
(BISCAIA; FIGUEIREDO, 2019).
O psicoterapeuta é um elo participante e ativo no processo psicote-
rápico, pois, com ele, estão suas subjetividades, sua realidade psíquica e
os componentes de sua apresentação (p. ex.: roupas, acessórios, postura,
etc.), o que o torna mais do que um observador neutro e objetivo (BISCAIA;
FIGUEIREDO, 2019). Para Winnicott (1994), tudo que o psicoterapeuta faz
durante a psicoterapia é marcado por aquilo que ele é, pelas suas ex-
periências, pela sua forma de se relacionar e pelo seu desenvolvimento
como ser humano. Em outras palavras, as características individuais do
terapeuta, para além da técnica e da experiência clínica, estão presentes
na relação com o paciente.
São exemplos de características que podem auxiliar o profissional no
desempenho de suas atividades a honestidade, o respeito, a flexibilidade,
a empatia, a confiabilidade, a experiência, as habilidades de comunicação,
entre outras (OLIVEIRA; BENETTI, 2015). Tais predicados se mostram impor-
tantes sobretudo porque as pessoas que buscam a psicoterapia geralmente
estão precisando de ajuda e esperam ser escutadas sem julgamentos, ser
compreendidas e se sentir seguras para compartilhar com o psicoterapeuta
informações que não compartilhariam com outras pessoas. No entanto,
convém salientar que, juntamente a essas características, é de suma im-
portância que o profissional invista em treinamento e no desenvolvimento
de habilidades, de modo a expandir seu repertório e estar bem preparado
para acolher as pessoas da melhor maneira possível.
O terapeuta como pessoa 3

As características individuais do terapeuta ganharam destaque com a


psicologia humanista, mais especificamente a terapia centrada na pessoa,
proposta por Carl Rogers, que considerou essas características determinan-
tes para o sucesso da formação do vínculo terapêutico e da promoção de
mudanças (FONTGALLAND; MOREIRA, 2012).

Três atitudes fundamentais do terapeuta

De acordo com Rogers (2008), a mudança em um processo terapêutico


pode ser facilitada por seis condições, entre as quais as três apresentadas a
seguir são vistas como atitudes fundamentais de um terapeuta.
„  Congruência: o terapeuta age de acordo com o que seu interior está sentindo.
Há uma relação fiel entre o que ele está sentindo e o que está demonstrando.
„  Aceitação positiva incondicional: é o acolhimento da pessoa de maneira
integral, considerando-a digna de respeito e de confiança.
„  Compreensão empática: trata-se de compreender com precisão e atenção o
mundo do outro, como se fosse seu próprio mundo, sem esquecer dos seus
próprios sentimentos.

É importante que o terapeuta busque autoconhecimento e desenvolvi-


mento constante. Ele deve estar consciente de suas características pessoais
para identificar quando elas estão tendo influência sobre seus julgamentos
e suas análises, assim como deve reconhecer suas limitações e seus pontos
fortes para se aprimorar cada vez mais visando a melhorar suas relações e
práticas (OLIVEIRA; BENETTI, 2015).
Segundo Corbella e Botella (2004, p. 101), o estilo do terapeuta é influen-
ciado pelas seguintes variáveis: “a) a posição socioprofissional; b) a situação
vital, a personalidade, a atitude e os posicionamentos do terapeuta frente à
teoria por ele utilizada; c) os modos dominantes de comunicação que utiliza”.
Vandenberghe e Pereira (2005) chamam a atenção para a postura adotada
pelo terapeuta em sua prática. Uma postura muito rígida e extremamente técnica,
considerada até mesmo neutra ou imparcial, pode acabar punindo o comporta-
mento vulnerável do paciente, que, como consequência, se expõe menos. Por
outro lado, mostrar-se vulnerável como estratégia, exprimindo sentimentos e
emoções, compartilhando crenças, pode estimular o paciente a fazer o mesmo.
No que se refere aos modos dominantes de comunicação utilizados pelo
terapeuta, é possível destacar sete atitudes ou traços que funcionam de forma
conjunta e representam, de modo dicotômico, a maneira como o terapeuta
se comunica, conforme pode ser observado no Quadro 1.
4 O terapeuta como pessoa

Quadro 1. Sete atitudes ou traços da maneira como o terapeuta se comunica

Rígidos Flexíveis

Ativos Receptivos

Próximos Distantes

Regrados/diretivos Espontâneos/não diretivos

Estimuladores (dirigidos ao Críticos (dirigidos à compreensão)


resultado)

Comprometidos Pouco comprometidos

Dirigidos à ação Dirigidos ao insight

Fonte: Adaptado de Oliveira e Benetti (2015).

