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10 Marcos Reigota

cação ambiental aqui apresentada aglutinou adeptos e


adeptase interlocutores e interlocutoras.
Esta nova edição, revista e ampliada, tem como

objetivo reafirmar essas ideias iniciais, (re)discuti-las 4


e principalmente colaborar com os jovens e as jovens -:

profissionais e militantes interessados pela educação À AMBIENTAL

ambiental. A luta continua. COMO POLÍTICA

São Paulo, 4 de dezembro de 2008 1

Antes de definirmos a educação ambiental que

queremos fazer precisamos ter claro que o problema

não está na quantidade de pessoas que existe no plane-

ta e que necessita consumir cada vez mais os recursos

naturais para se alimentar, vestir e morar. Esse argu-

mento que relaciona o aumento da população com a

escassez dos recursos naturais ocupou grande parte dos

debates acadêmicos e políticos e esteve muito presen-

te nos meios de comunicação de massa principalmente

nos anos 1960, 1970 e 1980. A crítica a essa ideia veio

principalmente dos intelectuais, pesquisadores e mili-


tantes dos países pouco industrializados, com grande

densidade populacional, com grandes recursos naturais

e com baixos índices de escolaridade.

A crítica mais contundente a essa ideia que ligava

aumento da população com o consumo dos recursos

naturais veio de pessoas dos países que naquela época,


Marcos Reigota
p
O que é educação ambiental 13

eram denominados países do “terceiro mundo” ou ain- à


nas de garantir a preservação de determinadas espécies

da de “países em via de desenvolvimento - O argumen- animais e vegetais e dos recursos naturais, embora es-
to central da crítica era de que havia uma concentração
sas questões (biológicas) sejam extremamente impor-

de consumo dos recursos naturais e das pro-. tantes e devem receber muita atenção.

vocadas pelo modelo capitalista de desenvolvimento


Quando afirmamos e definimos a educação am-
nos países industrializados e que O real problema era a * biental como educação política, estamos afirmando
concentração de riquezas e de consumo e não o cresci. 4
que o que deve ser considerado prioritariamente na
mento da população (pobre). A
educação ambiental é a análise das relações políticas,
Os críticos enfatizavam que era necessário am-
econômicas, sociais e culturais entre a humanidade e a
pliar a distribuição justa e equitativa dos recursos natu- natureza e as relações entre os seres humanos, visando

rais (e dos alimentos) e dos bens culturais (educação):


a superação dos mecanismos de controle e de domi-

necessários para a manutenção da vida com dignidade À


nação que impedem a participação livre, consciente e
em todo o mundo. Em outras palavras, o que se colo-.: democrática de todos.

cava era: é necessário entender que o problema está no: "4 A educação ambiental como educação política

excessivo consumo desses recursos por uma pequena está comprometida com a ampliação da cidadania, da

parcela da humanidade e no desperdício e produção de. 4 liberdade, da autonomia e da intervenção direta dos

artigos inúteis e nefastos à qualidade de vida. o cidadãos e das cidadãs na busca de soluções e alterna-

Outro argumento muito presente na educação 4 tivas que permitam a convivência digna e voltada para

ambiental nas suas primeiras décadas era a de relacio- o bem comum.

ná-la, prioritariamente, com a proteção e a conserva- : Pensar as nossas relações cotidianas com os

ção de espécies animais e vegetais. Nesse sentido, a é outros seres humanos e espécies animais e vegetais e

educação ambiental estava muito próxima da ecologiã : procurar alterá-las (nos casos negativos) ou ampliá-las

biológica, sem que ela tivesse de se preocupar com os :4 (nos casos positivos) numa perspectiva que garanta a
problemas sociais e políticos que provocavam esta situ- q possibilidade de se viver dignamente é um processo
ação de desaparecimento de espécies. 4 (pedagógico e político) fundamental e que caracteriza
No sentido contrário afirmamos que a educação 5 essa perspectiva de educação.

ambiental não deve estar relacionada apenas com os Dessa forma, o componente “reflexivo” da e

na educação ambiental é tão importante quanto os


aspectos biológicos da vida, ou seja, não se trata ape- q


mes
Marcos Reigota
O que é educação ambiental 15
4 “participativos” (estimular a participação

elementos danças no mundo, ela tende a questionar as opções po-


coletiva para a busca de solução e líticas atuais (mesmo as consideradas de “esquerda”)
comunitária e/ou
blemas cotidianos) ou “comporta-
alternativas aos pro e a própria educação escolar e extraescolar, quando

tamentos individuais e
mentais” (mudança de compor preocupadas em transmitir conteúdos científicos que
coletivos viciados e nocivos ao bem comum). terão utilidade apenas para os concursos e exames.

