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50 ano

de histórias das Relações Públicas


em Minas Gerais e Espírito Santo

org. ANITA CARDOSO

2021
org. ANITA CARDOSO
Título:
50 anos de histórias das Relações Públicas em Minas Gerais e Espírito Santo
CONCeITO DA ARTe DA CApA
Copyright 2021:
Anita Cardoso Magalhães

Organização:
Anita Cardoso Magalhães Conhecimento + Conexão +
Capa: Responsabilidade + Sociedade + Individualidade
Anna Luiza Magalhães

Diagramação: Circuitos e caminhos diversos: estamos constantemente em cone-


Beatriz Albernaz xão, seja ela física, emocional ou virtual. Mesmo em tempos de pan-
demia, a tecnologia permitiu que as trocas existissem e até, porque
Proibida a reprodução total ou parcial desta obra não, se intensificassem. Relações que se ressignificam e transgridem
sem o consentimento por escrito da instituição.
os limites do que antes pareciam inalcançáveis e assim expandem
1ª Edição – 2021
as possibilidades, construindo novos mundos e novas formas de co-
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) municar. As subjetividades de cada indivíduo são alimento para a
(BENITEZ Catalogação Ass. Editorial, MS, Brasil) construção de histórias e são essas as maiores ferramentas para as
C518 50 anos de histórias das relações públicas em Minas
Relações Públicas. Através das pessoas compreendem o todo, cada
1.ed. Gerais e Espírito Santo / organizadora Anita
Cardoso. – 1.ed. – Divinópolis, MG : Gulliver,
indivíduo é como uma célula de um corpo que, quando em harmonia
2021. entre si, fazem a engrenagem rodar perfeitamente. Assessorar, pla-
370 p.; 16 x 23 cm.
nejar, relacionar, programar, pesquisar, contar, gerir, transformar:
Bibliografia. essas são as ações de um Relações Públicas e a base dessas ações são
ISBN : 978-65-89911-39-5 os indivíduos. Não há comunicação que se transforme sem pessoas.
A diversidade traz a riqueza de possibilidades e, dentro desse mundo
1. Espírito Santo (ES) – História. 2. Minas Gerais
(MG) – História. 3. Relações governamentais – Brasil. de pessoas diversas, é possível encontrar semelhantes que se conec-
4. Relações públicas – Brasil. I. Cardoso, Anita. tam por algum ponto em comum.
10-2021/69 CDD 659.2

Índice para catálogo sistemático: Na ilustração foi utilizado como referência as cores da identidade vi-
1. Brasil : Relações governamentais : Relações públicas 659.2 sual do sistema CONFERP/CONRERP para a definição da paleta da
Bibliotecária responsável: Aline Graziele Benitez CRB-1/3129
aquarela, explorando através dessas cores a diversidade de pessoas
que apesar das suas individualidades possuem pontos de conver-
Adelante é um selo editorial de
Gulliver Editora Ltda. gência. Com uma mescla entre as técnicas de aquarela e nanquim,
foram construídas texturas formando uma rede simbólica energéti-
Para mais informações:
www.gullivereditora.com.br ca trazendo à tona essa troca e contato entre os indivíduos, simboli-
(37) 3511 - 1120 zando as infinitas formas de estar em movimento, em embate e em
comunicação. Os seres se fundem e se contrastam pela ilustração, AgRADeCImeNTOS
assim como são as relações, que exploram diversos caminhos para
construir suas conexões. São pessoas na rua, aglomeradas no centro
da cidade ou então pessoas sobrevoando, aglomerando virtualmen-
Essa obra só se concretizou com o apoio de
te em suas redes. Não interessa o como, o que importa é que estão em
várias pessoas que aqui eu agradeço:
movimento e transformação.

» Coautoras e Coautores
Anna Luiza Magalhães
Designer e artista visual do Biscoito Maria Estúdio » Conselheiras e conselheiros da 3ª região

» Wallace Ischaber – Diretor da 3ª região

» Raíssa Sales – Diretora Secretária-Geral da 3ª região

» Allan Stuart

» Dr. Aguinaldo

» Joubert Amaral – Editora Gulliver

» Anna Luiza Magalhães – Biscoito Maria Estúdio


AgRADeCImeNTO eSpeCIAl pRefáCIO

Nosso agradecimento especial à assistente da diretoria do Conrerp3 No dia 20 de dezembro de 1971, há 50 anos, nascia o Conrerp 3ª região
e Relações Públicas, Maria Inês de Souza, que nos deixou em 19 de (Minas Gerais, Bahia e Espírito Santo). E com ele nascia também um
maio de 2021. movimento em prol da valorização da profissão de Relações Públicas.

Inês, como era conhecida por todos, trabalhava há exatos 20 anos Essa luta continua nos dias de hoje, mas é uma luta diferente.
no Sistema Conferp, sempre na regional 3, onde apoiou 7 gestões e
Hoje somos muitos no mercado de trabalho e buscamos não só o
respectivamente 6 presidências.
nosso posicionamento, como também a responsabilidade pública da
Profunda conhecedora de todas as leis, resoluções normativas e por- comunicação nas organizações.
tarias do sistema ajudou a consolidar a imagem e o trabalho da pro-
O século 21 trouxe muitas riquezas, oportunidades e novas formas
fissão de Relações Públicas.
de comunicar, mas trouxe também o desafio por uma comunicação
Será lembrada sempre por sua voz altiva, sua dedicação e profissio- íntegra, real e responsável.
nalismo. Quando eu assumi a gestão 2019/2022 do Conrerp 3ª região, conhecia
Ela faz parte dessa história. os desafios tradicionais que norteavam a autarquia, a profissão e os
profissionais.

Sabia que tinha um grande caminho a percorrer para alcançar um


Descanse em paz! bom resultado. Caminhos complexos, porque por sermos uma pro-
fissão com caráter muito subjetivo poucos valorizam a importância
do registro profissional e da legalização.

Não obstante a tantos desafios veio a pandemia e o cinquentenário.


Ambos necessários a serem enfrentados e discutidos com seus para-
lelos e paradoxos.

A pandemia nos fez parar tudo, rever processos e ações e buscar al-
ternativas para obter arrecadação sem sacrifícios aos profissionais.
Anuidades sem juros e multas, negociações a longo prazo e todo tipo
de possibilidades para atender ao registrado foram e estão sendo fei-
tas de forma a minimizar essa fase tão difícil.

Mas e o cinquentenário?
Como comemorar esse marco da profissão em nossa regional, respei- SumáRIO
tando os lutos, os desempregos, a fome, as tristezas e as controvérsias.

Foi aí que surgiu o livro.

Nada melhor do que juntar saberes, reflexões, cases da pandemia, para 14. Mensagem do presidente do Conferp
aprendermos ainda mais e mostrarmos a força de cada Relações Públi-
Cenário I
cas e suas ações na comunicação organizacional das instituições.
Mix Relações Públicas / Comunicação Pública
E o resultado foi incrível.
21. Comunicação Ambiental e Relações Públicas: uma reflexão sobre
Um livro composto de dois cenários. Cenário I – Relações Públicas e
espaços promissores que podem ser mais explorados e ocupados pelos
Comunicação Pública e Cenário II – Comunicação Organizacional.
profissionais de Relações Públicas. Um desafio que deve ser vencido e
São vinte e oito coautoras e coautores de todas as regiões do Brasil conquistado – Antônio Carlos Lago
trazendo suas diversidades culturais, experiências e vivências.

Num momento, onde a sabedoria é tão importante para todos, eu


33. NAQ: Not Answered Questions ou Perguntas não respondidas –
agradeço a oportunidade de ser a organizadora dessa obra que é um Cássia Cinque
marco para o conselho.
45. Interfaces entre Comunicação Comunitária e Relações Públicas
Desejo que a leitura seja uma abstração transformadora e que sur- Populares – Cicilia M. Krohling Peruzzo
ja em cada mente leitora insights para novas formas de comunicar
cada vez mais éticas, verdadeiras e responsáveis. 67. Ensino de Relações Públicas: transformações e desafios – Cláudia
Peixoto de Moura

85. Os (des)caminhos das Relações Públicas brasileiras: (re)leitu-


ras possíveis – Cleusa Maria Andrade Scroferneker, Francielle
Benett Falavigna e Fernanda Luz Moraes

97. Comunicação Pública e Institucional: Desafios postos aos processos


de visibilidade e legitimidade institucional em tempos de midiatiza-
Anita Cardoso Magalhães ção e ambiências digitais – Eugenia Mariano da Rocha Barichello
Presidente do Conrerp 3ª região
Gestão 2019/2022 109. Transformações em Relações Públicas a partir do contexto da
Conrerp 3ª região 1227 pandemia de covid-19 – Fábia Pereira Lima
127. Comunicação Pública e Relações Públicas: transversalidades e 283. Planejamento de eventos em tempos de pandemia: a expe-
possibilidades – Laura Nayara Pimenta riência aplicada pelo profissional de Relações Públicas – Eneida
Stehling
141. Relações Públicas e Opinião Pública – Luiz Alberto de Farias
289. Sua Comunicação é o Impacto gerado em sua Imagem – Isabel
153. Relações Públicas Educativas: novas possibilidades de atuação – Gonçalves
Marcelo de Barros Tavares
291. Ações de comunicação em tempos de pandemia: do off line para
165. As Relações Públicas e suas questões – Márcio Simeone Henriques o online, as estratégias adotadas pelo HC-UFMG – Júlia Gadelha,
Luna Normand de Assis Rocha e Maria Valdirene Martins

Cenário II 301. Transformações dos eventos no Brasil durante a pandemia de


COVID-19 – Júlia Simões Neubarth e Diego Wander da Silva
Mix Comunicação Organizacional

183. Reputação, liderança e as cobranças sociais por posicionamento 317. Qual o nosso verdadeiro papel? – Paulo Henrique Leal Soares
– Ana Luísa de Castro Almeida e Jussara Belo
323. O encontro de Relações Públicas com a História e a Memória
Empresarial – Paulo Nassar
191. Relacionamento com o cliente: o relações-públicas como guar-
dião da reputação da organização – Andreza Reis
331. Comunicação, Liderança e Gestão de Mudanças: uma tríade
que gera valor – Raissa Sales
201. Robôs e torcida: comunicação dirigida pensada para pensar. Um case
Amstel de relacionamento artificial com a torcida – Anita Cardoso
341. As Relações Públicas e a Comunicação nas Organizações –
Sandra Nunes Leite
211. Existe stakeholder? – Annemarie Ritcher

225. Relações Públicas e Cultura Organizacional – Bruno Carramenha 355. Tendências do mercado de Comunicação nos próximos anos
– Viviane Mansi
241. Tendências em RP? O futuro é agora! – Carolina Terra
367. Posfácio: Um sono em eterna edição – Joubert Amaral
253. Manufaturando incertezas: relações públicas, vulnerabilidades e
a indústria do tabaco – Daniel Reis 365. LINHA DO TEMPO – Presidentes Conrerp 3ª Região

275. Processo comunicacional no período da pandemia – Daniela


Oliveira Campos
meNSAgem DO pReSIDeNTe DO CONfeRp a conduzir um Sistema que abrange aproximadamente 20 mil rela-
ções-públicas em todo o país.

Este grupo de profissionais, com experiência prática nas mais varia-


SISTEMA CONFERP-CONRERPS: das áreas de atuação em Relações Públicas tem dedicado o seu tem-
a gestão dos 50 anos e a sua marca de inovação po a firmar um intenso trabalho de valorização da categoria. Porém,
o cenário atual é adverso, e traz diferentes contextos, e a falta de re-
conhecimento da atuação em Relações Públicas, perante a socieda-
Esta carta nasce a partir da comemoração de 50 anos do Conrerp/3ª de, é uma das facetas mais críticas deste trabalho.
região, formado inicialmente em 1971, contemplando na época os
Temos o compromisso de difundir a prática profissional na socieda-
estados de Minas Gerais, Bahia e Espírito Santo. Uma história cons-
de, mas ainda enfrentamos barreiras internas, por parte de muitos
truída em prol da valorização de uma prática profissional primordial
profissionais que não reconhecem (de forma positiva) o Conselho
para a comunicação institucional nas organizações.
Profissional. Se em partes isto é reflexo de um mercado de trabalho
A terceira região do Sistema Conferp representou um marco para a que não exige dos profissionais o registro no Conselho, por outro
consolidação e organização do Conselho Federal, ampliando e buscan- encontramos déficits no relacionamento do Sistema com as institui-
do firmar a prática de Relações Públicas no Brasil. Cabe pontuar que ções que formam os atuais relações-públicas.
esta regional surge dois anos após a criação do Sistema Federal, datado
A métrica construída pela formação do profissional versus o engaja-
de 11 de setembro de 1969, com o advento do Decreto-Lei nº 860/1969.
mento com o Sistema Conferp-Conrerps ainda traduz um caminho
As últimas cinco décadas foram marcadas por diversas ações em longo a trilhar. Um dado de atenção é a queda vertiginosa de univer-
prol da consolidação desta organização pública, respeitando a atua- sidades com oferta aberta para o curso em todo o Brasil, nos últimos
ção profissional regulamentada pela Lei nº 5.377/1967. Esta história anos. Muitos são os motivos para este fato, casos pontuais e regionais
trouxe muitas conquistas que são a base do atual Sistema Conferp- que distoam as demandas e perspectivas de Relações Públicas. Por isso,
Conrerps. Contudo, os desafios para o futuro são emergentes e nos uma das bandeiras estipuladas pela atual gestão tem sido o intenso diá-
conduzem para cenários distintos daqueles presenciados pelo Siste- logo com as universidades que têm a graduação em Relações Públicas.
ma nos últimos 50 anos.
Contudo, parafraseando o músico Geraldo Vandré, na sua célebre
A atual gestão do Sistema Conferp-Conrerps assumiu em janeiro de canção “Pra não dizer que não falei das flores”, é preciso ter uma
2019, com o desafio de INOVAR o cenário da profissão na sociedade perspectiva positiva para o futuro da profissão, pois “quem sabe faz
brasileira. Uma missão ousada e complexa, mas encarada com se- a hora, não espera acontecer”! E com esta motivação, a gestão dos
riedade e convicção pelos membros que estão a frente deste desa- 50 anos do Sistema Conferp tem dedicado seu trabalho a enfrentar
fio. Considerando o Conselho Federal e os seis Conselhos Regionais, todos os desafios citados. De todas as ações realizadas e em fase de
congregamos mais de 100 profissionais de Relações Públicas que de- implementação, citamos algumas que são essenciais para estes con-
dicam seu tempo extra para uma gratificante ação voluntária: ajudar textos desafiadores:

16 17
• A criação do Fórum Nacional de Coordenadores de Curso em Rela- As mudanças propostas são frutos de um trabalho de reconheci-
ções Públicas com o objetivo de congregar e aproximar o Sistema mento e planejamento proposto desde o início da gestão dos 50
com as Instituições de Ensino Superior que formam os profissio- anos do Sistema Conferp-Conrerps, dialogado com todos os regio-
nais da nossa categoria. Além disto, a parceria institucional firma- nais e fruto de um trabalho colaborativo e voluntário de muitos
da com a Associação Brasileira de Pesquisadores em Comunicação profissionais da área.
Organizacional e Relações Públicas (ABRAPCORP) dá mais peso Apesar dos desafios e das soluções em implementação, um capital é
para os diálogos estipulados com o ambiente acadêmico. Des- intangível, e temos a certeza de que ele esteve presente nos primeiros
ta forma, reduzimos o abismo entre o Sistema e a academia, que 50 anos de história do Sistema Conferp, e continuarão no próximo
sempre deveriam trabalhar juntos e unidos. meio século: a paixão e o amor pelas Relações Públicas! Sim é este
amor que movimenta e impulsiona o trabalho e a dedicação de mais
• A criação de uma campanha de valorização profissional enfatizan-
de 100 conselheiros, delegados, funcionários e participantes deste
do o valor estratégico e social da profissão de Relações Públicas.
grande Sistema Conferp-Conrerps.
Com a participação de 6 profissionais de Relações Públicas com
atuação em distintas áreas, divulgamos vídeos de depoimentos, Desta forma, cremos que além de estarmos em busca da vanguarda,
que além de demonstrarem as possibilidades da prática, também contribuiremos para a inovação na gestão do nosso Sistema. Um le-
reforçam o orgulho e a importância do registro profissional. gado que vai entrar para a história na inovação nas práticas do Siste-
ma Conferp-Conrerps.
• A modernização operacional do Sistema Conferp-Conrerps exige
uma revisão dos processos em face ao relacionamento do regis-
trado com os seus respectivos Conselhos Regionais. Para isto, o
Conselho Federal investiu na implementação de um Sistema In-
tegrado, em nível federal, padronizando a manutenção dos dados
por parte de cada Conselho Regional. Desta forma, seguindo os
preceitos da Lei Geral de Proteção de Dados, adotamos critérios
únicos para a gestão dos dados, facilitando a comunicação com os
registrados.

• Em tempos de comunicação ágil e digital, o Sistema Conferp está


implementando a carteira digital para os profissionais registra-
dos, que além da versão física, poderão optar pela versão digital. Marcelo de Barros Tavares
Ela estará integrada ao aplicativo desenvolvido pelo Conselho Fe- Presidente Conselho Federal
deral, permitindo o acesso e contato do profissional com o seus Gestão 2019/2022
respectivo Conselho Regional. Conrerp/4ª região 3120

18 19
1
cenário
Mix
Relações Públicas
Comunicação Pública
COmuNICAçãO AmbIeNTAl
e RelAçõeS públICAS
uma reflexão sobre espaços promissores que
podem ser mais explorados e ocupados pelos
profissionais de Relações Públicas. Um desafio
que deve ser vencido e conquistado

Antônio Carlos Lago

As organizações estão encarando cada vez mais os desafios das


escolhas e da saturação dos processos de comunicação que surgem
e são executados sem uma precisa avaliação dos seus resultados. O
excesso de ferramentas e a desvalorização dos meios de comunicação
tradicionais já não são suficientes para cumprir o compromisso de
informar corretamente os seus colaboradores e visitantes.

O uso da comunicação está presente em todas as atividades


empresariais, governamentais e do terceiro setor, assim como nas
relações humanas. Vivemos um momento de intensas mudanças,
conflitos e incertezas e os processos de comunicação podem mudar
esse cenário. É nas organizações que as suas ferramentas são
utilizadas para facilitar a gestão dos administradores, aproximar os
públicos e conquistar cada vez mais o apoio da sociedade.

Os resultados das ações de comunicação são estratégicos para a


construção da imagem das instituições e podem criar ambientes de
trabalho interno e externo positivos no conceito da sociedade. Negli-
genciar a comunicação ou mesmo dirigir-se aos públicos de maneira
incorreta podem inviabilizar os processo de trabalho das empresas e
organizações e afetar o valor de suas marcas junto à opinião pública.

23
Cenário 1 Mix Relações públicas/Comunicação pública

Para que as atividades de comunicação e meio ambiente possam ser A Comunicação Ambiental é estratégica. Estabelece mandamentos
exercidas como funções estratégicas nos serviços e negócios das ins- para que a opinião pública seja mais consciente sobre as questões
tituições, é necessário que sejam reconhecidas prioritariamente pe- ambientais e cobra cada vez mais das empresas, políticos e governos
los seguintes níveis das organizações: um maior comprometimento e responsabilidade social com o meio
ambiente. Os resultados são leis e multas rigorosas, podendo chegar
• Pela alta administração, responsável pela definição das estratégias
voltadas para os interesses dos governos, acionistas, parceiros e facilmente a milhões de reais, além da obrigação de reparar os danos
sociedade; das irregularidades ambientais praticadas indevidamente.

• Pelos especialistas, que oferecem seus serviços, negociam com os O papel dos profissionais de comunicação e da mídia nessa tomada
mercados e atendem os seus públicos de interesse; de consciência é estratégico. Ao divulgarem as tragédias, tráficos,
desmatamentos, queimadas e acidentes ambientais que ocorrem no
• Pelo nível funcional formado pelas coordenações, gerencias e as- mundo, acabam contribuindo para o crescimento de um conceito
sessorias de produtos e serviços, e ecológico que cresce cada vez mais. A tendência é aumentar em
• Pelo nível institucional que envolve principalmente os profissionais todas as regiões do mundo, a preocupação com o desenvolvimento
de comunicação encarregados de estabelecer o posicionamento pú- sustentável com responsabilidade.
blico das organizações e suas políticas internas e externas.
As empresas e governos até tentam mudar suas atitudes e adotam
Essa classificação é apenas para entendermos como as ações políticas ambientais sérias, mas não investem adequadamente
de comunicação e meio ambiente são valorizadas ou não nas na divulgação de seus resultados e continuam sendo vistas como
estruturas organizacionais. O nível institucional, do ponto de vista vilões do meio ambiente. Isto ocorre pela falta de investimento em
de comunicação é o mais importante, pois lida não apenas com o comunicação ambiental, pelo uso inadequado das redes sociais e na
esforço de desenvolver ações de legitimação da marca e da identidade ausência de profissionais qualificados para utilizar as ferramentas
corporativa, mas também com o gerenciamento de crises geradas adequadas na cobertura dos segmentos de meio ambiente.
a partir das ocorrências ambientais e dos conflitos econômicos e
sociais. Estes fatos costumam evoluir para problemas institucionais Muitas vezes estas empresas costumam descobrir as duras penas,
de graves consequências. que uma política de comunicação ambiental bem estruturada pode
ser tão importante para os negócios quanto construir prédios ou
O que vem ocorrendo na área ambiental no Brasil, é uma prova da instalar equipamentos visando apenas lucro. Se a opinião pública
falta de conhecimento do governo e do despreparo dos dirigentes estiver contra, as dificuldades para licenciamento de operações,
deste segmento no País no trato com a comunicação e o meio ampliação de instalações existentes e na aceitação de produtos e
ambiente que é de todos. São encarados pela administração sob o
serviços oferecidos aos consumidores, as liberações das autorizações
aspecto apenas político e ignorados sob o ponto de vista técnico
serão cada vez maiores.
e institucional sem nenhuma preocupação com a percepção dos
públicos. Uma realidade que não condiz com um país que tem uma As instalações de empreendimentos em determinadas regiões, ge-
das melhores leis ambientais do mundo. ram responsabilidade social e significa benefícios para as comunida-

24 25
Cenário 1 Mix Relações públicas/Comunicação pública

des locais. Neste processo, as ações de comunicação são estratégicas A responsabilidade social é um dos temas mais debatidos e propa-
e a utilizando das ferramentas corretas de Relações Públicas são es- gados no mundo da gestão empresarial e ambiental. É uma das va-
senciais nos resultados dos serviços prestados, na geração de empre- riáveis na estratégia de competitividade e avaliação do desempenho
gos e renda e na abertura de novas oportunidades de mercado. das empresas e das instituições públicas e privadas. A relação das
Os dirigentes precisam abrir seus olhos para começar a perceber que empresas com a sociedade passou a girar em torno das perspectivas
além do desenvolvimento tecnológico, outros aspectos de suas ativi- de conquistar novos espaços de negócios e clientes.
dades e serviços são questionados: Os profissionais que prestam serviços nas áreas ambientais e so-
• A preocupação com o meio ambiente que as empresas e organiza- ciais,precisam conhecer melhor as políticas públicas para planejar
ções precisam ter, e executar corretamente as estratégias de comunicação ambiental.
Ela pode ser um diferencial na geração de empregos, negócios e me-
• Os benefícios e investimentos que as empresas e organizações
lhoria da qualidade de vida das populações. A comunicação ambien-
precisam dispor para melhorar a qualidade de vida dos seus fun-
tal é construída de forma coletiva, definida estrategicamente e suas
cionários e comunidades que vivem nas zonas de impactos dos
ações devem ser integradas, planejadas e dirigidas em benefícios dos
seus empreendimentos,
públicos de interesse das organizações. Com a utilização das estraté-
• Os investimentos e apoios das empresas e organizações aos pro- gias de comunicação e políticas ambientais corretas, é possível apro-
jetos locais para contribuírem com a educação, saúde, meio am- ximar as comunidades e as nações. O meio ambiente pode ser um elo
biente e outros segmentos que possam beneficiar as comunidades na construção da paz e na geração de empregos, rendas e negócios.
que vivem no entorno dos seus empreendimentos.
Muitos profissionais de comunicação ainda insistem em estabele-
As organizações precisam oferecer mais do que qualidade nos servi- cer distinção nas vertentes desta área estratégica das organizações.
ços prestados e nos preços dos seus produtos no mercado. Elas de-
Investem muito na divulgação dos produtos e serviços, mas muito
vem assumir a responsabilidade das operações dentro e fora de suas
pouco na marca institucional. Isto ocorre porque é necessário se co-
paredes e cada vez mais, se preocuparem com os impactos de polí-
nhecer os segmentos de comunicação e saber utilizar cada um deles
ticas e ações sobre seus funcionários, clientes, comunidades locais,
de acordo com as atividades executadas. Isto ocorre fortemente na
meio ambiente e a sociedade.
área governamental que não considera relevante em seus níveis es-
Os consumidores estão cada vez mais conscientes e cobram um truturais, a área de comunicação e a sua importância estratégica nos
maior comprometimento das empresas e governos no trato com as resultados das entregas. Em alguns casos isto acontece pelo desco-
questões ambientais. A sociedade tem exigido investimentos que nhecimento dos dirigentes e pela falta de profissionais qualificados
possam beneficiar as comunidades menos favorecidas e o meio am- para executar as atividades deste segmento.
biente. Muitas organizações estão fazendo a sua parte e cada vez
mais lutam para conquistarem clientes fiéis, investindo em ações Nas áreas de comunicação ambiental e considerando o perfil dos
sociais e em formas concretas de informar com transparência suas profissionais, os Relações Públicas têm um desafio: divulgar e con-
atividades e preocupações com os recursos ambientais. solidar a marca institucional de suas organizações junto à opinião

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Cenário 1 Mix Relações públicas/Comunicação pública

pública. Relações Públicas são atividades estratégicas e suas ferra- ética, transparente e responsável. As atividades de relações públicas
mentas devem ser utilizadas para consolidar a imagem das institui- são ferramentas de comunicação capazes de planejar, organizar,
ções e pessoas perante a opinião pública. coordenar, executar, avaliar e construir parcerias visando fortalecer
e viabilizar as ações corretas de meio ambiente e responsabilidade
As áreas de comunicação e meio ambiente são espaços cada vez mais
social em benefício de uma sociedade mais justa e equilibrada.
promissores no Brasil. Isto tem feito com que algumas organizações
planejem estrategicamente a melhor forma de interagir com a socie- Um dos grandes desafios da área de Relações Públicas é a sua institu-
dade. Cada vez mais as empresas buscam profissionais que conhe- cionalização dentro das organizações como função gerencial e estra-
çam políticas públicas e ambientais, tenham uma sólida formação tégica para construir caminhos seguros e obter resultados positivos
cultural e humanística e dominem conhecimentos nos campos de nos negócios das empresas e instituições. Como estratégia de rela-
atuação destes segmentos. cionamento, Relações Públicas deve assessorar e interagir com seus
Neste processo, a mídia se encarrega de divulgar para a opinião pú- dirigentes e segmentos de públicos criando valores socioambientais,
blica as atividades que são consideradas social e ambientalmente ir- políticos, econômicos e institucionais. Suas ações devem visar o for-
responsáveis, trazendo muitas vezes prejuízos significativos para a talecimento da marca e da reputação do conceito da imagem das or-
imagem das organizações. A necessidade de levar em consideração ganizações.
fatores ambientais, econômicos e sociais é um fato consumado. Relações Públicas são atividades que devem ser planejadas para pen-
As organizações estão procurando conquistar clientes fiéis, investem sar, expressar e utilizar a comunicação estrategicamente em benefí-
cada vez mais em ações sociais e em formas concretas de informar cio dos negócios das instituições. São elas que devem executar pro-
com transparência suas atividades e preocupações com os recursos postas visando o desenvolvimento organizacional e a satisfação dos
ambientais. Com estas preocupações, o mercado vem utilizando públicos. Neste processo devem ser disponibilizados meios, redes
cada vez mais técnicas de comunicação, estratégias de marketing e sociais e ferramentas de comunicação interna e externa. Hoje, cada
ações sociais com o objetivo de fidelizar o cidadão. Neste processo, vez mais as empresas e governos estão tratando a comunicação de
os profissionais de comunicação têm a obrigação e a responsabilida- forma estratégica, o que implica em mudanças no perfil dos profis-
de de mostrar e construir um caminho seguro para suas instituições. sionais que atuam nesta área, sejam relações públicas, publicitários
Um caminho que deve identificar suas vocações, seus valores éticos, ou jornalistas.
econômicos, sociais, morais e culturais. Sua missão é recomendar
O meio ambiente é uma preocupação política, social e econômica
mudanças de postura, atitude e transformar suas ações em mensa-
para dirigentes empresariais e governamentais. O tema passou a ter
gens para que os públicos identifiquem o perfil e os negócios de suas
um valor imensurável no mundo e tem gerado trabalho, emprego
organizações.
e renda para segmentos da sociedade. O mercado ambiental é um
As áreas ambientais e sociais continuam sendo espaços que preci- espaço de negócios com inúmeras oportunidades para a atuação
sam ser explorado pelos profissionais e estudantes de relações pú- do profissional de relações públicas. O fato é que a sustentabilidade
blicas. Nestes campos de trabalho é preciso acreditar e agir de forma está por trás de uma mudança urgente que as organizações precisam

28 29
Cenário 1 Mix Relações públicas/Comunicação pública

empreender ou aprofundar. Trata-se de sair de um modelo tradicio- nais de Relações Públicas de utilizar as ferramentas e estratégias de
nal para outro preocupado com a produção e a lógica dos negócios. comunicação na área ambiental. Para que isso ocorra de maneira efi-
Quando se fala em sustentabilidade está se falando em alternativas ciente é necessário valorizar parcerias, sejam elas com clientes, for-
de sistemas que envolvem a utilização de matérias-primas, energias necedores, organizações não governamentais, instituições de pes-
e processos de produção que possam garantir o seu retorno à nature- quisa, governo, imprensa ou demais atores da sociedade civil. Neste
za devidamente regenerados. diálogo, a troca de experiências e a exposição de ideias são impres-
cindíveis para a democratização da informação ambiental.
Quando dirigimos este olhar para o universo da comunicação am-
biental, enxergamos a necessidade de rever nosso modelo de criação, Cada vez mais, a sociedade cobra atitudes responsáveis das empresas e
produção e veiculação das mensagens. É preciso investir nas possibi- dos governos no que se refere à utilização de recursos ambientais e de
lidades de gerar processos criativos e situações que tragam contribui- suas matérias-primas exploradas de forma sustentável, visando à ge-
ções positivas, sem deixar de atender a suas finalidades e o respeito ao ração de emprego e renda e, principalmente, ao desenvolvimento dos
meio ambiente limpo e equilibrado. Não podemos esquecer que hoje, países. Neste processo, o Estado deve apresentar orientações sobre o
a sociedade tem uma nova escala de preocupações e as empresas pas- cumprimento de normas de controle ambiental. Estas medidas refle-
sam a ter necessidade de novos tipos de mensagens. As marcas que in- tem diretamente na imagem das organizações, o que, certamente, pro-
vestirem nestes processos certamente vão ter retornos garantidos nos voca uma maior preocupação com um sistema eficiente de gestão am-
seus negócios e em suas imagens perante a opinião pública. biental. Estas ações são estratégias que devem planejadas, sugeridas e
executadas pela área de Relações Públicas e mais uma vez o um profis-
Com este olhar diferenciado e competitivo é que os profissionais de
sional com esta formação e bem qualificado pode fazer a diferença.
relações públicas devem se preocupar para buscar o seu espaço neste
mercado promissor. Os produtos, serviços e ações de comunicação As relações entre meio ambiente, desenvolvimento e comunicação
ambiental vão proporcionar um novo diálogo com os consumido- são conflituosas por natureza. Para reconhecer a importância de pro-
res, nações e com a sociedade civil organizada. Com estas habili- teger florestas, águas, animais, cultura dos povos tradicionais e co-
dades empreendedoras e com a capacidade de responder de forma munidades locais, além da nossa rica biodiversidade é preciso saber
imediata e planejada as mudanças, é que as atividades executadas utilizar as estratégias de comunicação ambiental de forma eficiente.
pelos profissionais de Relações Públicas vão fazer a diferença neste Estamos avançando nesta relação e, hoje, os processos de controle,
mercado e desta forma, ocuparem espaços de credibilidade junto a fiscalização e licenciamento estão modernizados e, cada vez mais,
sociedade nacional e internacional. avançam em suas liberações e execução, levando-se em conta sua
necessidade para o desenvolvimento das nações e o retorno destes
O desenvolvimento sustentável se fortalece na medida em que as
benefícios a sociedade.
pessoas se envolvem e se comprometem com o tema. Desta forma,
é imprescindível investir na educação ambiental e na sensibilização O profissional de comunicação precisa conhecer, compreender e in-
da sociedade para assegurar o presente e garantir um futuro melhor terpretar a legislação ambiental. O controle das atividades humanas
para todos. É neste processo que entra a capacidade dos profissio- e a proteção dos ambientes naturais são regidos por leis, decretos e

30 31
Cenário 1 Mix Relações públicas/Comunicação pública

normas técnicas, cujo objetivo é assegurar a qualidade do meio am- nantes. O trabalho de comunicação ambiental tem o compromisso de
biente, a proteção da saúde das populações e a exploração sustentá- assegurar as belezas e riquezas do meio ambiente visando garantir
vel dos recursos naturais. uma melhor qualidade de vida para as sociedades e criar novas opor-
tunidades de geração de emprego e renda para as populações locais.
Do ponto de vista da gestão ambiental, o entendimento é de que a
preservação dos recursos da natureza represente uma oportunidade A missão do profissional de comunicação ambiental é árdua e seu
de fazer mais com menos, obtendo-se ganhos significativos e com re- maior desafio é conscientizar os cidadãos de que os espaços em
sultados de interesse dos países e da sociedade. Cada vez mais, os ci- que vivemos e dos quais temos a obrigação de sermos guardiões
dadãos cobram atitudes responsáveis no que se refere à utilização de do meio ambiente é de todos e por todos devem ser cuidados. É um
matérias-primas retiradas do meio ambiente e cabe às instituições segmento de mercado que ainda não é explorado pelos profissio-
apresentar orientações sobre o cumprimento de normas de controle nais de Relações Públicas e cada vez mais vem sendo ocupados por
ambiental. São medidas que interferem diretamente no conceito da outros segmentos.
imagem das organizações e subsidiam cada uma delas no desenvol-
vimento de um sistema de gestão ambiental avançado e executado Os processos de globalização econômica, os avanços tecnológicos
de forma sustentável e com responsabilidade social. das informações e as iniciativas de novas estratégias de comunicação
são fatores que provocam mudanças nas relações entre as organiza-
A ampliação e a consolidação desta prática refletem a crescente ções e os cidadãos. As instituições estão modificando seus planos de
preocupação das instituições com o desenvolvimento de uma sólida gestão e cada vez mais ajustam seus canais de comunicação visando
cultura interna de sustentabilidade, que exige, cada vez mais, com- uma maior troca de informações com os públicos para conquistar a
prometimento e aperfeiçoamentos contínuos das equipes técnicas confiança de cada um deles. As mudanças são visíveis e as organiza-
na busca de soluções que possam trazer melhores resultados no con- ções abrem espaços para o exercício e a prática da cidadania, do vo-
ceito da sociedade. luntariado, da responsabilidade social, da ética e da transparência.
Neste processo é fundamental a exploração e execução das ativida- Os ajustes visam unificar suas realizações de acordo com os interes-
des de comunicação interna. Os conhecimentos dos profissionais de ses econômicos, políticos, ambientais e sociais da sociedade.
Relações Públicas são necessários e estratégicos para a geração de
Nestes processos de transição, ajustes e consolidação das políticas
informações transparentes visando unificar o discurso institucional.
das organizações, os profissionais de comunicação estão conquis-
Estas atitudes têm como objetivo preparar cada vez mais as equipes
tando espaços. Pela formação mais holística nesta área, os Relações
técnicas para se comunicar de forma clara e segura sem prejudicar
Públicas levam vantagem e os mais preparados podem conquistar
a imagem das organizações e empresas no trato com seus públicos.
com mais facilidade um lugar no mercado. Suas atividades são di-
Estas atividades organizadas de forma correta contribuem para for-
recionadas para os campos estratégicos de planejamento e gestão
talecer o conceito positivo das organizações junto à opinião pública.
da comunicação das instituições. Nas áreas políticas e sociais, suas
O valor destes ambientes naturais e seu controle são importantes para atividades são desenvolvidas visando consolidar com maior respon-
as tomadas de decisões estratégicas dos países, das empresas e gover- sabilidade, o conceito das marcas e imagens das organizações.