É importante que o terapeuta tenha em mente que ele vai para o seu setting
de trabalho com todas as suas características individuais (sentimentos, emo-
ções, traços de personalidade, crenças e convicções), mas que o ator central
da prestação do serviço psicológico será a pessoa que procura ajuda. Sendo
assim, ele não deve permitir que suas questões ou características pessoais
induzam as questões e os problemas do seu paciente, como expresso no Código
de Ética Profissional do Psicólogo (CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA, 2005,
p. 9), segundo o qual é vedado ao psicólogo “[...] induzir a convicções políticas,
filosóficas, morais, ideológicas, religiosas, de orientação sexual ou a qualquer
tipo de preconceito, quando do exercício de suas funções profissionais”.
Em síntese, portanto, o terapeuta deve reconhecer suas características
individuais e compreender como elas podem se apresentar no setting tera-
pêutico, cuidando para que elas não interfiram negativamente no processo.
No entanto, como expõe Mota (2017), é fundamental que o terapeuta também
atente para o autocuidado, promovendo sua própria saúde, sua qualidade de
vida e seu bem-estar integral, a fim de estar capacitado para ajudar outras
pessoas. Para cuidar de si, é importante que o terapeuta faça terapia, o
que lhe possibilitará conhecer a si mesmo e trabalhar questões que podem
estar se misturando com as dos seus pacientes. Também são alternativas
interessantes para promover o autocuidado a meditação e a prática de ativi-
dade física, que, entre outros benefícios, ampliam suas conexões sociais e o
compartilhamento de momentos de intimidade. De maneira geral, o terapeuta
deve compreender que o autocuidado é uma forma ética e responsável de
iniciar o cuidado com o outro.
O terapeuta como pessoa 5

Nesta seção, você pôde compreender que o estilo pessoal do terapeuta é


uma variável importante em um processo terapêutico, sendo imprescindível
reconhecer que, antes de ser um profissional, o terapeuta é uma pessoa, que,
como tal, apresenta características individuais. Esse entendimento é funda-
mental para se refletir sobre a prática e os limites existentes nas relações
criadas entre as pessoas em um processo terapêutico.

Papel da intimidade na relação terapêutica


A intimidade está diretamente relacionada com o compartilhamento de
pensamentos e sentimentos, sem medo ou vergonha, envolvendo, portanto,
confiança e afeto (VANDENBERGHE; PEREIRA, 2005). Um espaço propício para o
estabelecimento de uma relação de intimidade é a psicoterapia, que oferece
um ambiente acolhedor, seguro e livre de julgamentos para o compartilha-
mento de conteúdos significativos.
De acordo com Vandenberghe e Pereira (2005), a intimidade envolve vul-
nerabilidade, que, sob uma visão analítico-comportamental, está relacionada
com a emissão de comportamentos que colocam o terapeuta em uma posição
passível de crítica ou punição por parte do paciente. Se forem reforçados
quando emitidos, tais comportamentos poderão passar a ocorrer com mais
frequência, o que permite ao terapeuta se mostrar vulnerável e, assim, au-
mentar os laços de intimidade com o paciente. Para que haja intimidade, é
necessário que tanto paciente quando terapeuta se permitam ser vulneráveis.
Por sua vez, para a terapia de abordagem psicanalítica, o estabelecimento
de intimidade está muito relacionado com os processos de transferência e
contratransferência, que influenciam as representações que um tem sobre
o outro — relação terapeuta-paciente — e, como consequência, podem in-
fluenciar o curso terapêutico (MOLINA; FABRIANI, 2014).
Segundo Molina e Fabriani (2014), a transferência ocorre quando o paciente,
em sua relação atual com o analista, transfere, reproduz, reedita o conteúdo
referente a um objeto anterior. Ela pode ser positiva ou negativa, a depen-
der da forma como é encarada e trabalhada no processo de análise. Ainda,
Zimerman (2005) afirma que a transferência não é um conceito exclusivo do
consultório psicanalítico, mas, independentemente do onde for utilizado,
esse conceito envolve a noção de deslocamento, de substituição de um lugar
por outro ou de uma pessoa por outra. Nessa relação, o paciente busca na
figura do analista (terapeuta) o ponto para a repetição de antigas relações
objetais que estão introjetadas em si. Por exemplo, um paciente que perdeu
recentemente sua mãe pode estar transferindo a relação que tinha com ela
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para o terapeuta, buscando aprovação, afeto, carinho, distanciando-se da