A educação ambiental deve procurar favorecer A educação ambiental como educação política

e estimular possibilidades de se estabelecer coletiva- é por princípio: questionadora das certezas absolutas

mente uma “nova aliança” (entre os seres humanos e e dogmáticas; é criativa, pois busca desenvolver me-

a natureza e entre nós mesmos) que possibilite a todas todologias e temáticas que possibilitem descobertas e
as espécies biológicas (inclusive a humana) a sua convi- vivências, é inovadora quando relaciona os conteúdos
vência e sobrevivência com dignidade. e as temáticas ambientais com a vida cotidiana e esti-

h Consideramos então que, com esses princípios mula o diálogo de conhecimentos científicos, étnicos e

básicos, a educação ambiental deve ser entendida como populares e diferentes manifestações artísticas; e críti-
educação política, no sentido de que ela reivindica e ca muito crítica, em relação aos discursos e às práticas

prepara os cidadãos e as cidadãs para exigir e construir que desconsideram a capacidade de discernimento e de

dima sociedade com justiça social, cidadanias (nacional intervenção das pessoas e dos grupos independentes
e planetária), autogestão e ética nas relações sociais e e distantes dos dogmas políticos, religiosos, culturais e

gom a natureza. sociais e da falta de ética.

& de que a educação ambiental é uma A ética ocupa um papel de importância funda-

gducação política está profundamente relacionada com mental na educação ambiental e vários autores bra-

pensamento pedagógico de Paulo Freire, princípal- sileiros e estrangeiros têm se dedicado a estudá-la. E

ente nos seus últimos escritos, como os livros Peda-


sempre muito dificil definir o que é ética ou ensiná-la,

bgia da autonomia (São Paulo: Paz e Terra, 1997) e Pe- mas podemos identificar a sua presença ou a sua ausên-

gogia da indignação (São Paulo: Unesp, 2000). cia. Não podemos também transformar a reivindicação

A educação ambiental como educação política por ética numa lista de preceitos morais, uma lista de
nfatiza antes a questão “por que” fazer do que “como” “mandamentos” a serem seguidos. Mas acredito que
r. Considerando que a educação ambiental surge e
todos os educadores e todas as educadoras ambientais
consolida num momento histórico de grandes mu- estão colaborando com a ampliação da compreensão
Marcos Reigota
6 O que é educação ambiental

À da ética e da sua presença nã vida cotidiana quando Com base no pensamento político, filosófico, cul-

enfatizam a necessidade de respeito a todas as formas tural e pedagógico contemporâneo, que caracteriza a

« de vida, quando estimulam a igualdade e o respeito às educação ambiental como educação política, podemos
diferenças étnicas, culturais e sexuais e ao se posício- afirmar que não há nada de natural na competição (ou

narem contrários a todo tipo de corrupção, privilégios competitividade), oportunismo, má-fé, ganância e ou-
e violência, principalmente quando, para isso, se utiliza tros termos que na vida cotidiana possibilitam a perma-

do dinheiro e dos espaços públicos (escolas, universida- nência de privilégios de poucos.

des, instituições do governo etc.). Por mais apuradas que sejam as pesquisas sobre o
O ser humano contemporâneo vive profundas
código genético humano ainda não se conseguiu provar
dicotomias. Dificilmente se considera um elemento da
que esses comportamentos encontram-se aí “natural-
natureza, mas um ser à parte, como um observador mente” explicados. Desse modo, “querer levar vanta-

e/ou explorador dela. Esse distanciamento da huma- gem” é um comportamento social, cultural e político
nidade em relação à natureza fundamenta as ações
que precisa ser profundamente questionado e superado
humanas tidas como racionais, mas cujas graves con-
para que a convivência entre os diferentes possa se dar

sequências exigem, neste início de século, respostas de forma não violenta e menos agressiva.

pedagógicas e políticas concretas para acabar com o À educação ambiental crítica está, dessa forma,

predomínio do antropocentrismo (argumento de que o impregnada da utopia de mudar radicalmente as rela-


ser humano é o ser vivo mais importante do universo e ções que conhecemos hoje, sejam elas entre a humani-

que todos os outros seres vivos têm a única finalidade dade, sejam elas entre a humanidade e a natureza.
de servi-lo). Desconstruir essa noção antropocêntrica Voltemos um pouco aos aspectos políticos da

