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ao empírico.

Como Noel Castree (que é geralmente simpátíco a esté típo de aná1i-

se) escreve na sua crítíca de Socíal Power and the Urbanizatíon of Water (P0der so-
cial e a urbanização da água):
Eu considero o livro do enfoque dialétíco da “socionatureza” um tan- 3
to quanto teoricamente generoso demais o ricq detalhe empfríco

do livro não é sempre bem conectado aos argumentos teóricos dos Discurso ambiental
primeiros capítulos. 0 foco salutar nas instituíções, frações de classe e
tais similares na parte 2 parece um pouco separado das grandes abs-

trações da parte 1 (2005: 1.471).


n

Em outras palavras, não ñca muito claro o modelo q1_1e a socionatureza pode

explicar aqui, que a economia política ou o “modelo político-ecológíco” (v1de ca- Recentemente, a análise do discurso surgiu como um método de ínfluência

pftulo 4) não possam. Como Sutton (2004: 74) observa, dos modelos coconstrucio- crescente para analisar a produção, recepção e uso estratégico de textos ambien-

nistas em geral “estas altemativas continuam maís fechadas ao polo construcxonls- tais, imagens e ideias. Apesar de identificada como próxima do construcionismo

ta do que ao realista e não constroem realmente a eficácía do mundo natural na social, a análise do díscurso tem sído praticada com bons resultados por seguido-
vída social”. res de outras “escolas” da teoria e da pesquisa ambíentaL príncípalmeme críticos

teóricos, ecologistas políticos e analistas de políticas intemacionais.

Hajer (1995: 264) deñne discurso como “um conjunto de ídeías, conceitos e'
categorizações que é produzído, reproduzido e transformado numa série particu-
lar de práticas, e através das quais o significado é dado a realidades físicas e so-

ciais”. Ou mais sucimamente, o discurso é uma série ínterligada de “enredos” que

interpretam o mundo ao nosso redor e que se tomam profundamente entranhados


nas instituições sociais, nas pautas e demandas do conhecímento. Estes enredos

têm uma tripla missãoz criar significado para validar a ação, mobilizar a ação e defi-

nir altemativas (GELCICH et a1., 2005: 379).

O discurso é a categoría maís geral da produção linguística e abrange um nú-

mero de outras táücas e métodos incluindo a narrativa (escrita e oral) e a retórica

(víde capítulo 5). Alguns retóricos atraíram a ira de realistas críticos por insistir

que nós só podemos conceber natureza e meio ambiente através da linguagem dis-
cursiva que nós desenvolvemos para falar do mundo naturaL Entretanto, uma vi-

são mais moderada é que o meio ambieme como existe na esfera da política públíca

é o produto do discurso sobre natureza estabelecido por disciplinas ciemíficas tais

como a biologia e a ecologia, agências govemamentaís, lívros campeões de venda

tais como a Primavera silenciosa de Rachel Carson e a mensagem díssemínada por

ativístas ambientais (I:[_IÊB_NDL & BROWÊL 1996: 3).

Analistas do discurso têm sidoviãíhbém criticados por sobreestimarem a ím-

portãncía do discurso nas políticas ambientais e na formulação de políticas. Hajer


' (1995: 6), por exemplo, insiste que os interesses são constituídos primaríamente

através do discurso, incluindo também outras práticas instítucionais e institui~

~ ções. A política do discurso, ele assegura, não é meramente sobre “expressar recur-

so de poder na linguagem, mas é sobre a criação real de estruturas e campos de

ação por significados de enredos, posição e emprego seletivo dos sistemas compre-
vída na terra deve set mantjda porque tem valor imrínseco); a justíça ambiental (os
¡ ensivos do discurso” (p. 275). Lidskog (2001) argumenta que os discursos não são
de maneira nenhuma o único determiname da vida sociaL A dimensão discursiva, problemas ecológícos refletem e são produtos das desígualdades sociais fundamen-
ele ressalta, é “somente uma das muitas dimensões que são relevames à análise so- tais); o ecofeminísmo (o uso abusivo do ecossistema reñete na dominação do macho

ciológica” e, além disso, é problemático reivindicar a análise do discurs_o, por mais e na insensibilidade dos ritmos da natureza); e ecoteologià (os humanos têm a obrí~

útil que ela seja, como constituindo efetivamente um “enfoque geral da sociologia gação de preservar e proteger a natureza, pois ela é uma criação divína). Brulle argu-
ambiental” (p. 124). menta que esta multiplicídade de discursos tem como resultado a fragmentação do

movimento ambíental americano, impedindo-o de se expressar com uma só e unifL

cada voz para a audiêncía nacional inteligente. Seguidores de cada estrutura discur-
Estudando o discurso ambiental
Siva falam dos outros “num processo de incompreensão mútua e suspeição” (p.
Dentro dos estudos ambientais, o discurso tem sido visualizado de díferentes
273). Como faz Schnaiberg e seus correligionários (vide capítulo 2), Brulle conclui
maneiras, indo do “enredo” que fornece um sinal para a ação dentro de práticas
que pode não haver uma açâo ambiental signiflcativa sem uma mudança atruturaL
ínstitucionais (HAJER, 1995), passando por uma “estrutura” de movimento socíal
Isto ñca difícil de ocorrer enquanto os discursos sobre o meío ambíente continuarem
que possibilita as práticas das organizações de movimento ambiental (BRULI.E, a bloquear e a mascarar as origens sociais da degradação ambiemal e proclamar uma

2000), até uma “retórica” ambiental construída em volta de palavras, imagens,


vísão coerente do bem comum ambíentaL '
conceitos e práticas (MYERSON & RYD1N, 1996).
Um terceiro trabalho, que utiliza explicitamente o método tipológico, é o livro
Uma tentaüva básica para organizar a análise do discurso ambiental vem de
deJohn Dryzek (2005), The Politics of the Earthz Environmental Discourses (A polí-
Hemdl e Brown (1996). O “modelo retórico para o discurso ambiental” deles tem a
tica da Terraz discursos ambíentaís). Aqui, Dryzek identifíca quatro principais dis-
forma de três círculos, cada um é localizado nos cantos de um triângulo. No topo
cursosz o da sobrevívência, o da resolução do problema ambiental, o da sustentabí-
do triãngulo está o que eles chamam de discurso regulatórío - dísseminado por ins- lídade e o radícalismo verde. Ele os organíza em duas dimensões: o prosaíco versus
tituições poderosas que decidem e estabelecem políticas ambientais. A natureza o ímaginativo e o reformista versus o radicaL As dimensões prosaícas são aquelas

aqui é tratada como um recurso. No canto direito da base do triãngulo _esLá o dis- que requerem ação, mas nãQ apontam para um novo tipo de sociedade, enquan-
curso científícoz onde a natureza é consíderada como um objeto de conhecimento to que a imaginativa parte de um discurso longo e dominante da procura do indus-

construído via método científíco. Os formuladores de políticas rotinciramente ba- trialismo para dissolver velhos dilemas e refinar a relação entre o econômico e o
seiam suas decisões aqui, confiando em particular nos dados técnicos e testemw ambientaL Cada um deles pode ser ou reformista (ajustando o status quo) ou radí-
nhos de especialistas. Finalxnente, diretamente oposto a isto na base esquerda está cal (requerendo uma total transformação da estrutura político-econômica). De
o discurso poético, que é baseado na narrativa da natureza que enfatiza sua beleza, acordo com esta tipologia, o da resolução do problema ambiental é prosaico/refor-

espirítualidade e poder emocíonaL A literatura da natureza é um exemplo disto. mista; o da sobrevívência é prosaicolradical; o da sustemabilidade é imaginati-
Hemdl c Brown salíemam que estes três discursos ambíentais não são mutuamen- vo/reformista; o do radicalismo verde é imaginatívolradicaL Cada um destes qua~
te exclusivos ou puros, entretanto, e sempre, terminam místurados juntos. Em tais tIo tipos é, por sua vez, subdivídido. A resolução do problema, por exemplo, vem em

casos, o que nós procuramos encontrar são as “tendências dominantes” (p. 12). Lrês formasz o racionalismo administrativo, o pragmatismo democrálíco e o raciona-

Outro esforço direcionado à classiñcação dos discursos ambientais é de Brulle lismo econômico, enquanto a sustentabilidade tem duas formas: o desenvolvímento

(2000), a tipologia das estruturas discursivas adotadas pelo movimento ambiental sustentável e a modemízação ecológíca. Para a maior parte, este exercício Lipológico

americano. Moldado na literatura da ñlosoña ambiental e na sua leítura detalháda da é útil, apesar de que num nível empírico ele requer algum julgamemo discrímina~

históña do ambiemalísmo amerícano, Brulle surgiu com nove distintos discursos o tório por parte do analista sobre o que é imagínativo e radical e o que não é.

manifesto de destíno (a exploração e o desenvolvimemo de recursos naturais dão Há muitos outros lívros e artígos, clar0, que discutem discursos ambientais,

o valor ambíental que estaria faltando); o manejo da vida selvagem (o manejo cientí- mas não propõem típologias. Dois dos mais conhecidos lidam com discursos de