relação real de paciente-terapeuta.
Veja no Quadro 2 os tipos de transferência, que pode assumir papel po-
sitivo ou negativo.

Quadro 2. Tipos de transferência

Tipo de transferência Características

Transferência positiva Sentimentos positivos em relação ao terapeuta.

Transferência negativa Sentimentos negativos em relação ao terapeuta.

Transferência Os pacientes com falhas básicas de maternagem


especular têm necessidade de que o terapeuta funcione como
um espelho para que sintam que existem e são
valorizados.

Transferência Transferência para o terapeuta da chamada “imago


idealizadora parental idealizada”, característica de uma etapa do
desenvolvimento emocional primitivo.

Transferência erótica Transferência de sentimentos sexuais, em que o


paciente aceita os limites do setting e, por meio de
sublimações, estabelece uma dupla criativa com o
terapeuta.

Transferência Forma intensa e maligna de transferência erótica,


erotizada em que predominam o ódio e o desejo de posse do
terapeuta por parte do paciente, que não se satisfaz
com gratificações psíquicas e exige contato físico.

Transferência perversa Tentativas de perverter a natureza do encontro


psicoterapêutico. O paciente tenta deslocar o
terapeuta de seu lugar e de suas funções.

Psicose de Distorção mais intensa da figura do terapeuta de


transferência forma transitória e articulada, com uma percepção
ainda mais realista dele. Risco importante de
interrupção do tratamento.

Fonte: Adaptado de Alcantara, Silva e Pizutti (2019).

Por sua vez, a contratransferência é o processo em que o analista expe-


rimenta emoções despertadas pelo paciente e seus conteúdos, ou seja, há
o deslocamento do objeto para o paciente. Ela pode servir positivamente,
nos casos em que se torna um guia empático, ou pode ter uma dimensão
patogênica, quando o analista se sente perdido e envolvido na situação criada
O terapeuta como pessoa 7

(MOLINA; FABRIANI, 2014). É comum encontrar sentimentos contratransferen-


ciais difíceis de serem encarados com naturalidade pelo terapeuta, como o
medo, o tédio, a impotência, a raiva, entre outros (ZIMERMAN, 2005).
A fim de tornar mais claro o fluxo transferencial no processo psicanalítico,
a Figura 1 ilustra o ponto de partida da transferência (do paciente para o ana-
lista) e da contratransferência (do analista para o paciente) (ZIMERMAN, 2005).

Figura 1. Fluxo das relações transferenciais na terapia psicanalítica.

Como em toda relação, os vínculos entre terapeuta e paciente vão se


fortalecendo à medida que a intimidade entre eles vai aumentando, havendo
momentos em que está tudo bem e outros em que a relação apresenta con-
flitos. Nas situações conflituosas, o terapeuta pode lançar mão da intimidade
para se mostrar vulnerável e tentar resgatar os pontos mais fortes do vínculo
construído (VANDENBERGHE; PEREIRA, 2005).
Na relação terapêutica, existe a preocupação de não se deixar que a inti-
midade criada em excesso afete a maneira como o trabalho é desenvolvido,
sendo necessário observar a neutralidade e a abstinência, que, segundo
Alcantara, Silva e Pizutti (2019), norteiam a técnica psicoterapêutica de orien-
tação analítica. Contudo, é preciso ter cuidado para que essa postura não
seja confundida com distanciamento ou superficialidade.
A neutralidade objetiva criar um ambiente em que o paciente possa mo-
bilizar seus próprios recursos em busca da solução de seus problemas, dimi-
nuindo, assim, sua dependência com o terapeuta. Isso ocorre, por exemplo,
quando se pergunta ao paciente o que ele acha de determinada situação ou
como ele agiria frente a ela, visando a instigar sua independência para além
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das colocações do terapeuta. Já na abstinência, o terapeuta assume a postura