32 33
Cenário 1

Os profissionais de Relações Públicas têm um papel estratégico na


administração e percepção do clima organizacional das instituições
públicas e privadas. São eles os mais preparados para contribuírem
na análise dos planos de gestão das organizações identificando pro-
blemas, soluções e oportunidades nos campos sociais, políticos, eco-
NAQ
nômicos e principalmente nos segmentos de comunicação. A aplica- not answered questions ou
ção dos conceitos de comunicação ambiental e a utilização correta perguntas não respondidas
das ferramentas de Relações Públicas nas organizações tornam os
empregados mais conscientes de suas responsabilidades. Esta prá-
tica se aplica nas instituições que têm políticas públicas definidas de Cássia Cinque
acordo com seus compromissos e segmentos de produtos e serviços.

O profissional de comunicação tem a obrigação de estar capacitado


Apresentação
para responder por estas atividades. É de sua competência assesso-
rar os dirigentes em decisões que possam ter repercussão na opinião Estar hoje aqui comemorando os cinquenta anos do CONRERP 3ª
pública, estar atento a tudo que acontece em torno dos negócios das região – Conselho Regional de Relações Públicas é motivo de mui-
organizações e das empresas e principalmente estar muito bem in- ta honra e alegria para mim. Agradeço em nome da Anita Cardoso o
formado sobre a cobertura da mídia nos segmentos do seu mercado gentil convite para compor este livro com um pouco da minha expe-
de atuação. riência, ao longo de 34 anos de carreira, após minha formação como
Relações Públicas é uma profissão regulamentada por Lei, tem ca- Relações Públicas pela PUC/MG.
racterísticas abrangentes e lida diretamente com administração e Parabenizo o CONRERP 3ª região pela constante defesa da profis-
planejamento estratégico da comunicação nas organizações, empre-
são de Relações Públicas nestes 50 anos, sempre com muito respei-
sas e instituições publicas e privadas. Os trabalhos de comunicação
to, empenho e disciplina. Sem o CONRERP teríamos uma trajetória
e meio ambiente são desafios e devem ser sempre fundamentados
mais difícil em defesa da nossa profissão.
com precisão, profissionalismo, responsabilidade social, muita pai-
xão e determinação na busca dos resultados planejados. O convite era para expor aqui um pouco do que aprendi durante a mi-
nha jornada profissional como Relações Públicas. Refleti muito sobre
o que poderia dividir com vocês e escolhi o caminho de compartilhar
os dilemas até aqui não solucionados, no intuito de mostrar um pou-
co as dúvidas e fragilidades que me acompanham na minha carrei-
ra. O tema escolhido para este capítulo são as NAQ - Not Answered
Questions (Perguntas Não Respondidas) que me incomodam e que
me instigam a encontrar respostas mais convincentes.

34 35
Cenário 1 Mix Relações públicas/Comunicação pública

Parodiadas da nomenclatura FAQ, Frequent Asked Questions (Per- Fui mudando de empresa e ramos de atividade ao longo da minha
guntas Mais Frequentes), que servem para o esclarecimento do po- carreira e a pergunta do meu pai só ia ficando mais sofisticada na
sicionamento de pessoas e instituições, as NAQ’s são fruto de meus vã esperança de descobrir em que sua filha havia se transformado
questionamentos passados e presentes que ainda não se esclarece- depois de crescer. Você ministra treinamento? Faz pesquisa? Por
ram, seja por minha ignorância, teimosia ou descrença. que está sempre viajando? E eu sempre repetia o mantra que cons-
Sou testemunha e admiradora da evolução das organizações, prin- ta nos dicionários, sem muita convicção: “Entende-se por Relações
cipalmente em momentos de mobilização social em torno da pauta Públicas o esforço deliberado, planificado, coeso e contínuo da Alta
de costumes e de crises globais como a pandemia do Coronavirus. Administração para estabelecer e manter uma compreensão mú-
Temos visto organizações por todo o mundo se reinventarem para tua entre uma organização pública ou privada e seu pessoal, assim
evoluir neste mundo tão diverso e turbulento que estamos viven- como entre essa organização e todos os grupos aos quais está ligada
do. Este capítulo não é uma crítica pela crítica, mas sim uma auto direta ou indiretamente”. Ficou claro? Claro que não. Nem para o
confissão da minha incapacidade de trazer respostas claras para meu pai nem para o seu.
estas dúvidas. Que fique bem claro também que hoje é difícil isolar
A subjetividade da definição, que tenta abarcar o impossível, gerou
a disciplina de Relações Públicas do todo da Comunicação, mesmo
muitos equívocos em relação ao nosso papel nas organizações e até
que ainda se mantenha a subdivisão. Mais correto e atual pensar a
preconceito entre nossos pares comunicadores. Lembrando a fami-
Comunicação de forma integrada. No decorrer do capítulo, preten-
gerada piada do pavê, distribuidores de chaveiros era o mínimo que
do me referir igualmente aos dois termos para melhor compreen-
se falava de nós. Na falta de uma compreensão do real, agarrávamos
são do raciocínio.
a qualquer tarefa, já que qualquer uma delas poderia estar ligada a
Então vamos lá. Oito perguntas que, para mim, continuam um enig- algum grupo ou interesse da organização.
ma. Você é meu convidado para ajudar a respondê-las e, quem sabe,
chegarmos juntos a uma resposta no final. Depois de esbarrar em muitas zonas cinzentas dentro das organiza-
ções já ocupadas por outras disciplinas como o RH, Relações com Co-
NAQ 1: Mas com o que você trabalha mesmo? munidade etc, vimos que a evolução da compreensão sobre Relações
Públicas passou necessariamente pelo planejamento da dissemina-
Esta foi uma pergunta que acompanhou meu pai durante sua exis- ção de narrativas por meio do uso dos canais adequados até chegar
tência após a minha formatura no curso de Comunicação/Relações até aos públicos, ou personas, das organizações. Ao longo deste ca-
Públicas. Desejando que sua filha escolhesse uma profissão mais pítulo vamos explorar a questão da narrativa para que um dia pos-
pragmática como a Arquitetura ou Desenho Industrial, ele sempre
samos estabelecer o nosso real lugar nas organizações e na conversa
cravava esta pergunta nas nossas conversas. O pior de tudo não era
com nossos pais.
a insistência dele na dúvida, mas sim a minha incompetência em
respondê-la satisfatoriamente, pois eu não tinha mesmo uma res- Sigamos para a próxima NAQ que, no seu conjunto, vão se interligando
posta clara. no processo de questionamento sobre a evolução da Comunicação.

36 37
Cenário 1 Mix Relações públicas/Comunicação pública

NAQ 2: Não seria a Comunicação parte indissociável da Gestão? E esta real compreensão sobre a verdade tem que estar na mesa do
board e on board. Não tem escolha.
Sempre admirei os líderes que chamavam para a mesa a Comuni-
cação quando da discussão de temas que necessitavam de uma es- Crises econômicas globais sucessivas, crises institucionais à beira do
tratégia clara de disseminação. Mas a admiração muitas vezes se surreal e a pandemia, agravada por questões políticas e sociais, des-
transformava em decepção quando o verdadeiro motivo atrás da nudaram toda e qualquer narrativa baseada no ideal e não no real.
“estratégia de Comunicação” era um líder vaidoso, ávido por bater o Tudo está sendo repensado e é vital que a Comunicação seja parte da
construção desta nova gestão
bumbo sobre as suas realizações. Não raro também a própria Comu-
nicação usava os canais para falar de suas realizações, como sendo o
NAQ 3: Como engajar de verdade? De verdade!
departamento um fim em si mesmo.
Poxa, esta pergunta é difícil, não é mesmo? Não sei se por ceticismo,
Aos poucos fui entendendo que a minha crença se baseava mais na
mas acho que boa parte das ações de comunicação, sejam internas
necessidade de a Comunicação fazer parte da alta administração na ou externas, vão parar no limbo cerebral da sua pretensa audiência.
origem, onde as decisões são construídas e tomadas, do que num Baseadas na premissa organizacional do “eu sei o que é bom para
Departamento de Comunicação esperando as demandas chegarem. você e você precisa me ouvir”, estas ações disparam o gatilho mental
Ou seja, a Comunicação não mais como instrumento mas como par- da inércia, do imobilismo e do falso engajamento. Comunicação é a
te indissociável da estratégia organizacional. Algumas organizações arte estratégica de conectar o desejo com o agir coerente, não impos-
seguem nesta direção, mas penduram outras disciplinas no cargo de to. É uma arte poucas vezes exercida e apreciada em sua plenitude.
quem responde pela Comunicação. Sustentabilidade, Relações Ins-
Engajar é tocar a alma e despertar para a ação. Um ato contínuo, sin-
titucionais, RH, Saúde e Segurança, dentre tantos outros, são exem- cronizado. E como é possível tocar a alma? Não seria pela busca da
plos deste arranjo nada produtivo. É claro que não dá certo. A res- verdade, seja ela qual for? Não da verdade idealizada nos propósitos
ponsabilidade pela Comunicação deve ser exclusiva de um membro organizacionais ou manuais de autoajuda, mas na verdade verbali-
do board, pois ela já é por si estratégica e complexa demais. A for- zada pelo ser humano que engendra o imperfeito, o divino, as con-
mação em Comunicação também é obrigatória para este profissional tradições, os medos e a coragem? Entender e traduzir este mix im-
que ocupa este cargo. Quantos advogados, engenheiros, psicólogos perfeito humano numa narrativa capaz de levar à ação coletiva não é
já não vimos ocupá-los com tanto desconhecimento no currículo? o que deveríamos chamar de verdadeiro engajamento?

Atrevo-me a dizer também que a Comunicação deveria fazer parte Falo de um lugar hoje onde o distanciamento me permite ver clara-
de todo e qualquer programa de formação de líderes. E não estamos mente que nós, comunicadores, no afã de atender a uma demanda
falando aqui sobre mídia training, hein? Estamos falando da com- e com uma agenda atribulada, nos distanciamos tanto deste ofício
artístico, copiando fórmulas, replicando formatos e nos baseando
preensão profunda de como uma organização deve ser percebida in-
somente no nosso próprio saber para engajar. Ledo engano, vaidade
terna e externamente pelas suas narrativas. O quão mais coerentes
e muito desperdício de recursos.
elas forem com a verdade e com os anseios e valores da sociedade,
mais espaço ela terá para se destacar no cenário nacional e global. Resposta e engajamento em construção...

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Cenário 1 Mix Relações públicas/Comunicação pública

NAQ 4: Aonde o Digital vai levar a Comunicação? vra Sustentabilidade que é complexa na sua origem. Achamos que
sustentabilidade é uma coisa quando na verdade é outra. E tenta-
Com certeza muito longe e de uma forma totalmente diferente. Hoje
mos comunicar o que achamos que é. E nesta dança dos conceitos, a
estamos vivendo a transição entre um pensar tradicional e um agir
mensagem fica difusa, desfocada entre o desejo de ser o que não é e
digital. Ainda vemos incoerências e inconsistências, mas a evolu-
a realidade.
ção em curso é linda de testemunhar. Uma verdadeira revolução de
meios, nomenclatura, formatos, estratégias, ritmo. Outra hipótese para a dificuldade de comunicar a Sustentabilidade de
Palavras do Marketing Digital, como conversão, SEO, funil de ven- forma eficiente reside na falta de engajamento real do público com o
das, experiência do usuário, jornada, dor, personas, sucesso do clien- tema. Na maioria das vezes o que vemos é uma comunicação da Sus-
te, inbound vem sendo inseridas rapidamente no jargão convencio- tentabilidade que, embora bem intencionada e embasada em ações
nal da Comunicação e a forma como ela é medida e avaliada. concretas, passa pela autopromoção de ações pontuais das institui-
ções, sejam elas públicas, privadas ou filantrópicas, desconectadas de
Basta olhar os sites de vagas de emprego disponíveis para ter certe- um pacto realmente global ou setorial em prol das condições de vida
za desta revolução. O profissional analógico de comunicação perdeu no planeta. Mesmo quando atreladas às ODS’s (Objetivos de Desen-
seu espaço no mercado e um novo mundo de conhecimento se abre
volvimento Sustentável da ONU) ou Acordo de Paris, por exemplo, as
para a Comunicação. Sairá na frente quem conseguir adaptar os con-
ações de comunicação não convencem da forma como deveriam, pois
ceitos digitais à comunicação interna, por exemplo. Mapear as per-
são vistas como isoladas e insuficientes para dar conta dos inúmeros
sonas de uma organização, e não mais o público interno, sua jornada
problemas ambientais, sociais e econômicos que afligem o planeta.
de aprendizado e engajamento, adaptar a narrativa aos novos canais
disponíveis farão toda a diferença no resultado a ser alcançado. Fácil não é, mas a comunicação da Sustentabilidade deve resistir aos
encantos fáceis do oportunismo autopromocional e partir para a ação
E esta revolução, acelerada pela pandemia, está somente no começo.
A Inteligência artificial, o home office, a revolução de costumes está coordenada entre os setores econômicos, governos e a sociedade. Só
gerando muitas outras perguntas ainda sem respostas. Vamos juntos este real engajamento fará da Sustentabilidade um assunto desejado.
construir este novo mundo.
NAQ 6: Como comunicar a Diversidade sem ser patético?
NAQ 5: Como comunicar a Sustentabilidade sem ser chato? Os últimos anos têm sido pródigos em escancarar as formas de pre-
Esta pergunta é chata, hein? Quem aqui não sofreu com a elaboração conceito da sociedade contra o racismo, o machismo, a homofobia,
de um briefing para comunicar ações de sustentabilidade sem igual- os deficientes físicos etc. Um movimento notável rumo a uma so-
mente sofrer com os resultados alcançados? Campanhas internas e ciedade mais justa e igualitária. São inegáveis e muito louváveis os
externas vazias, repetitivas, sem diferencial, bastando somente mu- avanços que vimos alcançando no sentido de incluir o diverso como
dar a marca da empresa de uma campanha para outra. parte imprescindível do desenvolvimento humano.

Sempre me questionei o porquê desta dificuldade e acho que são No entanto, a comunicação da Diversidade ainda não encontrou o
várias as hipóteses prováveis. A primeira delas diz respeito à pala- tom correto, embora esteja se esforçando para quebrar os padrões

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Cenário 1 Mix Relações públicas/Comunicação pública

estéticos rígidos de décadas passadas. Quando paramos para anali- diminuem e surge a empatia do público em relação à sua posição,
sar, por exemplo, os comerciais de TV hoje no ar, deparamo-nos com mesmo com todas as imperfeições reais das organizações. Ser im-
uma fórmula quase que idêntica nos roteiros: a presença obrigatória perfeito faz parte da humanidade e quando assumimos esta im-
de negros, gays, pessoas com deficiência, inseridos como num passe perfeição nos conectamos com a verdade. Não adianta assumir
de mágica, num mundo do alto padrão de consumo, como se a cami- uma narrativa de excelência junto ao público interno, por exemplo,
nhada contra o preconceito já tivesse chegado ao final. quando é este o primeiro a sentir a incoerências e a distância do
discurso e da prática.
Claro que mostrar o ideal pode ajudar na construção de novas narra-
tivas e realidades contra o preconceito, mas precisamos ainda atra- Só para dar uma dimensão do que penso sobre a comunicação da
vessar o caminho do meio que é o da conquista de novas oportunida- verdade, a linguagem que me vem à cabeça é a de um documentário
des reais para todos. Tenho como exemplo mais recente o Magazine jornalístico e não o da publicidade. O documentário detalha a jorna-
Luiza que abriu um processo seletivo de trainee exclusivo para ne- da, a publicidade pinça o perfeito, o ideal. O primeiro mostra vários
gros, dando a eles concretamente novas perspectivas de avanço na pontos de vistas, a segunda é unidirecional. O primeiro convence, o
carreira. Outra iniciativa do mesmo Magazine Luiza, que ajuda na segundo gera desconfiança.
luta das mulheres contra a violência doméstica, mostra como o ca-
Mas, enfim, como esta ainda é uma NAQ, fica aqui o convite para
minho do meio, ou seja, da parceria na conquista de direitos, pode
pensarmos em formas diferentes de comunicar a verdade das orga-
dar o tom de uma comunicação realmente inclusiva.
nizações, de verdade.
Esta é uma pergunta ainda sem uma resposta, mas que está no cami-
nho certo para ser elucidada. NAQ 8: Como enfrentar as grandes crises institucionais?

Já passei por algumas crises institucionais que levaram a reputação


NAQ 7: Como comunicar a verdade da organização?
de marcas literalmente para a lama. Crises que começam geralmente
Já está claro que o real engajamento dos públicos das organizações numa sexta-feira à tarde, quando o espírito já está no final de sema-
passa pela verdade. Aqui caberia uma discussão filosófica sobre o na, sem nenhum ânimo para assuntos de trabalho.
que é a verdade, já que ela pode ser definida de várias formas. Para
Geralmente a crise começa com o telefonema de um analista de co-
facilitar a reflexão, vamos definir neste contexto que a verdade da
municação para seu gerente com um relato resumido e minimizado
organização é a sua real intenção ao estar inserida num ambiente de
do que aconteceu, pois as informações ainda são escassas. Para usar
negócios, seja ele público, privado ou filantrópico, seus desafios re-
a palavra da moda, o negacionismo entra em campo e ninguém tem
ais, suas formas de atuação, seus avanços e dificuldades, suas intera-
a menor ideia do que pode estar acontecendo do lado de fora dos
ções com a comunidade, seu modo de alcançar os objetivos e a forma
muros da organização. Aos poucos, a mídia e as redes sociais come-
como se comunica com o público interno.
çam a entrar em campo e a dar uma noção cruel do que pode estar
Quando a verdade é exposta de forma genuína e espontânea, sem acontecendo, pois ela também não sabe e começa a fazer perguntas
as amarras da estética perfeita e da narrativa ideal, as resistências que ninguém sabe a resposta. Neste momento instala-se a dissonân-

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Cenário 1 Mix Relações públicas/Comunicação pública

cia cognitiva generalizada e nenhum treinamento ou manual de cri- Conclusão


se é capaz de dar conta do inominável. A crise começa simultanea-
As oito NAQ’s apresentadas aqui, como dito anteriormente, resu-
mente para todos os envolvidos, esta é a grande verdade. É uma caixa
mem as dúvidas que eu ainda não consegui responder com conheci-
de Pandora que se abre repentinamente, espalhando a incerteza, o
mento de causa. Bom que fique claro que são dúvidas individuais e
medo e a vulnerabilidade.
não necessariamente coletivas. Penso serem tópicos que me desper-
A jornada da crise parece se repetir segundo um padrão. O execu- tam maior fonte de questionamentos e interesse.
tivo principal da organização assume o papel de herói para tentar Tenho a certeza que estas perguntas já foram respondidas por profis-
blindar a imagem da empresa, se superexpõe ao escrutínio público sionais e empresas de atestada competência mas que, infelizmente,
e, normalmente, é em seguida afastado do cargo para dar mais le- talvez as respostas ainda não tenham sido disseminadas o suficiente
gitimidade à empresa para condução do processo, já que a crise foi a ponto de se tornarem conhecimento.
causada na sua gestão e alguma responsabilidade ele pode ter tido;
o jurídico entra em campo recrudescendo o diálogo com as partes Pretendo continuar a minha jornada profissional e pessoal na busca
interessadas; o caos instala-se. por respostas que me convençam de qual o melhor caminho a seguir.

O fato é que nenhuma organização, à exceção das maiores compa- Espero que estas perguntas tenham despertado o interesse de pro-
nhias aéreas e algumas do setor de mineração, está verdadeiramen- fissionais de comunicação em respondê-las e compartilhar conhe-
te preparada para uma crise de grandes proporções. Cada crise tem cimento e experiências que nos ajudem a seguir na direção de novos
patamares da Comunicação nas organizações e na sociedade.
uma dinâmica própria e não adianta achar que manuais são suficien-
tes para enfrentá-las. Os treinamentos também são na maioria das
vezes ilustrativos e pontuais, imaginando que uma crise tem prazo
para acabar. A crise tem um calendário próprio e particular. Ela pas-
sa a fazer parte da rotina da organização por vários meses ou anos,
fato tratado com superficialidade nos cursos e manuais.

Penso que a resposta passa pelo conhecimento adquirido sobre o


tema em setores e países que já enfrentaram repetidas crises e que
podem ajudar a criar e disseminar uma cultura organizacional vol-
tada para crise, pois, o certo é que um dia ela chega, infelizmente.
A reputação das marcas depende principalmente da sua capacidade
ética de se preparar e enfrentar as crises e, por isto, deve fazer par-
te dos assuntos prioritários da gestão. Sairão fortalecidas as marcas
que encararem e repararem seus erros de frente, com a dignidade e
resiliência necessárias.

44 45
INTeRfACeS eNTRe
COmuNICAçãO COmuNITáRIA e
RelAçõeS públICAS pOpulAReS

Cicilia M. Krohling Peruzzo

Resumo

Este texto trata da comunicação para a cidadania desenvolvida por


setores organizados da sociedade civil que visam contribuir para mu-
danças em benefício dos segmentos sociais oprimidos. Trata-se de
um estudo baseado em pesquisa bibliográfica que objetiva sistema-
tizar os principais conceitos de comunicação comunitária e mostrar
suas interfaces com as relações públicas quando inseridas no âmbito
dos movimentos sociais populares e demais organizações do terceiro
setor. Conclui-se que a comunicação popular e as relações públicas
populares ao se inserirem na práxis social mobilizadora, mesmo que
repletas de especificidades, têm interfaces indivisíveis ao colarem
saberes especializados em favor do exercício da cidadania de atores
coletivos cívicos voltados à transformação da sociedade.

Palavras-chave

Comunicação comunitária. Comunidade. Cidadania. Relações Pú-


blicas Populares.

Introdução

A Comunicação Popular, Comunitária e Alternativa e as variantes


como Comunicação e Educação, e Comunicação para a Mudança

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Cenário 1 Mix Relações públicas/Comunicação pública

Social, uma vez direcionadas para ampliar a qualidade da cidada- etc., que difundem podcasts e vídeos produzidos por coletivos de co-
nia, tem sido temas recorrentes em congressos do campo da Comu- municação alternativa. A tudo isso somam-se os boletins e jornais
nicação no Brasil e em outros países, principalmente, no âmbito de comunitários, panfletos, faixas, cartazes, passeatas, peças de teatro,
grupos de trabalho – espaços em que são apresentados resultados de poesias, além de dinâmicas de comunicação face a face interpessoal
pesquisas acadêmicas. No nível interno das universidades, no Brasil, e grupal presencial ou mediada por tecnologias, que de acordo com
estas temáticas, em geral, também fazem parte de conteúdos teó- cada conjuntura, fazem parte desse segmento comunicacional.
ricos de disciplinas, bem como de projetos extensão e trabalhos de
conclusão de cursos, tanto de graduação quanto de especialização Comunicação comunitária e conceitos de comunidade
e de mestrado e doutorado e, inclusive, fazendo parte de linhas de
No conjunto, o que caracteriza a comunicação comunitária é sua
pesquisa de Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social.
organicidade com alguma comunidade, ou seja, ela pertence a uma
Este texto se baseia em pesquisa bibliográfica, mas com ênfase em comunidade, é feita por ela e para ela, salvo algumas exceções em
uma abordagem analítica ensaística, objetiva sistematizar os princi- que pessoas ou grupos cívicos, mesmo sem a participação ampla das
pais conceitos de comunicação comunitária e mostrar suas interfa- pessoas da comunidade, “representam” uma comunidade ou seg-
ces com as relações públicas populares, ou seja, quando inseridas no mento social específico, porém, igualmente desenvolvendo um tra-
âmbito dos movimentos sociais populares e demais organizações do balho comunicativo de caráter comunitarista.
terceiro setor. Contudo, o termo comunidade, apesar de ser bastante utilizado não
Quando o assunto é comunicação popular e comunitária, além das é uníssono. É empregado com sentidos distintos e, às vezes, até de
formas de comunicação dialógica direta face a face, interpessoal e modo equivocado, quando referido à situações de relações sociais de
grupal, mas também a mediada por aplicativos tipo wthatsapp, além baixa densidade, ou de uma proximidade apenas superficial e apa-
do empoderamento de canais de comunicação nos diferentes siste- rente. Por exemplo, quando se toma comunidade como sinônimo de
mas tecnológicos, do rádio à internet. Especialmente rádios comuni- bairro, um território não necessariamente intercomunicativo e coo-
tárias e canais comunitários de televisão a cabo, que existem em di- perativo. Mas, no bairro podem existir comunidades tanto territoriais
como de outros tipos de afinidades. Comunidade pressupõe a exis-
ferentes formatos, tanto os legalmente instituídos com base em leis e
tência de vínculos sólidos entre seus membros, participação, identi-
os decretos quanto de outras formas de comunicação de caráter sem
dades e interesses em comum. Implica em compartilhamento de ob-
fins lucrativos, como as emissoras comunitárias não legalizadas (o
jetivos e na participação ativa das pessoas na vida da comunidade.
sistema de autorização do governo federal é marcado pela lentidão
na avaliação e atendimento, além de não atender toda a demanda), o Mas, o que é afinal comunidade? Em síntese, ainda não existe um con-
alto-falante, podcast e a webradio. No segmento televisivo, além dos ceito que possa dar conta das distintas vivências de cunho comuni-
canais comunitários na TV a Cabo, precedido por raras experiências tário, pois, diferentes visões podem ser justificadas em conformidade
de TVs livres que “roubavam” espaços no sistema aberto, existem a com o contexto. Contudo, como diz Bauman (2003, p.7), “a palavra
TV de Rua, a WebTV, o vídeo documentário e os canais e perfis das ‘comunidade’ [...] sugere uma coisa boa: o que quer que ‘comunidade’
mídias sociais digitais, a exemplo do YouTube, Facebook, Instagram signifique, é bom ter ‘comunidade’, ‘estar em comunidade’”.