ñco dos ecossistemas pode garantir a estabilidade das populaçôes selvagens rema~ políticas especíñcasz a análise detalhada de Maarten Hajer (l995), da construção
nescentes. disponíveis ao lazer, tais como a caça esportiva); a conservação (os recur- social de um discurso de modemização ecológica sobre chuva ácida na Grã-Bre-

sos naturais devem ser tecnicamente manejados de uma perspecüva utilitária); a tanha e Holanda nos anos de 1980 e 1990; e o discurso da importância da mudança

prescrvação (a vida selvagem deve scr pmtegida da incursão humana porque ela her- intemacional de Karen Litfm (1994), sobre a perda global da camada de ozónio
dou valores espirituais e estéticos); a reforma ambientalista (os eçossistemas devem nos anos de 1980. O artigo de Killingworth e Palmer (1996), sobre o discurso am-

ser protegidos por razóes de saúde humana); a ccología profunda (a diversidade da biental “apocalíptico”, marca uma distância entre o período da publicação da Pri-

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Eu começo com uma descrição do aparecímento do discurso arcddico no inIcio
mavera silenciosa, de Rachel Carson nos anos de 1960, até os novos recentes deba-
do século vínte, o qua1, nos termos de Hemdl e Brown, seria descrito como um
tes sobre o aquecimcnto global e a mudança de clíma.
“díscurso poético“. Ao contrário dos outros três, o discurso arcádico teve seu pon-
Rccentemente Craig Calhoun (2004) identiñcou um discurso sobre “emergên- '_
to alto antes do advento do movímento ambiental modemo no começo dos anos de
cías complexas". Um discurso de emergêncías, afirma Calhoun, é central para casos
1970. Dessa forma, o movimento de proteção à natureza no ñm do século dezeno-
imemacionais e agora é o termo primário para sua referir a um leque de catástrofes,
ve e começo do 'século vinte atuou como a “vanguarda do ambientalismo” (KIL-
conflítos e séries de sofrimento humano. Como tal, serve para organizar uma gama
LINGSWORTH & PALMER, 1996: 43, nona 4) e assím signiñcativamente moldou
de evemos prevísíveis e duradouros em desenvolvimemo gradual e interações den-
percepções e visões contemporâneas.
tro de uma “crise“ que é “repenüna,imprevisívele de curto termo“. Isto se constítui,

diz Calhoun, em “uma formação discursiva que molda a nossa consciência do mun-

do e decísões sobre possíveis imervenções nos problemas sociais" (p. 376). Uma tipologia do discurso ambientalista

O discurso arcádico

Tabela l - Tipologia dos principais discursos ambicntais no século vinle Ao escrever na coluna Comum Acordo, do jomal briránico The Guardian re-

centememe, Robert Macfarlane (2005) ofereceu uma cuidadosa elegía para as pai-
Discurso
sagens maís selvagens das ílhas brítânicas. Todo dia, ele observa, milhões de pes-

Arcadico Ecossistema justiça soas se apercebem com mais profundeza ao se encontrarem com estas paisagens.

Macfarlane sabe disto porque ele colheu testemunhos em forma dc grañte, de relí-
Racional em defesa Natureza sem preço Interferência Todos os cidadãos
quias e mesmo poemas colados nas paredes. Enquanto se distancia daqueles que
do meio ambiente de valor estético e humana nas têm um direito
consíderam paisagens selvagens como “um lugar para o exercício do sentímento
espiritual comunidades básíco de viver e
bióticas perturba o trabalhar num de natureza da classe média”, assim mesmo ele aconselha seus leitores a redesco-

equilíbrio da ambiente saudável brir a tradição da natureza ao escrever o que vier na cabeça sobre meio século atrás.

natureza Isto é vital porque tais paisagens estão desaparecendo rapídameme, no que o ro-

mancistajohn Fowles chamou de a era do “jardím de plástico, da cidade de aço da


Livros icOnicos My First Summer in Sílent spríng Dumpíng ín Dixie
zona rural química”. Ao lamentar a exlínção próxima do remoto e celebrando slzus
the Síma A Sand Country
Almanac prazeres, Macfarlane está evocando o que vem a ser chamado de um “discurso ar-
cádico” (bucólico).
Lugar prímárío Movimento dc volta Ciencia biológica lgrejas negras
incórnodo à natureza V_an Koppen (.1998: 74-75) descreve três deñnições em destaque para o discurso
arcád1co: extemahdade, iconicidade e complementaridade. A externalidade sígníñca
Princípal Preservadores e Ecologia e ética Direitos civis e que a natureza arcádica está construída como alguma coísa extema à sociedade hu-
ambientalismo
alíançalfusão conservacionistas .' mana ou, no mínimo, retirada da vída diária na cidade. A iconicidade sugere que a

ifnagem da natureza na tradição arcádica está modelada nas imagens vísuais estereo-
Construindo neste trabalho anterior, neste capítulo eu ofereço minha própria npadas que se tomam emranhadas na memória culturaL Nos primeíros séculos estas
tipologia (vide tabela 1). Como no caso de Brulle com as nove estruturas discursi-
erafn encontradas nas pinturas de paisagem ínglesas e holandesas, mas hoje elas são
ientaís apresentados aqui (arcádico, ecológico, justiça mals associadas com fotos dos primórdíos dos cenários selvagcns, tais como a Flo-
vas, os trés discursos amb

ambientaD seguem uma ordem cro nológica aproximada à medida que apareceram _ resta Amazônica. E, ñnalmente, a tradição arcádica é entendida melhor dentro do

da história do movimento ambíentaL Ten- _


em proeminência num diferente estágío comexto de sua complementarídade. Isto é, uma combinação da sociedade urbana in-

do em comum com o modelo de Hemdl e Brown uma característica distinta que é o dustríal e do socíal e de todas as doenças ambíentais ligadas a ele.

“motivo” predominante ou “justiñcatíva” para a ação ambiental7. No seu ínstante clássico Landscape and Memory (Memória e paisagem), Simon

Schama (1996) observa que sempre houve dois típos de Arcádiaz uma cheia de lu-

minosidade e lazer bucólico e outra mais escura num lugar de “pânico prímitivo”
7. lsto contmsm corn Dryzek (2005: 10), que deiacu clara sua intenção de “plancjar a esuutura básicn - (p. 517). Enquamo é temador ver estas duas paisagens da imaginação urbana ali-
dos discursos que tem dominado a polmca ambiemal receme" e de “produzír
algo mais do que sim- __
nhadas uma contra a oqua, Schama se refere ao curso da história humana onde
plameme um fato do lmbíemalismo'.

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nham que ser exterminados. O orgulho natural yeio da transformação
elas têm sido, de fato, “mutuamente apoiadas” (p. 525). O mesmo ponto de vista '
do selvagem em cívilização e não de reservá -
la a d f ' '_

tem o historiador ambiental William Cronon (1996) que tem descrito o conceíto
co (NASH, 1977: 15~16). P P mo eS mtePUbh

cemral do “selvagem" como tendo suàs origens em duas grandes fontesz a “doum'-
Na última parte do século dezenove, entretanto, uma visão revisada da nature-
na do sublime”, como expressa seu trabalho sobre os artistas românticos do século

dczenove e escritores tais como Wordworth, Emerson e Thoreau; e a maís recente t za modificada emergiu. Ao invés de uma ameaça, o selvagem era agora visto como

um recurso precioso. Esta visão foi especialmente forte nos Estados Unidos onde
noção de “fronteira” proclamada pelo historiador americano Frederick Jackson 3
Tumer. A convergência destes dois elementos discursivos foi combinada e acelera- a fronteira estava para fechar. Nas porções orientais do país, paisagens naturzczis fo-

da no movimento “Back to Nature" (de volta à natureza), no fim do século dezeno- ram rapidamente desaparecendo com o crescímento urbano. A expansão urbana

ve e começo do vínte, dessa forma “fechando o selvagem numa caixa de valores por seu lado, parecia produzír barulho demais, poluição, multidões e problemasi

morais e símbolos culturais que se perpetuaram até os dias de hoje” (HANNIGAN, socíais. Neste contexto, os cenáríos naturais não estragados tomaram um sígnifica-

2002: 315). do especíal; ísto é, o estresse vivído na cídade críou uma onda crescente de nostal-

gia entre as classes médias urbanas para os prazeres da vida do campo e a vívência
ao ar 1ivre.
O selvagem como uma ínvenção discursíva: o movímento “Back to Nature” na
Schmítt (1990) identíficou o moviniento de “volta à natureza” que floresceu
América do começo do século vínte
nos Estados Unidos na vírada do século pouco tempo depois da Primeira Grande
À medida que a Europa e a América se tomavam cada vez mais urbanizadas ao
Guerra. Este movimento do “culto ao selvagem” (NASH, 1967) Cobriu um leque
fim do século dezenove, as visões em relação à natureza começaram a sofrer uma
amplo de ativídades, incluíndo acampamentos de verão, romances sobre o selva-
grande transformaçã0. Em particular o conceito de “natureza selvagem”, como
gem, clubes de campo, fotografía de vída selvagem, hotéis-fazenda paísagem de
uma ameaça ao assentamento humana que há muito havía predominado, deu lu- _.
parques públicos e os escoteíros. Mesmo não sendo o único fator, es,te sentimento
gar a uma nova e intensamente romãntica imagem na qual a experiência selvagem de amor à natureza foi marcante na críação do sístema de parques naturaís. No
era celebrada.
processo, a natureza selvagem era transformada de um incômodo para um valor
A imagem tradicíonal da natureza e de seus habitantes como ameaçadora é reHe- sagrado. Como o Ecologícal Socíety of Ameríca's Committee (Comítê da Socieda-
tída na maior parte da nossa líteratura “mítica” do passado e do presente. Por exem- de Ecológíca da América) escreveu sobre as Preservatíon of Natural Conditions

plo, lobos têm um papel central nos contos de fada, tais como Chapeuzinho Vermelho (Condiçõe§ de preservação do naturaD no Naturalisfs Guide to the Ameñcas (Guia
Ílaz bããittíãlàsêâzpãlrã ;:a::1:::a5) çÍHELFORD,.1.9.26),_o selvagem, como as Hores-
e Pedro c o Lobo e mais recentemente no ñlme de Disney da versão da Bela e a Fera,

fazendo da mata um lugar perigoso para as crianças andarem sozinhas. De maneira , pec1 ho à nossa c1v1hzaçao; agora deve ser mantído a

similar, os leitores são aconselhados a ñcarem longe da ñoresta à noite para evitar es- _ um custo alto porque a sociedade não pode víver sem ele (SCHMITT, 1990z 174).