de não emitir ou revelar impressões pessoais, para não interferir diretamente,
com conteúdo extra e dispensável, no que acontece na sessão; essa postura
objetiva que os conteúdos mobilizados tenham origem no mundo interno do
paciente (ALCANTARA; SILVA; PIZUTTI, 2019).
Nesta seção, refletimos sobre a importância da intimidade, como demons-
tração de vulnerabilidade, para o estabelecimento de um vínculo terapêutico
de maior qualidade e fortalecido entre os componentes do processo tera-
pêutico. Por outro lado, você também pôde compreender que é importante
dar atenção aos excessos, que podem levar a relação para lugares além da
relação profissional, e aos descuidos, que tornam o setting terapêutico um
lugar marcado pelo distanciamento e pela indiferença.

Limites da relação entre o terapeuta como


pessoa e o paciente
Os limites em uma relação terapêutica são estabelecidos por questões nor-
mativas, como as que constam no Código de Ética Profissional do Psicólogo
(CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA, 2005). No entanto, também há limites
que são colocados de maneira informal, por meio dos acordos firmados entre
terapeuta e paciente.
Entre os limites impostos à relação terapêutica presentes no Código de
Ética, estão os seguintes: manter o sigilo profissional; não induzir o paciente
com suas convicções; não utilizar de conhecimento e técnica como instrumento
de castigo, tortura ou qualquer forma de violência; e não “[...] estabelecer
com a pessoa atendida, familiar ou terceiro, que tenha vínculo com o aten-
dido, relação que possa interferir negativamente nos objetivos do serviço
prestado”, que é o mais significativo no que diz respeito ao psicólogo como
pessoa (CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA, 2005, p. 10).

Atender ou não atender amigos?

Juliana, uma psicóloga formada há apenas um ano, recebeu em sua


clínica Mariana, que foi sua melhor amiga na época do colégio. Elas estudaram
juntas por cinco anos, iam e voltavam do colégio juntas, faziam os trabalhos
em dupla e estavam sempre muito próximas. Como duas adolescentes comuns,
começaram a descobrir as coisas da adolescência juntas, compartilhavam todos
os segredos, tinham diversas discussões e incentivavam os namoros. Juliana,
aliás, foi madrinha de casamento de Mariana.
O terapeuta como pessoa 9

Foi somente nos últimos anos que as duas ficaram mais afastadas, o que
se deveu à dedicação de Juliana ao curso de psicologia e de Mariana aos seus
filhos e à família.
Ao saber que a amiga havia se tornado psicóloga, Mariana decidiu procurar
Juliana para iniciar um processo terapêutico, pois julgou que seria muito mais
fácil conversar com sua amiga de longa data. Porém, Juliana disse para a amiga
que precisaria avaliar se poderia ou não realizar o atendimento, já que não
podia atender parentes e pessoas próximas. Mariana falou que, por ela, não
havia problema e que aceitaria.
Após muito refletir, Juliana optou por não atender a amiga, pois sabia que
as questões pessoais iriam surgir e ela não conseguiria desempenhar de forma
adequada seu papel profissional. Comunicou isso à Mariana e a encaminhou para
outro profissional. Porém, Mariana, sem compreender muito bem a situação,
ficou chateada com Juliana e decidiu não mais fazer terapia.
Nesse exemplo, é interessante atentar para o fato de que Juliana falou à
amiga que iria avaliar a situação. Isso porque não existe vedação legal para
realizar ou não esse tipo de atendimento. É necessária, portanto, uma análise
pessoal do terapeuta, que deve considerar o seu Código de Ética.