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Cenário 1 Mix Relações públicas/Comunicação pública

Goldsmith (1999, p.140-142), observa que em detrimento das comu- é somente uma expressão de transbordante anseio pela Vida em sua
nidades de obrigação tradicionais herdadas e mais estáveis – nas totalidade. (...)”. Portanto, a comunidade que se escolhe participar é
quais as pessoas são inseridas por circunstâncias históricas e tradi- aquela com a qual há identificação de sentimentos de cooperação e
ções, tais como comunidades as geográficas, religiosas, culturais, or- compromisso que transbordam os interesses individuais.
ganizativas/profissionais e de serviços voluntários – as comunidades
Entendo que, concretamente, os movimentos sociais populares vêm
do futuro serão “comunidades de eleição”, “de escolha” ou “comu-
constituindo no seu interior esse tipo de comunidade a que se refere
nidade de interesse”, favorecidas pelo ambiente globalizado e inter-
Buber; na expressão agregativa que realizam na feitura da história
conectado pelas tecnologias modernas. A ênfase de sua abordagem,
dos povos latino-americanos, em suas lutas diárias em benefício de
no texto mencionado, recai apenas sobre as novas tendências de
uma vida digna para coletividades humanas, superando o individua-
criação de formas de organização “diante da expansão do potencial
lismo e fortalecendo o caráter comunitário de suas ações e propos-
para comunicarmo-nos de maneira instantânea e massiva por todo
tas. Porém, movimento social não é sinônimo de comunidade. Como
planeta [devido às tecnologias] e, em estreita vinculação com esta,
já apontei em outro texto (PERUZZO, 2002, p.288-289), embora o
a capacidade de criar comunidades de eleição” (GOLDSMITH, 1999,
p.131). Mas, outros tipos de comunidade de eleição, ou de escolha, individualismo seja uma das marcas da sociedade contem-
permeiam esse universo. porânea, há também uma tendência à agregação e à parti-
cipação social. Embora os processos de globalização sejam
Martin Buber (1878-1965), depois de discutir os limites das concei- implacáveis, simultaneamente geram-se processos de va-
tuações de Tönnies ([1935] 1995), já apontava para esse novo tipo de lorização do local e do comunitarismo [...]. [Entre as várias
comunidade ao afirmar que “a forma de vida humana em comum formas de agregação estão desde grupos de mulheres, de
ambientalistas, moradores de uma localidade, pessoas sem
não pode ser imposta de fora sobre grupos humanos ativos; ela deve
terra, negros...], grupos de ajuda mútua, associações, redes
emergir do interior em cada tempo e lugar. [...] A comunidade se ba- de movimentos sociais, cooperativas, até comunidades reli-
seia nos laços de escolha, não mais nos laços de sangue” (BUBER, giosas, grupos étnicos, entre milhares de outras.
1987, p.37-39, grifo meu).
É neste contexto que as experiências de comunicação popular,
As comunidades de escolha não dizem respeito apenas àquelas “co-
comunitária e alternativa - e suas derivações educativa, participati-
munidades de interesse”, as quais se escolhe participar por razões
va, radical, cidadã - mais exitosas em termos de organizacidade aos
pessoais, identitárias, políticas etc., criadas a partir das circunstân-
movimentos populares e o cultivo do caráter comunitário se desen-
cias tecnológicas, conforme aponta Goldsmith. Porém, comunidades
volve, ou seja, no bojo dos movimentos populares nos quais novas
de escolha existiram antes dessas tecnologias, e existem para além
comunidades de escolha também são constituídas.
delas. A partir de Buber (1987, p.33-34), outra perspectiva aparece ao
colocar que uma nova forma de comunidade tem como finalidade “a Voltando aos conceitos de comunicação popular e comunitária, esta
si mesma e a Vida. A nova comunidade tem como finalidade própria caracteriza-se por uma comunicação de proximidade por intermé-
comunidade. (...) Vida que liberta de limites e preconceitos. (...) Co- dio de processos interação social constituídos no nível de grupos, re-
munidade e vida são uma coisa só. A comunidade que imaginamos des, coletivos, comunidades organizadas – dos mais diferentes tipos,

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Cenário 1 Mix Relações públicas/Comunicação pública

sejam as de base geográfica ou por identidades de matriz cultural, Outro fator que pode enuviar a compreensão de comunidade é que
histórica, linguística, étnicas, território físico, de ação política ou por ela também tem sido empregada no sentido do senso comum, como
compartilhamento de circunstâncias de vida em comum. Ela é ba- qualquer aglomerado de pessoas, principalmente, ano âmbito da
seada em princípios de ordem pública, tais como contribuir com os mídia convencional e, ainda, para caracterizar alguns jornais e seg-
processos mobilizadores da própria comunidade, difundir conteú- mentos de programação televisas ou radiofônicas voltados às classes
dos com a finalidades educativas, culturais e a ampliação da cidada- ditas populares. Mas, o que mais atrapalha a concepção de rádio co-
nia, não ter fins lucrativos e propiciar a participação ativa da popula- munitária, por exemplo, é apropriação do termo por pessoas ou gru-
ção em todo o processo do fazer e gestar a comunicação. pos locais que operam meios de comunicação de baixo alcance, sob
O cerne desse segmento comunicacional consiste em pertencer a a proteção da legislação de meios comunitários, mas que a move se-
uma comunidade e a ela se dirigir, expressando seus interesses e gundo lógicas da mídia convencional, tanto em termos de conteúdos
necessidades comunicacionais, além de privilegiar a propriedade quanto na priorização dos seus próprios interesses mercadológicos.
coletiva e a gestão compartilhada dos meios feitas por pessoas da Para além dessas controvérsias, os meios comunitários e outras for-
própria comunidade.
mas de comunicação cidadã do povo, são aqueles que tem segmen-
Contudo, nas práticas sociais às vezes também existem distorções tos cívicos organizados da população como protagonistas, aqueles
e antagonismos, o que gera controvérsias no nível do debate e com- gestados por associações comunitárias e movimentos populares
preensão dos conceitos de comunicação comunitária e afins. Por um portadores de conteúdos comprometidos com a conscientização,
lado, porque depende da visão que se tem de comunidade e com a prestação de serviços de interesse público e mudança social em be-
qual se trabalha e, por outro lado, devido ao fato de que nem todas nefício do desenvolvimento comunitário e do respeito aos direitos
as iniciativas de meios de comunicação nas localidades fazem jus humanos e de cidadania. Portanto, contribuem para a democratiza-
sempre ao sentido comunitarista desejável e, assim, acabam se dis- ção da comunicação.
tanciando dos conceitos. Por exemplo, às vezes ocorre a apropria-
ção do espectro radiofônico de baixa potência, estabelecido pela lei Desse modo, sem desconsiderar a importância, a necessidade e
9.612/1998, mesmo que em nome de associações ou fundações, por a validade da mídia convencional no Brasil, melhor dizendo, dos
pessoas e grupos que não respeitam as finalidades estabelecidas na meios nacionais, regionais e locais de comunicação, que exercem a
lei e acabam priorizando o proselitismo religioso discriminatório, os liberdade de informação, oferecem entretenimento e prestam ser-
interesses comerciais e gestão personalizada. Também ocorre casos viços de interesse público e, no caso dos meios regionais e locais,
em que as lideranças o fazem por falta de informação (BERTI, 2013), contribuem com a informação local ao prezarem os conteúdos ade-
pois ao não dominarem conceitos e visões de comunitário acabam rentes às localidades, há distinções em relação aos meios comuni-
pondo em prática sua vontade de operar rádios locais baseando-se na tários a serem preservadas. Não se trata de que um meio regional
própria experiência que têm com os meios comerciais. Todavia, esse ou local não possa ser comunitário, mas não basta ser local para ser
fenômeno não pode ser generalizado, pois, existem emissoras em nú- comunitário. Determinados princípios e os elementos intrínsecos
mero expressivo que prezam o sentido comunitarista e os princípios dos conceitos de comunidade, alguns dos quais apontados antes,
legais contribuindo para o desenvolvimento social e comunitário. constituem parte dos fundamentos da concepção de comunicação

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Cenário 1 Mix Relações públicas/Comunicação pública

popular e comunitária. Ou seja, não basta um programa de televi- Conceitual e historicamente, a comunicação comunitária deriva da
são ou uma emissora de rádio se autodenominar comunitário, as- comunicação popular que também recebe denominações como al-
sim como não basta estar situado numa pequena localidade e saber ternativa, participativa, dialógica, educativa, radical etc. Em suma,
falar a língua do “povo” ou “das coisas do povo” para caracteri- devido as proximidades conceituais advindas das práticas historica-
zar-se como comunitário, pelo menos não no sentido profundo da mente situadas no contexto dos movimentos sociais e comunidades
palavra e práticas inerentes ao comunitarismo como compromisso tem-se usado distintas expressões, mas que no conjunto caracteri-
com a vida, com o interesse público. zam uma contra-comunicação, ou uma outra comunicação, como já
disse Mário Kaplún (1985) nos anos 1980. Apesar de haver, com o
As especificidades do comunitário se complementam com mais um
passar do tempo, algumas distinções (PERUZZO, 2009) entre comu-
sentido, o da formação – educação informal cidadã – que um meio
nicação popular, comunitária e alternativa, é possível, por um lado,
de comunicação comunitário tem o potencial de propiciar. Por in-
tomá-las no seu conjunto quando se pretende uma visão mais glo-
termédio da participação ativa da/os cidadãs(os) em todos os pro-
bal, respeitando as nuances históricas que elucidaram os conceitos.
cessos do fazer comunicativo – organização, planejamento, captação
Por outro lado, nas práticas sociais é difícil e até imprudente estabe-
da informação, sistematização e difusão - também se contribui para
lecer fronteiras rígidas entre comunicação popular, comunitária e al-
o desenvolvimento intelectual, e não apenas através dos conteúdos
ternativa devido as interfaces reveladas nas práticas sociais, mesmo
que são difundidos e recebidos. Em outras palavras, não são só os
que o alternativo tenha assumido características mais específicas2,
conteúdos transmitidos que ajudam no desenvolvimento social, mas
todo o envolvimento participativo dos membros da comunidade no quando se manifesta no segmento imprensa alternativa. É que tam-
planejamento, na produção, difusão de mensagens e na gestão, dire- bém existem boletins ou pequenos jornais alternativos no âmbito do
tamente ou por intermédio de representantes. Portanto, o que define popular que confluem na direção da comunicação popular.
a comunicação comunitária não são apenas características como as Enfim, apesar de denominações diferentes, na prática os objetivos,
de ser de pequeno porte e possuir vínculo com alguma comunidade, processos desenvolvidos e a estratégia são semelhantes, ou no mí-
mas também não ter fins lucrativos, transmitir conteúdos emanci- nimo, em última instância, convergem no interesse cívico por mu-
patórios, possibilitar a participação efetiva do/as cidadãs e cidadãos danças na sociedade. Contudo, a expressão comunicação popular3
na produção de conteúdos e, ainda, prezar a propriedade coletiva1 e adequa-se melhor como conceito mãe ao qual alinham-se vertentes
exercitar a desejável gestão compartilhada. É o conjunto de fatores, comunicacionais historicamente derivadas dela, como as de cunho
que não necessariamente vão aparecer todos juntos numa mesma comunitário e alternativo. A semelhança, ou melhor, as congruên-
experiência, que define o caráter comunitário de um meio de comu- cias entre diferentes iniciativas revelam terem em comum a busca
nicação. A realidade de cada lugar e as práticas vivenciadas é que vão da transformação de estruturas opressoras da condição humana e
mostrar a cara dessa comunicação. impedidoras da liberdade de expressão popular, das classes subal-
1 Porém, consideramos que algumas experiências não deixam de ser comunitárias ao serem 2 Ver Peruzzo (2009)
desenvolvidas por pessoas individualmente ou serem de propriedade particular de algum
líder comunitário, como é o caso de iniciativas de alto-falantes ou de transmissão audiovis- 3 A expressão comunicação popular deriva do conceito povo, na acepção de povo como
ual. Depende dos objetivos e das práticas efetivadas. classe subalterna.

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Cenário 1 Mix Relações públicas/Comunicação pública

ternizadas. Trata-se de um fenômeno comunicacional constituído Comunicação popular e relações públicas: caminhos cruzados
no Brasil e em outros países da América Latina, pelo menos desde o
O tema da comunicação dos movimentos sociais populares, associa-
final da década de 1970, que acontece no contexto dos movimentos
ções e comunidades em geral é tratado a partir dos meios (canais)
populares e organizações afins, quando se constituem formas de re-
de comunicação utilizados pelos mesmos em seus processos de co-
sistência às ditaduras militares. Mas, reforço que determinadas di-
municação com os públicos externos ou internos. Contudo, a comu-
ferenças podem ser percebidas segundo realidades específicas, além nicação comunitária, desde sua matriz no popular, não se limita a
de que nos dias atuais a distinção entre o comunitário e o alternativo meios, ou a canais mediadores de natureza tecnológica, como já foi
(Peruzzo, 2009) são mais claras devido as recriações do jornalismo falado, mas são importantes por serem a parte mais visível e com
alternativo4 nessa era de internet. maior potencial de alcance. A comunicação face a face, interpessoal,
Em síntese, a comunicação comunitária, popular e alternativa se ca- grupal, interinstitucional e pública – mediada ou não por tecnolo-
racteriza como expressão das lutas populares por melhores condi- gias – também faz parte das práticas comunicativas, assim como os
relacionamentos entre as organizações comunitárias e movimentos
ções de existência que ocorrem a partir dos movimentos populares e
sociais e seus públicos. Em última instância, e dependendo de cada
demais organizações cívico-comunitárias, e representam um espaço
contexto, as distintas especialidades do campo comunicacional são
para participação democrática dos segmentos organizados da popu-
partícipes da práxis social popular – do jornalismo comunitário ou
lação na feitura da comunicação a partir de suas demandas e visões
alternativo ao rádio e à televisão comunitária, da publicidade social
de mundo. Às vezes a comunicação comunitária extrapola as práti-
ao cinema alternativo, da editoração às relações públicas populares.
cas dos movimentos populares, embora sua razão de ser primordial
Porém, não estão nesse ambiente como mera reprodução de técnicas
seja estar no seu interior e representar um canal de comunicação
e conceitos, mas com as devidas reelaborações e enquadramentos
destes movimentos. que se distanciam das lógicas empresariais e da produção comercial
Pelo que foi discutido antes, não é difícil compreender as interco- de conteúdos, principalmente, aquelas dos circuitos das empresas
nexões entre a práxis da comunicação popular, comunitária e alter- privadas e da indústria cultural.
nativa e a construção da cidadania. Ela participa dos processos de No que tange às relações públicas, entram em cena novos horizontes
consciência-organização-ação de segmentos sociais das classes su- teóricos e novas perspectivas de atuação profissional tanto em termos
balternizadas em suas lutas de resistência e para externar reivindi- de mercado de trabalho formal quanto do informal e voluntariado.
cações por direitos humanos (direitos inerentes à pessoa) e de cida- Os sinais dessa mudança podem ser percebidos em diferentes aspec-
dania5 (direitos reconhecidos pelo Estado) diante das condições de tos (que envolvem as Relações Públicas comunitárias, mas também
opressão a que são submetidos. comunicação comunitária): a) atuação no terceiro setor diante o seu
4 Ressaltamos que no segmento imprensa alternativa, a experiencia histórica é ampla e não crescimento, o que abriu novas possibilidades do exercício profissio-
se restringe aos jornais alternativos mais expressivos, tais como o Pif Paf, Movimento, Pas- nal; b) Atualização do campo das Relações Públicas, pois antes era co-
quim etc., porque no nível dos movimentos populares também de usou muito o pequeno
jornal, em geral, artesanalmente confeccionado. mum ser visto com certo preconceito dentro das próprias universida-
5 Sobre os conceitos de cidadania ver Marshall (1963), Vieira (2000) e Peruzzo (2005, 2013a). des diante de sua performance identificada como a serviço do capital;

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Cenário 1 Mix Relações públicas/Comunicação pública

c) O interesse em investigar novos objetos de pesquisa acadêmica, o imagem, ajudar a tornar aceitáveis os seus programas e objetivos
que motivou a abertura de linhas de pesquisa em programas de pós- mostrando como esses programas satisfazem às aspirações públi-
graduação de universidades; d) Surgimento de espaços específicos cas, ajudar o bom fluxo das comunicações dentro dos movimentos,
nos congressos e nas associações cientificas da área de Comunicação ajudar a prever possíveis reações dos públicos diante dos movimen-
com a criação de grupos de trabalho abertos à comunicação popular e tos reivindicatórios das classes subalternas, e ajudar os movimentos
alternativa e a essa nova perspectiva das Relações Públicas. populares a comunicarem-se entre si seus propósitos e realizações e,
“quando oportuno, ajudá-los a patentear esses propósitos ao outro
Apesar de toda tradição e predominância dos conceitos e discursos
polo” (QUEIROZ, apud PERUZZO, [1982] 2016, p. 128).
tomá-las com atividade voltada às empresas no competitivo merca-
do capitalista, e aos governos, uma nova possibilidade às relações Olhando hoje para estes escritos sobre o que foi dito e também es-
públicas está em curso no Brasil e, possivelmente, também em ou- crito no início da década de 1980, vejo muita clareza e espírito vi-
tros países. Trata-se de sua apropriação no universo do terceiro se- sionário do então professor da Pontifícia Universidade Católica de
tor, mais especificamente pelo segmento das organizações sem fins São Paulo (PUC-SP), José J. Queiroz, mesmo não sendo da área de
lucrativos e movimentos sociais populares, quando as relações pú- relações públicas, mas cuja proposta segue atual e ajudou a delinear
blicas passam a contribuir com os mesmos no seu trabalho mobi- alguns dos estudos e práticas que se seguiram, mesmo que esta ci-
lizador visando a ampliação da conquista dos direitos de cidadania tação do referido autor não tenha sido reproduzida abundantemen-
em favor do desenvolvimento humano, e não mais limitadas aos in- te na literatura do campo que preferiu uma linha mais “integrada”6
teresses do capital e dos governos. ressaltando de modo acrítico as práticas de responsabilidade social.
Essa perspectiva se abre com mais clareza e tentativas de sistema- Contudo, o estranhamento causado no meio acadêmico com a publi-
tização teórica a partir de 1980 no Brasil quando é realizado um cação do livro “Relações públicas do modo de produção capitalista”
primeiro painel “Relações públicas - como servir aos interesses po- (PERUZZO, [1982] 2016) não inibiu o desenvolvimento das relações
pulares”, durante o IX Congresso da União Cristã Brasileira de Co- públicas populares, pelo contrário. Segundo Waldemar L.Kunsch
municação Social, em São Bernardo do Campo-SP. Este painel foi (2007, p.111), as relações públicas passaram
organizado por mim, a partir de uma provocação do visionário pro- efetivamente por uma transformação nesse campo, tanto
fessor José Marques de Melo (in memerian) e contou também com a na teoria como na prática. Os indivíduos tornaram-se mais
participação de José J.Queiroz, Margarida M.K. Kunsch e Anízio Ba- conscientes de seus direitos e deveres no processo de edifica-
tista de Oliveira. Neste painel, José J.Queiroz (apud PERUZZO, [1982] ção de uma sociedade justa. E as organizações, por sua vez,
2016, p. 127), afirmou: “também para `relações públicas´- técnico e começavam a se sentir incentivadas a exercer novos papéis
na construção da cidadania, passando a se preocupar de for-
técnicas – pode soar a ‘hora da libertação’. Podem sacudir o jogo da
ma crescente com programas sociais7.
ideologia que os domina, mudando de ótica e de lugar. Do serviço ao
opressor, podem passar a colaborar com o oprimido e, junto com ele, 6 Referência ao livro de Umberto Eco, “Apocalíptios e integrados”, São Paulo, Editora Pers-
pectiva, 1993.
libertar a sociedade”. Ele continuou dizendo que as relações públicas
7 Sobre o histórico desse processo de fortalecimento das relações públicas comunitárias
nesse universo podem ajudar os movimentos melhorarem a própria recomendo os textos de Waldemar L. Kunsch (2007) e de Margarida M.K.Kunsch (2007).

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Cenário 1 Mix Relações públicas/Comunicação pública

Margarida M.K.Kunsch (2007, p.166-167), confirma que Nas práticas sociais, as Relações Públicas Populares foram tomando
o seu lugar no universo na sociedade civil imbricada à comunicação
foi no início da década de 1980 que se passou a debater as
relações públicas sob uma nova ótica, preconizando sua
popular, comunitária e alternativa, embora nem sempre estejam
utilização também a serviço dos interesses populares e co- em destaque no conjunto das atividades das organizações sem fins
munitários. Isso se deu graças ao avanço que então já havia lucrativos e movimentos sociais populares, pois tendem a se confi-
alcançado a comunicação alternativa, em decorrência dos gurar como algo quase que intrínseco ao quefazer cotidiano destes,
esforços empreendidos por defensores das liberdades de- exceto quanto aos movimentos e organizações de maior vulto já que
mocráticas [...]. Gradativamente, a abordagem dessa temá- tendem a assumir a profissionalização da comunicação como par-
tica foi sendo objeto projetos desenvolvidos por ‘agências te de suas estratégias. Mesmo neste contexto, o destaque tem sido
experimentais´, formadas por alunos do último ano dos
ao Jornalismo, pois, a ênfase recai nas relações com a imprensa e na
cursos universitários da área; de monografias de estudantes
produção de conteúdos informativos. Porém, as relações públicas
de graduação e de pós-graduação lato sensu; assim como de
dissertações de mestrado8 e teses de doutorado em nível de perpassam o dia a dia das organizações populares, por intermédio
pós-graduação stricto sensu”9. da performance dos atores envolvidos – lideranças, membros ou
colaboradores. Estão sempre se relacionando com os públicos, pla-
Esse movimento acadêmico foi precedido por fase de bastante efer- nejando atividades, avaliando, concedendo entrevistas, negociando
vescência social, no contexto das lutas dos movimentos populares e apoios e recursos etc.
demais organizações da sociedade civil pela (re)democratização do Voltando às especificidades das Relações Públicas Populares tam-
Brasil desde o período de declínio da ditadura militar (1964-1985). bém denominadas de comunitárias ou alternativas, que acontecem
Trata-se de uma época em que o tema das relações públicas, tanto o âmbito dos movimentos sociais populares e organizações civis sem
da perspectiva crítica quanto a voltada aos interesses populares, co- fins lucrativos do universo do terceiro setor, é necessário frisar que
meçou a fazer parte do debate acadêmico em seminários, congressos elas passam por uma alteração nos parâmetros tradicionais dos seus
e nos cursos regulares de graduação, e, principalmente, por meio de fundamentos teóricos que exigem novas elaborações conceituais. Te-
palestras e a partir das publicações (livros, artigos e capítulos de li- nho dito (PERUZZO, [1982]2016, 1989, 2013b) que não basta transpor
vros), embora não de forma predominante, pois a literatura principal conceitos e práticas das relações públicas convencionais ao contexto
dos cursos de Relações Públicas continua sendo aquela identificada dos movimentos populares porque mudam os pressupostos teórico
com a perspectiva tradicional. -epistemológicos, os objetivos e os modos de operar. Nessa verten-
te, elas alteram seu perfil, pois se posicionam na contramão de sua
8 A dissertação de mestrado pioneira, defendida em 1981 na Universidade Metodista de São
Paulo, posteriormente publicada em livro, é a seguinte: PERUZZO, Cicilia M.K. Relações pú- concepção tradicional. Ao invés de alinharem-se aos mecanismos do
blicas no modo de produção capitalista. 1.ed. São Paulo: Summus, 1982. Atualmente em
5ª.edição. mercado visando persuadir visões e provocar atitudes em benefício
9 A coletânea “Relações públicas comunitárias: a comunicação em uma perspectiva dialó- do capital, compõem-se aos processos de mobilização e organização
gica e transformadora” organizada por KUNSCH, Margarida M.K. e KUNSCH, Waldemar L., populares, de caráter civil, não empresarial e não governamental, vi-
publicada pela Summus em 2007, contém uma boa amostra dos avanços da pesquisa nessa
subárea das Relações Públicas. sando contribuir no posicionamento e nos relacionamentos das orga-

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Cenário 1 Mix Relações públicas/Comunicação pública

nizações sem fins lucrativos com seus públicos e a sociedade, no âm- Cada um dos atores, como os acima mencionados, a seu modo, con-
bito de todo um processo de mudança em benefício da ampliação do tribui para fazer jus às demandas da sociedade pela solução de pro-
exercício da cidadania conforme discutido ao longo deste texto. Con- blemas que afligem segmentos das população, na formação de men-
tudo, essa posição não desconsidera o potencial das relações públicas talidades capazes de desenvolver o conhecimento e o protagonismo
ligadas à empresas e governos em colaborar - direta ou indiretamente popular em defesa dos direitos humanos e de cidadania, com todo o
- em programas de intervenção social na sociedade civil visando su- seu significado político-cultural segundo as várias gerações de direi-
perar - ou pelo menos – minimizar os problemas econômicos e sociais tos que comportam os conceitos de cidadania.
num cenário de desigualdades, pobreza, violação de direitos huma-
O clamor por justiça, por respeito ao meio ambiente e à dignidade
nos e destruição do meio ambiente como o brasileiro. Pelo contrário,
humana é algo presente desde sempre na história dos povos, como
é possível que o espírito das relações públicas populares faça parte de
mostra a história da cidadania (PINSKY, J.; PINSK C, 2003). Um sinal
políticas honestas de responsabilidade social empresarial, uma vez
recente dessas lutas é a existência do Fórum Social Mundial (FSM),
compromissadas com o interesse público civilizatório.
cuja primeira edição foi em 2001, em Porto Alegre - RS, no Brasil, e que
Em suma, a vertente das Relações Públicas Populares se realiza tan- além se seguir com fóruns mundiais germinou a criação de fóruns
to no âmago dos movimentos populares e organizações sem fins temáticos e regionais, que têm reunido milhares de organizações de
lucrativos no âmbito do terceiro setor quanto, indiretamente, em todo o mundo mostrando suas iniciativas transformadoras, trocando
programas de organizações privadas e públicas comprometidos com conhecimentos e dizendo que “Um Outro Mundo é Possível”.
as mudanças necessárias em prol do avanço da cidadania e do cum-
Esse mesmo clamor também é expresso por todos os cantos do Bra-
primento das obrigações de caráter cívico. Como tal, importa tanto
sil por milhares de organizações de base, movimentos populares,
o comprometimento emancipador de pessoas e de movimentos po-
ONGs, coletivos, associações comunitárias, sociedades, institutos
pulares quanto de organizações privadas e governos com as causas
etc. que fazem a diferença na vida de crianças, adolescentes e jovens,
de interesse público, tais como a emancipação de grupos sociais vul-
mulheres, agricultores, comunidades, negros, pessoas LGBT+10 etc.
neráveis e a salvação do meio ambiente e do planeta terra.
por intermédio de avanços na conquista do respeito a seus direitos,
Quando as relações públicas são protagonizadas, desde dentro, ou além de interferir no discurso político-ideológicos dos meios de co-
seja pelas próprias organizações do terceiro setor, elas se concreti- municação, tanto pelo uso de canais próprios quanto conquistando
zam imbricadas à práxis de uma série atores da sociedade civil tais espaços na grande mídia convencional.
como organizações não governamentais, coletivos populares, sin-
Esse grito por mudança se traduz nas lutas por redução da pobreza e
dicatos de trabalhadores, associações comunitárias, movimentos
das desigualdades, fim da violência, cultura da paz, respeito à diver-
populares, federações, pastorais da igreja católica, setores de igrejas
sidade étnica e cultural, respeito à diferenças pessoais, igualdade na
evangélicas tradicionais, Comunidades Eclesiais de Base, institutos,
distribuição dos direitos de cidadania, direitos da criança e do adoles-
fundações, sociedades assistenciais e tantas outras organizações ci-
vis que atuam para mudar a realidade desigual e construir mecanis- cente, sustentabilidade ecológica ambiental, entre tantas outras lutas.
mos de promoção social e um novo tipo de desenvolvimento. 10 Lésbicas, gays, bissexuais, transgêneros, intersexuais e simpatizantes.

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Cenário 1 Mix Relações públicas/Comunicação pública

No nível dos princípios, grosso modo, as relações públicas popula- da organização), ou seja, quando se aplicam instrumentos e técnicas
res demandam, em primeiro lugar, nova posição epistemológica, de (materiais didático-pedagógicos) facilitadores de dinâmicas grupais
inconformismo com as situações de opressão, negação de direitos, entrelaçados com as atividades desenvolvidas. Basicamente são as
desigualdade social e todas as demais formas de violação de direi- “relações públicas internas”, cujas práticas transbordam para outras
tos de cidadania refletidos nas várias formas de violência, pobreza, áreas da Comunicação e da Educação.
corrupção, condições indignas de trabalho e remuneração, falta de
ética em favor da coletividade e assim por diante. Em segundo lu- Considerações finais
gar, pressupõem a incorporação de novas posturas e de procedimen-
Os limites de espaço impedem o transbordamento dos temas para as
tos metodológicos coerentes com propostas de mudança em favor
profundezas ideais de uma abordagem mais completa. Enfim, ficam
de um desenvolvimento que tenha como finalidade primordial o ser
aqui alguns apontamentos na expectativa de que possam ajudar
humano e a vida saudável do planeta.
no debate, nas práticas das relações públicas populares – que nem
Os novos procedimentos e posturas dizem respeito à valorização da sempre são feitas somente por profissionais formados em cursos de
participação ativa das pessoas, ao trabalho realizado a partir e com, Comunicação e de Relações Públicas -, e no incentivo ao avanço das
dos movimentos populares e organizações comunitárias – não de pesquisas sobre as relações públicas populares e comunitárias que
cima para baixo, para elas -, valorização do saber popular e compar- acontecem no universo do terceiro setor.
tilhamento do saber técnico e especializado, respeito às dinâmicas
No início de todo esse debate sobre as “relações públicas na contra-
internas dos atores coletivos, e humildade de modo a facilitar que o
mão”11, nos anos 1980, chegou-se a contestar essas ideias, ao que pa-
protagonismo seja dos atores coletivos e não apenas do profissional
rece, por se considerar que existiria um altruísmo intrínseco às Rela-
e relações públicas.
ções Públicas, portanto, bastaria que elas fossem satisfatoriamente
Nesse ambiente, as relações públicas populares podem contribuir aplicadas para que atingissem o ideal em termos de profissão. Jus-
não apenas para o planejamento, o diagnóstico, a comunicação ins- tifico minha posição porque não se pode desconsiderar que os inte-
titucional e o relacionamento com os públicos, mas também com a resses empresariais priorizam sempre os do capital, que são a sua re-
comunicação mobilizadora (PERUZZO, 2015). A comunicação institu- produção e lucros permanentes. Em outros termos, a contraposição
cional, que perpassa distintos formatos e tecnologias alcançadas, se (relações públicas na contramão) ajuda a explicar a necessidade de
encarrega da comunicação, em especial, com os públicos externos um novo processo, por considerar que as práticas profissionais das
cuidando da difusão das reinvindicações, da visibilidade pública, da Relações Públicas, assim como do Jornalismo ou da Publicidade, não
reputação, da circulação de informações e esclarecimentos desde o pairam acima das instituições as quais se vinculam, nem são inde-
ponto de vista das organizações de caráter cívico, sobre suas realiza- pendente das visões que as orientam e da posição epistêmica que se
ções, sua visão de mundo e defesa de causas sociais. Já a comunicação tem em relação ao mundo.
mobilizadora é aquela que acontece na relação da organização ou mo-
11 Ver o capítulo com este nome em Peruzzo ([1982] 2016). Alusão provocativa à noção con-
vimento popular com seus públicos beneficiários (sujeitos da ação ceitual tradicional de que as Relações Públicas são uma “rua de duas mãos”.

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Cenário 1 Mix Relações públicas/Comunicação pública

Hoje em dia, tanto as proposições da comunicação popular, comu- PERUZZO, Cicilia M.K. Relações públicas nos movimentos populares. Intercom:
nitária e alternativa quanto das relações públicas populares já es- Revista Brasileira de Ciências da Comunicacao, São Paulo, Intercom, v.15, n.60,
p.107-112, 1989.
tão consolidadas na sociedade brasileira, embora seja constante a
busca por aperfeiçoamento e atualizações conceituais e das práticas _______. Relaciones públicas y cambio social. Chasqui. Equador, Ciespal, v.46, p.111-
114, 1993.
sociais. Estas ao se inserirem na práxis social mobilizadora, mesmo
que repletas de especificidades, têm interfaces indivisíveis ao cola- _______. Relaciones públicas, movimientos populares y transformación social.
rem saberes especializados em favor do exercício da cidadania de Diálogos de la Comunicación, Medellín, FELAFACS, v.39, p.12-20, 1994
atores coletivos cívicos mobilizados para contribuírem com a trans- _______. Relações Públicas com a Comunidade: Agenda para o Século XX.
formação da sociedade.
Comunicação & Sociedade: Revista do Programa de Pós-Graduação em Comuni-
cação Social, São Bernardo do Campo, Umesp, n.32, p. 45-68, 1999.
REFERÊNCIAS
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Cenário 1

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VIEIRA, L. Cidadania e globalização. 4.ed. Rio de Janeiro: Record, 2000. transformações e desafios

Cláudia Peixoto de Moura

Apontamentos Iniciais

O ensino de Relações Públicas é um tema relevante para o exercício


profissional, envolvendo políticas públicas, legislações e normatiza-
ções, além de aspectos vinculados às questões curriculares. Os cur-
sos superiores existentes no Brasil estão se adaptando a uma nova
realidade, que exige transformações calcadas nas diretrizes curri-
culares para a formação acadêmica e para a extensão universitária.
Além disso, há uma nova classificação em vigor, que altera a situação
de Relações Públicas no cenário da Comunicação. A trajetória da área
e seu contexto apresentam aspectos significativos para uma forma-
ção de qualidade e uma atuação na sociedade em movimento.