pectros, taís como o da mula sem cabeça e outras lendas. A civílízação é retratada '. Fica bem claro a partir de Schmitt e de outras considerações que este movi-

aqui como uma conversão das paisagens naturais não adestradas, em um cenário
mepto de retomo à natureza e o “mito arcádic0”, o qual foí promulgado por ele foi
pastoril mais reñnado. Nota-se, por exemplo, o contraste de Tolkien em O senhor dos socxalmente construída Mesmo lendo seus seguídores motivos misturados êles

anéis, entre os gentis e civilízados hobbíts, nos seus assentamentos de paisagens arre- _:'
eírxlgeral compartilharam uma crença que um retomo à natureza representaváuma
dondadas e o mundo selvagem e escuro da íloresta e montanhas dos habitantes das ', sene fnais íntegra de valores do que aqueles encontrados no meío ambiente cor-

árvores andantes, dos orcs e outras criaturas ameaçadoras. _ rompldo da cidade. Argumentos sobre a virtude da natureza foram levantados em
Esta atitude desfavorável em relação à natureza não controlada foi especial-
cafia uma das instituições mais respeitadas. Lideranças da educação americana
mente aumentada durantc o assentamento da fronteira americanaz tals como G. Stanley Hall, Francis Parker e Clifton Hodge, encorajaram ativamenté

0 estudo da natureza nas escolas como um modo de contra-atacar autoridades ur-


O país selvagem era o ínimigo. O pioneiro via como sua míssão a des-

truíção do selvagem Proteger a natureza pelo seu cenário e valor re- banas e construtores. Educadores religiosos convenceram os americanos que eles

creativo era a última coísa que os desbravadores desejavam. O proble-.' poderiam encontrar valores cristãos ao ar livre, promovendo uma forma de cris~
ma era natureza primáría demais ao invés de muito pouco. A terra sel- tandade pastoral de várias maneirasz sermões da natureza, acampamentos da Igreja

vagem tínha que ser combatida como um obstáculo físico de confron- f ao ar lívre, patrocínio de tropas de escoteiros e assim por diante._]omalistas da na-

to e mesmo pela sobrevivencia. O território tinha que ser “limpo” das_ '-
tureza publicaram um fluido constante de crenças tradicionais da natureza, en-
árvores. Os índios tinham que ser removidos; os animais selvagens ti-'

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mático da proteção do selvagem que ñnanciou a primeíra campanha ambiental em
saios, cartazes e comos líterários (exemplo: Call of the Wild (O chamado do selva-
nível nac10nal durante a controvérsia Hetch-Hetchy°.
gem) dejack London), celebrando a atração da nature2a. O argumento para a pre-
servação do selvagem foi levado em frente por um grupo de novas organizações de Popularizadores taís como Homaday e Muir, como também outros fonnado-
conservação, indo do Sierra Club (fundado em 1892), até a Wildemess Society Í res de opinião, dentro do amplo movímento de volta à natureza, tinham enorme

(fundada em 1935). Este sentímento preservador foi especialmente forte entre os Í sucesso em conseguir a atenção da mídia. Nessa era das revistas, ensaios sobre o

observadores de pássaros e os ornitologistas que participaram de uma séñe de cru- estudo da natureza e cartazes de aventura eram frequememente destacados nas re-
zadas por mais de cinquenta anos na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos para pro- '_ vistas Outlook, The Atlantíc Monthly, Forest and Stream, Saturdáy Revíew National

teger os pássaros selvagens dos caçadores, ladrões, traficames de penas e outros Geographic e outros periódicos populares. Além disso, várias campanhas ,iniciaram
inimigos (vide Doughty). suas próprias publicações, algumas das quais desenvolveram um grande número

O movimento de volta à natureza ganhou um número proeminente de patrocí- ' de leitores. Por exemplo, o movímento de preservação aos pássaros produziu Bírd

nadores políticos e instítucionaís. Nenhum foi mais importame do que Teddy Roo- Love, Audubon Magazine e outros periódicos similares. Boy's Life, uma revista em

sevelt, o qual como govemador de Nova York, e então como presidente, tomou-se " quadrinhos que capítalízava a crescente popularidade dos escoteiros, vendeu um
total cumulativo de quarenta e um milhões de exemplares de 1916 a 1937 (SCH-
um leal defensor da preservação da vida selvagem. Um outro importante apoio foi o y

de David Starrjordan, o primeiro presidente da Universidade de Stanford, do qual a H MITT, 1990: 1 11). Uma campanha ambientaL a cruzada para salvar as Cataratas do

voz em apoio ao estudo da natureza deu ao movimento credibilidade e prestígio


Niágara (1906-1910), foi fínanciada pximaríamente nas páginas das revístas popula-
res americanas, notadamente a Ladíe's HomejoumaL resultando em mais de 6500
(LUTTS, 1990: 28). Importantes figuras no movimemo originaram-se de institui-
cartas escritas em apoio à preservação das cataratas (CYLKE, 1993: 22).
ções públícasz o Museu Americano de História Natura1, o Smithsonian, a Insütuição
O movimento de volta à natureza usou uma fonte profunda de semimentos de
Camegíe e a Sociedade do Zoológico de Nova York, para as quais eles eram capazes
de levantar recursos consideráveis - dinheiro, publícidade, prestígío - para as ativi- : existência cultural e por sua vez criou um número de símbolos e ícones idenüfícá-

dades de preservaçâo e outras atívidades em nome da natureza. veís' prontamentez as árvores da Mata Vermelha na Califómía, o Grand Canyon, o

Old Faithful geyser no Parque Nacional de Yellowstone, o cavalo Black Beautym e


Foi também destas instítuições que se originaram muitos dos importantes po-
mesmo Smokey, o urso. Alguns destes eram reats, outros críações ficcionais. Apesar
pularizadores da proteção da natureza. Por exemplo, o movimento para salvar a
distoI como observa Schmitt (1990: l75), “aqueles que negociavam em símbolos e
mata vermelha tinha várías lideranças ciemífícas popularizadoras da época: Madi- ¡_
mítos encontraram no selvagem uma força maíor para moldar o caráter americano”.
son Grant°, um advogado e escritor de Nova York; Edward E. Ayer, díretor do Mu- 4'

seu de Históría Indígena de Chicago; Gilbert Grosvenor, fundador da Natíonal Geo- .'

graphic Society (Sociedade Nacional Geográñca); e Fairfield Osbom, uma impor-' ' Discurso do ecossistema

tante ñgura no crõcimemo do Museu de Hjstóña Natural de Nova York (SCHREPFER, Um segundo discurso importante que tem moldado poderosamente, como nós

1983: 41). Talvez o mais alto perfil de popularizador (junto a Teddy Roosevelt) foi consxderamos a natureza e o meío ambiente, é aquele centrado nas noções de “eco-
Wílliam T. Homaday, por muitos anos díretor da Sociedade do Zoológico de Nova '
logia” e “ecossístema”. Referindo-se à terminologia de Hemdl e Brown (1996), nós
York (Bronx Zoo), o qual foi uma grande força fazendo lobby no congresso para re-~ _'
poderíamos dlzer que a tendência dominante aqui é o “díscurso científico“, apesar
gular as leis de caça.]ohn Muir, o fundador do Sierra Club, foi um promotor caris-

9. Enf ?.9 de dezembro de 1913. o presídeme americano Woodrow Wilson assinou a legislação que

pemluuu a construção de uma represa no Vale Hetch Hetchy do Parque Nacíonal Yosemite na Cali-
8. Gram é uma das figuras mais controvertidas do princípío do movímemo de proteção do selvagem -
fórm_a. A represa e o reservatórío que a acompanhava permitíam que a água do Río Tuolumne fosse
Um advogado da classe alta com ligações próximas a muilas ñguras da clite do negócio e da política. deswada para Sâo Francisco_ suprindo a necessidade da cídade de água potável e energia hidroclétrl-
incluindo Teddy Roosevclt, elc foi uma outras coísas 0 fundador da Liga para Salvar a Mam ca.0 projeto sofreu forle oposição, mas scm sucesso, porJohn Muir e o Síerra Club, com base que

1ha, da Socíedade do Zoológíco de Nova York e do Boone and Crocket Club. Ao msmo tempo. ele _ dcstruiria a beleza natural do vale e o habitat natural da vida selvagem. Cf. Magíll 1995: 106-109.
tem sido chamado pelo hiswriador John Higham (1963) “ímelectualmente o mais imponante nati- _ ' 10. O livro Black Beauty de Anna Sewell foi origínalmente publicado na Inglatcrra em 1877, onde ele

vista na história reccme amcrlcana”. 0 livro de Grant, Thc Passíng of the Great Racc (l921) (A morte
Vendeu mais do que 90.000 cópías. Foí reeditado pela Amexícan Humane Education Socíety (Socie-
da grande raça). foi por um tcmpo uma cxposição popular dc vendas sobre o princípio da eugenia. :

apesar de ter sido menos bem-succdido nas impressOes subsequemes. A preocupação de Gtam com o =
dade. Amcrícana de Educação Humana) em 1890. Mesmo sendo dcsenhado para aumemar o apoio ao
uma da eugenia e exclusão racial foi comparlilhada por um númcro de ou tras lideranças protecionis-
moynmento para o bem-estar animal, o livro também ajudou a cstabelecer um clima de patrocínio
num amplo para a comervação da vida selvagem (LUTTS, 1990z 22-23).
m do selvagem da époa. incluíndo Willlam Homaday, Fairñeld Osborn e Vemon Kellogg.