Alguns limites decorrem de acordos verbais e até contratuais, como, por


exemplo, o dia e o horário estabelecidos para o atendimento, o valor a ser
cobrado por cada sessão, o canal pelo qual haverá comunicação entre tera-
peuta e paciente, entre outros. Na abordagem comportamental, por exem-
plo, os limites colocados são utilizados como estratégia terapêutica, sendo
possível avaliar a partir deles se o paciente está sob controle da terapia ou
se o terapeuta está sob controle do paciente (SILVARES; GONGORA, 2006).
Como exemplo desses acordos verbais, pode-se citar a remarcação de
atendimento. É muito comum estabelecer com o paciente as regras para as
faltas — p. ex.: a consulta só poderá ser desmarcada se houver solicitação com
até 24 horas de antecedência; do contrário, ela será cobrada caso o paciente
não comparecer no horário agendado. Assim também são estipuladas regras
para período de férias, remarcação de consultas, forma de pagamento e
modalidade de atendimento (virtual ou presencial).
Como aponta Zimerman (2005), na terapia psicanalítica o contrato tem
uma importância muito grande, pois, além de concordar formalmente em
iniciar o acompanhamento, o paciente estará ciente de todas as regras e
suas responsabilidades. Temas como pagamentos, faltas, reajustes, plano
de férias, entre outros merecem destaque na medida em que é possível fazer
análise sobre a assunção de responsabilidades e a tolerância de frustrações.
Ao falarmos sobre os limites do terapeuta como pessoa, importa salientar que
hoje é bastante comum encontrar pessoas que fazem terapia e procuram saber
sobre os seus terapeutas nas redes sociais. A forma como cada terapeuta vai lidar
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com isso depende bastante da linha teórica seguida e da própria personalidade


do terapeuta. Ao passo que uns compreendem essa atitude com naturalidade e
entendem que as redes sociais até podem servir como um canal de comunicação,
outros interpretam isso como uma questão que deve ser trabalhada no atendi-
mento para identificar as razões mais profundas dessa vontade de conhecer o
outro fora do setting terapêutico (ALCANTARA; SILVA; PIZUTTI, 2019).
Não apenas essa curiosidade, mas também uma admiração por parte do
paciente são muito comuns, afinal o terapeuta está representando para ele
uma fonte de suporte e acolhimento. Porém, é necessário analisar as possíveis
interferências disso na relação terapêutica, por parte tanto do paciente quanto
do próprio profissional. Isso vai depender muito da postura ética do terapeuta
(OLIVEIRA; BENETTI, 2005), pois é dele, e não do paciente, a responsabilidade
por analisar as variáveis que influenciam o processo terapêutico, bem como
por manter a relação em âmbito profissional.

Psicologia e ética nas redes sociais

Considerando que há psicólogos que usam as redes sociais para


ofertar seus serviços para o público em geral, é importante destacarmos alguns
pontos em relação a isso. Primeiramente, deve-se levar em conta que, nesses
casos, o psicólogo não deve utilizar o preço como forma de propaganda, realizar
previsão taxativa de resultados, nem fazer divulgações sensacionalistas da
atividade profissional, de acordo o Código de Ética Profissional do Psicólogo
(CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA, 2005). Ademais, é aconselhável que o psicó-
logo, ao promover a ciência psicológica em suas redes sociais, tenha cuidado ao
se posicionar, de modo a não praticar ou ser conivente com quaisquer atos que
caracterizem negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade, etc.
Em suma, o psicólogo pode usar as redes sociais para promover a ciência
e seus serviços, mas sempre levando em consideração o Código de Ética e o
respeito à profissão, a outros profissionais e, principalmente, ao ser humano
(CONSELHO REGIONAL DE PSICOLOGIA 11. REGIÃO, 2017).

Alcantara, Silva e Pizutti (2019) chamam a atenção para a expressão de


crenças e valores pessoais do terapeuta em uma relação terapêutica. Co-
locações inapropriadas sobre temas como, por exemplo, religião, política
e orientação sexual pode gerar impasses e desgaste na relação, o que, em
alguns casos, pode ser irreversível e causar a interrupção do tratamento.
Um ponto importante para comentar acerca do estabelecimento de limi-
tes diz respeito às questões trazidas pelo paciente que, de certa maneira,
despertam gatilhos no terapeuta (RAYMUNDO, 2007). Como já mencionamos, é
fundamental que o terapeuta invista no seu processo de autoconhecimento,
O terapeuta como pessoa 11