é um dos princípios éticos da educação ambiental. educação ambiental. Desde o seu início, temos insisti-
Nas relações sociais cotidianas e na política bra- |, do que é absolutamente vital que os cidadãose as cida-

sileira verificamos que a ética está muito pouco presen- | dãs do mundo participem para que se tomem medidas

te. À possibilidade de se levar vantagem em qualquer 4 de apoio a um tipo de crescimento econômico que não

situação é o clichê básico predominante, e em muitas q tenha repercussões nocivas sobre a população e que

ocasiões isso é entendido como natural, ou seja, que 6 A não deteriore suas condições de vida. Geralmente, o

mais forte e esperto deve mesmo prevalecer diante do 4 modelo econômico capitalista de produção intensiva e

mais fraco e pacato. desenfreada enfatiza que possibilitará melhor “qualida-


Marcos Reigota
8 O que é educação ambiental 19

de de vida” e “mais emprego” para todos. Mas será isso direitos e deveres. Tendo consciência e conhecimento

mesmo verdade? Afinal, o que é mesmo “qualidade de da problemática global e atuando na sua comunidade e
vida”? Para os interessados em encontrar algumas res- vice-versa haverá uma mudança na vida cotidiana que,

postas a essa última questão sugiro que procurem os se não é de resultados imediatos, visíveis, também não

trabalhos da professora da Faculdade de Saúde Pública será sem efeitos concretos.

da USP Maria Cecília Focesi Pelicioni. Os problemas ambientais foram criados por ho-
Observe que, no parágrafo acima, enfatizamos mens e mulheres e deles virão às soluções. Estas não

a expressão “cidadão e cidadã do mundo” e a impor- serão obras de gênios, de políticos ou tecnocratas, mas

tância de sua participação na definição de um projeto - sim de cidadãos e cidadãs.

econômico, portanto político. A educação ambiental

deve orientar-se para a comunidade, para que ela possa

definir quais são os critérios, os problemas e as alter-

nativas, mas sem se esquecer de que dificilmente essa

comunidade vive isolada. Ela está no mundo, receben-

do influências diversas e também influenciando outras


comunidades, num fluxo contínuo e recíproco. Assim,
a educação ambiental entra nesse contexto para auxi-

liar e incentivar o cidadão e a cidadã a participarem da ::

resolução dos problemas e da busca de alternativas no


geu cotidiano de realidades específicas.
: “Os cidadãos e cidadãs do mundo”, atuando nas

às comunidades, é a proposta traduzida na frase mui-

usada nos meios ambientalistas: “Pensamentoglobal


ação local, ação global e pensamento local”

Claro que educação ambient,


al por si só não resol-
fá Os complexos problemas am

bientais planetários.
HISTÓRIA DA AMBIENTAL

A educação ambiental tem uma história quase

oficial, que a relaciona com conferências mundiais e

com os movimentos sociais em todo o mundo. Antes

de apresentarmos alguns dos principais eventos que

marcam essa história semioficial é necessário lembrar

que, muito antes deles, pessoas e grupos, de forma dis-,

creta, mas muito ativa, já realizavam ações educativas

e pedagógicas próximas do que se convencionou cha-

mar de educação ambiental.

Fazer um levantamento com e na comunidade ou

com os alunos e as alunas sobre quais foram as pessoas

e os eventos que marcaram o surgimento da educação

ambiental é uma forma de ampliar o conhecimento em

relação ao surgimento dessa proposta educativa na co-


munidade e no mundo, e se distanciar de uma história

oficial engessada e definitiva.


2 Marcos Reigota O que é educação ambiental 23

Esse levantamento sobre a história local ou re- aos projetos a longo termoe foi alvo de muitas críticas,

gional da educação ambiental pode ser feita lembran- principalmente dos latino-americanos, que liam nas en-
do, como enfatizou Paulo Freire, que somos “sujeitos trelinhas desse livro a indicação de que, para se conser-

da história”, mesmo que esses sujeitos sejam anônimos var o padrão de consumo dos países industrializados,

e desconhecidos do grande público, e que a história não era necessário controlar o crescimento da população

é apenas um conjunto linear de datas, heróis e eventos. nos países pobres.