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te. Ao ínvés dísso, pensava-se que os humanos tinham o poder ativo de engendrar
de que, como vamos ver, nos anos de 1970 isto se fundiu com uma pressão norma-
o progresso; por exemplo, lutando para salvaro selvagem. Ao mesmo tempo, os
tiva dentro do movimento ambiental emergente.
como pe_dra fun- humano_s eram considerados como o produto maior da evolução direta - uma rea-
A ecología tem uma longa história antes de sua ascendência
77: xiv) observa lização possível graças à ínovação lecnológica. Não é difícil de ver como este pen-
damental do movimento ambiental contemporâneo. Worster (19
samento levou a um otimísmo sem igual em relação à ciência e à tecnología e a uma
que o termo ecologia náo aparece até a última parte do século dezenove e levóu séria relutância 'em questionar a marcha organizada do progresso índqstríaL
quase outros cem anos para se tomar uma palavra famosa, a ideia de ecologia é
De acordo com isto, não era de se esperar que a ecología tivesse um forte apelo
muito maís velha do que o nome. O termo foí oñcialmente usado em 1866, sob o
para os preservadores que estavam no centto cíentíñco do movimento de volta à
nome Oecologie, por EmsLHaeckeL o principal discípulo alemão de Darwin. O ter-
natureza. Eles não só tínham uma fé cega que a tecnología resolvería qualquer pro-
mo ecologia para Haeckel sígniñcava “a ciência das relações uma os organismos e
blema de recursos finítos, como eles consíderavam as habilidades dos humanos de
seus ambientes".
lídar com díficuldades, como uma vocação írrevogável dentro do desenho evolucio-
O desenvolvímento completo da ecologia de plantas deve-se mais, entretanto,
nário da própüa natureza.
aos geógrafos de planta, especialmente ao acadêmíco dinamarquês Eugenius War-
Mesmo assim, lá pelos anos de 1920 a ecologia bíológíca foi tomando pé. Duas
ming, que publicou seu trabalho clássico Plantsomfund (A ecologia das plantas) em
atu- ." das maiores ñguras no seu desenvolvimento foram Frederic Clemems e Arthur
1895. A tese central de Warming era de que plantas e animais em cenários n
Tansley, que desenvolveram distintamente no século vinte um braço da biolo ia
rais, tais como um bosque ou uma floresta densa, formam uma comunidade ligada
chamado “ecología dinâmíca da planta” ou “ecologia do ecossistema”. g
e entrelaçada na qual a mudança num certo ponto vai trazer na sua influêncía mu-

Clements, um cientista de Nebraska que passou a maíor parte da sua carreira


danças de outros pontos (WOR5TER, 1977: 199). Esta é, claro, a mensagem cen-
como associado de pesquisa da Instítuição Carnegie de Washington é mais conhe-
tral da ídeia ecológica contemporânea.
cído pelo seu estudo de sucessão ecológica. Ele vísualizou o proccs'so de sucessão
BramWell (1989: 4) tinha como hipótese que duas correntes da ecologia emer-

giram deste período. Uma foí um enfoque antimecanicista, holístico para biologíà
indlo de uma comunidade ecológica embrionáña para uma “comunidade clímax”
mals ou menos permanente, que estava em equilíbrio com seu ambíente físicoy

que derivou de Haeckel e dos geógrafos de planta; a outra foi um enfoque nove
Uma vez formada, era dífícíl para uma planta ínvasora em potencíal competír corxi
ue focava em recursos escassos e não renováveis.
para a economia de energia, q
Bramwell argumenta que, quando estas duas correntes fínalmente se fundiram nos stícesso com espécies estabelecidas dentro da comunidade clímax. No entanto um
numero de fatores ambientais extemos - fogo na floresta, desmatamento, erosíão -
anos de 1970, a era modema da ecologia nasceu.

Se Bramwell está correto, por que esta fusão não acontece mais cedo, especial- fâgãeâçãgar ou deátruír o clímax e forçar a sucessão a começar novameme (HAGEN
meme como parte do movímento de volm à natureza no começo do século vinte?

Uma resposta para isto é dada pela historiadora ambiental Susan Schrepfer, a
pnmldo o termo “ecossistema" em meados dos anos de 1930. Ele se opôs forte-
. Tansley, um ecologista de planta brítãnico, é geralmente credítado por ter ím-

'odo a maioria dos cientistas naturais estava _


qual demonstra que durante este pen meme ao uso da palavra “comunidade”, de Clements, para descrever o relaciona-

cega em relação às implicações mais ímportantes do pensamento ecológico por cau- mento das plantas e anímais dentro de um certo local, afírmando que era um termo
olução direta, especialmçme a
sa de um comprometimento com várias teorias da ev

orthogenesis. De acordo com este paradígma, a mudança genétíca não foi ncm por geslocado porque sugería erroneamente a existêncía de uma ordem social (WORS-
ER, 1977: 301_). No seu lugar ele apareceu com o conceito de “ecossistema” o
de influência do meio ambientc. Ao contráño, seguíu um pro- _ ;
acaso, nem teve gran
q_ual ele descreVIa em termos de intercâmbío de energia e nutrientes dentro de 1;m
gresso ordenado. Não era sabido no que se constituía a força prímária atrás desta SIStema naturaL Catton chama de ecossistema, o conceito mais central e íncisivo

orthogenesis ou “evolução em linha díreta”; uma explicação popular foi que sua , j na fundação da ecologia modema, especialmente no entendimemo oríginal do ter-

possivelmente hormonaL uma outra era que fazia parte de um “desenho cósmico”. '_ mo de Tansl ~ - ~ u . _

A maíoría dos principais cientistas empreendedores do movímento de volta à ' za” (1994: BÍÉ que SIgmflcava umficar nossas percepções de umdades da nature-

natureza - Henry Fairfield Osbom,]ohn Merriam,Joseph Le Conte - acreditavam =

nesta evolução direcionada. Como Schrepfer alertou, os cientistas que lideraram o a°udTãmle›fl' era eclét1c9 nos seus imeresses e amizades, tendo, entre outras coisas,
movimento pelo selvagem nos anos de 1890 até os anos de 1930 rejeitaram muitq í é ha o.o llósqfo soFlal Herbert Spencer a revísar seu lívro Principles of Biology
do conteúdo do darwinismo social em favor de uma reforma darwínista que ensi-'.' mãmcíâvuÊ
pe o
da bxolog1a), e perseguiu um ínteresse em psicoanálise, ao estudar por
o com Freud e escrever um hvro popular sobre psicologia freudiana
nasse que o poder de raciocínio humana nos liberava da sobrevivência do mais for- .'-

71
No começo dos anos de 1970, a ecologia se tomou o marco fundamemal tcóri-

(HAGEN, 1992: 80). Ele também foi um líder empreendedor cientíñco que teve co da nova e rapidamente difundída preocupação com o meio ambiente. Os ecolo-

um papel instrumental ao estabelecer a British Ecological Society (Sociedade Eco-


gistas começaram a sair do seu papel de cientistas para se tornarem grandes cola-
lógica Britânica), em 1913, e serviu por vínte anos como editor do joumal of Eco- boradores do debate ambientaL Muitos termos novos foram adícionados à língua
logy Gomal de Ecologia) da sociedade. inglesa; por exemplo, ecopolítica. ecocatástrofe, ecoconscíêncía (WOR5TER, 1977:
McIntosh (1985) considerou os pontos de vista de Clements, Tansley e outros 341). Uma revista inglesa, The Ecologíst (O Ecologísta), se tomou um centro de
cientistas ecologistas dessa era como sendo de alguma forma ambivalente com re- gravidade para ambientalistas de esquerda sob a liderança de Edward Goldsnúth.
lação à sociedade humana. Por um lado havia um conhecimemo que a eçología ti- Ironicamente tudo isto ocorreu no meio de uma profunda cisão intelectual dentro

nha muito a contríbuír com a compreensão dos problemas humanos. Clemems do campo da biológia ecológíca, entre ecologia do ecossistemau e ecolpgía evolu-