de modo a se tornar capaz de identificar o limite entre o conteúdo que é seu


e o que é do paciente, não os deixando misturar-se e interferir no processo.
Neste capítulo, você conheceu alguns desafios enfrentados pelo tera-
peuta, que, antes de tudo, é uma pessoa, com suas próprias características
e traços de personalidade. Para atuar, esse profissional deve considerar suas
singularidades, mas também deve se apropriar de técnicas e de conheci-
mento teórico, seguir preceitos éticos e considerar que à sua frente está uma
pessoa, que também tem suas subjetividades e está precisando de auxílio.
Além disso, você pôde compreender a importância de estabelecer um vínculo
terapêutico forte e saudável, permitindo-se ser vulnerável e criando laços
de intimidade, mas sempre com atenção aos limites existentes, para não
extrapolar a intimidade e formar vínculos diferentes dos terapêuticos, bem
como para não ser considerado superficial e indiferente.

Referências
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principais modelos de psicoterapia. In: CORDIOLI, A. V.; GREVET, E. H. (org.). Psicoterapias:
abordagens atuais. 4. ed. Porto Alegre: Artmed, 2019.
BISCAIA, C.; FIGUEIREDO, S. A pessoa do psicoterapeuta. In: BISCAIA, C.; DIAS NETO, D.
A prática profissional da psicoterapia. Lisboa: Ordem dos Psicólogos Portugueses,
2019. p. 189-202.
CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA. Código de ética profissional do psicólogo. Brasília,
DF: CFP, 2005.
CONSELHO REGIONAL DE PSICOLOGIA 11. REGIÃO. Cartilha psicologia e ética nas redes
sociais. Fortaleza: CRP11, 2017.
CORBELLA, S.; BOTELLA, L. Investigación en psicoterapia: proceso, resultado y factores
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FONTGALLAND, R. C.; MOREIRA, V. Da empatia à compreensão empática: evolução do
conceito no pensamento de Carl Rogers. Memorandum, v. 23, p. 32-56, 2012.
MOLINA, R. S.; FABRIANI, C. B. Conceito de transferência e contratransferência: uma
revisão crítica sistemática. Psicologia Argumento, v. 32, n. 77, p. 85-97, abr./jun. 2014.
MOTA, A. B. C. O autocuidado do psicólogo clínico: equilíbrio entre a vida pessoal e
profissional. 2017. 60 f. Dissertação (Mestrado) — Faculdade de Psicologia, Universidade
de Lisboa, Lisboa, 2017.
OLIVEIRA, N. H.; BENETTI, S. P. C. Aliança terapêutica: estabelecimento, manutenção
e rupturas da relação. Arquivos Brasileiros de Psicologia, v. 67, n. 3, p. 125-138, 2015.
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ROGERS, C. As condições necessárias e suficientes para a mudança terapêutica na
personalidade. In: WOOD, J. K. et al. (org.). Abordagem centrada na pessoa. 4. ed. Vitória:
EDUFES, 2008. p. 143-161.
12 O terapeuta como pessoa

SILVARES, E. F. M.; GONGORA, M. A. N. Psicologia clínica comportamental: a inserção da


entrevista com adultos e crianças. São Paulo: Edicon, 2006.
VANDENBERGHE, L.; PEREIRA, M. B. O papel da intimidade na relação terapêutica: uma
revisão teórica à luz da análise clínica do comportamento. Psicologia: teoria e prática,
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WINNICOTT, D. W. Hate in the counter-transference. The Journal of Psychotherapy
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ZIMERMAN, D. E. Psicanálise em perguntas e respostas: verdade, mitos e tabus. Porto
Alegre: Artmed, 2005.

Leituras recomendadas
CALLIGARIS, C. Cartas a um jovem terapeuta: reflexões para psicoterapeutas, aspirantes
e curiosos. São Paulo: Planeta, 2019.
OLIVEIRA, N. H. Como se estabelece a aliança terapêutica em situações de psicoterapia
obrigatória? 2013. 91 f. Dissertação (Mestrado em Psicologia Clínica) — Universidade
do Vale do Rio dos Sinos, São Leopoldo, 2013.

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