Dito isso, podemos então passar aos eventos que são Um dos méritos dos debates das conclusões do

os mais conhecidos e que possibilitaram a difusão e a Clube de Roma foi colocar o problema ambiental em

legitimação internacional da educação ambiental. nível planetário, e como consequência disso, a Orga-

Em 1968 foi realizada em Roma uma reunião de nização das Nações Unidas realizou em 1972, em Es-
cientistas dos países industrializados para se discutir o tocolmo, Suécia, a Primeira Conferência Mundial de

consumo e as reservas de recursos naturais não-reno- Meio Ambiente Humano.

váveis e o crescimento da população mundial até o sé- O grande tema em discussão nessa conferência

culo XXI. foi a poluição ocasionada principalmente pelas indús-

As conclusões do Clube de Roma deixaram clara trias. O Brasil e a Índia, que viviam na época “milagres

anecessidade urgente de se buscar meios para a conser- econômicos”, defenderama ideia de que “a poluição é

vação dos recursos naturais e controlar o crescimento o preço que se paga pelo progresso”. )

da população, além de se investir numa mudança radi- Com essa posição oficial, o Brasil e a India abriram

cal na mentalidade de consumo e de procriação. as portas para a instalação de indústrias multinacionais

Seus participantes observaram que: “O homem poluidoras, impedidas ou com dificuldades de continu-
deve examinar a si próprio, seus objetivos e valores. O arem operando nas mesmas condições que operavam

ponto essencial da questão não é somente a sobrevi- em seus respectivos países.

vência da espécie humana, porém, ainda mais, a sua Essa atitude não será sem consequências e os re-

possibilidade de sobreviver sem cair em um estado inú- sultados se farão sentir nos anos que virão. No Brasil,
til de existência”.
que na época vivia sob uma ditadura militar, o “exem-

Essa reunião originou o livro Limites do cresci- plo” clássico é Cubatão, onde, devido à grande concen-
mento (São Paulo: Perspectiva, 1978), que foi durante tração de poluição química, crianças nasceram acéfalas,
muitos anos uma referência internacional às políticas e
na Índia, o acidente de Bophal, ocorrido numa indústria
O que é educação ambiental 25
24 Marcos Reigota

química multinacional que operava sem as medidas de mos então considerar que aí surge o que se convencio-

segurança exigidas em seu país de origem, provocou a nou chamar de educação ambiental.

morte de milhares de pessoas. Dez anos após a Conferência de Estocolmo foi

Esse acidente junto ao da usina nuclear de Tcher- realizada a Conferência das Nações Unidas para o Meio

nobyl são considerados os acidentes ecológicos con- Ambiente e Desenvolvimento (observe a mudança do

temporâneos mais drásticos, mas é evidente que não nome em relação à conferência de Estocolmo) no Rio

são os únicos. Na década de 1990 e nos primeiros anos de Janeiro, que ficou conhecida como Rio-92.

do século XXI foi possível presenciar uma quantidade A documentação disponível sobre essa confe-

enorme de acidentes e de diretrizes políticas comple- rência é vasta e de fácil localização quando se usa a

tamente antiecológicas como a posição dos Estados internet, mas o que é necessário observar aqui é que

Unidos em relação ao Protocolo de Kyoto, que visa a foi a primeira conferência das Nações Unidas na qual

diminuição de emissão de CO,


à atmosfera, ou a auto- a sociedade civil (cidadãos e cidadãs do mundo) pude-

rização do plantio de soja transgênica no Brasil. ram participar. A intensa participação cidadã marcou

O desmatamento da Amazônia atingiu índices as reuniões posteriores realizadas pelas Nações Unidas

alarmantes, colocando o tema na pauta dos encontros e incluiu, com destaque, o meio ambiente na agenda

entre o governo brasileiro e de outros países, tendo sido política planetária.


tema de debates acalorados na mídia e nas conversas
Nessa agenda política planetária, a afirmativa da

cotidianas. necessidade da participação e da intervenção dos cida-

As guerras e os massacres ocorridos em Burun- dãos e das cidadãs deixou de ser apenas um discurso

bem-intencionado e conquistou um importante pro-


di, Ruanda, ex-lugoslávia, Afeganistão, Iraque etc., nas
quais foram utilizadas armas extremamente sofistica- tagonismo. Nesse sentido, a “formação” do cidadão e
das contra a população, e a poluição da água e do ar da cidadã para atuar diante dos problemas e desafios

ambientais adquiriu visibilidade pública, e a educação


NE pelas indústrias, mas também pelas ambiental deixou de ser conhecida e praticada apenas

dade ainda seencontra n a estágio d por pequenos grupos de militantes.