(1905: 16) observou que a sociología é “a ecologia de uma espécie de animal em cíonáría, sobre o conceito de “seleção de grupo”, uma forma de autorregulação que

particular e tem por consequência uma associação simílar aproximada com a eco- naturalmente verifica o crescimento populacionaL

logia das plantas". Tansley (1939), no seu segundo mandato presídencial na Socíe- ' Há diversos fatores importantcs que explicam a centralidade da ecología do
dade Ecológica Britânica, antecipou a aceinação de um ecossistema amplo “deri-
ecossistema no surgímento do ambientalismo nos anos de 1970.
vando da imerdependência” e añrmou que as comunidades humanas “só podem
Primeiramente, a linguagem e a lógica da ecologia estavam ligadas à crescente
ser ínteligentemente estudadas nos seus cenários ambíentais própríos". O que foi
preocupação com a poeíra radíoativa, contaminação por pestícida, superpopula-
provavelmente um exagero añrmar isto,já que uma parte daquela ecologia foi uma
ção, poluição urbana e coisas parecidas para produzir o que parecia ser a teoria ci-
arma cientiñca do movimento de conservação (McINTOSH. 19852 297-299). Ape- ~'
entíñca ínclusíva dos problemas ambientais. Rubin (1994›) argumentou que a for-
sar disso, muitos ecologistas foram individualmente ativos em causas de conserva- -.
ça instrumental para efetivar esta transformação foi um pequeno grupo de escrito~
ção. O próprío Tansley contribuiu com a campanha para criar reservas naturais, e,
res íníluentes e pensadores - Rachel Carson, Barry Commoner, Paul Ehrlich, Gar-
mais tarde (1949), serviu como primeíro diretor do British Nature Conservancy ›
rett Hardin - que funcionaram como popularizadores científícos. Carson, em seu
(Conservação da Natureza Britãnica). Nos anos de 1940 ele liderou esforços (a .Z
livro Sílent Spring (Primavera sílenciosa), trouxe os conceitos de ecologia, cadeia
maioria sem sucesso) entre os ecologistas para estabelecer lígações de pesquisa
alímeman a “teia da vida” e o “equilíbrio da natureza” para o vocabulário popular
com as quatro sociedades florestais britânícas com basc nos planos do pós-guerra
pela prímeira vez. Usando a ecologia como suporte explicativo, ela simplifíca uma
para plamações gigantes de novas florestas, que resultariam na fertilidade do solo, ._ variedade de relações problemáticas demro de uma “crise ambiemal" (RUBIN
como também introduziria um destaque diferente na estética da paísagem rural _.'
19942 45). Commoner (1971) sistematízou as observações de Carson com suag
(BOCKING, 1993: 92-93).
quatro leis da ecologia: “tudo é conectado a tudo”; “tudo deve ir a algum lugar"' “a
Ao mesmo tempo, os ecologistas e suas sociedades ficaram de alguma forma natureza sabe mals
- ”_“

, não existe “boca livre“. Estas leis devem ter simplificado


1

em

nervosos em se tomarem muito envolvidos em política e problemas sociais, rece- demasía a ecologia do ecossistema, mas elas tiveram um poder retórico enorme.
ando por sua credibilídade científica. Tanto a sociedade ecológica brítâníca como a Da mesma forma, a metáfora da “tragédia dos comuns” de Garrett Hardin (1978)

americana foram relutantes ao se engajarem para defender publicameme posições encontrou uma grande audiêncía demro e fora do mundo acadêmico.

particulares ou fazcr lobby político (MclNTOSH, 198S: 308). Qualquer síntese da ;: Em segundo lugar, a fusão de ecologia e ética proposta na “ética da terra" de
ecología animal e de planta com a ecologia humana foi desencorajada, a partir do Aldo Leopold foi destaque proeminente. A ética da terra foi primeiramente procla-
insuccsso da Escola de Chicago nos anos de 1920 e 1930, em conceituar adequada-
mada em seu livro A Sand County Almanac, publicado postumamente em 1949 Ele
meme o campo".
estendeu os direitos de ética ao mundo naturaL o qual ele considerou como ílma

comunidade e não Como uma commodity. Nos anos de 1950, o trabalho de Leopold

11.Nos anos de 1930. dcvido principalmeme aos esforços de Charles Adams, diretor do Museu do 12. Kwa (1993: 248) dam o início da “ecologia do ecossistema" em 1953, quando Eugene Odum um
Estado de Nova York. e de Paul Sears, um ccologista de plancas.- a Sociedade Ecológica Americana zoologista da Universidade da Geórgia, publícou um uma de muila inñuéncia, Fundamentals ofÊcm
temou juntar clemistas socials e ecologístas num fórum comum, especialmeme num simpósio em- Íogy (Fundamentos da ecologia). Logo depois Odum começou uma série de estudos radioecológícos
parceria com a Associaçáo Amerlcana pclo Avanço da Clencia imltulado “Sobre a relação da ecologia sob o Palrocínio da Atomic Energy Commision (AEC) (Comissão de Energia Alómica) para determil

para o bem~estar humana - a shuação humana”. Infehzmeme, duas das llderanças teóricas da Escola ~.' nar o lmpacto no meío ambleme de uma nova usina atômica de armas nucleares que estava para ser

de Chlcago. Emest Burgess c Rodcrick McKenzie. não puderam participar, deixando August HoL ,-: construída no Rio Savannah na Carolina do Su1.
lingshcad numa úníco represemante da sociologla (C1TTADINO, 1993).

73
de polítícas públicas. The Ecological Society of America (ESA) (A Sociedade
ções
tinha poucos seguidores nos círculos de conservação, porém comprometídos, mas
Ecológíca da América), a sociedade primária de cientistas proñssionaís para ecolo-
só se tomou amplamente conhecido depoís de reimpresso em 1968. Porém, o
giStas nos Estados Unidos, tentou Iidar com estas pressões tmbalhando vários pro-
ecossistema tinha sido previamente uma construção teórica, apesar de bem dinâ-
gramas e íníciaüvas desenhados para colher os beneficios do engajamento público
mica, e agora estava impregnada de signiñcados morais. A interferência humana
enquanto afirma a neutralidade da disciplina. Por exemplo, em 1979, tendo mu-
nas comunidades bióticas não só tínha efeitos particulares, por exemplo, forçando
cluído que a credibilidade da ecologia estava sendo afetada por falsos cientístas se
uma nova rodada de sucessão como Clements tínha sugerido, mas também foi de-
passando por ecologistas, a ESA estabeleceu um programa de certiñcação voluntá-
ñnida como sendo a coisa çrrada a se fazer. Esta ídeia se tomou especialmente sig-
ria desenhado para capacitar os ecologistas a participarem de debates públícos so-
niñcativa com o surgimento da “ecologia profunda” nos anos de 1980.
bre problemas ambientais enquanto protegía a autonomía e expertíse única da eco-
E fmalmeme, como MacDonald (1991: 89) observou, ao eleger a ecologia ci-
logia como um todo (p. 882'883).
entíñca, o movímento ambiental se fortaleceu consíderavelmente por duas razões. Recentemente o sígnificado de ecología passou uma vez mais por uma outra
Primeirameme, apesar do fato de que a ecologia do ecossistema fosse considerada
reconstruçãta Ativistas de raiz, taís como aqueles encontrados no Movímento
de alguma forma uma disciplina “suave” dentro das ciências naturais, mesmo as-
Chipko na India e no Movímento do Cínturão Verde no Quênia, propuseram uma
sim permitiu aos ambíentalistas de usar a autoridade da cíência para suas campa-
nova perspectíva alternativa ecológica na qual a compreensão sobre interações
nhas. Segundo, por causa de sua perspectíva holística, a ecologia atraiu uma varie-
dentro do eçossistema é alcançada pelo método do conhecímento popular tradi-
dade de “seguidores”, tais como devotos da conscíência expandida, o zen budísmo
cional ao invés da observação científica. Este típo de conhecimento indígena está
e a alimentação orgânica que provavelmente tinham pouco interesse nas causas
entranhado em práücas que preservam o meio ambíente por muito tempo. 1nfeliz-
verdes.]unto com os cientistas ecologistas, estes novatos criaram uma política
mente, o conhecimento ecológíco local tem sido suprimido pelo julgamento do
mista potente. Nos últimos anos esta aliança não tem sído fácíL mas no começo
desenvolvimento econômico globaL o qual força o pobre a sair de suas terras an-
dos anos de 1970 trouxe a ideía de uma “línha ecológica" dentro das correntes mais
cestrais e priva-o de oportunidades para seguír ráticas sustent' ' LA
fortes de cultura popular altemativa, onde os jomalistas constantemente buscavam
DAUVERGNE, 2005: 109). p avels (C PP &
encontrar o surgímento de novas tendências.
Este sístema de conhecímento altemativo produz movímemos de cidadanía
A ecologia então foi transformada de um modelo científico para estudar plan- '
com “as fçrramentas epistemológicas para a reconstrução da cíência neopositivísta e
. . . . . - IJ

tas e comumdades de amma15, para uma espéc1e de “arma orgamzacwnaF , a qual


para um enfoque altematívo de manejo global de independêncía ecológíca” (BREY-
podia ser usada para sístematizar, expandir e revigorar moralmente o ambientaL
Durante o processo ela adquiriu uma nova texturaz mais política, mais universal e
MfXNj 19932 137). Neste contexto, a ecologia se torna em parte mítológica, em parte
mais “subversiva" (SEARS, 1964;SHEPARD, 1969). Enquanto alguns ecologistas L
c1Ienc1a popularz um ponto de apoio para a oposição a este tipo de díplomacia am-
b1enta1 que. predominou na Conferêncía do Río deJaneiro. Como tal, ela represema
científicos reagiram negatívamente a esta reconstituíção do conceito, outros a apoia-
uma nova mterpretação social de um conceito de 130 anos, mesmo se ele é irrcco-

ram, argumemando que a “crise ambiental” demandava um nove senso de ativis- :_ nhecível para HaeckeL Warming e outros pioneiros da ecologia cíentífica.
mo social por parte dos pesquisadores da biologiaL Estes últimos se tornaram in- -'

fluentes, apresentando uma visão polítízada na qual os limites uma natureza e so- '=
ciedade estavam deliberadamente ofuscados. Discurso de justiça ambiental

Kinchy e Kleinman (2003) perceberam a exístência de duas tendências discur-. 3


sivas competidoras dentro da ecologia ciemíüca comemporânea - a pureza e a uti- d No§ anos de 1989 uma nova séríe de “formações discursivas” surgiu nos Esta-
Ps âdeog que se d1ferenc1ava dramaticamente das anteriores na sua interpreta-
lidade. Por um lado, argumenta-se que a ecologia é uma ciência objetiva, semjuízo çao os problemas amblentais e das prioridades. A justiça ambiental emão, obser-

de valor, com legitímidade cíentífica. Ao mesmo tempo muitos ecologistas acadé- › va Dorceta Taylor (2000: 508, 566), emergiu como uma parte importante do dis-

mícos demonstram explicitamente a utilidade da disciplina na arena de formula- " curso amb_íental; em pouco tempo tinha “alterado a natureza do discurso ambien-

tal e desaflou a hegemonia do NEP”.