O presente texto aborda as referidas questões que se impõem atual-


mente, contribuindo para uma discussão sobre Relações Públicas e
seu ensino, que afeta o seu exercício e suas atividades. Os registros
realizados estão baseados em uma pesquisa de documentação, cujos
documentos relativos ao ensino foram selecionados, possibilitando
um traçado da linha do tempo para a formação superior em Relações
Públicas. Escolhi abordar o assunto que me acompanha ao longo dos
anos, o qual tenho estudado com interesse e representa uma grande
parte da minha vida acadêmica na área de Comunicação.

68 69
Cenário 1 Mix Relações públicas/Comunicação pública

O tema também é debatido em dois espaços de associações cientifi- b) processos que influenciam o ensino de Relações Públicas – com a
cas – na Associação Brasileira de Pesquisadores de Comunicação Or- apresentação de sua trajetória e de suas intersecções na área de Co-
ganizacional e de Relações Públicas - ABRAPCORP1, mediante o seu municação.
Grupo de Trabalho 7 - Teorias, metodologias e práticas de ensino das
Originalmente vinculada ao campo da Comunicação, as Relações
Relações Públicas e da Comunicação Organizacional; e na Sociedade Públicas estão experimentando um momento de transição, que ne-
Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação – IN- cessita de atenção e debate a respeito de seu futuro. Conhecer o seu
TERCOM 2, através do Fórum Ensicom - Seminário sobre o Ensino passado possibilita entender o seu presente, suas aproximações e
de Graduação em Comunicação Social. Com a obra comemorativa distanciamentos, suas interfaces com outras áreas, para vislumbrar
ao seu 50° aniversário, o Conselho Regional de Profissionais de Rela- as perspectivas em um horizonte tangível.
ções Públicas – CONRERP 3ª Região, composto pelos estados de Mi-
nas Gerais, Bahia e Espírito Santo, igualmente reforça a necessidade Classificações adotadas para Relações Públicas
de uma reflexão sobre a valorização da profissão e a responsabilida-
As classificações para Relações Públicas foram adotadas de maneira
de pública da Comunicação nas organizações, sendo a formação aca-
distinta. Para os Cursos de Pós-Graduação e a pesquisa desenvolvida
dêmica o alicerce para tais ações.
em instituições de ensino superior, o estudo a respeito de Relações
Pensar o ensino de Relações Públicas envolve professores, estudan- Públicas está associado à área de Comunicação. Para os Cursos de
tes, profissionais da área, interessados em entender as tendências de Graduação, a formação acadêmica em Relações Públicas está inseri-
uma profissão tão importante para o mundo contemporâneo. Comu- da na área de Administração. Há três órgãos públicos que classificam
nicação e relacionamento são dimensões inerentes tanto à compo- as áreas existentes na Educação Superior brasileira. Cada um deles
sição de uma sociedade humanizada como às práticas de Relações possui objetivos diversos e indica o lugar de Relações Públicas na sua
Públicas, planejadas e implementadas conforme as demandas so- configuração. Os órgãos referenciados são:
ciais, políticas, econômicas, culturais. O tema é desafiador e pode ser • Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior –
tratado com base em dois aspectos: CAPES
a) situação que se revela para Relações Públicas, em termos de legis- • Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
lações e normatizações da Educação Brasileira – com a exposição das – CNPq
classificações da área;
• Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio
1 A ABRAPCORP possui um evento anual de âmbito nacional, com a publicação de anais Teixeira – Inep
que registram os artigos apresentados no GT 7 (http://portal.abrapcorp.org.br/anais/). A
trajetória do GT 7, desde a sua criação, foi publicada em um artigo na Revista Organicom,
primeira edição de 2020. No caso da CAPES, vinculada ao Ministério da Educação - MEC, a
2 A INTERCOM possui eventos anuais de âmbitos regional e nacional, com a publicação de classificação adotada está relacionada aos Programas de Pós-gra-
anais, de livros impressos e digitais, que divulgam os artigos resultantes das discussões do duação, nível stricto sensu, e sua produção científica, em disserta-
Fórum Ensicom, cuja produção está disponibilizada no Portcom – Portal de Livre Acesso
à Produção em Ciências da Comunicação (http://www.portcom.intercom.org.br/ebooks/). ções de mestrado e teses de doutorado, de todos os estados. A clas-

70 71
Cenário 1 Mix Relações públicas/Comunicação pública

sificação registra a área de “Comunicação e Informação”, contendo Já o Inep, vinculado ao MEC, está utilizando como base a “Classifica-
quatro Programas/Cursos de Pós-Graduação, entre eles o de Comu- ção dos Cursos de Graduação e Sequenciais - CINE Brasil 2018”, volta-
nicação, que historicamente abriga os estudos de Relações Públicas. da à formação superior em nível de graduação. A referida classificação
registra a Comunicação em uma dimensão diferenciada, comparan-
O CNPq possui vínculo com o Ministério da Ciência, Tecnolo- do com os dados da história da área no Brasil. O mesmo ocorre com a
gia, Inovações e Comunicações, e uma classificação direcionada subárea de Relações Públicas, que foi alterada em termos de vínculos
à pesquisa e à formação de recursos humanos qualificados, em e deixou de pertencer à Comunicação. Para tanto, o Inep disponibili-
nível de graduação e de pós-graduação. Sua classificação abran- zou em seu portal um Manual que contém informações sobre a nova
ge grandes áreas, entre as quais a denominada Ciências Sociais classificação implantada. O documento é explicativo e apresenta as
Aplicadas que, por sua vez, é composta por várias áreas, sendo a novas áreas (03 e 04) e suas subdivisões, que envolvem os antigos
Comunicação uma delas. Possui cinco subáreas, incluindo Rela- Cursos de Comunicação. Em seu Apêndice A – Classificação Interna-
ções Públicas que está associada à Propaganda. A configuração é cional Normalizada da Educação – CINE Brasil 2018, há representa-
apresentada a seguir: ções que demonstram a segmentação das áreas, adaptadas no quadro
a seguir, com quatro colunas3 definidas conforme o documento:
Quadro 1 – Área do Conhecimento - Comunicação
Quadro 2 – Nova Classificação dos Cursos de Graduação por Áreas
Grande
6.00.00.00-7 Ciências Sociais Aplicadas
Área Área Área
Área Geral Rótulo Cine Brasil 2018
Específica Detalhada
Área 6.09.00.00-8 Comunicação
0321C01 Comunicação
6.09.01.00-4 Teoria da Comunicação social
03 Ciências
032 0321 0321J01 Jornalismo
Sociais,
Jornalismo e Jornalismo e 0321P01 Produção
6.09.02.00-0 Jornalismo e Editoração, subdividida em: Jornalismo e
Informação Reportagem editorial
• 6.09.02.01-9 Teoria e Ética do Jornalismo Informação
0321R01 Rádio, TV
• 6.09.02.02-7 Organização Editorial de Jornais
e internet
• 6.09.02.03-5 Organização Comercial de Jornais
• 6.09.02.04-3 Jornalismo Especializado (Comunitário, Rural, 0414M01 Marketing
Cinco Empresarial, Científico) 04 Negócios, 041 0414 0414P01 Publicidade e
subáreas administração Negócios e Marketing e propaganda
6.09.03.00-7 Rádio e Televisão, subdividida em: e direito administração propaganda 0414R01 Relações
• 6.09.03.01-5 Radiodifusão públicas
• 6.09.03.02-3 Videodifusão Fonte: adaptação do CINE Brasil 2018, Apêndice A, p. 101-103.

6.09.04.00-3 Relações Públicas e Propaganda 3 “Cada área geral da Cine Brasil 2018 se subdivide em três níveis: áreas específicas, áreas
detalhadas e rótulos. As áreas gerais correspondem ao nível mais alto de classificação; as
áreas específicas abrangem o segundo nível; as áreas detalhadas, o terceiro; e os rótulos, o
6.09.05.00-0 Comunicação Visual quarto, constituindo-se na menor unidade de classificação de cursos que apresentam con-
teúdos temáticos similares em relação aos componentes curriculares, ao perfil profissional
Fonte: Adaptação da Tabela de Áreas do Conhecimento (Portal CNPq) e às competências e habilidades dos egressos”. (Inep, 2019, p. 17)

72 73
Cenário 1 Mix Relações públicas/Comunicação pública

O quadro 2 retrata a primeira versão do documento. Em 2020, foi Quadro 4 – International Standard Classification of Education – Ano 1997
editada uma terceira versão na qual o termo ‘Jornalismo’ deu lugar
Área 03 Social sciences, business and law
à ‘Comunicação’, na Área Geral (03), na Área Específica (032) e na
031 Social and behavioural Science
Área Detalhada (0321). O restante foi conservado, inclusive nas ou-
Quatro subáreas 032 Journalism and information
tras versões do documento. Ainda no Manual para Classificação dos
selecionadas 034 Business and administration (Public relations)
Cursos de Graduação e Sequenciais - CINE Brasil, em seu Apêndi-
038 Law
ce E – Índice Remissivo das DCNs Contempladas pelos Rótulos, há
Fonte: adaptação do documento ISCED, referente a 1997 (2014, p. 15)5.
três situações que merecem registro: a de Comunicação Social, a de
Jornalismo, a de Relações Públicas. O quadro a seguir reproduz as Quadro 5 – International Standard Classification of Education – Ano 2013
informações para os cursos com Diretrizes Curriculares Nacionais
Área 03 Social sciences, journalism and information
homologadas4:
Duas subáreas 031 Social and behavioural Science
Quadro 3 – Nova Classificação dos Cursos de Graduação com DCNs selecionadas 032 Journalism and information
Área 04 Business, administration and law
Área 041 Business and administration:
Curso DCN Rótulo Cine Brasil
Geral » 0414 Marketing and advertising:
• Advertising
Comunicação Resolução CNE/CES nº 16, de 13 0321C01 Comunica- • Consumer behaviour
03 Duas subáreas
Social de março 2002 ção social • Market research
selecionadas • Marketing
Resolução CNE/CES nº 1, de 27 • Merchandising
Jornalismo 03 0321J01 Jornalismo
de setembro de 2013 • Public relations
42 Law
Relações Resolução CNE/CES nº 2, de 27 0414R01 Relações
04 Fonte: adaptação do documento ISCED, referente a 2013 (2015, p. 17-24).
Públicas de setembro de 2013 públicas

Fonte: adaptação do CINE Brasil, Apêndice E, p. 146, 151, 155 (versão maio 2021). Ao comparar os dois quadros, é possível observar que, em 2013, a
área 03 foi alterada em sua denominação, com a inclusão do termo
A alteração sofrida por Relações Públicas está ancorada na Classi- “Journalism and Information” substituindo “Business and Law”. As
ficação Internacional, denominada “International Standard Clas- subáreas “031 Social and Behavioural Science” e “032 Journalism
sification of Education - ISCED”, que apresenta uma configuração and Information” foram mantidas, apresentando-se em 1997 e 2013.
modificada igualmente para as áreas 03 e 04. A configuração estran- A substituição citada acima deu origem à área 04, dedicada a “Busi-
geira que impactou Relações Públicas é representada por ano (1997 e ness, Administration and Law”, envolvendo as subáreas, “041 Busi-
2013), em dois quadros: ness and Administration” e “042 Law”. A transferência da subárea
4 As DCNs foram homologadas pelo CNE/CES - Conselho Nacional de Educação/Câmara de 5 Quadro adaptado com os dados da “Table 2. Correspondence between ISCED Fields of
Educação Superior. Education and Training 2013 (ISCED-F) and ISCED 1997 Fields of Education”.

74 75
Cenário 1 Mix Relações públicas/Comunicação pública

“Business and Administration” impactou Relações Públicas na me- lações Públicas no Conselho Regional dos Técnicos de Administra-
dida em que o curso superior não pertence mais a “Social Sciences” ção (atual Conselho Regional de Administração), até o ano de 1968.
e está subordinado ao tópico “0414 Marketing and advertising”. A Nessa época, havia uma movimentação por parte de profissionais
alteração não ocorre somente na denominação das áreas e subáreas, para consolidar a área, disciplinada um ano antes6. Ainda em 1968,
e sim nos princípios teórico-metodológicos que sustentam a forma- ocorreu a determinação para que o currículo de Relações Públicas
ção acadêmica. nos cursos técnicos tivesse disciplinas de Administração (Parecer nº
890, do então Conselho Federal de Educação - CFE). Os cursos técni-
A referida modificação também aconteceu no Brasil, que seguiu a
cos evoluíram para os cursos superiores, que foram incorporados na
classificação internacional das áreas, levando o Curso de Relações Pú-
área de Comunicação. Um curso de graduação em Relações Públicas
blicas para o campo da Administração. O fato já consumado tem con-
somente foi implantado após a profissão ser regulamentada pela Lei.
sequências futuras, tanto em nível de graduação como de pós-gradua-
ção. Houve uma desconsideração da trajetória de Relações Públicas A área de Comunicação agregou a formação superior em Relações
quanto ao seu ensino superior, à pesquisa desenvolvida, à produção Públicas, que foi gestada dentro dos então Cursos de Jornalismo7. O
científica que, tradicionalmente, eram abrigadas nas Ciências Sociais ensino foi marcado pelo Curso de Comunicação Social estruturado
Aplicadas. O suporte teórico nas Ciências da Comunicação e suas in- por três Currículos Mínimos, homologados em 1969, 1978 e 1984,
terfaces com outras áreas do conhecimento ampliava as possibilida- com habilitações como Relações Públicas, entre outras existentes.
des para uma reflexão sobre as práticas profissionais na sociedade. Também foram homologadas as Diretrizes Curriculares da Área de
Comunicação Social e suas Habilitações, em 2002, e as Diretrizes
A situação de Relações Públicas é adequada nos órgãos CAPES e
Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Relações Públi-
CNPq, considerando os aspectos históricos de criação e construção
cas, no ano de 2013, pelo Ministério da Educação. Há breves registros
da formação acadêmica e da atuação profissional, ao longo dos anos
realizados no presente texto para cada um dos documentos citados8.
mantendo vínculos com à área de Comunicação. Porém, é inadequa-
da para Relações Públicas quando se trata da nova classificação, pois O ano de 1969 foi emblemático para a representação e a formação
houve uma modificação estrutural na medida em que o vínculo com acadêmica na área. Houve a criação do Conselho Federal dos Profis-
a área que fundamenta suas teorias e práticas para o seu ensino foi sionais de Relações Públicas - CONFERP, responsável pela sistemati-
alterado. A nova classificação adotada pelo Inep/MEC, que aprovou zação da atividade no país. Também nesse ano foram homologados
o CINE Brasil para as áreas da Educação Superior, representa uma
6 Em 1967, a Lei nº 5.377 disciplinou o exercício da profissão de Relações Públicas no Brasil,
transformação na formação acadêmica, que sempre priorizou a Co- sendo o primeiro país a possuir uma legislação específica. Em 1968, o Decreto nº 63.283
regulamentou a Lei nº 5.377.
municação e a Informação em seus processos.
7 Os Cursos de Jornalismo tiveram dois currículos mínimos (Parecer nº 323/62 e Parecer nº
984/65) antes da implantação dos Cursos de Comunicação Social no Brasil. Relações Públi-
Contexto e trajetória do ensino de Relações Públicas cas era um conteúdo abordado em disciplinas dos Cursos de Jornalismo, o que motivou a
proposta para uma habilitação.

A aproximação de Relações Públicas com a Administração é antiga. A 8 Há mais detalhes da história do ensino de Comunicação no Brasil, envolvendo Relações
Públicas, em outras publicações (Moura, 2015, 2017). A tese de doutorado, publicada em
Lei nº 4.769, de 1965, determinou o registro dos profissionais de Re- 2002, deu início ao meu estudo sobre o tema.

76 77
Cenário 1 Mix Relações públicas/Comunicação pública

o Parecer nº 631 e a Resolução nº 11, do CFE, que determinaram o Tronco Comum, com matérias/disciplinas obrigatórias e eletivas, e
currículo mínimo, com carga horária, duração e a denominação do uma parte específica, com matérias/disciplinas para cada uma das
Curso de Comunicação Social, com cinco habilitações: Jornalismo, habilitações. No caso de Relações Públicas, eram sete indicações de
Publicidade e Propaganda, Relações Públicas, Editoração e Poliva- matérias/disciplinas que poderiam ser desdobradas para a composi-
lente (contrariando a legislação específica já existente das profissões ção da parte específica.
da área). Pela primeira vez, Relações Públicas tinha um espaço aca-
No período de vigência do último currículo mínimo, aconteceu o
dêmico, de nível superior, inserido na área de Comunicação Social.
“Parlamento Nacional de Relações Públicas”, uma relevante ação
Quase dez anos mais tarde, em 1978, o Parecer nº 2 e Resolução nº promovida pelo CONFERP, ocorrida de 1994 a 1997. Caracterizou-se
3, do CFE, referendaram um novo currículo mínimo para o Curso de por ser um Fórum de Debates com diversos públicos, que envolveu
Comunicação Social com cinco habilitações: Jornalismo, Publicidade os cinco Conselhos Regionais e abordou em uma das pautas a for-
e Propaganda, Relações Públicas, Rádio e Televisão, Cinematografia, mação profissional. Seu resultado foi um documento que apontou
além de incluírem os projetos experimentais a serem realizados em a cientificidade (produção científica), a contribuição de outras ciên-
laboratórios da escola. Esse parecer negou uma solicitação feita pelo cias (novas visões e enfoques teóricos nas interfaces), a criação de
CONFERP, de transferência da habilitação de Relações Públicas para Pós-Graduação em Relações Públicas (para mais conhecimento),
o Curso de Administração, que foi um encaminhamento realizado como aspectos para agregar mais qualidade à profissão. O mesmo
naquela época. documento serviu de inspiração para a Resolução Normativa nº 43,
do CONFERP, de 2002, que define as funções e atividades privativas
Devido às críticas ao documento oficial de 1978, cinco anos após, o dos profissionais, indicando a informação como matéria-prima de
Parecer nº 480, do CFE, explicitou diretrizes para a elaboração do Relações Públicas para estabelecer a relação entre organizações e pú-
currículo e indicou instalações e laboratórios para o Curso de Comu- blicos, com a finalidade de administrar o processo de relacionamen-
nicação Social, agora com seis habilitações: Jornalismo, Publicidade tos pelas ações de Comunicação.
e Propaganda, Relações Públicas, Rádio e TV, Cinema, Produção Edi-
torial. Um ano mais tarde, a Resolução nº 2, do CFE, com base no Ainda em 1999, houve a elaboração do primeiro documento das Di-
Parecer 480/83, fixou o último currículo mínimo do Curso de Comu- retrizes Curriculares da Área de Comunicação Social e suas Habilita-
nicação Social. Esse documento vigorou de 1984 a 2002, ou seja, por ções, por uma Comissão de Especialistas de Ensino de Comunicação
quase vinte anos. Social - CEE/COM, designada pelo MEC. Dois anos após, o Parecer
nº 492, do Conselho Nacional de Educação - CNE, registrou as referi-
Comparando os três currículos mínimos que tinham a habilitação das Diretrizes Curriculares contendo o perfil de Relações Públicas9. A
em Relações Públicas, o de 1969 e o de 1978 determinavam uma carga homologação da Resolução nº 16, do CNE/CES, com base no Parecer
horária mínima de 2.200 horas-aula. A Resolução de 1984 aumen- nº 492, ocorreu em 2002 e fixou as Diretrizes Curriculares da Área de
tou para 2.700 horas-aula. O Currículo Mínimo de 1984 influenciou Comunicação Social e suas Habilitações.
e influencia muitas iniciativas até os dias atuais, pela sua configu-
9 O perfil de Relações Públicas está embasado no documento do “Parlamento Nacional de
ração. Havia uma parte do curso que era comum, denominada de Relações Públicas”.

78 79
Cenário 1 Mix Relações públicas/Comunicação pública

O Curso de Comunicação Social, com a habilitação em Relações Públi- Públicas: Formação geral; Formação em Comunicação; Formação em
cas, possui conteúdos básicos e específicos. Os conteúdos básicos são Relações Públicas; Formação Suplementar. Das 3.200 horas totais,
compostos por Conhecimentos Teórico-Conceituais; Conhecimentos 2.800 horas são dedicadas para os eixos de formação, divididos em:
Analíticos e Informativos sobre a Atualidade; Conhecimentos de Lin-
• Mínimo de 1.400 horas para eixo de formação em Relações Pú-
guagens, Técnicas e Tecnologias Midiáticas; Conhecimentos Ético-Po-
blicas (com 150 horas para Trabalho de Conclusão de Curso, que
líticos. Os conteúdos específicos são voltados à habilitação, constituí-
pode ser desenvolvido em duas modalidades: a) monográfico, em
dos por uma parte geral e uma parte com especificidades inerentes à
Relações Públicas e em Comunicação; ou b) aplicado na área, to-
formação. O documento apresenta diretrizes e não determinações.
talmente documentado);
O segundo documento foi elaborado em 2010, pela Comissão de Espe-
• Outras 1.400 horas para os eixos de formação geral, em Comuni-
cialistas referendada pelo MEC10, que formulou as diretrizes curricula-
cação e suplementar.
res nacionais (DCNs) direcionadas aos Cursos de Relações Públicas, e
não mais de Comunicação Social com habilitações. Três anos depois, A proposta é que os conteúdos básicos para a formação sejam traba-
a Resolução nº 2, do CNE/CES, de 27 de setembro de 2013, instituiu as lhados em disciplinas, atividades laboratoriais, seminários, oficinas.
Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Relações As 400 horas restantes são destinadas para:
Públicas, que estão em vigor para nortear a formação acadêmica.
• estágio supervisionado, com orientação e avaliação (200 horas): é
As Diretrizes Curriculares, de 2002 e de 2013, apresentam diferen- uma atividade obrigatória, executada interna ou externamente à
ças. A carga horária mínima de 2.700 horas-aula foi mantida no do- instituição de ensino superior, sendo regulamentada pelo colegia-
cumento de 2002, mas foi elevada para 3.200 horas-aula em 2013. do acadêmico (Lei n° 11.788/2008).
Em 2002, para o Curso de Comunicação Social, havia a indicação das
tradicionais habilitações e a possibilidade de lançar novas. Em 2013, • atividades complementares (200 horas): são atividades obrigató-
para o Curso de Relações Públicas, são indicados eixos temáticos e rias, executadas interna ou externamente à instituição de ensino
complementares. Merece registro o fato das DCNs de Relações Pú- superior, sendo normatizadas no projeto pedagógico do curso.
blicas e de Jornalismo serem homologadas no mesmo dia11. Também Além das DCNs, também é preciso considerar as atividades de Ex-
o Curso de Cinema e Audiovisual possui diretrizes curriculares es-
tensão. Para tanto, é necessário observar a Lei nº 13.005/2014, Plano
pecíficas, mediante a Resolução nº 10/2006, do MEC. E o Curso de
Nacional de Educação – PNE (2014-2024), que estabelece diretrizes
Publicidade e Propaganda possui o Parecer n° 146/2020 para as suas
para a Educação Superior Brasileira na Meta 12. Por sua vez, a Estra-
DCNs, aguardando homologação.
tégia 12.7 “assegura, no mínimo, 10% (dez por cento) do total de cré-
Conforme mencionado anteriormente, a estrutura curricular das DCNs ditos curriculares exigidos para a graduação em programas e proje-
de 2013 está baseada em quatro eixos complementares para Relações tos de extensão universitária, orientando sua ação, prioritariamente,
10 A nominata foi designada pela Portaria nº 545, do CNE/MEC.
para áreas de grande pertinência social” (PNE)12. Créditos dos quatro
11 Em 27 de setembro de 2013, foram homologadas a Resolução CNE/CES nº 1, para Jornalis- 12 A estratégia 12.7 possui uma normatização que está na Resolução CNE/CES Nº 7, de 18 de
mo, e a Resolução CNE/CES nº 2, para Relações Públicas. dezembro de 2018.

80 81
Cenário 1 Mix Relações públicas/Comunicação pública

eixos complementares podem ser designados à extensão universitá- O ensino de Comunicação no Brasil possui uma história que difere das
ria, de acordo com o proposto no projeto pedagógico do curso. experiências estrangeiras, sendo constituído pelas demandas sociais,
políticas, econômicas e culturais relativas ao cenário do país. Portanto,
Considerações sobre a Formação em Relações Públicas uma análise de cenário é necessária para se pensar a formação aca-
dêmica e profissional. Novos olhares e novas perspectivas em nível
Há muitos desafios a serem superados quando se trata da formação
acadêmico podem revelar uma identidade do curso, sendo possível
superior em Relações Públicas. Considerando as classificações, o
observar boas práticas quando há aspectos teóricos das Ciências da
contexto e a trajetória de seu ensino de graduação, citados anterior-
Comunicação e suas interfaces com outras áreas que, além das ativi-
mente, é possível elencar alguns aspectos que podem ser diferenciais
dades profissionais, fundamentam uma formação para a vida.
para os cursos:
Uma formação híbrida, voltada para uma sociedade em constante
• Projeto pedagógico e matriz curricular alinhados aos princípios
transformação, com profissões emergentes direcionadas a relacio-
norteadores, como políticas da instituição de ensino superior que
namentos e tecnologia, pode ocorrer com a interação de atividades
abriga o curso, demandas sociais cada vez mais impregnadas na
desenvolvidas em ambiente digital, envolvendo as profissões da
profissão e inserção regional para garantir a contratação do egresso;
Comunicação. As fronteiras entre as profissões da área são cada vez
• Articulação teórico-prática possibilitando uma conexão entre as dis- mais nebulosas, uma vez que as dimensões ‘comunicação, relaciona-
ciplinas teóricas, técnicas e práticas, que pode contribuir para uma mentos, tecnologia’ se apresentam nas profissões da Comunicação,
reflexão do fazer Comunicação, além do exercício pontual, comum; parceiras de Relações Públicas. Os avanços tecnológicos determinam
• Produção acadêmica gerada nos cursos de graduação e de pós-gra- alterações nas atividades profissionais e, consequentemente, na for-
duação, para fomentar novas relações com a sociedade mediante o mação acadêmica, contribuindo para a formulação de novas identi-
desenvolvimento de projetos de Comunicação; dades profissionais.
• Integração entre diversas áreas para análise da prática profissio- Neste sentido, há várias questões que acompanham a implantação
nal, que pode continuar fundamentada basicamente nas Ciências das DCNs, estando sempre em pauta: Qual o foco/identidade do cur-
da Comunicação, contendo tópicos da Administração em propor- so? Como planejar as horas indicadas para o estágio supervisionado?
ções adequadas ao foco do curso; E como ocorre a supervisão do estágio? Como planejar as horas in-
• Renovação de conhecimentos teórico-práticos direcionados às dicadas para os trabalhos de conclusão de curso? Como planejar as
novas atividades e identidades profissionais, que estão em cons- disciplinas direcionadas às atividades desenvolvidas em ambiente
tante modificação devido aos avanços tecnológicos e às transfor- digital que envolvem as profissões da Comunicação? Porém, talvez a
mações do mundo do trabalho; pergunta mais importante, para se pensar o ensino de Relações Pú-
blicas, atualmente, seja:
• Inserção de atividades de extensão, mediante créditos curriculares ou
carga horária, que oportuniza intervenções em comunidades exter- Como planejar a formação superior em Relações Públicas no Brasil,
nas às instituições de ensino superior nas quais o curso está abrigado. respeitando seu contexto histórico em termos graduação, sua tra-

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Cenário 1 Mix Relações públicas/Comunicação pública

jetória de ensino ao longo dos anos, sua produção científica e fun- BRASIL. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira
(Inep). Manual para classificação dos cursos de graduação e sequenciais: CINE
damentação teórica nas Ciências da Comunicação e interfaces com
Brasil. Brasília: Inep, 2019 (versão 3). Link: https://download.inep.gov.br/pesqui-
outras áreas do conhecimento, suas práticas profissionais calcadas sas_estatisticas_indicadores_educacionais/cinebrasil/manuais/manual_cine_bra-
no processo de comunicação para relacionamentos entre públicos sil_3_versao.pdf
variados e organizações dos três setores da sociedade (organizações BRASIL. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira
públicas, organizações privadas, organizações não governamentais)? (Inep). Manual para classificação dos cursos de graduação e sequenciais: CINE
Brasil. Brasília: Inep, 2019 (versão vigente - maio 2021). Link: https://download.
O motivo para o Curso de Relações Públicas estar classificado na área inep.gov.br/publicacoes/institucionais/avaliacoes_e_exames_da_educacao_supe-
de Administração é a política de internacionalização estabelecida no rior/manual_para_classificacao_dos_cursos_de_graducacao_e_sequenciais_cine_
brasil.pdf
país, que segue o modelo estrangeiro para os vínculos implementa-
dos na educação superior. Apesar do cenário revelador de sua ori- BRASIL. Ministério da Educação. Plano Nacional de Educação -PNE. Brasília: MEC,
2014. Link: http://pne.mec.gov.br/18-planos-subnacionais-de-educacao/543-pla-
gem em nível de graduação, enquanto Curso de Relações Públicas
no-nacional-de-educacao-lei-n-13-005-2014 (acesso em janeiro 2021)
inserido na área de Comunicação, com Diretrizes Curriculares Na-
BRASIL. Ministério da Educação. Resolução CNE/CES nº 16, de 13 de março de
cionais homologadas em 2013 e em vigor, houve uma modificação 2002. Diretrizes Curriculares da Área de Comunicação Social e suas Habilita-
que transforma tanto a formação acadêmica como a atuação pro- ções. Brasília: CNE/CES, 2002. Link: http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/
fissional, uma vez que a área de referência agora é a Administração. CES162002.pdf
Considerando o exposto, responder a questão indicada é o grande e BRASIL. Ministério da Educação. Resolução CNE/CES nº 2, de 27 de setembro de
atual desafio! 2013. Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Relações Pú-
blicas. Brasília: CNE/CES, 2013. Link: http://portal.mec.gov.br/index.php?option=-
com_docman&view=download&alias=14243-rces002-13&category_slug=setem-
REFERÊNCIAS bro-2013-pdf&Itemid=30192
BRASIL. Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq. BRASIL. Ministério da Educação. Resolução CNE/CES nº 7, de 18 de dezembro de
Plataforma Lattes. Tabela de Áreas do Conhecimento. Portal CNPq. Link: http:// 2018. Brasília: CNE/CES, 2018. Link: http://portal.mec.gov.br/index.php?option=-
www.lattes.cnpq.br/documents/11871/24930/TabeladeAreasdoConhecimento. com_docman&view=download&alias=104251-rces007-18&category_slug=de-
zembro-2018-pdf&Itemid=30192 (acesso em janeiro 2021)
pdf/d192ff6b-3e0a-4074-a74d-c280521bd5f7 (acesso em janeiro 2021)
CONFERP - Conselho Federal de Profissionais de Relações Públicas. Resolução Norma-
BRASIL. Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES.
tiva N.º 43, de 24 de agosto de 2002. Brasília: CONFERP, 2002. Link: http://conferp.org.
Plataforma Sucupira. Cursos Avaliados e Reconhecidos. Área de Avaliação. Área de
br/legislacoes/resolucao-normativa-n%c2%ba-43-de-24-de-agosto-de-2002/
Conhecimento. Brasília: Portal CAPES. Link: https://sucupira.capes.gov.br/sucu-
pira/public/consultas/coleta/programa/quantitativos/quantitativoAreaConheci- CONFERP - Conselho Federal de Profissionais de Relações Públicas. Parlamento
Nacional de Relações Públicas. Documento Conclusivo. Atibaia/SP: CONFERP,
mento.jsf?areaAvaliacao=31 (acesso em janeiro 2021)
1997. Link: http://www.conferp.org.br/wp-content/uploads/2014/03/1_atibaia.pdf
BRASIL. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira
FAGUNDES, Esnel José; MOURA, Claudia Peixoto de. Comunicação, teorias, ensi-
(Inep). Manual para classificação de cursos de Graduação e sequenciais: CINE no: registros da trajetória de um grupo de pesquisa. Organicom -- Revista Brasileira
Brasil 2018. Brasília: Inep, 2019. Link: https://download.inep.gov.br/educacao_su- de Comunicação Organizacional e Relações Públicas. São Paulo: ECA-USP/Abrapcorp,
perior/censo_superior/apresentacao/2019/manual_para_classificacao_de_cursos_ v.17, n. 32, p.141-152, 2020. Link: http://www.revistas.usp.br/organicom/issue/
cine_brasil_2018.pdf view/11523/1828