Uma resolução importante d e c bário Da Conferência do Rio de Janeiro saíram inúme-

tocolmo em 1972 foi a que sed ve o cido ce Eu ros documentos como a Agenda XXI, com uma série

cidadã para a solucão d eve educar o cidadão de indicações aos governos (inclusive a de promover a
são dos problemas ambientais. Pode-

as
26 Marcos Reigota O que é educação ambiental 2”

educação ambiental) e os tratados elaborados pela so- outros, O fracasso da está relacionado com o

ciedade civil, como o Tratado sobre a Educação Am- próprio fracasso das Nações Unidas, “prisioneira” dos
biental para as Sociedades Sustentáveis. interesses das grandes potências, principalmente dos

Em 2002, foi realizada em Johannesburgo na Estados Unidos. De qualquer forma, com essas con-
África do Sul, a Conferência das Nações Unidas para o ferências a educação ambiental esteve presente nos
Desenvolvimento Sustentável (compare as mudanças discursos e nos documentos, mas principalmente se
dos nomes com as conferências de Estocolmo e do Rio fez presente por meio das ações concretas de muitas
de Janeiro).
pessoas, cidadãos e cidadãs do mundo, em diferentes
Essa Conferência que ficou conhecida como
regiões do planeta.
Rio+l0, tinha como objetivo avaliar as aplicações e A Unesco foi o organismo da ONU responsável

progressos das diretrizes estipuladas no Rio de Janeiro. pela divulgação dessa nova perspectiva educativa, e
Realizada num momento de grande tensão internacio-
desde os anos 1970 realizou vários seminários regionais
nal, logo após o atentado de 11 de setembro e, poucos em todos continentes, procurando estabelecer os seus

meses antes da invasão americana no Iraque, essa reu-


fundamentos.
nião foi considerada um fracasso por uns e por outros A partir desses seminários, um grande número
uma possibilidade de encontros, debates e elaboração
de textos, artigose livros foram publicados pela Unesco
de estratégias comuns, apesar do descrédito público
em diversas línguas. =

das Nações Unidas.


Os principais seminários realizados por essa insti-
A Rio+l0 teve o mérito de possibilitar aos cida-
tuição estão inseridos na história da educação ambien-
dãos e cidadãs do continente africano uma participa-
tal e precisam ser destacados.
ção ativa, expondo as mazelas em que vivem, como as Um deles foi realizado em Belgrado, na então lu-
inúmeras guerras civis, O imenso número de pessoas
goslávia, em 1975, e contou coma presençade especia-
contaminadas com o HIV, a poluição da água e do ar o
listas em educação, biologia, geografia ehistória, entre
analfabetismo e a pobreza extrema de grande parte da
outros, seminário no qual foram definidos os objetivos
população.
da educação ambiental, publicados no documento que
Para muitos analistas, a Rio+10 foi um fracasso
se convencionou chamar de A Carta de Belgrado. |

por não ter possibilitado o avanço efetivo das diretri-


Alguns anos depois foi realizado em na
zes e promessas apresentadas no Rio de Janeiro. Para

Geórgia (ex-URSS), em 1977, o Primeiro Congresso


28 Marcos Reigota
O que é educação ambiental 29

Internacional de Educação Ambiental da Unesco, onde


Esse livro fornece subsídios temáticos para a
foram apresentados os trabalhos que estavam sendo
Conferência das Nações Unidas realizada no Rio de
realizados em vários países.
Janeiro em 1992. E a partir desse livro que a noção de
Dez anos depois, foi realizado em Moscou o Se-
desenvolvimento sustentável se torna mais conhecida.
gundo Congresso Internacional de Educação Ambien-
Nesse livro também se enfatiza a importância da edu-
tal da Unesco. Nessa época, a então União Soviética
cação ambiental para a solução dos problemas e busca
vivia O início da perestroika e da glasnost, que culminou
de alternativas.
com o fim do regime socialista e a separação das di-
Nos vinte anos que se passaram, entre as con-
versas repúblicas que compunham aquele país, e temas
ferências mundiais de Estocolmo e do Rio de Janeiro
como desarmamento, acordos de paz entre URSS e
houve uma considerável mudança na noção de meio
os Estados Unidos, democracia e liberdade de opinião
ambiente. Na primeira se pensava basicamente na

permeavam as discussões dos presentes. relação do ser humano com a natureza; na segunda,
Muitos especialistas presentes nesse encontro o enfoque é pautado pela ideia de desenvolvimento

de Moscou consideravam inútil falar em educação am- econômico, dito sustentável, ideia que se consolida na
biental e em formação de cidadãos enquanto vários Conferência de Johannesburgo.