13. O termo "arma organizacionaP foi primeiramenteínttoduzido no cstudo clássico de Philip Selz- '› .A justiça ambiental se baseía em uma série de argumentos concementes a mu-
níck (1960) do Partido Comunista Americano. Eyemlan eJamison (1989) usaram o conceito para
tammação tóxíca em termos de “direitos civís" daqueles afetados mais do ue em

descrever o uso do Greenpeace dc ações exuberantes e às vczes ilegais na captura da mídia para pres- -_. termos de “díreito da natureza” (NASH, 1989). Capek (1993) ídentíficaqquatro

sionar govemos e cmprsaL As organizaçóes são armas cm tais casos. quando elas agcm de uma ma- -'
componentes importantes na estrutura desta justiça ambiental: o direito de obter
nclra que e considerada inaceitável pela comunídade.
Para os fazendeiros migrantes na Califómia, a explosão do uso de esti 'd d
informação sobre uma determinada situação; o direito a uma audiência séria quan-
rante as décadas de 1950 e 1960 críou um número de problemas ¡1›.lac§)01:m:1:1 a 11-
do as reclamações de contaminação sim feitas; o direito de compensação daqueles
a saúde. Nas suas campanhas bem-sucedidas pelos díreitos dos tralbalhadorefílfllelxsl
que poluíram uma localidade em particular; e 0 direito de participação democráti-
durante aqueles anos, o United Farm Workers (UFVV) (sindicato dos trabalhado-
ca em decidir o futuro da comunidade contaminada. Cada um destes componentes
res rurais), sob a liderança do carismátíco César Chavez, tentou agressivameme
represema um argumento específico que tem sido retoricamente formatado em
perseguir o problema do pestícida, iniciando uma ação judicíal para obter ínfor~
linguagem “apropriada” (IBARRA &: KITSUSE, 1993).
mação sobre os ingredientes químicos e banir pesticidas específícos incluindo
Enquamo o conceito de ecologia foi utilizado nos anos de 1970 para juntar os DDT, pressíonando para ter as cláusulas sobre saúde e segurança relacionadas aos
problemas emergemes sobre poluição tóxica, com uma preocupação ética pela na-
peSticidas incorporadas nos contratos dos agñcultores do UFW15. Fora alguma as-
tureza, o ambientalismo nos anos de 1980 e 1990 sofreu uma outra transfonnação,
sistência limitada do Environmemal Defense Fundo (Fundo de Defesa AmbientaD
na qual o discurso central era a “justiça ambiental”. Esta mudança ocorreu prima-
a príncípal corrente do movimento ambíemal em geral evitou a questâo da exposi:
riameme no nível do ambientalísmo de raiz, doméstico e no Terceiro Mundo.
çáo humana por pesticidas, se concentrando prímariamente no impacto dos pesti-
Enquanto algumas figuras ímportantes no movimento quiseram remover toLal- cidas na vida selvagem, como fez Rachel Carson.
mente o termo ambiental", outros estruturaram seus argumentos de justiça e aqui-
Durante a década de 1960 a exposição de críanças à tima tóxica de chumbo,
dade demro do contexto de um movimemo ambientaL Os ativistas da justiça am-
usada nos brmquedos, tomou-se uma questão local sígnifícame em muítas comu~
biental não abandonaram totalmente o legado das duas décadas prévias: a críüca
nidades de períferia dos EsLados Unidos. Em 1970, Gottlieb (1993: 247) observa
indusuíaLecológica de Commoner, por exemplo, tem sido uma referência teórica
que muitos grupos das comunidades de periferia e coalizões estavam organizados
para esta explicação altemativa das origens da crise ambientaL Ao mesmo tempo,
para lidar com as questões da tinta de chumbo, primaríamente nas cidades da Cos-
as preocupações sobre a conservação de recursos, a preservação do selvagem e a di-
la Leste Lais como Rochester, Washington, Nova York e Baltimore. Ajudados por
mínuição da poluição dão lugar a problemas, tais como a distríbuição e o desenvol- '-
novos grupos de inspiração esquerdista, grupos tais como o Medical Commíttee
vimento desiguais de recursos e a segurança da minoria dos trabalhadores.
for Human Rights (Comitê Médico de Direitos Humanos), 0 movimemo da tínta
Na introdução de um suplemento especíal do jornal Qualitatíve Socíology, so- de chumbo atingiu visibilídade signifícante local e nacionalmente. A esta altura

bre o tópico de equídade socíal e ativismo ambientaL Alan Schnaiberg (1993: 203) entretanto, a ênfase mudou para os níveís de chumbo no ar, especíalmente comá

se arrepende do insucesso da socíologia ambiemal em considerar a iníquídade so-


resulta_do das emissões de petróleo com chumbo (gasolína). Os grupos ambiemais
ciaL Em 1973 Schnaiberg escreveu sobre a necessidade política de íncorporar ele- das pnncipais correntes, taís como o Natural Resources Defense Council (Conse-

mentos de justiça social nas propostas de ação ambientaL mas a mensagem não foi «" lho de Defesa dos Recursos Naturais) e o Environmemal Defense Fund (Fundo de

ouvida. Isto pode, em parte refletir as falhas no campo, como Schnaiberg sugere, Defesa Ambiemal), que tínham prevíamente evitado o envolvímento com esta

mas é Lambém um reflexo do que estava acontecendo dentro do próprio movimen- questão, colocaram uma prioridade em reformar o Clean Air Act (Ato do Ar Lim-
to ambientaL po), eventualmente tentando abolir a venda de petróleo com chumbo. A questão
Nos Estados Unidos e na Grã-Bretanha, a príncipal correme do movimento da_tima com chumbo não reapareceu até o fim da década de 1980 e até então os
ambiental foi (e contínua a ser) dominada por uma série relativamente estreita de “ pnmeiros reclamames foram originários de grupos ambientais altemativos dentro
do movímento de justiça social.
problemas, por exemplo, planejamento rural e preservação da vida selvagem. Estes
sim tidos como reflexo dos associados da classe médía branca nas principais orga-
. Começando nos anos de 1950, a contaminação com urânío começou a afetar

nizaçõcs ambientais. mxlhares de trabalhadores temporários das minas e dos moínhos, prospectores e

resxdentes de comunidades que habiLam na direção do vento das minas de urânio.


Nos Esmdos Unidos, muitas iniquídades ambiemais relacionadas à saúde foram _

expostas durante as décadas de 1960 e 1970, mas rammente em nível amplo. Gottlieb _:
(1993) salienta o tratamento diferencial dado aos três assumos durante este perío-
lS. Num artígo póstumo, Chavcz (1993: 166-167) acusa a corporação dos cultivadores da Califómia
do: a contaminação por pesticida, a toxidade do chumbo e os perigos do urânio. '
< de conar. efetivamente, muitas das cláusulas destcs contratos,íncluindo aquelas controlando o uso

_.
de pesticidas. Chavez observa que muitos desles cullivadores emm os maiores ñnanciadores da cam-

panha contra a Proposíção 120 (apelídada de “Big Green”). uma iniciativa de escruttnio apoiada pa-
14. Num cntrevista em 1992l Lois Gibbs. a heroma do uso Love CanaL disse ao ativlsm e autor am-
lo§ grupos ambíemais e pelo síndicato UFW, que uma outras coísas teria “protegido a Califómla da
blcmal Roberl Gottlicbz 'Chamar nosso m0vimemo de ambienml ínibiria nossa organização e reduzixia _ pnvatização da mata vcrmclha c banido os pesticidas causadores de cancer”.
de pássaros e abelhas" (GOTTLIEB, 1993: 318).
a nossa causa, que é sobre a proteção de pessoas. não
\

77
Esta “colonização radioativa" (CHURCHILL &: LaDUKE, 1985) foi concentrada ra tíra seu tom discursivo principalmente dos movimentos de direitos cívis dos

uma os trabalhadores americanos nativos no Novo México e no Arizona. Por anos de 1960, enquanto que a últíma chega mais perto de uma séríe de valores e

afírmações, emranhadas no sístema cultural político americano, especíalmente no


exemplo, em 1979, um vazamento radioatívo, seguindo o Rio Puerto no norte do
Novo México, contamínou faixas significatívas das terras indígenas da nação Na- conceito de “justiça total”.