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Cenário 1

MOURA, Cláudia Peixoto de. Diretrizes para Relações Públicas: trajetória e necessi-
OS (DeS)CAmINhOS DAS
dades à formação profissional e cidadã. In: ALMEIDA, Fernando Ferreira de; CAR-
RILHO, Kleber; BASTOS, Robson (Orgs.). Fórum Ensicom: realidades e perspecti-
RelAçõeS públICAS
vas do ensino de comunicação no Brasil. São Paulo: Intercom, 2017. Link: http://
www.portcom.intercom.org.br/ebooks/arquivos/livro-ensicom05102017.pdf
bRASIleIRAS
MOURA, Cláudia Peixoto de. O Curso de Comunicação Social no Brasil: do cur- (re)leituras possíveis
rículo mínimo às novas diretrizes curriculares. Porto Alegre/RS: Edipucrs, 2002.
(Coleção Comunicação)
MOURA, Cláudia Peixoto de. Os desafios da Implantação das Diretrizes Curricu- Cleusa Maria Andrade Scroferneker1
lares Nacionais no Curso de Relações Públicas. In: ALMEIDA, Fernando Ferreira;
SILVA, Robson Bastos da; MELO, Marcelo Briseno Marques de (Orgs.). O ensino
Francielle Benett Falavigna2
de comunicação frente às Diretrizes Curriculares. São Paulo: Intercom, 2015. Link: Fernanda Luz Moraes3
http://www.portcom.intercom.org.br/ebooks/arquivos/livro_ensicom_comple-
to_2_correcao.pdf
UNESCO Institute for Statistics. International Standard Classification of Educa- Resumo123
tion. Fields of education and training 2013 (ISCED-F 2013) – Detailed field descrip-
tions. Montreal, Canadá: UNESCO, 2015. Link: http://uis.unesco.org/sites/default/ No presente artigo propomos uma (re)leitura sobre os (des)cami-
files/documents/international-standard-classification-of-education-fields-of-e-
ducation-and-training-2013-detailed-field-descriptions-2015-en.pdf nhos das Relações Públicas brasileiras, tendo em vista a redução
UNESCO Institute for Statistics. ISCED Fields of Education and Training 2013 (IS- da oferta de cursos em Instituições de Ensino Superior (FERRARI4,
CED-F 2013). Manual to accompany the International Standard Classification of 2017a, 2017b, 2018, 2020). Para essa (re)leitura, à luz do pensamento
Education 2011. Montreal, Canadá: UNESCO, 2014. Link: http://uis.unesco.org/si-
tes/default/files/documents/isced-fields-of-education-and-training-2013-en.pdf complexo (MORIN, 2000a, 2000b, 2006, 2015a; 2015b), recupera-
1 Professora Titular do Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social (PPGCom) e
da Escola de Comunicação, Artes e Design - Famecos da Pontifícia Universidade Católica
do Rio Grande do Sul (PUCRS), Doutorado e Pós-Doutorado em Comunicação Social pela
Escola de Comunicações e Artes (ECA) da Universidade de São Paulo (USP). Coordenadora
do Grupo de Pesquisa de Estudos Avançados em Comunicação Organizacional – GEACOR/
CNPq. Bolsista PQ/CNPq2 E-mail: cscrofer@gmail.com/scrofer@pucrs.br.
2 Bolsista de Doutorado CAPES (modalidade taxa), doutoranda e mestra em Comunicação
Social pelo Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social (PPGCom) da Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), Membro do Grupo de Pesquisa de
Estudos Avançados em Comunicação Organizacional – GEACOR/CNPq. E-mail: francielle.
falavigna@gmail.com.
3 Mestra em Comunicação Social pelo Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social
(PPGCom) da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Bacharela
em Ciências Jurídicas e Sociais e em Relações Públicas pela PUCRS. Membro do Grupo de
Pesquisa de Estudos Avançados em Comunicação Organizacional – GEACOR/CNPq. E-mail:
fernandamoraees@gmail.com.
4 Com exceção do artigo: ‘Perfil dos egressos do curso de relações públicas da ECA-USP:
análise da trajetória profissional e das percepções do curso’ (2017b), os demais foram elabo-
rados juntamente com outros pesquisadores, conforme constam nas referências (FERRARI,
2017a, 2018, 2020).

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Cenário 1 Mix Relações públicas/Comunicação pública

mos algumas de nossas inquietações manifestadas em publicações Concordamos com Ferrari, Martins e Theodoro (2020, p. 76) quando
anteriores (SCROFERNEKER, 2008, 2009; SCROFERNEKER; VITÓ- mencionam que a “[...] visão funcionalista foi inculcada na forma-
RIA, 2017), colocando-as em diálogo com alguns pesquisadores que ção dos relações-públicas no Brasil e na América Latina, estigmati-
têm discutido criticamente sobre a área. zando a profissão, calcada em funções instrumentais e táticas, em
detrimento das estratégicas”. Os referidos autores tecem críticas
Palavras-chave: às matrizes curriculares e ao conteúdo dos cursos que “[...] sempre
estiveram mais afinados com necessidades de desenvolvimento de
Relações Públicas. Instituições de Ensino Superior. Currículo. Pensa- ferramentas comunicacionais para as empresas, e a formação dos
mento Complexo. profissionais se limitou a atender as demandas sem o olhar crítico”
(FERRARI; MARTINS; THEODORO, 2020).
Breve contextualização
Talvez essa seja uma das possibilidades para explicar a redução sig-
Para iniciarmos esse artigo, optamos por trazer uma afirmação re- nificativa dos Cursos de Relações Públicas, pelo esgotamento de um
cente de Ferrari, Martins e Theodoro (2020) considerando as pes- modelo e de estruturas curriculares que priorizam o fazer em detri-
quisas sobre os Cursos de Relações Públicas no Brasil, desenvolvidas mento do pensar do porquê fazer.
entre 2016 e 2018. Para os referidos autores (FERRARI; MARTINS;
THEODORO, 2020, p. 73), (Re) Leituras possíveis....

[...] em 2011, havia 112 cursos de relações públicas em fun- Em 2008, no texto (Re) Visitando a História de Relações Públicas
cionamento no Brasil, 19 em IES públicas e 93 nas IES pri- (SCROFERNEKER, 2008), alertávamos para as imprecisões concei-
vadas (INEP, 2014). Em 2014, os cursos passaram a 75, o tuais e a predominância do Paradigma Funcionalista, que de certa
que representou uma contração de quase um terço (INEP, forma “reduziram” Relações Públicas ao seu ‘fazer’. Posteriormente,
2014). Em 2017, foram encontrados 56 cursos de relações em artigo publicado na Revista Organicom (SCROFERNEKER, 2009)
públicas com turmas formadas e em funcionamento, en- propusemos uma breve reflexão sobre a necessidade de (re)pensar as
quanto 19 cursos haviam sido extintos ou não haviam aber- Relações Públicas, (re)significando-as no complexo campo da Comu-
to novas turmas. Em 2018, mais três cursos deixaram de nicação Organizacional. Na oportunidade chamávamos a atenção que
oferecer turmas, reduzindo o total a 53 cursos em funcio- esse (re)pensar demandava recorrer a outras lentes paradigmáticas
namento. (FERRARI; MARTINS; THEODORO, 2020, p. 73).
para o (re)visitar e o revisar (permanente) das concepções e estrutu-
ras curriculares, ainda voltadas para o “fazer” de Relações Públicas
Os números mencionados revelam um cenário preocupante e in-
(SCROFERNEKER, 2009). Igualmente, questionávamos as propostas
quietante para as Relações Públicas, principalmente quando admi- equivocadas das grades curriculares, que se apresentavam fragmen-
timos a sua relevância face à complexidade do contexto contempo- tadas e desarticuladas, e na ausência de diálogo (e até na formação)
râneo que demanda, sob nossa perspectiva, abordagens críticas e do corpo docente. Passados 12 anos os nossos questionamentos conti-
reflexivas, em detrimento de abordagens reducionistas ainda an- nuam atuais e em aberto, o que significa que [ainda] não conseguimos
coradas na instrumentalização da comunicação. responder: de qual Relações Públicas estamos falando?

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Cenário 1 Mix Relações públicas/Comunicação pública

Há uma tendência em relacionar a renovação dos Cursos ao fortale- conhecimento, deixamos de lado a questão identitária, sobre a qual
cimento da comunicação digital em seus desdobramentos e inter- as escolhas curriculares recaem de forma vital (SILVA, 2015).
faces. Concordamos com Morin (2000a, p. 35), quando afirma que
Ferraro (2014), ao analisar as relações/práticas discursivas da organi-
para a organização e articulação dos conhecimentos “é necessária a
zação curricular – de forma crítica –, relaciona o currículo ao contexto
reforma do pensamento e que essa reforma é paradigmática e não,
disciplinar abordado por Foucault (2014), na obra Vigiar e Punir. En-
programática”. Para esse autor, (MORIN, 2000a, p. 24) “não se joga
quanto um dispositivo disciplinar, ele (re)produz coletividades ho-
o jogo da verdade e do erro somente na verificação empírica e na coe-
mogêneas, legitimando “[...] ações a partir da emergência de homo-
rência lógica das teorias. Joga-se também, profundamente, na zona
geneizações que a cada dia nela são construídas, frutos de relações
invisível dos paradigmas”.
discursivas e de suas respectivas emergências permitidas pela própria
Essas duas afirmações nos levam a relativizar e mesmo a questionar, organização curricular” (FERRARO, 2014, p. 988). A partir disso:
se a comunicação digital seria o caminho, visto que reformas e ajus- O que sobra dessas relações é efeito, puro efeito de um poder
tes nos currículos são pouco efetivos quando há falta de clareza con- capaz de subjetivar, de fazer crer, é um definir de comporta-
ceitual, paradigmática e do referencial teórico sobre a área e áreas mentos, de práticas de conduta, de obediência às verdades
afins (SCROFERNEKER, 2009). que emergem não apenas das relações entre a dualidade
objeto/meio, mas da colocação de uma terceira condição: a
É possível, ainda, que a promoção de subjetividades na construção subjetividade (FERRARO, 2014, p. 978).
do sujeito coletivo a partir das experiências contidas nos currículos
de Relações Públicas brasileiros, seja negligenciada. Neste sentido, O poder disciplinar, nesse sentido, atravessa as relações e produz o
recorremos a Silva (2015), para quem os currículos estão ancorados corpo dócil, aquele “[...] que pode ser submetido, que pode ser utiliza-
em múltiplos discursos nos quais os sujeitos estão inseridos. Sob do, que pode ser transformado e aperfeiçoado” (FOUCAULT, 2014, p.
esse ponto de vista, os currículos assumem um status marcadamente 134). No caso do currículo, enquanto um dispositivo5 de poder, pode
regulatório e normativo e que se materializa através de práticas conformar/ordenar o indivíduo desejável, detentor da lógica arbores-
discursivas, a exemplo das ementas, que, estruturadamente, preveem cente, cujo pensamento não desvencilha de sistemas centrados, hie-
uma relação de racionalidade específica, isto é, buscam reforçar rarquizados e preestabelecidos (DELEUZE; GUATTARI, 2011). Seria,
como o sujeito deve circular no interior do currículo e, para além dele exatamente como uma árvore: seu tronco firme, raízes fincadas ao solo
– no campo das práticas profissionais. Assim, entendemos que, por e que não possuem outras ligações a não ser pelo seu tronco comum.
natureza, o currículo quer/pretende/insinua/deseja implementar
Por outro lado, os indivíduos ocupam seus próprios espaços de exis-
um conjunto de práticas de subjetivação que atua como dispositivo
tência, através de diferentes composições de vida, diversidades em
de regulação no processo de tornar-se sujeito. Para Silva (2015, p. 15),
comportamentos, corpos, personalidades e pensamentos (FERRA-
as “teorias de currículo, tendo decidido quais conhecimentos devem
RO, 2020). Logo, a expectativa de determinar o indivíduo desejá-
ser selecionados, buscam justificar por que “esses conhecimentos”
e não “aqueles” devem ser selecionados”. O autor salienta, ainda, 5 O dispositivo, para Foucault (2012, p. 364) refere-se a “um conjunto decididamente heter-
ogêneo que engloba discursos, instituições, organizações arquitetônicas [...] o dito e o não
que ao relacionar a noção de currículo unicamente à dimensão do dito são elementos do dispositivo [...] a rede que pode se estabelecer entre esses elementos”.

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vel, por/entre as estruturas curriculares determinadas por lógicas Moura e Fagundes (2020) no artigo Comunicação, Teorias, Ensino:
prescritivas e binárias, acabam seguindo olhares comumente fun- registros da trajetória de um grupo de pesquisa destacam que “Há
cionalistas de um Paradigma Simplificador, pois se trata de um “[...] uma reestruturação das atividades de ensino para as novas deman-
paradigma que põe ordem no universo, expulsa dele a desordem. A das da sociedade e, consequentemente, a necessidade de adequa-
ordem se reduz a uma lei, a um princípio” (MORIN, 2015a, p. 59). ção do Projeto Pedagógico do Curso de Relações Públicas”. E
complementam, justificando que “Isto está acontecendo em todos
É neste ponto que emerge a necessidade de transição epistemológica
os cursos do país, que precisam atentar para as novas abordagens
desde as teorias/discursos tradicionais de currículo até às teorias
metodológicas emergentes com o advento das tecnologias da comu-
críticas (SILVA, 2015). As teorias tradicionais de currículo, segundo
nicação e o seu uso personalizado”. Entendemos, contudo, que:
Silva (2015), visam atender a uma lógica fabril, voltada para o
reforço de padrões de comportamento e ao exercício, muitas vezes, Repensar a prática e a teoria, fazendo emergir os problemas da
desconexo da realidade dos sujeitos, de aplicação de avaliações realidade social, a partir de outra matriz teórica, na busca de
centradas na lógica binária de competências e habilidades. Para superação da divisão cartesiana entre sujeito e objeto, mente e
esse autor (SILVA, 2015, p. 16): matéria nos remetem a desafios que se complementam na ne-
cessidade de interação entre o campo da formação acadêmica,
As teorias tradicionais, ao aceitar mais facilmente o status o campo profissional e o desenvolvimento da humanidade do
quo, os conhecimentos e saberes dominantes, acabam por ser humano (SCROFERNEKER; VITÓRIA, 2017, p. 95).
se concentrar nas questões técnicas. Em geral, elas tomam
a resposta à questão “o quê?” como dada, como óbvia e por Sob nossa perspectiva, continuamos distantes dessa possibilidade,
isso buscam responder a uma outra questão: “como?”.
apesar das discussões realizadas em Encontros Nacionais (ABRAP-
CORP, INTERCOM, Fóruns de Ensino) e da atuação de pesquisa-
Assim, tais teorias, ao se limitarem a essas questões, tendem a não
dores, cujas produções têm buscado fortalecer a área de Relações
flexionar o “o quê” ao “por que?”, sem submeter as estruturas de cur-
Públicas. A afirmação de Henriques (2009, p. 133) de que “o futuro
rículo a uma reflexão mais aprofundada a partir das experiências dos
da profissão de Relações Públicas é [era] incerto. Depende de como
sujeitos. Já, as teorias críticas, “[...] ao deslocar a ênfase dos conceitos
interpretaremos o futuro da atividade, de como a sociedade irá re-
simplesmente pedagógicos de ensino e aprendizagem para os con-
conhecê-la, de como se reposicionarão a sua especialidade e, conse-
ceitos de ideologia e poder [...]” (SILVA, 2015, p.17), estão pautadas
quentemente, seus estatutos”, talvez, nos ofereça alguns elementos
na (des)construção e/ou no questionamento da organização social,
que nos auxiliem na compreensão desse contexto.
apresentando formas de superação frente à lógica reproducionista e
simplificadora. Na perspectiva crítica, o currículo assume uma confi- Concordamos com Kunsch (2017, p. 8) que: “Frente à complexidade
guração territorial, marcada pelo encontro de alteridades e por uma da sociedade contemporânea muitos são os desafios que poderiam
formação sensível, atenta à auto-eco-reprodução (MORIN, 2015b) ser elencados no tocante à formação do profissional de relações pú-
cultural que emerge no encontro com o Outro, capaz de proporcio- blicas no mundo atual”. Contudo, os desenhos curriculares, median-
nar com que os sujeitos resgatem o (re)conhecimento da sua própria te os seus projetos pedagógicos nem sempre consideram o efetivo
existência, subvertendo dispositivos de assujeitamento. significado dessa afirmação, visto que “[...] não basta produzir um

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Cenário 1 Mix Relações públicas/Comunicação pública

excelente projeto pedagógico e aplicá-lo para se formar um profis- Os (re)desenhos que se fazem possíveis a partir desta abordagem
sional de comunicação ou de relações públicas ideal” (KUNSCH, priorizam um pensamento questionador em relação às proposições
2017, p. 15). Entendemos que o pensar complexo poderá nos tornar simplistas e disjuntivas e às certezas que se fecham em si mesmas. O
mais sensíveis e atentos para buscar outros caminhos, incertos, im- Pensamento Complexo permite dialogar com o (in)certo, entenden-
previsíveis, mas muito mais desafiadores. do que as verdades, são apenas nossas e possíveis, e não respostas
únicas e absolutas.
O pensar complexo como possibilidade...
Segundo Morin (2011, p. 88): “A visão simplificada diria: a parte está
Para Morin (2006, p. 83) “o pensamento complexo não recusa de no todo. A visão complexa diz: não só a parte está no todo; o todo está
modo algum a clareza, a ordem, o determinismo. Ele os considera in- no interior da parte que está no interior do todo”. Tomamos a partir
suficientes, sabe que não se pode programar a descoberta, o conhe- desta premissa um sentido de que a complexidade é algo distinto do
cimento, nem a ação”. Além disso, para o referido autor, “a comple- entendimento [eventualmente, comum] de que o todo está em tudo
xidade [...] num outro sentido, [...] nos faz compreender que jamais e, o contrário, também.
poderemos escapar da incerteza e que jamais poderemos ter um sa-
ber total” (MORIN, 2006, p. 69). Assim, em nossa (re)leitura possível Com isso, compartilhamos o convite para pensarmos as Relações Pú-
sobre os (des)caminhos das Relações Públicas no Brasil – estamos blicas brasileiras, do ponto de vista de suas estruturas curriculares,
cientes de que as (re)ligações tecidas aqui são apenas um, dentre inseridas nos cursos de formação superior, enquanto sistemas vivos
tantos outros caminhos possíveis. auto-organizados e auto-organizadores, auto-produtores e auto
-produzidos (MORIN 2011). Como campo de saberes e de práticas e
Destacamos, em um mesmo sentido, as noções de autonomia/ que ganha vida com e pelos sujeitos, as Relações Públicas realizam
dependência a partir do que propõe Morin (2000b), para quem ao mesmo tempo, sua auto-eco-organização e sua auto-produção.
os sistemas organizados dependem das relações/interações que
mantém com o meio ambiente. É por isso, que emerge a necessidade Considerações, mesmo que provisórias...
de recuperamos algumas de nossas inquietações manifestadas
em publicações anteriores (SCROFERNEKER, 2009, 2008; As nossas reflexões [críticas] sobre o que denominamos de (des)ca-
minhos das Relações Públicas brasileiras não são recentes. Contudo,
SCROFERNEKER; VITÓRIA, 2017), sobre os (des)caminhos das
as pesquisas realizadas por Ferrari (2017a, 2017b, 2018, 2020) sobre
Relações Públicas brasileiras relacionadas à redução da oferta de
o ‘fechamento’ dos Cursos de Relações Públicas no Brasil (FERRARI;
cursos em Instituições de Ensino Superior (IES), colocando-as em
MARTINS; THEODORO, 2020) levou-nos a retomá-las, numa tenta-
diálogo com alguns pesquisadores que têm discutido criticamente tiva de compreender esse contexto vivido pela área. Lembramos que
sobre essa área. Desse modo, esta breve (re)leitura se auto-eco- para Morin (2015a, p. 80) a compressão intelectual, a qual nos refe-
organiza pela e com as múltiplas interdependências com as quais rimos, “[...] necessita apreender o texto e contexto, o ser e seu meio, o
mantém interação/relação, tomando, para si, certa autonomia, na local e o global juntos. [...] A compreensão requer que primeiro com-
medida em que se mantêm aberta às possibilidades de interlocução preendamos a incompreensão”. De acordo com Sodré (2016, p. 67,
junto ao contexto no qual está inserida. grifos do autor): 

94 95
Cenário 1 Mix Relações públicas/Comunicação pública

O entendimento e a explicação se obtêm por meio das inter- FERRARI, Maria Aparecida; MARTINS, Juliane; THEODORO, Victor. Didática nos
pretações que fazemos do mundo a partir dos nossos quadros cursos de relações públicas: desafios e perspectivas no ensino superior. Revista Or-
conceituais. A compreensão, porém, fica além desses circuitos ganicom. Ano 17, Número 32, Janeiro/Abril/2020. Disponível em: https://www.revis-
autolegitimativos, fora dos puros atos de linguagem. tas.usp.br/organicom/article/view/170925/161257. Acesso em 20 de março de 2021.
FERRARI, Maria Aparecida; GROHS, Ana Cristina da Costa Piletti. Pesquisa nacio-
Para esses movimentos de entendimento e compreensão, para nal dos cursos de Relações Públicas no Brasil: práticas dos coordenadores e do-
além da explicação, recorremos ao pensamento complexo (MORIN, centes no processo ensino aprendizagem. In: Revista Internacional de Relaciones
2000a, 2000b, 2006, 2015a, 2015b) e à concepção de currículo anco- Públicas, Nº 14, VOL. VII, 2017a. Disponível em http://revistarelacionespublicas.
rada em Silva (2015) e Ferraro (2014), que nos possibilitaram trilhar, uma.es/index.php/revrrpp/article/view/492. Acesso em 20 de março de 2021.
em meio às incertezas, esses (des)caminhos. É importante mencio- FERRARI, Maria Aparecida. Perfil dos egressos do curso de relações públicas da
narmos que: “O Brasil foi o primeiro e é um dos poucos países no ECA-USP: análise da trajetória profissional e das percepções do curso. In: FERRA-
mundo onde a profissão de relações públicas é regulamentada por RI, Maria Aparecida; SANTOS, Maria Retz Godoy dos (orgs.). Aprendizagem ativa:
contextos e experiências em comunicação. Bauru, SP: Universidade Estadual Pau-
lei. Isso, entretanto, não garantiu mais oportunidades de empre-
lista, Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação, 2017b. p. 98-122. Disponível
go para os profissionais, nem contribuiu para melhorar a ima- em: https://www.faac.unesp.br/Home/Utilidades/aprendizagem-ativa---versao-
gem da atividade [...] (FARIAS; NASSAR; FURLANETTO, 2016, p. 158). digital.pdf. Acesso em 20 de março de 2021.
Apesar disso, para Moura e Fagundes (2020, p. 151): “Há um contexto
FERRARI, Maria Aparecida; MARTINS, Juliane. O que acontece com os cursos de re-
que favorece inúmeras possibilidades de pesquisa, com abordagens lações públicas no Brasil? Motivos da diminuição do oferecimento dos cursos pelas
teóricas e empíricas sobre a temática, privilegiando as necessidades IES. Anais do XII Congresso ABRAPCORP, Goiânia, GO, 16-18 maio 2018, p. 24-
de uma transformação na educação [...]”. 38. Disponível em: http://portal.abrapcorp.org.br/wp-content/uploads/2018/08/
Abrapcorp_Anais_2018_GPs.pdf. Acesso em 20 de março de 2021.
Assim, se o currículo revela uma rede de relações, vínculos e possibi-
FERRARO, Luís Schifino. Por uma ecologia do currículo: nova percepção, diferente pers-
lidades que o antecede e justificam sua existência, compreendemos pectiva. Revista e-Curriculum, vol. 12, núm. 1, p. 969-990, 2014. Disponível em: https://
que os (des)caminhos por essa perspectiva transformadora na edu- revistas.pucsp.br/index.php/curriculum/article/view/8995. Acesso em 30 mar. 2021.
cação e no ensino em Relações Públicas, continuam. Torna-se, por-
FOUCAULT, Michel. Sobre a história da sexualidade. In: FOUCAULT, Michel. Mi-
tanto, necessário, recorrer ao exercício profundo do (re)conhecimen- crofísica do poder. 25 ed. São Paulo: Graal, 2012
to do Outro na constituição dos currículos para, então, reconhecê-los
FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Tradução de Raquel Ra-
a partir da sua profunda natureza. Esse é, talvez, nosso achado mais
malhete. 42 ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2014.
valioso até o momento. É preciso seguir e dialogar para compreender
HENRIQUES, Márcio Simeone. O futuro da atividade é o futuro da profissão? Re-
quem somos e como nos transformamos a partir de um emaranhado
vista Organicom. Ano 6. Edição Especial. Números 10/11, 2009. Disponível em: ht-
de relações e tensões, sempre temporárias e imprevisíveis. tps://www.revistas.usp.br/organicom/article/view/139015/134363. Acesso em 20
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MORIN, Edgar. Os sete saberes necessários à educação do futuro. 2. ed. São Pau- e INSTITuCIONAl
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MORIN, Edgar. Introdução ao pensamento complexo. Porto Alegre: Sulina, 2006.
MORIN, Edgar. O método 4: as ideias: habitat, vida, costumes, organização. Tra- e legitimidade institucional em tempos de
dução de Juremir Machado da Silva. 6 ed. Porto Alegre, Sulina, 2011.
midiatização e ambiências digitais
MORIN, Edgar. Introdução ao pensamento complexo. Tradução de Eliane Lisboa.
5 ed. Porto Alegre: Sulina, 2015a.
MORIN, Edgar. O Método 3. O conhecimento do conhecimento. 5 ed. Porto Alegre: Eugenia Mariano da Rocha Barichello
Sulina, 2015b. 286 p.
MOURA, Claudia Peixoto de; FAGUNDES, Esnel. COMUNICAÇÃO, TEORIAS, ENSI-
NO: REGISTROS DA TRAJETÓRIA DE UM GRUPO DE PESQUISA. Revista Organicom. Trabalho com os conceitos de visibilidade midiática e legitimidade
Ano 17 • Número 32 • Janeiro/Abril/2020. Disponível em: https://www.revistas.
desde 1994, o que resultou na minha tese, cujo título é Universidade
usp.br/organicom/article/view/170938/161264. Acesso em 20 de março de 2021.
e Comunicação: identidade institucional, legitimidade e territorialida-
NASSAR, Paulo; FARIAS, Luiz Alberto de; OLIVEIRA, Matheus Furlanetto. Cená-
rio histórico das relações públicas no Brasil. Revista Organicom. Ano 13, Número
de na cena da nova ordem tecnocultural defendida na UFRJ em 2000,
24, 1º Sem. 2016. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/organicom/article/ nestas duas últimas décadas os conceitos foram sendo tensionados
view/139324/134665 . Acesso em 20 de março de 2021. diante do constante processo de midiatização das práticas sociais e
SCROFERNEKER, Cleusa Maria Andrade. (Re)visitando a história das relações da ambiência digital.
públicas. In: MOURA, Cláudia Peixoto de (Org.). História das relações públicas:
fragmentos da memória de uma área. Porto Alegre: Edipucrs, 2008. [E-book]. Dis- Este texto traz reflexões sobre uma instituição, a Universidade, e suas
ponível em: https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/4585419/mod_resource/ variadas concretizações, aqui especialmente refere-se a uma univer-
content/1/Historia_RP.pdf. Acesso em em 20 de março de 2021. sidade pública, a Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), a
SCROFERNEKER, Cleusa Maria Andrade. Relações Públicas e Comunicação Or- qual pertenço como docente desde 1994. A situação que encontrei na
ganizacional: encontros, desencontros e reencontros. Revista Organicom. Ano 6.
UFSM, quando ingressei como professora, me levou a questionar a
Edição Especial. Números 10/11, 2009. Disponível em: https://www.revistas.usp.
br/organicom/article/view/139015/134363. Acesso em 20 de março de 2021. temática e me aprofundar nestes conceitos que me acompanham até
hoje, sempre tensionados e contextualizados. Me deparei com o Pla-
SCROFERNEKER, Cleusa Maria Andrade; VITÓRIA, Maria Ines Corte. Docência em Re-
lações Públicas: fragmentos de uma reflexão inacabada. Revista Internacional de Re- no Bresser, com as recomendações do Fundo Monetário Internacio-
laciones Públicas, Nº 14, VOL. VII, 2017. Disponível em http://revistarelacionespubli- nal para investir na educação de base e efetuar mudanças profundas
cas.uma.es/index.php/revrrpp/article/view/491/281# . Acesso em 20 de março de 2021. na estrutura organizacional das Universidades.
SILVA, T. T. Documentos de identidade: uma introdução às teorias de currículo. 3ª
ed. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2015. Havia falta de diálogo com o governo e falta de reconhecimento pú-
blico e, portanto, tivemos os salários congelados por um bom perío-
do e falta de verba até para trabalhos simples como os de secretaria,

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Cenário 1 Mix Relações públicas/Comunicação pública

sem falar do sucateamento dos equipamentos necessários às ativi- Em 2004 publiquei os resultados de uma pesquisa sobre a Comunica-
dades pedagógicas. Nos anos noventa presenciei pelo menos duas ção da Universidade, financiada pelo Edital Universal do CNPq, no livro
greves, que não eram sequer noticiadas, redundando em um silêncio Visibilidade Midiática, Legitimação e Responsabilidade Social: dez estudos
constrangedor, na carência de visibilidade midiática, contribuindo, sobre as práticas de comunicação da Universidade. (BARICHELLO, 2004)
portanto, com a deslegitimação da instituição, ou seja, com a falta de
Em 2005, foi aprovado o Programa de Pós-Graduação em Comunica-
reconhecimento de suas práticas institucionais como basilares para
ção na UFSM, então abri o meu leque temático de estudos para ou-
a sociedade.
tras instituições e organizações e práticas midiáticas, mas continuei
Procurei enfrentar a situação com vários projetos de pesquisa e ex- a trabalhar com a Comunicação da Universidade e, sempre, em todos
tensão, tais como a implantação de uma Agência de Comunicação os trabalhos continuo a elaborar estes conceitos tão caros há quase
Integrada, colocando na prática a literatura da Prof.ª Margarida três décadas, que são visibilidade midiática e legitimação. A eles foi
Kunsch (1986; 1997, 1992), pois a partir de seus postulados, os dis- acrescentado o diálogo com os pesquisadores que trabalham com o
centes de Relações Públicas, Publicidade e Jornalismo realizaram processo de midiatização da sociedade e das práticas sociais e com
campanhas institucionais e assessoria de imprensa divulgando os os pensadores da Media Ecology, que investigam as mídias como
projetos da UFSM. Ao mesmo tempo, implementamos assessorias de ambientes culturais (BARICHELLO, 2017).
comunicação nos diversos Centros de Ensino da UFSM. Este projeto
Em 2017 foi aprovada oficialmente a Política de Comunicação da UFSM,
resultou na inclusão no currículo, em 2004, das disciplinas Assesso-
conduzida por professores, ex-alunos e alunos, tendo à frente dos tra-
ria I e II, trabalhando com a Comunicação da Universidade.
balhos uma aluna orientada por mim na graduação e na especialização,
Estas atividades práticas foram acompanhadas por projetos de Pes- Jaqueline Quincozes Kegler, docente do Departamento de Ciências da
quisa, coordenados por mim e publicados no livro Universidade e Comunicação e professora do Curso de Relações Públicas da UFSM.
Comunicação (BARICHELLO, 1998). Todas foram financiadas por
Em agosto de 2018 fui surpreendida pela indicação dos meus ex-alu-
órgãos de fomento à pesquisa:
nos, agora professores em cargos de direção na UFSM, e o convite do
- Jornalismo científico: a participação do conhecimento e a divulgação na Reitor para cooperar na implantação da Política de Comunicação da
UFSM, financiado pela FAPERGS entre os anos de 1995 e 1996; UFSM, ocupando o cargo de Coordenadora de Comunicação da Uni-
versidade, o que inclui a TV Campus, duas rádios (Rádio Universida-
- Universidade e Comunidade: Um estudo sobre a implantação de Asses-
de e UniFM), a Revista Arco e a Agência de Notícias. Além disso, na
sorias de Comunicação nos Centros de Ensino e na Administração Central
implantação da Política de Comunicação está prevista a articulação
da UFSM, financiado pelo CNPq entre 1995-1996;
das atividades de Assessoria dos Centros de Ensino com a Coordena-
- Assessoria de Comunicação para Órgão Público: os desafios da nova con- doria de Comunicação e a Assessoria do Gabinete do Reitor.
juntura, financiado pela FAPERGS de 1995 a 1996;
Dá para visualizar que tive a oportunidade de colocar em prática mi-
- A Construção de uma Política de Comunicação para a UFSM, projeto nhas pesquisas, minhas experiências e minhas utopias, que estão ex-
financiado pelo CNPq e pela FARPEGS entre 1996 e 1997. postas neste texto em três tópicos:

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Cenário 1 Mix Relações públicas/Comunicação pública

1. Desafios postos aos processos de visibilidade e legitimidade insti- com a tecnologia. Os sujeitos com acesso às tecnologias, aos meios
tucional em tempos de midiatização e ambiências digitais e aos recursos necessários podem tornar-se atores estratégicos de
novos processos de produção de relacionamento social. Assim, as
2. Das rotinas estabelecidas às conexões possíveis
organizações articulam suas estratégias de relacionamento frente
3. Considerações Pontuais aos discursos das instituições midiáticas e discursos de indivíduos
com acesso e espaço de fala nas ambiências digitais.
A proposta é discorrer sobre as elaborações teóricas que amparam
a minha caminhada e fazer uma aproximação entre teoria e prática Diante dessas transformações, existe uma necessidade premente
trazendo um pouco do que vivenciei como Coordenadora de Comu- de mapear novas mídias, novos formatos e novas práticas de in-
nicação da UFSM. teração com o intuito de fazer avançar o alcance explicativo das
teorias de comunicação e comunicação organizacional. A propos-
Desafios postos aos processos de visibilidade e legitimidade ta toma como objeto as práticas comunicacionais que têm como
institucional em tempos de midiatização e ambiências digitais suporte as tecnologias digitais, aqui representados pelos portais
As noções de visibilidade e legitimidade de atores individuais e co- institucionais e pelas mídias sociais digitais (Facebook, Twitter,
letivos (comunidades, organizações) despertaram meu interesse YouTube, Instagram, etc.) cujos processos de circulação das infor-
há mais de duas décadas. Essas noções têm uso corrente em outros mações são caracterizados pela superação das dicotomias entre
campos do saber, como a sociologia e a antropologia, e são pertinen- emissor/receptor, meio/mensagem, e novos fluxos de comunica-
tes para estudar aspectos fundamentais das práticas e ambiências ção, que parecem privilegiar a interação e a individualidade.
comunicativas contemporâneas. Investiguei primeiro a noção de le-
Diante do atual contexto, acredito que os estudos amparados na
gitimidade e suas ligações com o reconhecimento individual e insti-
escola de pensamento conhecida como Media Ecology são apro-
tucional, o que me conduziu ao estudo das relações entre o processo
priados para desvelar pontos importantes destas transformações.
de reconhecimento dos indivíduos frente as suas comunidades e a
necessidade de tornar públicas suas ações. Esses estudos levaram à Se antes a Comunicação Organizacional pressupunha um plano e
investigação dos processos de construção de uma “visibilidade mi- uma proposta de comunicação, sua execução e sua interpretação
diática” e, atualmente, tenho estudado os processos de comunicação pelos públicos, hoje há uma comunicação que parece ser mais flui-
na sociedade contemporânea marcados pela interação mediada por da e com mais participação dos “públicos”, agora interagentes. As
tecnologias, especialmente as digitais. tecnologias digitais modificaram a forma pela qual é exercida a co-
municação organizacional de forma que se faz necessário interagir
Assim, o processo de construção da legitimação das organizações
nessas mídias com aqueles que recebem e emitem informações.
apresenta-se, cada vez mais, vinculado à ambiência midiatizada, que
atua como esfera de visibilidade e legitimação de práticas culturais. Os usos estratégicos da comunicação precisam atualmente con-
Nesse processo, os atores podem ser propositores e criadores dos mo- siderar o processo de midiatização da sociedade e a questão aqui
dos de ser e atuar dos sujeitos individuais e coletivos na sua relação posta é desvelar: Como as instituições, organizações e indivíduos

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Cenário 1 Mix Relações públicas/Comunicação pública

configuram novas práticas e processos estratégicos para obter vi- livro Comunicação e Comunidade do Saber, pois acredito que ele
sibilidade e legitimação de suas práticas e, ao atuar em ambiên- ainda dá conta da complexidade da universidade.
cias, digitais, reconfiguram interações e fluxos comunicacionais? Reinterpretando e assumindo a pluralidade do termo comu-
nidade [a universidade como comunidade do saber], consi-
Nas pesquisas e práticas que desenvolvo o processo de midiatização
derando suas várias possibilidades de existir e as diferentes
é pressuposto em suas nuances para evitar sua simples constatação e formas possíveis de pertencer, certamente podemos interpre-
a consequente naturalização deste processo, pois as práticas e estra- tar e encontrar uma condensação do conceito de universida-
tégias são observadas em um ambiente onde o processo de midiati- de como o lugar onde são pensadas e discutidas as práticas e
zação está em curso e tem alterado práticas de relacionamento e es- ideias, o lugar do humano. A universidade pode ser entendida
tratégias de visibilidade e legitimação de organizações e indivíduos. então como o habitat do dissenso, da busca, o lugar de pôr em
comum as diversidades do saber. (BARICHELLO, 2001, p.185)
Os trabalhos de pesquisa desenvolvidos no grupo de pesquisa Comu-
nicação Institucional e Organizacional levaram a novos questionamen- As pesquisas que coordeno ou coordenei relatadas em inúmeros tex-
tos e ajustes na minha trajetória de pesquisadora e docente. Um ponto tos (BARICHELLO 2000, 2001, 2003, 2004, 2006, 2008, 2009, 2013,
que quero ressaltar é a presença dos conceitos organização, institui- 2017, 2018a, 2018b) que abordam as práticas de relações públicas e
ção, práticas comunicacionais, visibilidade e legitimidade em todos comunicação organizacional, possibilitaram concluir que atualmen-
os projetos que coordeno ou oriento. Esta convergência demonstra a te a visibilidade não basta, pois é preciso interagir e criar vínculos
particularidade de olhar os processos comunicacionais pelo ângulo mais fortes entre os indivíduos. Resolvi enfrentar os desafios atuais
da institucionalização de práticas comunicacionais e da visibilidade por meio da inclusão de propostas metodológicas como a análise de
discursos sociais e sua constante adaptação às ambiências digitais,
e legitimidade dessas e dos processos organizacionais envolvidos,
que, aliados aos mapeamentos que tenho realizado podem propor-
encaminhando para a sua compreensão por meio da perspectiva da
cionar resultados mais densos para a compreensão das práticas de
comunicação relacional na atual sociedade midiatizada, onde há um
comunicação na atualidade. Pressuponho que as tecnologias digitais
incremento notável da mediação técnica e ocorrem novos arranjos nas
modificaram a forma pela qual é exercida a comunicação organiza-
relações entre indivíduos e organizações. Assim, o contexto da socie-
cional e se faz necessário interagir nessas mídias com aqueles que
dade midiatizada movimenta e mobiliza as tradicionais dinâmicas re-
recebem e emitem informações. Minha questão de pesquisa atual é
lativas às relações e vínculos possíveis entre organizações e públicos e desvelar: Como as instituições, organizações e indivíduos configu-
seus processos visibilidade e legitimidade, ou seja, de reconhecimento ram novas práticas e processos estratégicos para obter visibilidade e
de práticas, instituições e organizações pela sociedade. legitimação de suas práticas e, ao atuar em ambiências digitais, re-
configuram interações e fluxos comunicacionais?
Das rotinas estabelecidas às conexões possíveis
Em 2018 orientava teses sobre temáticas como a narrativa trans-
Ao assumir a Coordenadoria de Comunicação da UFSM, em agosto mídia, a visibilidade midiática e a legitimação das organizações, as
de 2018, o primeiro conceito ativado foi o de comunidade do saber transformações estruturais do jornalismo e das relações públicas, e
como o formulei em 2000, na minha tese, e publiquei em 2001, no chego para trabalhar em um local todo compartimentado. Tudo no

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Cenário 1 Mix Relações públicas/Comunicação pública

mesmo andar, rádios Universidade e UniFM, TV Campus, e Agência g) A primeira das reuniões, abriu as discussões para pensar “Por que exis-
de Notícias. Apenas a revista estava instalada em outro andar, todos timos? Missão, visão e valores dos veículos institucionais hoje? Qual a
no mesmo território, o prédio da Administração Central da UFSM, e sua articulação com o PDI e a Política de Comunicação da UFSM?
quase sem diálogo entre um veículo e outro. Frente ao observado ela-
h) Foram definidos como Critérios de Noticiabilidade, para todos os
borei diretrizes, junto com os demais servidores da Coordenadoria, a
veículos institucionais de comunicação da UFSM, os sete desafios
serem cumpridas em conjunto e que resumo em sete itens.
do Plano de Desenvolvimento Institucional.
a) Logo após a minha posse conversei com os Diretores dos Núcleos
Importante assinalar que este trabalho foi realizado de maneira con-
da Coordenadoria sobre a adequação das atividades das mídias
junta com a Unidade de Comunicação Integrada e a Assessoria de Co-
institucionais ao Plano de Desenvolvimento Institucional, à Polí-
municação do Gabinete do Reitor. Paralelamente, a Unidade de Co-
tica de Comunicação da UFSM e ao Plano de Gestão.
municação Integrada instalou o Comitê de Política de Comunicação
b) Todos os núcleos fizeram um levantamento de seus desafios e das e Grupos de Trabalho específicos como o GT Política Editorial, GT Site
possibilidades. UFSM, GT Mídias Digitais e GT Identidade Visual da UFSM, entre ou-
tros, dos quais participei como coordenadora ou como membro.
c) Foi reorganizado o GT das rádios com a finalidade de fazer o
acompanhamento e adequação da programação.
Considerações Pontuais
d) Foi estabelecido dia e horário para a Reunião de Pauta semanal, que
passou a reunir Assessoria de Comunicação do Gabinete do Reitor, O desafio está posto, pois cotidianamente acompanhamos transfor-
Unidade de Comunicação Integrada, Agência de Notícias, TV Cam- mações que exigem atitudes apropriadas na gestão da comunicação
pus, Revista Arco e representante das rádios. A partir destas reu- da universidade, tanto em seu relacionamento interno como no rela-
niões foram sendo estudados os fluxos de comunicação e o papel cionamento com a sociedade, os quais, aliás, estão mais perpassados
de cada um na comunicação, procurando somar esforços. Todos os pela ambiência midiática e digital.
participantes passaram a utilizar o aplicativo Trello, que possibilita Implantamos uma política de comunicação com base teórica na Eco-
uma visão de todas as iniciativas e ações mais produtivas. logia da Mídia e no argumento de que as mídias se movimentam como
e) Cada veículo institucional elaborou o seu perfil editorial alinhado espécies na ecologia midiática atual. Na implementação da Política de
com os desafios do Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI) Comunicação procurei utilizar como estratégias a narrativa transmí-
da UFSM, da Política de Comunicação e do Plano de Gestão. dia, a autorreferência e a mistura das práticas nas mídias institucio-
nais, porém cuidado para não perder a identidade de cada veículo.
f) Os servidores dos veículos institucionais levantaram subsídios
para discutir e elaborar um perfil editorial para a Coordenadoria Mantivemos e consolidamos a comunicação descentralizada ao rea-
de Comunicação, que contemple as atividades de ensino, pesqui- lizar, em um trabalho conjunto entre a Coordenadoria de Comuni-
sa e extensão e esteja alinhado com os desafios do PDI, da Política cação, a Assessoria de Comunicação do Gabinete do Reitor e a As-
de Comunicação e do Plano de Gestão. sessoria de Comunicação Integrada. Esta atuação descentralizada e

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Cenário 1 Mix Relações públicas/Comunicação pública

coordenada exige um grande esforço devido a sua complexidade. A f. Tese. (Doutorado em Comunicação) – Universidade Federal do Rio de Janeiro,
Escola de Comunicação, 2000.
Coordenadoria de Comunicação da UFSM reúne duas Rádios (Rádio
Universidade e UniFM), TV Campus, Agência de Notícias, e Revista BARICHELLO, E.M.M.R. Comunicação e comunidade do saber. Santa Maria: Pal-
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Arco, que cobrem os acontecimentos de todos os campi da UFSM. A
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Assessoria de Comunicação do Gabinete do Reitor, que cobre a ges- Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – INTERCOM. Anais Eletrôni-
tão do Reitor, Vice-Reitor e Pró-Reitores; e a Unidade de Comunica- cos... Belo Horizonte: INTERCOM, 2003.
ção Integrada, que planeja ações de comunicação e faz a ligação com BARICHELLO, E.M.M.R. Visibilidade Midiática, Legitimação e Responsabilida-
os Núcleos de Comunicação dos Centros de Ensino e as disciplinas de Social: dez estudos sobre as práticas de comunicação da Universidade. Santa
de Assessorias de Comunicação. Ou seja, as três instâncias constituí- Maria: FACOS, 2004.
das pela Coordenadoria da UFSM, Assessoria do Gabinete do Reitor e BARICHELLO, E.M.M.R. Mídia, territorrialidades e sociabilidades. In: XV Encon-
tro da Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação -
Unidade de Comunicação Integrada trabalham de forma articulada
COMPÓS. Anais Eletrônicos... Bauru: COMPÓS, 2006.
construindo a comunicação da Universidade.
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Atualmente a comunicação da universidade se torna mais complexa legitimação das instituições na sociedade midiatizada. In: DUARTE, M. E. B.; CAS-
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e acompanha a grandes transformações que ocorrem na transmissão
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tribuído numa teia onde cada ator pode contribuir e ser potência. dium-ambiência. Revista Matrizes. São Paulo, ano 7, nº 1, p. 235-246, jan./jun. 2013.
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108 109
TRANSfORmAçõeS em
RelAçõeS públICAS A pARTIR
DO CONTexTO DA pANDemIA
De COvID-19

Fábia Pereira Lima

Resumo

As transformações sociais trazidas pela pandemia mundial de co-


vid-19 ainda não se deixam ver em toda sua extensão e profundida-
de. O presente trabalho constitui-se em um estudo exploratório, com
base em levantamento bibliográfico, sobre a atividade de Relações
Públicas (RP) no Brasil, os desafios e críticas que enfrenta para seu
reconhecimento social, e como a função social das RP, compromis-
sada eticamente com a ciência e a democracia, pode colaborar para
que novos parâmetros sejam considerados nas relações entre as or-
ganizações e a sociedade.

Palavras-chave

Relações Públicas; Covid-19; Democracia.

Introdução

A pandemia da covid-19 é um problema mundial de saúde pública


cujos impactos econômicos, sociais e culturais são de tamanha mag-
nitude, complexidade e profundidade que ainda não se consegue vis-
lumbrá-los. O controle epidemiológico é um esforço coletivo, a partir
da adoção de medidas sanitárias e de biossegurança, que evidencia

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como as ações individuais compõem aquilo que, conjuntamente, para ações de promoção da imagem das instituições, sobretudo com
conseguimos alcançar como evolução ou retrocesso no quadro geral atividades de assessoria de imprensa, buscando pautar assuntos e en-
do surto pandêmico. quadramentos pretendidos pelas organizações contratantes.

No campo da produção do conhecimento e da atuação profissional, Um marco na atividade de RP no Brasil foi a regulamentação profis-
pesquisadores se debruçam na busca por aprofundar os estudos e sional, em 1967, sendo o Brasil o primeiro país no mundo a fazê-lo – e
implicações sobre a doença, formas de contágio e de enfrentamento, um dos únicos países do mundo que reservam, nos termos da legis-
nas mais diversas áreas do saber e práticas profissionais, em esforços lação, a atuação em RP para os profissionais com registro profissio-
colaborativos de pesquisa e ação, em escala nunca antes experimen- nal na área. Para possibilitar tanto o registro como a fiscalização da
tada. Nesse sentido, também as Relações Públicas (RP) têm refletido atividade, inclusive, foi criado, no mesmo período, o sistema do Con-
sobre suas contribuições no entendimento e enfrentamento da pan- selho (Federal e Regional) de Relações Públicas no país, responsável
demia, sobretudo nos desafios interacionais que ela impõe, incluin- tanto por conferir o registro quanto por fiscalizar que a prática fosse
do as práticas comunicacionais das e nas organizações. (seja) realizada por profissional registrado.

É, portanto, no bojo deste contexto que partimos para nossas re- Contudo, há de se fazer uma digressão relevante já que, em 1964,
flexões. O artigo está estruturado em três partes. Na primeira, fa- após um golpe de Estado, o Brasil passou a ser governado por um
zemos um resgate histórico sobre as Relações Públicas no Brasil, regime militar, instaurando um período ditatorial que durou mais
visando evidenciar alguns motivos que, ainda nos dias atuais, di- de 20 anos. Ou seja, a profissão de Relações Públicas, regulamentada
ficultam o entendimento e reconhecimento da área. Na segunda pela Lei no 5.377, de 11 de dezembro de 1967, e legalizada pelo Decre-
parte, problematizamos as principais críticas que historicamente to- Lei no 63.283, de 26 de setembro de 1968 (que restringe o exercí-
marcam o desenvolvimento acadêmico e profissional das RP. Por cio da atividade a graduados em Comunicação Social com habilita-
fim, como esforço de síntese, buscamos abordar uma perspectiva ção em Relações Públicas), foi legalmente constiuída no âmbito de
brasileira para as RP eticamente comprometida com a ciência e a um regime de governo que exercia seu poder de forma autoritária e
democracia, como base para o fortalecimento de sua legitimidade antidemocrática. Mais do que isso, foi regulamentada precisamente
e reconhecimento social. para atender aos interesses dos governantes na construção de uma
imagem baseada na simbologia patriótica e na divulgação em mas-
Um breve resgate histórico das Relações Públicas brasileiras sa. Um regime absolutamente refratário à comunicação dialógica,
que não se ocupava com a garantia de direitos fundamentais básicos
A atividade das Relações Públicas no Brasil tem início nas primeiras
como a liberdade de expressão e a possibilidade do contraditório e
décadas do século XX, com a presença de profissionais em corporações
da crítica ao próprio governo.
internacionais sediadas no país e a criação de departamentos especí-
ficos em órgãos governamentais. Com forte influência funcionalista, Conforme relatam Nassar, Farias e Oliveira (2016), prova disto está
baseada sobretudo na bibliografia norte-americana que tornou- se na criação da Assessoria Especial de Relações Públicas (Aerp), com
hegemônica no país e referência no mundo, a prática de RP voltava-se seus desdobramentos, que funcionava como gabinete do governo

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para promoção de uma pauta desenvolvimentista, desviando o foco Na medida em que se investiu na formação de profissionais e pesqui-
das atrocidades no ambiente político e do cerceamento às liberda- sadores dedicados à área, no âmbito dos cursos de graduação e pós
des civis. E foi com esta atuação pouco honrosa, comprometida com graduação, houve maior diversificação nas áreas temáticas, aborda-
interesses de uma casta governante e não com os princípios de uma gens teórico metodológicas e problemáticas analisadas. Já em 2006, foi
sociedade democrática, que as RP marcaram a construção de sua criada a Associação Brasileira de Pesquisadores de Comunicação Or-
própria imagem, alinhada à das próprias instituições da época. ganizacional e Relações Públicas (Abrapcorp), que passou a congregar
Durante o governo do general Médici (1969-1974), a Aerp
pesquisadores que se dedicam à área de Comunicação Organizacional
constituiu-se em verdadeiro escritório político de propagan- e Relações Públicas no país. Nos foruns de discussão acadêmica, como
da para ‘promover’ o regime ditatorial, mascarando, assim, nos congressos da Abrapcorp, e Grupos de Trabalho da Sociedade Bra-
a intervenção de censura mais violenta na história do Bra- sileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação (Intercom) e da
sil. Torquato criticou fortemente a abordagem da ditadura: Associação Nacional dos Programas de Pós- Graduação em Comunica-
a máquina de relações públicas bem equipada, usada pelos
ção (Compós), é recorrente encontrarmos estudos que versam sobre a
governantes militares como um centro de propaganda e
falta de legitimidade das RP. Mas, se este não é um debate novo, há de se
comunicação vangloriosa, se caracterizou pela linguagem
grandiloquente da comunicação empresarial no início de pensar nos motivos pelos quais a área parece não conseguir superá-lo.
1970 e foi bem respeitada pelos veículos da grande mídia, a
Se concordamos que a produção do conhecimento científico é uma
maioria dos quais foi submetida à censura prévia. (...) A ima-
gem dos profissionais de relações públicas foi manchada pe-
prática histórica e socialmente situada, da mesma forma que o exer-
las ações empreendidas pela ARP, onde atuavam como spin cício profissional deve atender, de modo imperativo, às demandas da
doctors, tentando mudar a narrativa de fatos como a prisão e sociedade e de seu tempo, devemos pensar qual a função social das
a tortura de milhares de brasileiros que exigiam o retorno da RP numa sociedade democrática e, hoje, acometida pela pandemia
democracia (NASSAR, FARIAS, OLIVEIRA, 2012, p. 155). de covid-19. Mais ainda, no contexto do Brasil, um país cujas marcas
da desigualdade social permeiam as históricas lutas de classe, as as-
Foi apenas nos anos de 1985 que o Brasil iniciou o processo de (re) simetrias econômicas, tecnológicas, culturais e os embates travados
abertura política aos princípios democráticos, o que veio acompa- na esfera pública pela perpetuação ou revogação de certos dogmas e
nhado por mais visibililidade e organização da sociedade civil em privilégios. É neste sentido que o contexto pandêmico, ao tensionar
torno de pautas de interesse público e por forte demanda social por
e evidenciar ainda mais as marcas da desigualdade social brasileira,
transparência das organizações. Como campo de prática profissional,
constitui- se como oportuno momento histórico para amparar novos
as RP tanto se fortaleceram pela atuação empresarial interessada em
estudos e debates sobre a área de RP.
promover sua imagem quanto em prestar contas de sua atuação à so-
ciedade. Como campo de pesquisa, as RP também floresceram, espe-
Relações Públicas na berlinda
cialmente tentando dar conta de justificar seus resultados e investi-
mentos organizacionais. Assim, o desenvolvimento das RP no Brasil No cerne das discussões sobre a prática das Relações Públicas (RP)
se deu por uma perspectiva pouco crítica quanto às práticas empre- está o gerenciamento da reputação organizacional: RP são ativida-
sariais até então utilizadas para promoção das organizações no país. des - empreendidas por organizações de toda natureza, segmento

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e porte, por governos, e quaisquer pessoas ou grupos interessados negociação, de fato, potencialmente revisando as próprias atitudes
em praticar a comunicação de modo estratégico - exercidas para in- organizacionais, em prol de benefícios mútuos.
fluenciar a opinião pública. Um esforço de comunicação estratégi-
Segundo os próprios autores, o modelo de RP simétrico de mão du-
ca que consiste, de modo deliberado, na convocação de públicos em
pla, de comunicação bidirecional, equilibrada e dialógica, e que res-
torno de agendas de interesse, promovendo a circulação de discursos
peita os públicos como interlocutores, é tomado como o modelo de
na esfera pública. E aqui encontramos duas concepções fundamen-
excelência – um ideal normativo seguido, conforme dados empíri-
tais de RP: ao assumir determinadas pautas, estariam as RP atuando
cos, por uma minoria organizacional. Na prática, o que se encontra,
de forma a ampliar a arena do debate público, qualificando o diálogo
em sua maioria, são organizações reproduzindo os modelos assimé-
entre organizações e seus públicos ou, ao contrário, o esforço de in-
tricos, sobretudo de persuasão científica.
fluência exercido para conformar públicos representa uma ameaça
aos princípios democráticos de nossa sociedade? Como estudiosos e profissionais de RP e comunicação organizacio-
nal, estaríamos, portanto, fadados a contribuir para perpetuar uma
A visão de que RP são uma força potencialmente democrática que, ao
lógica utilitarista do conhecimento? Quando fazemos uso de pes-
dar voz a vários grupos e colocar as organizações em diálogos mais
quisas de opinião para a coleta de informações junto a públicos que
simétricos com eles, promove e qualifica debates e o engajamento
queremos convocar e agregar, o fazemos para efetivamente abrir ca-
públicos, está na base dos estudos de comunicação organizacional e
nais de diálogo com vistas a, potencialmente, possibilitar a revisão
relações públicas. James Grunig é o principal autor sobre o assunto
do pensamento e atitudes organizacionais ou somos trabalhadores
e sua principal obra, em parceria com Hunt (GRUNIG; HUNT, 1984),
úteis apenas na medida em que buscamos conhecer, nos aproximar e
é referência bibliográfica formadora de gerações de profissionais e
convocar públicos como meras audiências, e nos colocamos a serviço
pesquisadores que trabalham na área de comunicação organizacio-
dos interesses das organizações (sobretudo empresariais), apenas,
nal e estratégica. Uma visão norte-americana sobre a atividade de RP
na implantação de campanhas persuasivas de nossos empregadores?
que se espraiou pelo mundo, inclusive pelo Brasil.
Desde uma perspectiva habermasiana, RP têm sido denunciadas
O paradigma preconizado pelos autores versa que existem quatro
como uma atividade de propaganda, uma forma de publicidade vi-
modelos de relações públicas, sendo os três primeiros assimétricos,
sando exercer pressão política para subverter os processos democrá-
no sentido de preservarem os interesses organizacionais: 1) o modelo
ticos e manipular a opinião pública, enquanto atuam para ocultar
propagandístico, um modelo unidirecional de divulgação de campa-
suas ações. Para Habermas (1988), a tarefa primordial das RP - de
nhas visando persuadir as audiências; 2) o modelo de assessoria de
promover a reputação de seus clientes pela modelação de suas men-
imprensa, que se presta a divulgar informações de interesse público,
sagens, conduzindo-os a acordos favoráveis junto a seus grupos de
de forma unidirecional; 3) o modelo de “persuasão científica”, con-
interesse – vai de encontro aos pressupostos de uma situação ideal
siderado bidirecional (“de mão dupla”), já que promove escutas e
de comunicação democrática que fundamenta a esfera pública.
realiza pesquisas junto às audiências, mas visando aproveitar des-
se conhecimento para melhorar a efetividade de sua persuasão; e 4) Segundo Habermas (1988), a esfera pública contemporânea tem sido
o modelo simétrico bidirecional, que busca incorporar o diálogo e a convertida à mera “côrte onde o prestígio público pode ser exibido” e

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não um espaço onde o “debate crítico público é realizado” (HABER- tendido como uma forma de promessa que desloca a polí-
MAS, 1988, p.200–201). Ele defende que, nessa perspectiva, o que te- tica e rearticula o engajamento das pessoas da democracia
representativa convencional. Ao reformular o contrato ou
mos atualmente é uma esfera pública manipulada onde predomina
promessa social, as RP e outras indústrias promocionais ofe-
o clima dominante, um clima de opinião, e não uma opinião pública.
recem uma forma de ‘democracia comercial’ que tem conse-
Apesar das recentes tentativas das RP vestir-se nas vestes quências sociais e políticas de longo alcance (CRONIN, 2018,
folclóricas de contadores de histórias e anfitriões geniais de p.2-3, trad. nossa).
encontros dialógicos, o RP corporativo neoliberal são uma
forma monológica hierarquicamente ordenada de comunica- As críticas à prática das Relações Públicas, nesta linha, sugerem que
ção instrumental que busca abafar, codificar negativamente, trabalhar a “gestão da comunicação organizacional” é menos tare-
deslegitimar ou censurar secretamente pontos de vista que fa interna às organizações e mais uma atuação ética, política e, so-
questionam, criticam ou contestam suas reivindicações. É o
bretudo, social. Por isto, a inserção das organizações em um sistema
exemplo do que Jürgen Habermas chama de comunicação re-
pressiva. Ela desgasta os fundamentos da abertura racional e
capitalista avançado, com o crescimento do poder corporativo e a
recíproca do discurso. (JANSEN, 2017, p.129, trad. nossa) incorporação de ideologias neoliberais da economia, tornam nebu-
losas as práticas que se realizam no esforço de garantir boa imagem
Com o aumento do poder corporativo, evidenciado nas últimas dé- e reputação organizacionais.
cadas, também as críticas às práticas de RP se multiplicaram – não
A noção arendtiana de promessa como contrato social (e um modo de
exatamente como consequência da expansão corporativa mas, so-
entender a sociedade) é utilizada por Cronin (2018) em sua proposta
bretudo, como uma força impulsionadora para a ascensão das em- do que chama de “democracia comercial” – o que Beder (2010), na
presas e para a conformação de uma nova dinâmica social na qual mesma linha, chamou de “democracia comercialmente gerenciada”.
as corporações (e as forças neoliberalistas) assumem papel central. Para a autora, as RP trabalham formas simuladas de engajamento
Cronin (2018) sugere que há uma transformação no envolvimento público que mascaram a falta de verdadeiras mudanças democrá-
do público com o contrato social que, mediado pelas RP, traz mu- ticas no âmbito organizacional e social. Essas formas simuladas de
danças significativas nas relações e nos valores sociais nos quais se democracia passam a substituir o contrato social convencional, ao
baseiam nossa democracia. Para ela, menos parcialmente, por promessas alternativas de representação,
... as RPs intervêm nos processos políticos e sociais em um voz e agência. Dessa forma, os públicos discursivamente acionados
nível mais fundamental - o nível do ‘contrato social’. O con- se reconhecem e podem experimentar-se, se ver e sentir parte, repre-
trato social é um vínculo ou promessa estabelecida entre o sentados, como públicos apenas simuladamente como democratica-
governo e as pessoas em que o governo se compromete a re- mente constituídos. Nas palavras da autora, “o público é aclamado
presentar o povo e o interesse público, enquanto o público
pelas empresas como ‘partes interessadas [stakeholders]’ e as marcas
concorda em se submeter a processos democráticos de re-
presentação e ao Estado de direito. Com base no trabalho de
passam a operar como formas vernaculares de democracia (CRO-
Hannah Arendt (1998 [1958]) sobre o contrato social como NIN, 2018, p.44, trad. nossa)”. Ou seja, para a autora, as RP atuam
‘promessa’, defendo que o relacionamento das RP tanto com no nível da promessa e, assim, promovem um tipo de simulacro de
o público quanto com seus clientes comerciais pode ser en- democracia – uma democracia não autêntica, portanto.