países (incluindo o anfitrião) continuavam a produzir Essa mudança se fará sentir nos discursos, nos

armas nucleares e a viver sob regimes totalitários que


projetos e nas práticas diversas de educaçãoambiental
impediam a participação dos cidadãos e das cidadãs nas que surgiram desde então em todo o mundo. Da mes-
decisões políticas. ma maneira, provocará reações contrárias de grupos e

Nesse mesmo período, a primeira-ministra no- de educadores e educadoras ambientais, principalmen-

rueguesa, Gro Harlem Brundtland, patrocinou reuni- te dos que atuam na América Latina.

des em várias cidades do mundo, incluindo São Paulo, Se por um lado temos uma grande variedade de

para se discutir os problemas ambientais e as soluções práticas que se autodefinem como educação ambien-
encontradas após a conferência das Nações Unidas re-
tal”, mostrando a sua criatividade e importância, por
alizada em Estocolmo em 1972.
outro temos práticas muito simples querefletem inge-
As conclusões dessas reuniões foram publicadas
nuidade, oportunidade, confusão teórica e política.
em várias línguas, no livro Nosso futuro comum, tam-
Nos últimos anos temos observado um forte mo-
bém conhecido como Relatório Brundtland.
vimento patrocinado pela Unesco e por grandes ONGs
O que é educação ambiental
30 Marcos Reigota 31

internacionais, que pretendem modificar o nome de perspectiva pedagógica e política tem aglutinado mili-
tantes, educadores e educadoras, professores e profes-
educação ambiental para “educação para o desenvol-
soras conquistado espaço nos órgãos públicos, univer-
vimento sustentável”. Esse movimento inicial de mu-
sidades e movimentos sociais. Ao mantermo-nos fiéis
dança de nome foi um dos temas mais polêmicos da
à denominação educação ambiental não abdicamos de
Conferência Internacional da Unesco sobre Meio Am-
nossa história para abraçar outra, da qual seríamos ape-
biente e Sociedade: Educação e Consciência Pública
nas receptores e não sujeitos.
para à Sustentabilidade, ocorrida em 1997 em Thessa-

loniki, na Grécia, e se concretiza 10 anos depois, nos 30

anos da Carta de Tbilissi, ocorrida na India. Mas nesse

momento a divisão entre os colegas e as colegas e as

instituições favoráveis e contrários à mudança da de-


nominação educação ambiental para educação para O
desenvolvimento sustentável já estava acirrada.

Pelo menos, entre os educadores e as educadoras

latino-americanos há uma forte resistência a essa mu-

dança. Consideramos que a educação ambiental tem


conseguido nesses últimos 30 anos abordar uma série
de problemas e possibilitado a organização de grupos

sociais para enfrentá-los e buscar soluções. Considera-

mos também que a discussão e a busca de alternativas

aos modelos de desenvolvimento são extremamente

importantes, mas não consideramos os aspectos pu-


ramente econômicos como a dimensão privilegiada

de qualquer projeto de desenvolvimento (mesmo dito


sustentável”) e muito menos o tema central do pro-
cesso educativo.

Por outro lado, é com a denominação educação

ambiental que no Brasil e na América Latina que essa


OBJETIVOS DA E ÇÃO AMBIENTAL

Nal Carta de Belgrado foram definidos seis obje-


tivos indicativos da educação ambiental. Apresentarei

e comentarei cada um deles:

I. Conscientização

Levar os indivíduos e os grupos associados a toma-

rem consciência do meio ambiente global e de problemas

conexos e de se mostrarem sensíveis aos mesmos.

Comentário:

Conscientizar” significa que a educação am-

biental deve procurar chamar a atenção para Os proble-

mas planetários que afetam a todos, pois a camada de

ozônio, o desmatamento da Amazônia, as armas nu-

cleares, o desaparecimento de culturas milenares etc.

são questões só aparentemente distantes da realidade

dos alunos e das alunas. Um dos problemas desse ob-


54 Marcos Reigota O que é educação ambiental 55

jetivo é o próprio termo “conscientização” que é mui- permita ao cidadão e à cidadã uma melhor atuação e
to utilizado entre nós e que geralmente é remetido ao intervenção cotidiana na busca de soluções e alternati-
pensamento pedagógico de Paulo Freire. O problema vas socioambientais.