vajo. Como Gottlieb (1993: 251) observa, o vazamento do Rio Puerto ocorreu so-
mente algumas semanas depois do acidente da Three Mille Island, mesmo assim
Surgimento e crescimento
recebeu atenção limitada dos formuladores de polítícas públicas e ambientalistas
Nos Estados Unidos, o movimento de justiça ambiental só surgiu no começo
das príncipais correntes. Na realidade, durante as décadas de 1950 e 1960, os gru-
dos anos de 1980. Como Bullard (1990: 35) observa, este recém-inaugurado ativís-
pos de conservação ignoraram as questões do urãnío porque tinham a impressão
mo “não apareceu do dia para a noíte”. Ao contrário, foi o resultado da hostilidade
que elas ocorüam longe do cenário dos lugares selvagens celebrados como parte
crescente dos negros urbanos aos Estados Unidos, contra a instalação de aterros
do discurso arcádic0. Durante a década seguinte, grupos ambientais estavam pri-
sanítários, incineradorcs de lixo e coisas do gênero, nos bairros e comunídades
mariamente preocupados com o poder nuclear como uma fonte de energia altema-
com populações predominamemente minorítárias. Na década de 1970 isto foí con-
Liva, apesar de que o movimento aminuclear tinha começado a se organizar. So-
finado principalmente ao local de contexto, mas depois de uma década se espalhou
mente durante os anos de 1990 alguns grupos deram maior prioridade às ameaças
para um cenárío mais amplo, à medida que a luta pela equidade ambíental se apre-
tóxicas nas terras indígenas.
sentou como uma Iuta contra o “racismo ambiental"l°.
Nestes três casos, os grupos das principaís correntes ambientais se concentra-
Há vários marcos importantes no surgímento e expansão do movimento da jus-
ram em separar, apesar de frequentemente com preocupações paralelas, deñnín-
tiça ambíemal durante este período.
do-os em termos “ambíentais” ao ínvés de “justiça social” (GOTTLIEB, 1993: 253).
Em 1987, a Commission for RacialJustice of the United Church of Christ (Co-
Em linguagem construcionista, eles estabeleceram a “propriedade” dos problemas
missão pelaJustiça Socíal da Igreja Unida de Crísto) publicou um influeme relató-
em nome pümariamente da classc média alta ou elite de angloconsütuímes. Num
rio intitulado Toxic Wastes and Race ín the United States (Resíduos tóxicos e raça
nível mais geraL eles se concentraram principalmente na regulação e contensão do
nos Estados Unidos), o qual documentou e quantíñcou a prevalência do racismo
que na procura de subverter a ordem social para poder provocar uma forma de ra-
ambientaL O relatório da UCC firmemente estabeleceu as “bases” para este argu-
construção social que beneñcíaria os constituintes “sem voz” (HOFRICHTER, 1993:
mento ao apresentar a magnitude do problema em termos numéricos. Entre suas
7). Kebede (2005: 89) discutiu isto dentro de uma perspectiva gramscíana, em con-
alegações estava a revelação que três entre cinco negros americanos moram em co-
lraste com os grupos ambientais nacionais que estão mais interessados em aperfei-
munidades com depósitos de resíduos tõxicos sem controle. Além disso, os negros
çoar a hegemonia existente contra as Grassroots Environmentaljustice Organíza-
estavam muito mais presentes naquelas áreas metropolítanas com maíor número
tions (Gejos) (Organizações de Justiça Ambiental de Raiz), que sim maís inclinadas
de tais depósitosz Memphis, Tennessee; SL Louís, Missouri; Houston, Texas, Cle-
a “lançar questões que avançam no coração dos arranjos socioeconõmicos”.
veland, Ohio; e Chicago, Illínois, com mais de cem cada. Hispânicos, americanos
No que se provou ser de alguma forma uma anomalia, a Conservation Founda- T
asiáticos e povos nativos estavam similarmente mais presentes em comunidades
tion (Fundação da Conservação), uma organização que se concentrava principal-
de allo-risco. Isto conñrmou um estudo conduzido quatro anos antes pelo US Ge-
mente em pesquísa e educação, organizou uma conferência em Woodstock, Illi-
neral Accounting Ofñce (departamemo geral de contabilidade dos Estados Uni-
nois, em novembro de 1972, para explorar os temas de raça,ju_stiça social e qua- dos), que relatou que três dos quatro maiores aterros sanitários comerciais no sul
lidade ambícntaL Neste encontro, o urbanista Peter Marcuse, filho do famoso
estavam localizados em comunidades de cor".

filósofo social Herbert Marcuse, alertou aos participantes que separar as preocu~

pações de equidade e justiça social da agenda ambiental ameaçou criar uma ruptu- -
ra permanente (GOTTLIEB, 1993: 253). Precísaria outra década e meia, emretan-
16. O Lermo “racismo ambiemal” foi evidemememe impresso pelo Reverendo Benjamin Chavis. an-
to, até que esta ruptura começasse a alcançar o olhar do público e o discurso da '
tigo dírigeme da United Church of Christ Commission on Racialjusüce (Comissão de Justiça Social
justiça ambiental iniciasse a atraír a atenção. da Igreja Unída de Críslo), depois diretor executivo da organizaçâo aos Estados Unidos (HlGGlNS.

1993: 287).
Kebede (2005) faz uma distínção entre as Gejos, nas quais os associados são
17. A iniciativa para este estudo foí de Waltcr Fauntroy, um representante do Congresso Nacional de
predominantemente pessoas de cor, e aquelas nas quaís os associados são princi- '_
Washington, DC, e particípame ativo na luLa no Condado de Warren, na Carolina do Norte, para dc-
palmente compostos dc pessoas brancas de colarinho azul (técnicos). Esta prímei-
ter a instalação de um num sanitário tóxico contendo sob de PCB (BRYANT & MOHAI, 1992z 2).

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537-42) organiza estes pñncípios em seis componentes temáticos que lidam com
Também crucial para o estabelecímento das dimensões do racismo ambientíll

foi a pesquisa do sociólogo Robert Bullard. Em 1979, Bullard, um profe_ssor dêx um- princípios ecológicos; justíça e direitos ambientais; autonomialautodetenninação;
relações comunidade-corporação; processos de política e política econômíca; e
versidade do sul do Texas, predominantemente negra, em Houston, Êox conv1ldado
construçâo do movimento sociaL Sendo baseado nos príncípios ecocêntricos res-
por sua esposa, uma advogada, para conduzír um estudo sobre locaçao espacml de
todos os aterros sanitários naquela cidade, com o propósito de levantar dados Para paldados pelos pioneíros do movimento Oohn Muir, George Marsh, Aldo Leopol~
do), os pñncípíos Lambém argumemam que as pessoas têm o díreito ao ar 1impo, ter-
uma ação popular de classe que ela estava movendo. Bullard conñrmou que a§ 1.ns-

ra, água e alimentação e o díreito a trabalhar em um ambíeme seguro e limpo. O do-


talações de resíduos tóxicos não somente em Houston, mIas pqr toda Amencaiy
cumento afinna os direitos das pessoas de cor a detennínarem sua própría polítíca,
mum mais encontradas em comunidades urbanas negras e hlspâmcas: Em uma se-

economía e futuros culturais. Fortemente se opõe à ocupação militar e exploração


ríe de artígos de jomal começando em 1983 (muitos com coautqna de Beverly
de suas terras e chama para a parücípação em igualdade de parceria na arena de ím-
Wright) e em seu lívro Dumpíng in Díxie Gogando líxo no sul-ame1_'1cano), Bullar_d
documentou estas disparidades ambientais e a mobilização do mowmento de equ1-
mulação de políticas públícas. Para assegurar ajustíça ambiemaL os Pñncípios cha-
mam para a construção de um forte movimento sociaL nacional e intemacionaL
dade ambiemaL Mais do que foi o caso do relatório da UCC, o trabalho de Bullarq

estabeleceu as “garantias” para este problema, argumentando que aqu.ela ação f01 Gottlieb (1993: 269) credíta à reunião o avanço do movimento da justiça am-

jusúñcada pelo propósito de reivindicar para as minorias “o direito bá51co de todos biental para um “nível ínicial de crítica em defínição”, ratiñcando uma série co-

os americanos - o direito de viver e trabalhar num ambiente saudável" (1990: 43). mum de princípios e ídentiñcando um nove lípo de política ambiental de inclusâo.

Bullard tomou-se, desde então, uma figura de liderança importame, como foi Ílfldir Em nível organizacionaL o movimento tem sído concentrado em um número de

cado em 1992, quando ele foi escolhido pela administração Clintog para partiçlpalr redes descentralizadas, soltas e ligadas a organízações maiores, informativos e confe-
no processo de transição presidencial como representante do mowmento de Just1- rências (HIGGINS, 1993: 292), ao invés da conñguração proñssional de cima para

ça ambiental (MILLER, 1993: 132). baíxo, típico da príncipal corrente do ambientalismo. Isto tem suas raízes na forma~

Emjaneiro de 1990, Bunyan Bryant e Paul Mohai, professores da Escola dç Re- çáo de váríos grupos de base “antitóxicos" no começo dos anos de 1980 - os Cíti-
zens' Clearinghouse for Hazardous Wastes (Cidadãos por uma morada livre de resí-
cursos Naturais da Universidade de Míchigan, organizaram uma cot.1ferêr.1c1a na .