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Na perspectiva da pesquisadora, ao intermediar novas formas de pro- que nos tornemos melhores representantes de nossa área. O que não
messa, as organizações comerciais, com a mediação das RP, estão ati- quer dizer insistirmos na construção de uma auto-imagem positiva,
vamente ajudando a criar o objeto virtual que são ‘os públicos’. Seria como promotores de um ideal da relação simétrica de mão dupla entre
a partir desse espaço engendrado por práticas de RP – e, assim, atra- as organizações e seus públicos, que não se sustenta. Ao contrário, o
vessada por interesses políticos e comerciais - que as pessoas podem caminho nos parece o inverso: assumirmo-nos como os maiores crí-
se reconhecer reflexivamente como uma entidade coletiva - como ticos de nós mesmos, enquanto pesquisadores e profissionais da área,
públicos. Em um cenário em que a desconfiança pública em governos enfrentando com firmeza (e estofo intelectual) a realidade dos fatos,
e instituições formais aumenta, na mesma medida em que cresce o as práticas concretas que são conduzidas no âmbito das organizações,
poder das corporações, a promessa formatada pelas RP é muito sedu- as ações de bastidores que escapam às diretrizes teórico normativas
tora e significativa. O papel das RP, diferentemente de outras formas que, por sua vez, ao idealizarem como as relações deveriam ser, talvez
promocionais mais “diretas”, como o marketing ou a publicidade, é falhem (ou sejam omissas) em refletir como as relações, de fato, são.
reparar ou criar reputação realizando um “trabalho de bastidores”,
que quanto mais invisível melhor, amparado em um aparato teórico Práticas contemporâneas abusivas de Relações Públicas
que, além de tudo, sustenta que isso se dá por meio da promoção de
relacionamentos simétricos e do diálogo com os públicos. Apenas recentemente os estudos de RP têm se aberto para refletir so-
bre algumas práticas que podem ser consideradas abusivas1, embora
Avançando em suas análises, Cronin (2018) argumenta que o signi- relativamente comuns, e que, segundo Jansen (2017), normalmente
ficado social e político do discurso comercial está se intensificando são usadas para diminuir o ativismo de grupos que visam desafiar
devido ao seu papel aprimorado na criação de promessas ou contra- visões corporativas hegemônicas.
tos, onde os praticantes de RP, ao invés de intermediários culturais,
tornam-se “corretores sociais” ao “gerenciarem verdades” em forma A autora cita:
de promessas. Por isso, o lastro social da comunicação organizacio-
• Monitoramento: algumas organizações não governamentais foram
nal deve ser sempre considerado, bem como a posição privilegiada
criadas especificamente para monitorar governos e indústrias. Po-
que as RP assumem no contexto sociopolítico contemporâneo. Para a
rém, cada vez mais, facilitados pela ambiência digital, governos e
autora, RP constituem “uma força que está moldando a imaginação
indústrias, pela prática de RP, estão “monitorando os monitores”
humana, transformando a política como capacidade de imaginar
para o planejamento de ações de comunicação de crises, gerencia-
e agir, e atuando como intermediário de novas promessas e novos
mento de riscos e gestão da reputação, para muito além de uma
contratos sociais” (CRONIN, 2018, p. 114, trad. nossa).
mera cobertura sobre a repercussão de pautas de interesse da mídia
Alinhada a essas críticas, Jansen (2017) utiliza-se de um jargão cor- (clipping). Ou seja, enquanto a lógica não é subvertida, novas práti-
rente de que, atualmente, “todos somos RP” para alertar a sociedade cas vão sendo reproduzidas ou mesmo aprimoradas, no sentido do
de que, então, é preciso que todos se eduquem sobre RP, sua história, uso estratégico de dados captados por monitoramento ambiental.
técnicas e objetivos. Tal alerta, endereçada na forma de uma crítica
1 Para ler estudos brasileiros sobre práticas abusivas de Relações Públicas, sugere-se SILVA,
negativa às práticas de RP, pode ser vista como uma possibilidade de 2015 e SILVA, 2017.

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• Cooptação: aqui encontramos, de modo reconhecido até mesmo como um eufemismo para técnicas psicológicas de guerra,
pelos autores do modelo de comunicação de “mão dupla”, a maior mas o conceito migrou para a linguagem de Relações Públi-
cas, marketing e publicidade. E é um objetivo primário des-
parte dos esforços de RP no chamado modelo de “persuasão cien-
sas práticas (JANSEN, 2017, p. 139-140, trad. nossa).
tífica” - que incentiva “a escuta compreensiva das queixas dos ati-
vistas em uma tentativa de construir confiança”, eventualmente fa- • Astroturfing: práticas que consistem na simulação de públicos
zendo a organização sob ataque atender certas demandas apenas o apoiadores de determinada ideia como base para que a opinião
suficiente para dissuadir os grupos desafiadores de suas ações. pública seja assim conquistada. Deriva dessa prática o trolling orga-
Caso contrário, os táticos de RP podem tentar manipular o nizado, que consiste no ataque orquestrado a posições contrárias.
diálogo para cooptar os ativistas, freqüentemente tentando
dividi-los, ... explorando facções existentes e marginalizan-
• Greenwashing: indica a adoção de um “verniz” ambientalista por
do os membros mais radicais. Os objetivos de tais esforços parte de organizações apenas como contra-estratégia para fazer
são: (1) enfraquecer a estrutura e determinação do grupo, frente ao ativismo ambiental. Inclui a ação de front groups, think-
(2) prejudicar suas reivindicações de permanecer na mídia e tanks, astroturfing e outras.
(3) evitar a cobertura da mídia. Ou a cooptação pode ocorrer
através da conversão, adoçada por um financiamento gene- Com as reflexões apresentadas, não quisemos advogar que as RP são
roso, que incentiva os radicais a fazer arte ou filmes em vez direta e unicamente responsáveis pela crescente desigualdade social,
de revolução (JANSEN, 2017, p. 231, trad. nossa). pela expansão do capitalismo corporativo neoliberal e nem mesmo
pelo afrouxamento das políticas regulatórias, notadamente nos países
• Reenquadramento: à medida que as assessorias de imprensa têm em desenvolvimento, como é o caso do Brasil. Embora consideremos
mais conhecimento sobre os perfis e hábitos de consumo dos importante reconhecer que as RP - especialmente atuando em práticas
públicos, processo ainda mais facilitado pelas lógicas de uso de abusivas, consentidas pelos escalões superiores de empresas e gover-
dados no ambiente digital, tornam-se mais efetivos na proposição nos - podem constituir um agente ideológico da hegemonia da elite,
de enquadramentos de questões, em consideração a interesses es- também consideramos importante reconhecer seu potencial democrá-
pecíficos. Assim, os enquadres tornam-se menos factuais e mais tico. Práticas de RP, em nosso entendimento, não são, portanto, uma
promocionais, com as RP moldando a agenda noticiosa. Jansen forma de comunicação nem simétrica nem assimétrica em si mesmas
(2017), inclusive, critica o uso semântico que a “indústria contem- mas, sobretudo, constituem formas de ação social cujo uso pode assu-
porânea de relações públicas” utiliza para esse exercício. mir um viés positivo ou negativo para os sistemas democráticos.

Dependendo do alvo e da clientela, alguns favorecem o po- Tais condições tem forçado o campo de estudos em comunicação or-
der suave e caseiro de “storytelling” ou o foco comercial de ganizacional a se reavaliar. Um caso exemplar é o do grupo que se de-
“mensagens chaves”, o mais ecumênico “enquadramento” nomina “Relações Públicas Radicais2” que assinou como declaração de
ou a ousada “comunicação estratégica” ou o ainda mais ou-
missão, em 2008, sua ambição de reformar o campo das RP, estabe-
sado “gerenciamento da percepção”. A conotação militaris-
lecendo uma rede crítica de estudiosos com identidade bem definida
ta do último termo não é coincidência: “gerenciamento da
percepção” foi originalmente criado pelos militares dos EUA 2 Sobre o assunto, sugiro ler: L’Etang, 2009.

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(em contraponto às características difusas e nebulosas que marcam arriscada. Nosso caminho reflexivo busca promover o encontro de
tradicionalmente a área, segundo o grupo) e que dialogue com outros algumas perspectivas que não sejam nem demasiadamente otimis-
escopos teóricos de conhecimento (corrigindo os problemas de isola- tas e ingênuas sobre a função social das RP em favor da democracia,
mento dos estudiosos, como defendem perspectivas críticas). Segundo nem tampouco, em sua versão pessimista, uma visão acusatória que
seus signatários, o “foco está nos impactos sociais em vez das necessidades não contribua para a construção de caminhos possíveis para a área.
organizacionais como um poderoso corretivo para os paradigmas do- Tentamos advogar pela construção de uma perspectiva regional e
minantes no campo” (JANSEN, 2017, p. 262, trad. nossa, grifo nosso). realista das RP, social e historicamente situada, compromissada eti-
camente com a ciência e, sim, com a democracia.
Relações Públicas no contexto da pandemia de covid-19
A pandemia de covid-19 escancara nossos problemas sociais e tende a
A produção da ciência, como defende Latour (2000), é uma cons- aprofundar o fosso da desigualdade social, econômica, cultural, tec-
trução social que se conforma em rede, uma complexa estrutura que nológica. A precarização do trabalho, a individualização das pessoas,
agrega seres humanos e não humanos, ou seja, uma rede que se tece os problemas de saúde mental, as violências domésticas trazidas pe-
na relação entre indivíduos, informações, documentos, instituições las medidas de isolamento social são alguns dos problemas urgentes
e máquinas, em contínua interação. Para o autor, ciência é sempre que a sociedade brasileira precisa enfrentar. Talvez seja preciso mudar
processo, nunca regra acabada, tampouco ação que se desenvolve as mentes e mudar as pessoas, para que mudemos as organizações, as
apartada da sociedade. O objetivo é a sociedade, a legitimidade do instituições e a sociedade. E aqui, as RP podem ser vistas como po-
conhecimento produzido é conferido pelo reconhecimento social, tentes agentes transformadores (organizacionais, institucionais e so-
considerando toda a rede que se forma, direta ou indiretamente, nos ciais): reconhecendo seu papel político (SIMÕES, 1987), enfrentando
interesses de uma pesquisa – não apenas pesquisadores e estudan- proativamente as demandas sociais e reexaminando com honestida-
tes, docentes e instituições de ensino superior, por exemplo, mas de e empenho as críticas que lhe são endereçadas, como possibilidade
empresários e financiadores, agências de fomento e laboratórios, de (re)conformar suas práticas. Se defendemos uma atuação pautada
comunidades de abrangência, dentre outros. Toda a rede de atores, na transformação das organizações por uma agenda de responsabili-
no dia a dia de suas interações cotidianas, produzem discursos so- dade social e sustentabilidade, devemos também provarmos capazes
bre ciência, sobre o conhecimento que está sendo gerado em torno de promover a agenda científica que fundamenta as práticas profis-
de determinada pauta, de modo que Latour defende ser necessário sionais da área, neste tempo que tantos desafios nos traz.
buscarmos seguir as tramas da rede, como e quem a conforma ou
não, quando e como se conectam, se modificam e se complementam. Considerações finais

A perspectiva latouriana parece interessante para nossas reflexões As Relações Públicas constituem uma prática que, historicamente, se
sobre as Relações Públicas, sobretudo no contexto da pandemia de manteve atrelada a interesses governamentais e/ou privados pouco
covid-19. É certo que o conhecimento científico sobre os impactos comprometidos com os princípios democráticos de nossa sociedade.
sociais da pandemia, notadamente no campo da comunicação, ain- No Brasil, foi regulamentada no período de uma ditadura militar e,
da é incipiente, e qualquer tentativa de predição é, no mínimo, muito posteriormente, manteve-se engajada em atividades empresariais

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promotoras de simulacros de democracia, com promessas alterna- ações autoritárias, por parte do governo ou das organizações, muitas
tivas de representação, voz e agência (CRONIN, 2018) quando, em em nome, inclusive, do combate à pandemia. Então, dentre os de-
nome de uma pretensa busca pela “harmonização de interesses” en- safios que a pandemia de covid-19 nos trouxe, do ponto de vista das
tre as organizações e seus públicos, em uma comunicação simétrica RP, devemos refletir sobre qual o nosso papel como transformadores
de mão dupla, perpetua-se uma mesma lógica de subserviência de organizacionais e sociais, na medida em que tenhamos o compro-
uns sobre os outros. Atividades abusivas, nocivas à sociedade, con- misso balizado pelos anseios da sociedade, objetivando diminuir a
tinuam sendo mais e mais desenvolvidas, de modo mais ou menos desigualdade e as mazelas sociais, em todas e cada uma de nossas
visível ou planejado. Com o trabalho apresentado, defendemos que práticas. Devemos nos esforçar para delinear quais são as especifici-
esta realidade precisa ser enfrentada – e se o enfrentamento e deba- dades de nossa prática, desde uma perspectiva regionalizada, social
te forem conduzidos por dentro, por quem conhece os mecanismos, e historicamente situada. Para isto, as Relações Públicas devem, efe-
dilemas e desafios da área, tanto melhor. tivamente, atuar em defesa da ciência e da democracia, na constru-
ção de uma sociedade mais justa e menos desigual.
A pandemia de covid-19 nos traz reflexões sobre nossas formas de
vida, nossos sistemas produtivos e nossos valores. Coloca em discus-
REFERÊNCIAS:
são a força de nossas instituições e evidencia como os saberes cien-
tíficos são fundamentais no enfrentamento do novo coronavírus e BEDER, Sharon. Business-managed democracy: the trade agenda, Critical social
policy, 30(14), 2010, p. 496-518.
todo o impacto social que já tem causado. No entanto, as consequên-
CRONIN, Anne M. Public Relations Capitalism: Promotional Culture, Publics and
cias da pandemia requerem uma análise e interpretação que esca- Commercial Democracy. Lancaster, UK: Palgrave Macmillan, 2018.
pam ao imediatismo do senso comum e a projeções de curto prazo.
GRUNIG, J.; HUNT, T. Managing public relations. New York, NY: Holt, Rinehart &
Neste momento, os múltiplos campos do saber, a formação sólida Winston, 1984.
capaz de analisar as novas situações sociais e suas dinâmicas, certa- JANSEN, Sue. Curry. Stealthy communications: the spectacular rise of public re-
mente farão diferença na orientação de novos caminhos possíveis, e lations. Cambidge, UK: Polity Press, 2017.
trarão mudanças sociais para a posteridade, no mundo pós‐pande- HABERMAS, Jürgen. Teoria de la Acción Comunicativa. Trad. Manuel Jiménez Re-
mia. Os cientistas das áreas humanas e sociais têm um especial com- dondo. Madrid: Taurus, 1988. v. I e II.
promisso de refletir sobre o impacto trazido em distintos segmentos LATOUR, Bruno. Ciência em ação. Como seguir cientistas e engenheiros socieda-
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126 127
Cenário 1

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de Minas Gerais, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, 2017.
SIMÕES, Roberto Porto. Relações Públicas: Função Política. Novo Hamburgo:
Feevale, 1987. COmuNICAçãO públICA
e RelAçõeS públICAS
transversalidades e possibilidades

Laura Nayara Pimenta

Quando fui convidada pelo Conselho Regional de Profissionais de


Relações Públicas - 3ª Região para escrever sobre minha expertise em
comunicação e relações públicas, logo coloquei-me a pensar em mi-
nha caminhada profissional e acadêmica. Ao olhar para essa estrada,
vejo a estudante de RP, que escolheu o curso sabendo muito pou-
co sobre ele, mas que foi se apaixonando cotidianamente pela área;
vejo a RP extensionista, que trabalhou por seis anos nos projetos de
comunicação do Programa Polo de Integração da UFMG no Vale do
Jequitinhonha, coordenando eventos, desenvolvendo processos de
assessoria de comunicação colaborativa, planejando a comunicação
do Programa, dentre muitas outras atividades; vejo a RP educado-
ra, que explorou a sala de aula, compartilhando e construindo co-
nhecimento sobre a área, mas que também atuou na educação mu-
seal, relacionando-se com os diversos públicos do Instituto Cultural
Inhotim, criando estratégias pedagógicas e de aproximação com a
comunidade; por fim, vejo a RP pesquisadora, que desde 2013 está
imersa nas investigações sobre a comunicação pública, os públicos,
os processos mobilizadores e suas diversas facetas.

Desde que comecei a estudar relações públicas, percebi que há


uma centralidade no olhar para as organizações e empresas, como
se toda a área estivesse voltada para esses entes e olhasse para a

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Cenário 1 Mix Relações públicas/Comunicação pública

prática de RP como oriunda deles. Contudo, eu sempre me interes- Marina Koçouski (2012), ao revisar a literatura sobre o assunto, des-
sei por outros aspectos mais amplos, pelas dinâmicas comunica- taca que é possível agrupar algumas leituras sobre o sentido de “pú-
cionais que perpassam a atividade de relações públicas como um blico” quando relacionado ao conceito de comunicação conforme a
todo. No meu próprio fazer profissional, minha compreensão de RP opção teórica adotada: (a) a comunicação é “pública” no sentido eti-
é expandida, transcende o foco organizacional e se volta para as mológico da palavra, cuja origem se dá a partir da dicotomia direito
pessoas, para os relacionamentos, para a interação. Afinal, ao fa- público e direito privado, ou seja, refere-se aos assuntos de interesse
larmos de relações públicas, temos que ter em mente que estamos da coletividade; (b) a comunicação é pública porque ocorre na “es-
falando também dos públicos e seus movimentos, assim como de fera pública” conforme a descreve Habermas1 – espaço social gerado
uma comunicação pública. pela linguagem em uso, como lócus da argumentação e do debate;
Eu poderia dedicar este capítulo à reflexão sobre os públicos enquan- (c) a comunicação é pública porque ocorre no “espaço público”, que
to entes sociais que se formam a partir da percepção/afetação de/por Mancini (2008) aponta como um desdobramento da esfera pública
situações problemáticas na realidade e se movimentam empenha- habermasiana, como um lugar em que as organizações tem poder de
dos em nelas interferirem (DEWEY, 1954) – o que temos feito inten- informar e formar opiniões.
samente nos últimos anos no seio do Grupo de pesquisa em Comu- Já Mariângela Haswani (2011) agrupa a comunicação pública em
nicação, Mobilização Social e Opinião Pública (Mobiliza), da UFMG, três grandes âmbitos: (1) o da comunicação da instituição pública,
coordenado pelo professor Márcio Simeone Henriques. Entretanto, que abarca a comunicação institucional para promoção da imagem,
quero explorar aqui outros aspectos, mais especificamente aqueles
a publicidade e a comunicação normativa; (2) o da comunicação
relacionados à comunicação pública e suas transversalidades com as
política, que foca o sistema político, particularmente os partidos
relações públicas, o que tem sido minha expertise nos últimos anos.
políticos e a composição eleitoral; (3) o da comunicação social,
caracterizado pela presença de atores estatais ou privados implicados
Um olhar para a comunicação pública
em temas de interesse recíproco, seja para a aquisição de vantagens
A palavra “público”, ainda mais quando combinada com a palavra particulares e/ou organizacionais, ou para a realização de ações
“comunicação”, é dotada de grande polissemia e tensões, quer na relacionadas à sociedade como ente coletivo.
condição de substantivo ou de adjetivo. Para Locatelli (2017), essa
Por sua vez, o colombiano Juan C. Jaramillo López (2012) identifica
polissemia não é meramente etimológica, seja para o “público” ou
pelo menos três características comuns nas abordagens sobre comu-
para a “comunicação pública”, mas sim o resultado de fatores histó-
nicação pública: primeiro que esta é uma noção de comunicação as-
rico-culturais ligados à própria noção de público e das tensões que
sociada a alguma compreensão do público; em segundo lugar, que
emergem das disputas que distintos atores sociais têm em torno do
tema. Matos e Gil (2013) ressaltam que a dificuldade de aplicação 1 Habermas define esfera pública, ou espaço público, como sendo uma “rede adequada para
a comunicação de conteúdos, tomadas de posição e opiniões; nela os fluxos comunicacionais
desses conceitos tem vínculo com a história do país e com os vícios são filtrados e sintetizados a ponto de se condensarem em opiniões públicas” (HABERMAS,
e equívocos acumulados ao longo dos anos, que estão impregnados 1997, p. 92). Assim, a esfera pública não deve ser pensada como uma instituição ou organ-
ização, mas como espaço social gerado pela linguagem em uso, como lócus da argumenta-
nas práticas atuais e não podem ser desconsiderados. ção e do debate.

130 131
Cenário 1 Mix Relações públicas/Comunicação pública

opera em diferentes cenários, entre os quais destacam-se o Estado, coletivo”, sendo função do relações públicas “implantar, coordenar,
o político, a organização e a mídia; e em terceiro lugar, é uma ideia desenvolver e dirigir ações em órgãos públicos que tenham por objeto
ligada a princípios como a visibilidade, inclusão e participação. a comunicação pública ou cívica” (CONFERP, 2002, s.p.).

Na pesquisa que desenvolvi para minha dissertação, debrucei-me Diversos autores trabalham com essa noção de comunicação pública
sobre a literatura de comunicação pública, principalmente para correlacionada às práticas de relações públicas governamentais,
entender os processos de participação e mobilização social. Anali- considerando-a parte integrante do processo de gestão pública
sando a produção bibliográfica que encontrei sobre o tema, percebi capaz de envolver o cidadão de maneira mais participativa e
que podemos olhar para a comunicação pública a partir de três di- estabelecer um fluxo contínuo de relações comunicativas entre o
mensões que nos permitem elucidar como esse processo comunica- Estado e a sociedade. Para que possamos compreender melhor essas
cional se dá: (a) comunicação do poder público “para” e “com” os concepções, na próxima seção farei uma breve exploração sobre o
cidadãos; (b) comunicação pública como espaço de circulação estra- que alguns autores da área têm discutido a respeito.
tégica e conformação de redes de temas de interesse público; (c) co-
municação constituída no espaço público e veiculada pela (ou para) Comunicação entre poder público e cidadãos
a opinião pública, no espectro amplo da sociabilidade (PIMENTA,
2015). É importante ressaltar que cada uma dessas dimensões apre- A espanhola Concepción Campillo-Alhama (2016), ao realizar uma
senta limites e possibilidades peculiares que dizem um pouco sobre revisão terminológica de vários significados que são utilizados
a evolução teórica e prática do conceito de comunicação pública e, indistintamente para designar a interação comunicativa entre poder
também, dão a ver como esta se constitui como um complexo de in- público e cidadãos, refere-se à comunicação pública como toda
terações específicas e amplas que não se excluem mutuamente, pelo atividade manifestada como comunicação bidirecional e relacional,
contrário, se permeiam. estabelecida entre a administração pública e os cidadãos através de
mensagens dotadas de significados heterogêneos e transmitidas
Fato é que o conceito de comunicação pública implica várias por diferentes meios (interpessoais, coletivos, grupos de massas,
vertentes e significações, indo desde premissas mais simplistas telemática, redes sociais e plataformas multimídia). Para a autora,
ligadas às técnicas comunicativas governamentais até as relações o propósito da comunicação pública é traduzido em objetivos
mais subjetivas e abstratas entre os cidadãos e o poder público. específicos, estabelecidos na gestão política; sendo que tais objetivos
Contudo, existe uma tendência em adotar as perspectivas mais
corresponderão, necessariamente, aos objetivos gerais perseguidos
ligadas às técnicas governamentais como as mais representativas
pela administração pública, entidades anexas ou qualquer dos
da comunicação pública dentro do universo das relações públicas.
poderes públicos, sendo consequentemente identificados como fins
A própria Resolução Normativa Nº 43 – RN 43, que define as
de interesse coletivo (CAMPILLO-ALHAMA, 2016).
funções e atividades privativas dos profissionais de RP, postula tal
comunicação como aquela que “promove o fluxo da informação entre Já os escritos do francês Pierre Zémor, uma das principais referências
as necessidades da sociedade e aquelas que estão disponíveis nas sobre o assunto para os estudos brasileiros durante o processo de
instituições públicas que são, por natureza, as portadoras do interesse redemocratização, abordam a comunicação pública a partir de uma

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Cenário 1 Mix Relações públicas/Comunicação pública

perspectiva estatal-governamental. Para o autor, a comunicação pú- promover a troca ou o compartilhamento das informações de
blica contribui para a conservação dos laços sociais, sendo que a res- interesse público. Para a autora, esse tipo de comunicação está mais
ponsabilidade disso compete às instituições públicas encarregadas envolvido com a promoção da cidadania e da participação do cidadão
de cumprir uma missão de interesse coletivo (ZÉMOR, 2009b). Des- do que com a divulgação institucional, sendo concebido como parte
se modo, a comunicação pública é incumbida de tornar a informação intrínseca dos projetos e programas desenvolvidos pelo governo.
disponível ao público, de constituir a relação e o diálogo propícios
Corroborando o pensamento de Novelli, Margarida Kunsch (2012)
de tornar um serviço público desejável e preciso, além de apresentar
afirma que as instituições públicas devem ser abertas, de modo
os serviços oferecidos pela administração e pelos estabelecimentos
públicos, de fazer as próprias instituições conhecidas, conduzindo a interagir com a sociedade, com os meios de comunicação e
campanhas de informação e ações de comunicação de interesse co- com o sistema produtivo, extrapolando os limites da burocracia
letivo. A esses registros, soma-se aquele de âmbito mais político, isto para chegar ao cidadão comum. Nesse contexto, o processo de
é, da comunicação do debate público que acompanha os processos comunicação pública se conforma como um elo que deve possibilitar
decisórios (ZÉMOR, 2009a) que a instituição pública ouça a sociedade, atenda às suas demandas
e procure, por meio da abertura de canais, amenizar os problemas
No caso brasileiro, Elizabeth Brandão (2009) também percebe a co- cruciais da população, como saúde, educação, transportes, moradia,
municação pública como o conjunto de estruturas e práticas de co- exclusão social, entre outros.
municação do setor público. A autora enumera cinco áreas diferentes
de conhecimento e atividade profissional que conferiram significa- Essas concepções, em maior ou menor medida, compreendem
dos múltiplos para a comunicação pública no Brasil: comunicação a comunicação pública como um meio, uma estrutura prática
organizacional, comunicação científica, comunicação política, co- de comunicação entre o Estado e a sociedade civil, focando na
municação da sociedade civil organizada e comunicação governa- responsabilidade que o governo tem de fornecer informações aos
mental. Tomando como base a multiplicidade de enfoques conside- cidadãos e de criar espaços de escuta e participação social. Neste
rados por essas áreas, a autora conclui que a comunicação pública é contexto se inserem as relações públicas governamentais, que
“um processo comunicativo das instâncias da sociedade que traba- conforme Novelli (2009), têm o potencial de transformar o papel
lham com a informação voltada para a cidadania” (BRANDÃO, 2009, da comunicação que se pratica no setor público, experimentando
p.5). Essa informação direcionada à cidadania está relacionada à novas formas de interação entre o Estado e a sociedade, buscando o
obrigação que o poder público tem de disponibilizar informações so- estabelecimento de relações mais democráticas e legítimas.
bre seus diversos serviços aos cidadãos. Isso envolveria a comunica-
Todavia, circunscrever a comunicação pública às relações
ção de órgãos governamentais, associações profissionais e empresas
públicas governamentais é limitar a compreensão da mesma. Essa
privadas que trabalham com serviços públicos.
perspectiva instrumental não consegue dar conta dos inúmeros
Na mesma esteira, Ana Lúcia Novelli (2006) compreende a contextos públicos de interação entre diversos atores, não somente
comunicação pública como o processo de comunicação que ocorre os institucionais. Como pontuei anteriormente, existem abordagens
entre as instituições públicas e a sociedade e que tem por objetivo que tentam ampliar o olhar para as outras interações, transcendendo

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Cenário 1 Mix Relações públicas/Comunicação pública

o âmbito da comunicação pública como aquela restrita às ações uma potencialidade dada pela disponibilidade num espaço visível –
do poder público. Weber (2017), por exemplo, busca compreender não que todo mundo veja, mas que qualquer um possa ver (PIMEN-
a comunicação pública como circulação estratégica de temas de TA, 2015; RABOTNIKOF, 2005).
interesse público em redes de comunicação pública. Tais redes são
Nessa linha, Esteves (2011) define a comunicação pública como aquela
“espaços onde trafegam pactos e disputas de poder na medida em
que é constituída no espaço público e veiculada pela (ou para a) opi-
que se movimentam em direção à obtenção de visibilidade, apoio,
nião pública, exercendo um efeito estruturante sobre as diversas prá-
mudanças, leis e votos que exigem negociações e decisões políticas” ticas comunicacionais e simbólicas. O autor argumenta que dois ele-
(WEBER, 2017, p.45). Para a autora, as redes de comunicação mentos básicos possibilitam a comunicação pública: a visibilidade do
permitem a circulação de informações e ações, com significados e tema ou assunto, uma vez que somente através do reconhecimento de
interpretações passíveis de acolhimento e rejeição por outras redes. um tema é possível realizar a aproximação dos sujeitos; e a produção
Mesmo alargando a noção de comunicação pública, existe na de opiniões no interior dos públicos até a movimentação mais ou me-
concepção de Weber (2017) uma pequena e fraca conexão com nos difusa da opinião oriunda de um processo coletivo de produção.
aquilo que extrapola os círculos institucionais dessas redes, ou Além disso, Esteves (2011) aponta que a publicidade, a crítica e o deba-
te são mediums para a realização da comunicação pública, sendo que a
seja, as dinâmicas de interação menos formais, localizadas no nível
publicidade consiste em dar a conhecer, dar visibilidade à política para
da sociabilidade, que também conformam o interesse público.
os integrantes do espaço público, enquanto a crítica é a garantia ética
Em busca de compreender esses processos miúdos presentes na
de justiça no que tange aos consensos alcançados no espaço público,
dinâmica de formação do interesse público, tenho me debruçado nos
em um nível de comunicação pública. Por fim, o debate é a troca públi-
últimos anos sobre as abordagens que olham para a comunicação
ca de razões para a constituição da opinião pública.
pública de uma perspectiva mais ampliada. Para trazer um pouco
dessa discussão para este texto, na próxima seção explorarei alguns Alinhada com essa perspectiva, Regina Escudero (2015) percebe a
autores que trabalham sob este prisma. comunicação pública como um ente público que proporciona a aber-
tura de um diálogo entre os diversos setores da sociedade civil, num
Uma noção mais ampla de comunicação pública sentido horizontal e inclusivo, e destes com o Estado, num sentido
vertical, exercendo uma função mediadora dos interesses públicos
No nível amplo da sociabilidade a comunicação pública tem sido tra- que são postos na arena de debates, que é a esfera pública. Para a au-
tada como uma dimensão que se refere a toda e qualquer relação que tora, a “esfera pública é um contexto criado pelo sujeito sócio-histó-
acontece em público, às interações que acontecem no espaço público rico, na proporção de sua organização coletiva e plural, sendo a caixa
ou na esfera pública. Isso significa que ela se opõe à dimensão das de ressonância da democracia, ao mesmo tempo em que esta é sua
relações privadas, isto é, àquelas interações que ocorrem no âmbito força mobilizadora” (ESCUDERO, 2015, sp.). Diante disso, o conceito
doméstico. O sentido de “público” como qualificador desse tipo de de comunicação pública apresentado por Escudero (2015) está pro-
comunicação atua, assim, a partir dos imperativos do que é comum, fundamente relacionado à defesa dos interesses públicos na esfera
da acessibilidade e da visibilidade ou, melhor ainda, da publicidade, pública, tendo um caráter emancipatório e de mudança das relações
o que significa reconhecer não só uma visibilidade em si mesma, mas entre a sociedade civil e o Estado por meio da mobilização coletiva.