é que uma pessoa não passa automaticamente a sua

consciência sobre qualquer tema a outra pessoa, ape- III. Comportamento


nas pela transmissão de conhecimentos.
Levar os indivíduos e os grupos a adquirir o sen-
Outros autores duvidam mesmo dessa possibi-
tido dos valores sociais, um sentido dos valores sociais,
lidade de se “conscientizar” alguém por meio da edu-
um sentimento profundo de interesse pelo meio am-

cação. Para maior aprofundamento desse tema, sugiro biente e a vontade de contribuir para sua proteção e
que o leitor e a leitora procurem ler o livro de Paulo
qualidade.
Freire Cartas a Cristina: reflexões sobre minha vida e mi-

nha práxis (São Paulo: Ed. Unesp, 2003, 22 edição), no Comentário:

qual ele se (re)posiciona sobre o que é conscientizar. Não adianta só falar do meio ambiente, mas tam-

bém mudar os comportamentos individuais e sociais.

II. Conhecimento Os exemplos aqui podem ser vários, dos mais simples

Levar os indivíduos e os grupos a adquirir uma aos mais complexos, tais como não fumar nos lugares

compreensão essencial do meio ambiente global, dos coletivos, não destruir árvores, economizar energia e

problemas que estão a ele interligados e o papel e o lu- água, além de outros recursos naturais básicos, utili-
zar mais os transportes públicos, respeitar as regras de
gar da responsabilidade crítica do ser humano.
trânsito etc. Porém, mudar comportamentos, objetivo
Comentário: muito recorrente e dos mais buscados na educação
O conhecimento proporcionado pela ciência e
ambiental, não é simples.
elas culturas não necessariamente escolarizadas so-
O que leva uma pessoa ou um grupo à mudar
bre o meio ambiente precisa ser democratizado. As
um comportamento considerado de alto impacto

pessoas devem ter acesso a eles. Assim, a educação ambiental?


ambiental não transmite só o conhecimento científico,
A educação ambiental precisa ficar atenta para
mas enfatiza & provocaa necessidade de diálogo entre não cair nem fomentar um discurso moralista de “bom
todo tipo de conhecimento, inclusive com a arte, que
comportamento”, mas discutir e aprofundar a comple-
O que é educação ambiental 57
56 Marcos Reigota

xidade psicológica, social, econômica, cultural e ecoló- problemas cotidianos, provocando e promovendo esses
gica de cada comportamento, individual e/ou coletivo, diálogos e buscando elaborar meios técnicos de inter-

que se quer mudar, sugerir e buscar alternativas.


venção com a ajuda de especialistas, conhecedores au-
todidatas, cidadãos e cidadãs.
IV. Competência

Levar os indivíduos e os grupos a adquirir a com- V. Capacidade de avaliação

petência necessária à solução dos problemas. Nem to- Levar os indivíduos e os grupos a avaliar medidas

dos têm capacidade técnica para resolver os problemas e programas relacionados ao meio ambiente em função

ambientais. Reconhecer essa deficiência é um primeiro de fatores de ordem ecológica, política, econômica, so-

passo para superá-la. cial, estética e educativa.

Comentário: Comentário:
A noção de competência impregnou o discurso É fundamental para a participação do cidadão e da
pedagógico principalmente após a década de 1990. Mas cidadã poder decifrar a linguagem dos projetos, de riscos

o que isso significa exatamente? ambientais elaborados por técnicos especializados.

O objetivo definido em Tbilissi é bem claro nes- Esses documentos, muitas vezes, são elaborados

se item. A competência se adquire coletivamente. e escritos para não serem compreendidos para quem

Ninguém sozinho poderá enfrentar os desafios que se não detém conhecimento técnico específico. A lingua-

apresentam. Não se trata apenas de uma competência gem técnica, cifrada e compreensível por um grupo se-

puramente técnica, adquirida com estudos e formação leto é uma estratégia de poder que a educação ambien-

escolar. Competência é também a capacidade de ava- tal precisa desconstruir.

liação e de intervenção, de diálogo e de intercâmbio Quando cientistas dizem, por exemplo, que os
que cada um de nós tem com pessoas e profissionais
transgênicos não fazem nenhum mal à saúde das pes-
que possuem conhecimentos diferenciados e comple- soas e à dinâmica dos ecossistemas, usando para isso

mentares ao nosso. o apoio de pesquisas científicas, apresentando dados

Aed ã : a
estatísticos, conceitos e conclusões que mascaram in-
la cunasUcação ambiental pode auxiliar
A. a específicas
superação a
Ou a ausência de competencias teresses econômicos e ideológicos, impedem que um

necessári ias para se analisar. e buscar alternativas aos


diálogo entre especialistas e leigos se realize. Agindo
O que é educação ambiental 59
58 Marcos Reigota