Universidade de Michigan sobre racismo e íncidência de perigos amIbIema15, com duos perigosos) e National Toxics Campaign (Campanha Nacional dos Tóxicos). Em

trabalhos de doze acadêmicos ativístas. Como continuação Fstratéglca da Confe- meados dos anos de 1990, a ênfase mudou de alguma forma de redes nacíonais para

tência de Michigan, houve uma série de reuniões em_ Wash1n_gt'on com represen- regionais de raíz, tendo como exemplo a Southwest Network for Environmental
and Economic Justice (Rede Sudoeste para Justiça Econômica e Ambiental).
lames importames do govemo, íncluíndo William Rellly, admlmstrador do EPA, e .

o congressistajohn Lewis (BRYANT êz MOHAI 1992). Enquanto a construção social do discurso e a estrutura estratégica foram ím-
Em terceiro lugar, sob o patrocíniom da Commission forBacialJustice (Comi§- › portantes para comunicar a mensagem de justiça ambiental aos colaboradores, isto
não foi suficieme, observa Taylor (2000: 563-564), para mobilízar uma base forte
são porJustiça Racial), a Fírst Natíonal People of Color Iãnvugnmental Leadershxp
de seguidores. O movimento por justiça ambiental adotou várias estratégias ím-
Summit (Primeira Reunião Nacional de Lideranças Amblentals de Pessoas de Cor) _

foi feíta em outubro de 1991 cm Washington, DC. Neste ergcontro três COFrentes portantes de recrutamento. Ao invés de tentar construir redes de movimento do

da equidade ambiental foram identificadas (LEE, 1_992_): equldade de prqcedlmentqs ._ nada, os organizadores conseguiram linhas pré-exístentes de redes e relacíona-
mentos sociais, obtídas de redes de pessoas com histórias passadas de conexão so-
(regras para governar, critérios de regulação e Fvahaçao parIa serem aphc_ados um- .
cial e polítíca. Em particular, eles tiveram como alvo pessoas com fortes ligações
formemente), equídade geogrdfica (alguns balrrosf comumdadçs e reglffes estão -
instítucionais com ígrejas, síndicatos, universídades, organizações comunitárias,
desproporcíonalmente carregados de resíduos pengosos) e equldade soc1al (raç§,
classe e outros fatores culturais devem ser reconhec1dos nas formulaçóes d_e qecb _ agéncias federais, ínstituições legais, doadores de bolsas e princípais correntes das

sões ambíentais). Os delegados da reunião ratiñcafam um documentof Prmaples _ organizações ambientais. Tendo observado o crescimento através da década de
1990 dos programas de iniciativas voltadas em perseguir a equidade ambiental dos
ofEnvironmentaUustíce (Princípios da justiça amb1ental), o qual orgamza a estru- ._ ›

tura ideológica do surgimemo do movimento de justiça ambientaL Taylor (2000: _ departamentos do govemo federaL os grupos das príncípais correntes ambíemais
fínalmente começaram a colaborar com comunidades de cor e com as organíza-
_;_
Ções dejustiça ambientaL “aos poucos diversificando seus colaboradores e associa-

do tncluíndo num ouuas fon- . dos, cobrindo matérias de justiça ambiental nas revistas, lançando programas de
18. Dcve~se obscrvar que esta confcrencia Ievc patrocínio prlvilegia , _ .

ram a Fundação Ford e a Rockfeller Family St Associates (MAYER, 1992).

n1
justíça ambíental e assumindo uma varíedade de iníciativas de justíça ambiental” í noS Estados Unidos representa uma reação contra o insucesso do govemo em Iidar

(TAYLOR, 2000: 559). Pellow dá um bom exemplo desta mudança de relaciona- ._ com as íniquidades ínaceítáveis na exposição de depósitos tóxicos e outros perigos

mento. Durante os anos de 1970 e 1980 muitos ambientalistas na área de Chicago ,


para a saúde, tem havido uma “grande oposição contra muitos acordos e esforços
endossaram o crescimento da indústria de incincradores desperdiçadores de ener- intemacíonaís globais porque eles não refletem adequadamente os interesses dos
gia como uma maneira de converter o lixo em coisa útil. Na década de 1990, entre- países do Sul” (p. 15). A Convenção da Biodíversidade é um importante exemplo
tanto, eles reverteram seu apoio por íncíneradores, em grande parte porque eles disto (vide capítulo 9). Além disso, o poder desequilíbrado herdado no sistema
observaram os atívistas nas comunidades de cor e bairros de operários, engajados a
econômico global leva a situações onde residentes de baíxa renda nas nações do
em lutas para resistir os esforços da índústña em colocar estas ínstalações perto de
Sul sofrem impactos ambientais diferenciados. Não somente é um caso de exposí-
suas casas.
ção díferencial aos efluentes industríais e outros poluentes, mas também sígnifíca
Um grupo da principal corrente ambiemal que está na agenda da justiça am- iniquidades em acesso a recursos naturais básicos tais como combustível e água
bíental de maneira sígniñcatíva é o Síerra Club. Em 1993, o Sierra Club adotou sua -' potável (vide capítulo 4).
primeira política dejustíça ambiental, afírmando que “para atíngir nossa missão de Como no modelo retórico de discurso ambíental de Hemdl e Brown (1996), os

proteção ambíental e um futuro sustentável para o planeta, nós devemos alcançar_ três discursos ambiemaís discutidos acima não devem ser tratados como sendo ou

justiça socíal e direitos humanos em casa e no globo” Ooíning together forjustice) estátícos ou mutuamente exclusívos. Ao contrário, eles se engajam um no outro de
(juntos por justiça). Desde então, o Club assumiu um número de iniciativas: for~ uma maneira díalétíca. Por exemplo, nas nações do Sul, ativistas ambientais têm

necer assistêncía organizacíonal para mais de 250 bairros e comunidades de baixa


combínado elementos dos discursos do ecossistema e da justiça social com suces-
renda nos Estados Unidos; contratando organizadores de justíça ambientaL a temÃ
so. Criar “novos ímagínários” ajuda a energizar lutas locais e atrair um cenário

po integraL em Detroit, Washington, DC, no sudoeste e centro da regíão de Appa-.- maís diversíficado de alíados, ao “dar às demandas dos grupos subordinados um

lachia; distribuíndo bolsas para ajudar os grupos locaís a se organizarem e fazer nove argumento de universalidade" (EVANS, 1992: 8-9). Com o tempo, Dryzek

“tumês sobre tóxicos”, criar hortas comunítárias e assumir programas de educa-- (2005: 20) nos diz, os discursos ambíentais “desenvolvem, cristalizam, bifurcam e
ção pública sobre a degradaçáo ambiental causada por granjas do Sul; ajudando a dissolvem”. E, às vezes, eles retomam em um embrulho diferente.

bloquear ou fechar mínas poluentes, incineradores e usínas de tratamento de esgo- Dessa maneira, o discurso arcádico, que teve seu auge na América cerca de um

to; e colaborando com a Anístía Intemacional a defender ativistas sob ameaça do século atrás, reapareceu nas recentes décadas numa forma de celebração romãnti-
Estado por falarem sem medo sobre as questões ambientais.
ca e espiritual da Floresta Amazôníca. Assim, Slater descreve imagens atuais e nú-

No começo dos anos de 1990, o movimento de justiça ambiental se expandiu. meros da Amazônia taís como aqueles usados para atrair ecoturistas como tendo

para íncorporar a exploração dos povos do Terceiro Mundo. Muito da ínteração


u_m_a “natureza dupla”. Isto é, eles ínterligam “vírgem” e “virago" - narratívas ím-
emre ativístas de raiz dos Estados Unidos e seus correlígíonários no Sul tomaram dxcxonais de uma “selva exótica, escura e excitante" que é cruel e sem adestramen-

lugar no contexto das Nações Unidas, por exemplo, na reunião do Rio dejaneíro e_'
to_ e narrativas contemporâneas de uma floresta tropícal frágil composta de uma ím-
nos seus encontros prepatatóríos. Os ativistas da justíça ambiental dos Estados
tlímcada teía de Hora e fauna. Esta últíma imagem, por seu lado, se conecta com o
Unidos também particíparam da reunião de 1992, tendo como anfítrião a Redc do dlscurso ecológico que pinta a Horesta como “um depósito de commadíties de valor
Terceiro Mundo na Malásia que se concentra em resíduos tóxicos. Estes ativistas e a chave para a saúde ambiental global” (p. 138). Uma camada discursiva final

da rede com os ativistas do Terceiro Mundo têm movido as lideranças da justiça está ímbuída deste exótico paraíso biótico com uma camada extra de urgência mo-

ambíental de voIta ao camínho para a renovação da consciência ecológíca. Vemicç ral tírada da moldura de justíça, para divulgar a triste condíção dos seringueiros

Míller, um cofundador do grupp West Harlem Envíronmental Action (Ação Am-' (especialmente Chico Mendes, que foi assassínado em 1989), as tribos indígenas
biental do Harlem do Oeste), descreveu a justíça ambíental como “um movimentq

global que procura preservar e proteger ecossistemas globais” (1993: 134). Í(_rKa)t'apóàYanomamL Machiguenga) e outros habitantes nativos da floresta que an-
Recentemente Anand (2004: 15) desenhou um paralelo uma os temas do mo-“
tezràârãlesfãlsãílãlããotãldlzxmaçao nas maos dos gnle1ros, mmelros e outros agen-
vimento de justiça ambicmal amerícano e a polítíca ambiental íntemacíonal entre

o Norte e o Sul. Em particular, ele ídentífica iniquídades na arena íntemacional

para procedimentos e distribuição de justíça que são simílares à política nacíonal

dejustiça ambíental nos Estados Unidos. Como o movimento de justiça ambiental_

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'I. RR

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