Os organismos da ONU como a Unesco e o Pnud


assim, os especialistas bloqueiam e/ou negam aos lei-

são os mais conhecidos internacionalmente, mega


gos um direito cívico básico que é a possibilidade de

avaliação sobre temas complexos e polêmicos. ONGs como o WWF, IUCN ou movimentos como o
A capacidade de avaliação que cada um adquire Greenpeace e Amigos da Terra estão presentes em vá-

) por meio da educação ambiental permite ou impede que


projetos sejam efetuados. À educação ambiental pro-
rios países. No Brasil foi criado o

Ambiente e todos os Estados e as inúmeras prefeituras


Ministério do Meio

cura “traduzir” e discutir a linguagem técnico-científica


possuem suas secretarias de meio ambiente. As uni-
de projetos duvidosos para a compreensão de todos. versidades e os institutos de pesquisa acompanharam

esse movimento de institucionalização no qual é possi-


VI. Participação
vel observar que a educação ambiental é quase sempre
Levar os indivíduos e os grupos a perceber suas
lembrada como um componente central.
responsabilidades e necessidades de ação imediata para A ampliação da discussão, da difusão e da influ-
? ão dos problemas ambientais.

ência da educação ambiental tende também a ampliar


Procurar estimular nas pessoas o desejo de parti-
os objetivos definidos na Carta de Belgrado. Vários do-
” ctpar na construção de sua cidadania. Fazer com que as

cumentos como a Agenda XXI, Tratado de Educação

pessoas entendam a responsabilidade, os direitos e os


Ambiental para as Sociedades Sustentáveis, Carta da
deveres que todos têm numa sociedade democrática.
Terra, e a Carta das Responsabilidades Humanas tra-

Comentário: zem elementos novos e aprofundam os objetivos ini-

Os objetivos definidos na Carta de Belgrado em ciais da educação ambiental. Tudo isso é resultado de

1975 são históricos e precisam ser contextualizados. intensa participação de cidadãos e de cidadãs em todo

Mudanças políticas, sociais, culturais e educacionais ra- o mundo, que, além de darem visibilidade à educação

dicais ocorreram nesses últimas décadas. As questões ambiental, ampliaram os seus objetivos iniciais. Na De-
ecológicas passaram a ser um componente fundamen- claração do Rio, elaborada na Conferência das Nações

todos eles. Noções de meio ambiente possibiti- Unidas para o Meio Ambiente e Desenvolvimento em
am a instituição da temática em vários níveis: inter-
1992, foram definidos 27 princípios de ação, entreeles,
nacional, nacional, estadual e local. encontram-se os seguintes:
60 Marcos Reigota O que é educação ambiental 61

1) Princípio das responsabilidades comuns, mas dife-


adiar a adoção de medidas efetivas visando prevenir a
renciadas.
degradação do meio ambiente.
Os Estados devem atuar no sentido de coopera-

ção mundial tendo em vista conservar, proteger e resta- 4) Princípio de participação e exigência de bom governo.
belecer a saúde e a integridade do ecossistema terres- A melhor forma de abordar as questões de meio

tre. Considerando os diferentes papéis representados ambiente é garantir a participação de todos os cidadãos
na degradação do meio ambiente mundial, os Estados e cidadãs interessados em nível adequado. No nível na-

têm responsabilidades comuns mas diferenciadas. Os cional, cada indivíduo deve ter assegurado acesso às in-

países desenvolvidos admitem a responsabilidade que formações relativas ao meio ambiente que possuem as
lhes cabe no esforço internacional em favor do desen- autoridades públicas, inclusive às informações relativas

volvimento sustentado, considerando a pressão que as substâncias tóxicas e às atividades perigosas em sua

suas sociedades exercem sobre o meio ambiente mun- comunidade, e ter a possibilidade de participar aos pro-

dial e as técnicas e recursos financeiros que possuem. cessos de tomada de decisão.

Os Estados devem facilitar e estimular a sensibi-

2) Princípio da equidade intra e intergerações na satis- lização e a participação do público disponibilizando as


fação ao direito ao desenvolvimento. informações. Uma possibilidade efetiva de ações judi-
O direito ao desenvolvimento deve ser realizado ciárias e administrativas, principalmente a de indeniza-

de forma que satisfaça equitativamente as necessida- ções e de recursos, deve ser assegurada.

des relativas ao desenvolvimento e ao meio ambiente

das gerações atuais e futuras.

3) Princípio da precaução e incertezas científicas.


Para proteger o meio ambiente, medidas de pre-

caução devem ser amplamente aplicadas pelos Estados


suas capacidades. Em caso de risco de conse-

cias graves ou irreversíveis, a ausência de certe-

za científica absoluta não deve servir de pretexto para

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