136 137
Cenário 1 Mix Relações públicas/Comunicação pública

López (2012) também considera que a comunicação pública é aquela Já Carlos Locatelli (2017) associa o termo comunicação pública a uma
que ocorre na esfera pública. Para o autor, seja para construir bens condição de visibilidade das coisas, no sentido de publicizar, de dar
públicos (política); para influenciar a agenda pública (mídia); para a conhecer, em oposição ao segredo; a determinadas temáticas que
se comunicar com entidades estatais (Estado) e com a sociedade; conquistam o status de interesse público e promovem a ampliação da
para construir o significado compartilhado dentro de uma organiza- cidadania; a natureza das instituições/organizações e as formas his-
ção (organizacional) ou resultante das interações dos movimentos tóricas com que abordam essas questões (especialmente o Estado) e
sociais (vida social), é imperativo que a comunicação pública decor- como resultado do debate público. Assim, o autor entende a comuni-
ra da movimentação de assuntos coletivos, mesmo que estes sejam cação pública a partir das possibilidades abertas pela teoria haberma-
representados ou expressos através de indivíduos, e que se refira à siana da esfera pública, enquanto “uma comunicação que se dá, que se
construção do público, num sentido inclusivo e participativo (LÓ- constrói e constrói a própria esfera pública” (LOCATELLI, 2017, p.198).
PEZ, 2010, 2012). Nesse contexto, López (2012) propõe um conceito
de comunicação pública despreendido de qualquer organização es- Nessas perspectivas que trouxe aqui, há uma concepção da comuni-
pecífica, embora sua abordagem tenda ao empoderamento da socie- cação pública como uma dinâmica ampla, que constitui uma vida pú-
dade civil, ao defendê-la enquanto advocacy, voltada à mobilização blica. Ela diz sobre as relações que se dão em público e que tem como
social para a resolução de conflitos sociais. objetivo a conformação do interesse público de modo a fortalecer a
cidadania e empoderar a sociedade. Sua vinculação com as relações
Considerando a evidente polissemia do conceito de comunicação públicas, desse modo, reside no papel das práticas da área no processo
pública, Wilson Gomes (2010) propõe afastar a discussão em torno de construção social, de mediação e articulação social através de estra-
das instituições emissoras e compreender a dinâmica da comunica- tégias que podem ser concebidas tanto para ratificar o poder quanto
ção pública numa perspectiva mais ampla, no jogo político e, espe- criar e fortalecer a resistência de públicos marginalizados.
cificamente, nas iniciativas de comunicação que visam empoderar
a sociedade, fortalecer as lutas dos cidadãos pelo sentido coletivo Algumas considerações
do interesse do Estado e da sociedade. Para o autor, a comunicação
pública estaria fundamentada na racionalidade e focada no fortale- Neste texto, busquei levantar uma discussão que ainda merece ser
cimento da capacidade de fomentar a disputa pela decisão política fortalecida da área de relações públicas: as correlações com a noção
do Estado (com partidos, governos, agências, entre outros); no au- ampliada de comunicação pública. Como podemos observar, existe
mento da sua transparência e formas de argumentação, compromis- uma multiplicidade de estudos que tratam a comunicação pública
sos e proposição dos agentes e em iniciativas de comunicação civis e sob diferentes perspectivas, desde aquelas que englobam as práti-
níveis importantes de informação do cidadão sobre o Estado. Nesse cas e estruturas de comunicação do poder público, quanto a circu-
ponto de vista, iniciativas de comunicação que objetivam fortificar a lação de temas de interesse público realizada por diversos atores e a
sociedade de direitos e a justiça social, a heterogeneidade de atores, “comunicação generalizada”, que ocorre no espaço público em con-
sujeitos agentes, instâncias e meios para que minorias políticas se dições de visibilidade e publicidade. Cada uma dessas perspectivas
representem na esfera política, poderiam ser consideradas comuni- apresenta limites e possibilidades peculiares que dizem um pouco
cação pública (GOMES, 2010). sobre cada faceta do processo de comunicação pública. Isso nos leva

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Cenário 1 Mix Relações públicas/Comunicação pública

a acreditar que tal processo se constitui como um complexo de inte- CONFERP. Resolução Normativa Nº 43, DE 24 DE AGOSTO DE 2002. Diário Ofi-
rações específicas e amplas que não se excluem mutuamente, pelo cial da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 28 out. 2002. Disponível em: <
http://www.conferp.org.br/?p=407>. Acesso em: 20, set. 2011.
contrário, se permeiam.
DEWEY, J. The public and its problems. Ohio: Swallow Press Books, 1954.
Essas noções de comunicação pública atravessam as de relações pú-
ESCUDERO, Regina. Comunicação pública - a voz do cidadão na esfera pública:
blicas em diversos pontos. No que se refere à atuação do profissional construindo um novo paradigma profissional. Curitiba: Appris, 2015.
de RP na realização da comunicação pública, este pode contribuir
ESTEVES, João Pissarra. Sociologia da comunicação. Lisboa: Fundação Calouste
com a negociação, o debate das questões púbicas, de interesse co-
Gulbenkian, 2011.
mum, na medida em que é capaz de incitar a inquietação dos sujei-
GOMES, Wilson. Painel Comunicação de Interesse Público entre o Estado, Mer-
tos. Ademais, o RP colabora na eficiência da elaboração de projetos
cado e Sociedade. Congresso da Abrapcorp, 4., 2010, Porto Alegre: PUC/RS, 2010
sociais, organizacionais ou estatais em concordância com as neces-
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Cenário 1

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Luiz Alberto de Farias
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Cenário de disputas
ZÉMOR, Pierre. Como anda a comunicação pública? Revista do Serviço Público
Brasília 60 (2), Abr/Jun 2009b, p.189-195 Em pleno século XXI, o debate sobre liberdade de expressão ganhou
fôlego. Todavia, o que se tem colocado em destaque não é exatamen-
te a liberdade de expressão, mas de agressão. Chega-se a defender
o direito à manifestação sem nenhum tipo de limite, sem amarras,
sem controle. Isso pode parecer altamente democrático. Afinal, por
que cercear o direito de cada um manifestar os seus pensamentos,
suas vontades e desejos? A outra ponta da linha é exatamente a ideia
de tolerância, de equilíbrio e de bom senso. Ou em poucas palavras,
empatia e alteridade.

Vociferar ódio, preconceitos e desinformação não é e nunca foi ma-


nifestação democrática, ligada à liberdade individual. Se falamos de
liberdade individual, imediatamente conectamos o nosso discurso
às liberdades coletivas. As liberdades devem ser asseguradas em um
estado democrático de direito, sem dúvida, e esse equilíbrio é o que
permite haver liberdade.

É claro que o mundo é composto por diversos tipos de sociedade e


em cada uma podem ser vistas definições e interpretações diferentes
para os mesmos objetos. Penso, então, a partir de nossa sociedade

142 143
Cenário 1 Mix Relações públicas/Comunicação pública

brasileira. A liberdade de expressão é algo muito importante, afinal outros. Enfim, estratégias que empacotam comunicações que dis-
em nossa história há alguns momentos marcantes de totalitarismo. tanciam os fatos e distorcem a realidade, criando uma espécie de
O mais recente, encerrado em 1985, marcou o país com um profundo delivery “hate in the box”.
nível de brutalidade exercido por ditadores e seus lacaios ao longo
de pouco mais de duas décadas. Naquele período, com a censura e o RP e contemporaneidade
controle sobre os meios e as pessoas, havia pouco o que se falar sobre Desde os primeiros textos e ações que referendaram a atividade de
liberdade de qualquer tipo. Assim são os regimes opressores basea- relações públicas, há mais de um século, a ideia de relacionamento
dos em golpes, como é o caso a que nos referimos. e estratégia estava embarcada. Relacionamento é a chave para a in-
fluência, que é a “capacidade que um agente tem de convencer, im-
Com a abertura democrática pós-ditadura houve uma real valoriza-
pactar, ter um poder sobre, ainda que seja de apenas influir em uma
ção do que seria o direito à manifestação. Os últimos anos passaram
decisão, ter autoridade”. (TERRA, 2021, p. 27)
a discutir temas que já estavam consolidados: a clara diferença entre
expressão e agressão. Vítima de uma infodemia, de transbordo in- Essa busca de influência pode ser marcada pelo primeiro instru-
formacional, a sociedade também fica refém de um discurso no qual mento largamente utilizado em relações públicas, a assessoria de
inverte-se o senso de equilíbrio e passa-se a confundir o individual imprensa, depois por conta das pressões da opinião pública que à
com o social. época – começo do século XX – já se faziam notar. Daquele período
até os dias de hoje muitos acontecimentos já impactaram a realidade
A desinformação cresceu especialmente com as redes digitais, al- – guerras, invenção de dispositivos e de tecnologias, criação e extin-
cançando volume e velocidade nunca antes vistos. Se partes mais ção de nações –, mas certamente o que mais facilmente nos acorre à
progressistas da sociedade passaram a denunciar fake news e pro- lembrança é a presença da rede mundial de computadores, a Inter-
liferação de ódio, colocando esses temas na frente de suas linhas e net, e a intervenção massiva dos dispositivos móveis.
lentes, movimentos ditos ultraconservadores, com claros contornos
As mudanças sempre trazem ameaças e oportunidades. O largo aces-
populistas – e até fascistas – colocaram-se seus enunciadores diante
so à informação impactou fortemente o universo das relações públi-
das câmeras, tornando-se personalidades em defesa de uma liberda-
cas frente aos diversos públicos, pois os riscos à imagem e a possível
de sem limites. Uma espécie de ação de Narciso frente a um espelho
proliferação da desinformação também demonstraram enorme po-
quebrado, mas com grande reflexos eleitorais. tencial de crescimento. Por outro lado, a riqueza de possibilidades de
A opinião pública, então, é volátil, podendo ser alimentada e ge- comunicação entre as organizações e seus públicos de interesse tam-
renciada por informações superficiais e ligeiras, atendendo, certas bém se mostrou uma possibilidade muito positiva. Enfim, a gestão
vezes, a gritas de grupos digitalmente organizados e que buscam, entre pontos positivos e sensíveis é hoje uma das mais importantes
habilidades a serem desenvolvidas pelos relações-públicas.
acima de tudo, buzz que os leve a serem agendados – seus temas
e nomes. Diversos movimentos são deliberadamente colocados Nesse cenário de volatilidade a gestão de crises ganha espaço, mas
em circulação, como cortinas de fumaça, estratégias de troling e sempre que possível, precisa ser precedida pela gestão de riscos, que

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Cenário 1 Mix Relações públicas/Comunicação pública

pode verificar pontos sensíveis e gerenciar o comportamento orga- e atitudes, chegando a produzir resultados inesperados.
nizacional. Ao se falar de imagem e reputação, falamos de algo cuja Essa é a razão pela qual uma das grandes tarefas diante de
uma população de pouca ou média instrução constitui a
transformação se dá em poucos segundos, movida por elementos di-
formação do leitor crítico, referindo-nos aqui primordial-
gitais nem sempre atrelados a cenários reais, concretos.
mente ao que se pode chamar “leitura referencial do mun-
Se há um século os jornais tinham a função de colocar pessoas e do”. A memória discursiva do leitor torna-se imprescin-
organizações em xeque, hoje isso pode ser feito por pessoas co- dível nesse contexto, sobretudo no reconhecimento das
“figuras” que povoam o seu mundo de representações.
muns e até mesmo por robôs e ciborgues, financiados por redes
(MOSCA, 2002, p. 15)
de fake news, movidas com o interesse claro de gerar distúrbio e
lucrar com a incerteza. Em um primeiro olhar isso é imediata-
Cabe às relações públicas construir processos de gestão de relaciona-
mente deslocado para o campo da comunicação política, eleitoral
mento formando redes consistentes de influência. Seja para nomes,
e governamental. Mas não é bem assim. Essas ações podem im-
seja para marcas, seja para projetos.
pactar fortemente pessoas e corporações, levando a verdadeiras e
profundas crises.
Novos tempos, nova profissão
Nesse sentido, o monitoramento social é altamente positivo, mas
A história de relações públicas é fortemente associada a ações e a
também pode gerar leituras ligeiras, levando a condenações pú-
momentos nem sempre positivos. Seja a relação com a criação de
blicas, colocando no cadafalso nomes e marcas. Termos como
imagens positivas de grandes executivos/milionários do início do
cancelamento ganharam destaque nos últimos tempos e muitas
século XX, seja a sua associação, por exemplo, a regimes totalitários
vezes representam ações de ódio nos ambientes digitais. E como
– como o caso brasileiro, ainda que esse ponto mereça uma análise
se portar diante desse cenário desenhado sobre um rastilho de
mais cuidadosa .
pólvora? Primeiramente vale lembrar que não há opção de não
estar presente nas mídias. Essa escolha não existe, visto que as Isso não quer dizer que diversas manifestações de valorização social
conexões – em especial as digitais – se dão de forma automática, não estejam associadas, também, à área e à profissão. Hoje o que se
levando à criação de vínculos com os diversos grafos presentes pode ver é a reversão do processo, mantendo-se técnicas e instru-
em nossas relações. mentos de relações públicas forte e diretamente associadas a políti-
cas afirmativas, vinculadas à valorização da diversidade, de combate
Destaque-se que essas relações nem sempre são de perfil determina-
à xenofobia e ao racismo, de respeito às mulheres etc.
do por nós e pelas organizações, pois se dão em um intrincado jogo
de conexões algorítmicas, gerando diversas narrativas e geração de Diversas gerações de relações-públicas vêm trabalhando nesse sen-
sentidos diversos: tido. Conselhos profissionais e entidades associativas também re-
A opinião pública torna-se, hoje, tão forte que cabe ao presentam esse esforço de alinhamento ao desenvolvimento da so-
leitor grandemente o controle da situação. É claque que ciedade, de emancipação em relação a políticas e a crenças datadas
se torna um porta-voz e que desencadeia muitas decisões e ultrapassadas.

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Cenário 1 Mix Relações públicas/Comunicação pública

Com profundas transformações no universo da comunicação – das De acordo com FARIAS (2019, p. 40-41), a esfera pública de Habermas
mídias do ponto de vista de conteúdo e de promoção – coube às
também inaugura o conceito de Estado Moderno tal qual
relações públicas claro papel: contribuir na transformação. Essa o conhecemos nos dias de hoje. De acordo com Habermas,
transformação se dá a partir de grupos de influência, em novas ele configura um agente controlador ou um poder público e
políticas comunicacionais de diversos tipos de organização e na instaura uma demanda por participação nas questões públi-
busca de uma comunicação pública que ofereça ao cidadão melhor cas, berço no qual nasce um espaço representativo que de-
conteúdo informativo. manda critérios de legitimação, ou seja, a opinião pública.
Outro ponto que conforme o autor fomentou o nascimento
da opinião pública foram os “modernos” meios de comuni-
Opiniões se desmancham no ar cação da época que instauraram novos padrões de discussão
e formulação de pensamentos acerca da vida cotidiana e das
Se existe abundância de informação, existe excesso dessa mesma in-
questões políticas.
formação. Excesso no sentido de gerar distúrbios, podendo criar algo
como uma infodemia. E, se a opinião sempre foi sensível a mudan- Assim, efeitos como transbordo informacional se associam a incon-
ças, podendo ser construída e reconstruída fácil e rapidamente, com tinência enunciativa e endosso cego (FARIAS, 2019), gerando novas
esse transbordo informacional isso se torna mais claro e fácil. parar-realidades, criando situações de discurso não necessariamen-
Novas tecnologias não apenas contribuem para o alastramento da te amarradas ao universo concreto ou verificável. O desejo pela bus-
informação/desinformação, como também permitem a criação de ca em estar correto, em estar do lado certo da opinião é natural do ser
simulacros que embalam a sociedade em “profundas discussões humano e amplamente explicado pela Psicologia. A tecnologia só dá
superficiais”. Desde a larga disseminação até a criação de peças de agilidade a esse encontro muitas vezes falacioso.
grande verossimilhança, os novos dispositivos (e quando falo “no- E ver a própria opinião – ou aquela que por alguma razão defenda
vos” refiro-me à criação permanente de produtos/serviços/tecno- – desmanchar-se no ar é cada dia mais comum, pois novas versões
logias e à recriação de seus usos) geram uma possível superposição sobre os mesmos fatos abundam os espaços das redes sociais digitais
entre o que há e o que possa parecer haver. Mais que um jogo de pa- e seus congêneres. Em lugar de penso, logo existo, passamos a viver
lavras, um jogo de realidades, de encenações, de disputas simbólicas o creio, logo existo.
de representação.
Midiatizar nomes, marcas e organizações
Assim, o que possa parecer concreto, seguro, em instante imediata-
mente posterior pode dissolver-se, tornar-se o oposto. Seja em téc- Se uma das funções originais de relações públicas é o processo de
nicas de deslocamento de fatos, seja mesmo por haver muito de sen- construção e disseminação de imagens midiatizando nomes, mar-
sível nas opiniões, de expressões claramente pathemicas. A opinião cas, organizações, hoje o cenário de publicização desse processo se
pública, historicamente, sempre foi complexa, mesmo em sua defini- dá por diversas outras formas, algumas das quais com riscos mui-
ção, e certamente em sua construção. Sá nos confirma as grandes mu- to claros e, ao mesmo tempo, altamente sedutoras. E por que há
danças em sua significação, gerando hiatos conceituais (SÁ, 2009). clareza sobre esses riscos? Porque não há controle sobre um pro-

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Cenário 1 Mix Relações públicas/Comunicação pública

cesso de enunciação cujas emissões midiáticas ocorrem por diver- tempo, potencializam riscos. A rapidez descontrolada e a presença
sas fontes, sem necessariamente planejamento ou controle, com a de sistemas de desinformação bem arquitetados levam a possibili-
sedução da criação de seguidores, de busca de compartilhamentos dades maiores de distorção da informação e a riscos de imagem e de
e acenos positivos. ranhuras na reputação de pessoas, empresas e marcas.

Às relações públicas cabe, desde sempre, a habilidade de entender e O que reserva o futuro
de reagir adequadamente ao meio social, gerando processos inteli-
gentes de interação, buscando-se construção de reputação de vida Desde há algum tempo a informação tem sido mediada por sistemas
longa. Somente por meio do desenvolvimento de relações saudáveis matemáticos, os algoritmos, que são informações, opiniões, dados,
e produtivas é que se se geram relacionamentos, mantendo-os favo- comportamentos processados e inseridos em um determinado códi-
go. Desse modo criam-se mais facilmente bolhas e filtros que alojam
ráveis às partes envolvidas por meio da capacidade de se conhecer e
pessoas e ideias em determinados espaços virtuais de modo duvi-
de conhecer todos os envolvidos no processo comunicacional
doso, fortalecendo a intolerância, por exemplo, e potencializando as
Sucesso e fracasso em ambientes sociais, projeção de riscos, apren- disputas de sentido.
dizado constante devem ser os mantras para a prática de relações
É claro que não há maldade em si nos algoritmos, pois eles são ape-
públicas. O bom senso pode ser adquirido a partir do estudo perma-
nas peças de uma determinada programação, originada em estraté-
nente dos públicos e do ambiente. gias mercadológicas, institucionais ou políticas. As diversas proso-
Se em um primeiro momento havia a busca pela construção de imagem popeias alinhadas aos algoritmos também são curiosas, pois a eles
de organizações e depois passou-se a colocar em destaque pessoas, são atribuídos determinados comportamentos humanos, gerando
hoje até marcas e personas assumem lugar privilegiado nesse cenário uma antropomorfização que justifica muitos entenderem os algorit-
mos como personas e não apenas como fórmulas que fazem parte de
de projeção imagética. Além disso, a tradicional assessoria de impren-
um conjunto de objetos e de objetivos.
sa hibridizou-se, misturou-se a outras práticas, mesclando analógico e
digital, estratégias convencionais a novos modos de divulgar. Relações públicas em tempos de big data mostram a necessidade de
se utilizar esse recurso como parte das estratégias de comunicação.
Enquanto isso, com a “invenção” dos influenciadores contemporâ-
Seja para entender o funcionamento, seja para usar informações e
neos, uma outra prática foi inserida no sistema de divulgação. Nes- conhecimento acumulados para desenvolver abordagens confiáveis
se novo modo, que tem nuances de relações públicas, pode-se ver de relacionamento com os públicos de interesse.
claramente a presença da propaganda, em sua forma clássica de in-
fluência, com endossos gerados a partir do depoimento e associação Assim, é possível identificar problemas e objetivos de comunicação
feitos pelo influencer, mas, em muitas ocasiões, com contrapartidas a partir do mapeamento de informações; definir variedade, volume,
pré-estabelecidas entre as partes. velocidade e veracidade das informações demandadas; conhecer o
entorno de uma dada questão a partir do entendimento de seus pon-
Assim, as mídias sociais digitais geram novas possibilidades se as- tos-chave; e, por fim, chegar-se a uma avaliação com bom nível de
sociadas a práticas éticas de relações públicas, todavia, ao mesmo confiabilidade (ver quadro a seguir).

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Cenário 1 Mix Relações públicas/Comunicação pública

Quadro - Uso estratégico de big data na comunicação corporativa ainda permanecem. Os divulgadores de fake science criam con-
trovérsias onde não existem. (FARIAS e LOPES, 2020, p. 97-8)
I. Função de II. Geração de III. Análise de Big Data IV. Avaliação
Big Data Big Data - Análise descritiva - Valor propor- Retornando às origens de relações públicas, em que se acreditava e se
- Problemas de - Variedade (O quê?) cionado pela
creditava às relações públicas busca permanente de influência e dos
Comunicação - Volume - Análise diagnóstica análise de big
elementos resultantes dela, com vínculos muito fortes com ações de
- Objetivos de - Velocidade (Por quê?) data
Comunicação - Veracidade - Análise preditiva - Confiabilidade mitigação de perdas, de gestão de crises, de redesenho de imagens,
(Previsão) da análise de big sabemos que tudo isso não mudou. Continuamos à frente desse tipo
- Análise prescritiva data de ação, sempre necessária e demandada. Todavia, talvez possamos
(Recomendações enxergar um novo campo de ação para relações em que se antecipem
de ação situações sensíveis e se trabalhem melhor vértices e arestas de per-
Fonte: FARIAS e BALDO (2018) sonalidades, marcas e organizações.

Essas relações públicas já têm sido praticadas. E há profissionais e


Considerações finais
seguidores em todo o mundo, incluindo o Brasil, mas talvez essas
É tempo de incerteza opinativa, afinal somos todos bombardeados práticas e esses pensamentos ainda não sejam plena e claramente
diariamente por excesso e acesso a informações, mas nem sempre reconhecidos e associados a relações públicas. Nesse sentido, é im-
pela possibilidade de pleno entendimento, de checagem dos fatos, portante que a pesquisa na área continue a crescer, como vem cres-
de verificação da veracidade. Os ambientes se dissimulam, se simu- cendo nas duas últimas décadas. Que as entidades representativas
lam e se simulacram, muitas vezes, tornando coisas não verdadeiras ampliem o espectro de ação, aumentem o seu engajamento e seu
em situações verossímeis. profissionalismo, incessantemente.
O que alguns analistas do ambiente digital entendem é que não se
REFERÊNCIAS
trata de tarefa tão difícil. Nas palavras de Sergio Amadeu da Silveira,
em entrevista à Organicom FARIAS, L. A. de. Opiniões voláteis: opinião pública e construção de sentido. S. B.
do Campo: ed. Metodista, 2019.
Saturar a opinião (...) se consegue mais facilmente hoje, por con-
FARIAS, L. B. de; BALDO, W. Big data e comunicação: cruzamento, uso e evolução.
ta da velocidade alcançada nas redes digitais – [se consegue] In: FARIAS, L. A de.; KUNSCH, D.; PASSOS, M. Y. Vozes em Diálogo. S. B. do Campo:
saturar esse espaço de informação com desinformação, com ele- Ed. Metodista, 2018.
mentos que não têm procedência (FARIAS e LOPES, 2020, p. 96)
FARIAS, L. A. de; LOPES, V. de S. C. “Desinformação acima de tudo, espetáculo aci-
ma de todos”. In: RGANICOM Revista Brasileira de Comunicação Organizacional
Ainda segundo Silveira, e Relações Públicas. Dossiê “Desinformação e comunicação na sociedade contem-
porânea”. v. 18 n. 34, 2020
A desinformação não envolve somente fake news, envolve fake
MOSCA, L. Subjetividade e formação de opinião na mídia impressa. In: GUILHARD,
science. Envolve a criação de controvérsias cientificas em luga-
M.; BARZOTTO, V. Nas telas da mídia. São Paulo: Alínea, 2002.
res em que elas não existem e a negação de controvérsias onde
TERRA, C. F. Marcas influenciadores digitais. S. C. do Sul: Difusão, 2021.

152 153
RelAçõeS públICAS
eDuCATIvAS
novas possibilidades de atuação

Marcelo de Barros Tavares

Este artigo apresenta a inquietação de um docente e pesquisador da área


de Relações Públicas, abrangendo as experiências vivenciadas tanto no
mercado profissional como nos ambientes acadêmicos. A intenção de
compor este e-book comemorativo aos 50 anos do Conrerp/3ª Região
também revela o intuito de compartilhar o conhecimento adquirido ao
longo dos últimos 12 anos de atuação como relações-públicas.

O marco histórico da atuação profissional e da construção do campo


acadêmico registra distintas perspectivas e facetas da área de Rela-
ções Públicas. A proposta aqui contribui com um novo olhar para a
práxis da área na sociedade, em seus mais distintos cenários sociais.
Cabe salientar que a trajetória do pesquisador, acumulando expe-
riência nas áreas da educação e da comunicação, respalda o olhar
proposto neste texto.

Para abordar este tema, adota-se uma linha cronológica da vida do


pesquisador para atingir o objetivo de refletir sobre as possibilidades
das Relações Públicas Educativas no campo profissional e acadêmi-
co. Ao tecer os acontecimentos, o texto retoma alguns recortes teóri-
cos que se debruçam sobre a atual pesquisa de tese de doutorado no
Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social na Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS).

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Cenário 1 Mix Relações públicas/Comunicação pública

A trajetória profissional do autor inicia em uma organização do pri- lada nesta primeira experiência profissional. Outro aspecto impor-
meiro setor, no Poder Público Municipal, assessorando o Gabinete da tante é que a formação da imagem demanda um trabalho constante
Secretaria Municipal de Educação, em um ente federado do estado do e contínuo, portanto são frutos do planejamento de comunicação
Rio Grande do Sul. Dentre as demandas de comunicação da Secretaria integrada da organização, orientados pela prática da atividade. Com
estava o relacionamento mais assertivo e harmônico com os professo- base nesta perspectiva, as ações decorrentes da proposta foram ate-
res da Rede Municipal de Ensino da cidade. Tratava-se de um público nuando a percepção negativa do público para com a organização,
estratégico e relevante para a organização, pois dentre os seus obje- num processo longo e constante.
tivos principais estavam a atuação para a comunidade escolar, e isto
pressupunha uma relação mais articulada com os docentes. Destaque aqui para um primeiro viés educativo da práxis de Relações
Públicas, quando uma ação articulada da área no campo da comu-
Emerge aqui a primeira abordagem necessária entre os campos da nicação organizacional pode contribuir com a reconfiguração da
comunicação e da educação como um desafio para estabelecer a co- imagem institucional. No momento em que a organização assume
nexão desta organização com um público estratégico, e decisivo para a postura e o contexto do conflito, há mais chances para aprimorar
a sua comunicação organizacional. e melhorar os seus processos, e isto reside de forma consistente no
Ao estudar as diferentes correntes teóricas de Relações Públicas, o fazer de Relações Públicas. Logo, inicia-se para o pesquisador uma
autor se debruça nos estudos da excelência (GRUNIG, 2011), e a ne- primeira impressão de que a nossa atividade pode também ser uma
cessidade de uma comunicação de mão dupla, entre o binômio or- prática educativa.
ganização-públicos. Aqui estabelece-se um primeiro grande desafio Porém dando sequência na trajetória profissional, houve certa vez
para a práxis da área: a busca constante da harmonia nestas relações. em que o case em questão tratava de uma organização de pequeno
Esta pode se caracterizar numa missão difícil (quiçá impossível) porte, no setor de varejo que tinha a demanda de articular um traba-
frente ao contexto apresentado, como era o caso em tela da Secreta- lho de comunicação interna aliado ao desenvolvimento profissional.
ria Municipal de Educação com os seus professores. O trabalho de Relações Públicas estava aqui diretamente ligado com
A situação caracterizava-se por uma inconstância de ações orien- a qualificação de lideranças comerciais de sete pontos de venda da
tadas da organização para este seu público estratégico. Em alguns empresa atendida.
movimentos de pesquisa ficava evidente que se tratava de questões
O trabalho de reconhecimento do cenário demandou constantes
relativas às administrações anteriores e prejudicavam a imagem ins-
diálogos com as equipes de vendas, e a partir daí os subsídios para a
titucional da Secretaria com este público específico. Contudo, com
construção do planejamento de Relações Públicas e a sua posterior
base na teoria da função política (SIMÕES, 1993), o conflito configu-
execução. Um ponto observado pela equipe multidisciplinar do aten-
ra-se como a base da práxis de Relações Públicas, e todas as funções
dimento, formada por relações-públicas e psicólogos, foi de que os su-
organizacionais da atividade decorrem desta configuração inicial.
jeitos do grupo reproduziam atos constantes a partir do meio em que
Desta forma, assumir o conflito como natureza da ação de Relações estavam inseridos. No campo da psicologia, há diversos estudos que
Públicas foi o ponto de partida para a ação de comunicação articu- dissertam sobre a adaptabilidade do ser humano, a partir do contexto

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Cenário 1 Mix Relações públicas/Comunicação pública

inserido, mas a correlação com a força da comunicação, neste aspecto cial, ou seja, os seus resultados estão diretamente ligados a tudo que
organizacional, era o pressuposto básico para a ação proposta. compõem a sua bagagem de conhecimento, científico ou social.

Emerge aqui um recorte teórico, oriundo do campo da sociologia, que Em sua trajetória acadêmica, especificamente durante a pesquisa
pode dar suporte para a reflexão: a reprodução da prática humana da dissertação de mestrado, o autor pode levar as práticas adquiri-
(BOURDIEU; PASERON, 2014). A perspectiva de que o sujeito reproduz das nestas experiências profissionais e dialogar teoricamente com
seu comportamento por meio de atos que podem ser comunicados no o arcabouço teórico definido neste percurso (TAVARES, 2018). Uma
ambiente de trabalho começa a orientar e implementar a práxis de Re- inquietação inicial era certificar sobre a ação efetivamente educacio-
lações Públicas, pois a reprodução prática humana é entendida: nal, e as correntes pedagógicas de uma educação sem a formalidade
dos currículos, sejam da educação básica ou do ensino superior.
Por uma comunicação dos indivíduos em que toda ação pe-
dagógica pressupõe uma relação de autoridade, e o reconhe- Emerge então, uma obra de um pedagogo humanista espanhol cha-
cimento dessa legitimidade condiciona a reprodução de toda mado Cabanas (1995), que apresente diferentes teorias e correntes
informação. A formação educativa ocorre quando o sujeito pedagógicas que dão suporte a estudos do campo da educação. Para
recebe o dado e processa uma ação transformadora ou seja,
Cabanas (1995), o ato educativo pode ser caracterizado por uma inte-
quando ele efetiva uma situação real de aprendizagem (TA-
ração social, sem a formalidade da educação formal, e neste sentido:
VARES, 2018, p. 61).
Trata-se do exercício concreto da educação, caracterizado
Na visão do autor, a comunicação está diretamente ligada com a ação pelas atitudes que educam, e não tem, necessariamente, um
pedagógica e de aprendizagem que um determinado grupo, dentro contexto educacional formal. Dessa forma, pode-se pressu-
dos contextos organizacionais, experimenta e efetiva. Surge então por que o ato educativo esteja presente, em diferentes espa-
ços da sociedade, e constitua-se, por exemplo, em um livro
outro indício de que a aproximação dos campos da comunicação e
ou um jogo. Não diz respeito a um viés da educação formal,
da educação são necessários para a práxis das Relações Públicas, na presente nos espaços escolares (TAVARES, 2018, p. 61).
medida que as ações de relacionamento podem promover e estimu-
lar atos de aprendizagem e reprodução prática humana. Desta for- O autor durante a sua pesquisa de mestrado entende que há mais
ma, a aprendizagem pode ser não o fim, mas a consequência de um um ponto de convergência com a práxis de Relações Públicas, pois a
trabalho estruturado e articulado de Relações Públicas. ação articulada da atividade pode estar presente em atos educativos
nos ambientes organizacionais. Os fenômenos comunicacionais do
Ainda neste desafio profissional, o autor começa a refletir sobre a ges-
campo das Relações Públicas explicitam possibilidades de atos edu-
tão do conhecimento nos ambientes organizacionais, e como isto pode
cativos no contexto das interações sociais dos sujeitos envolvidos.
incorporar o cotidiano dos sujeitos envolvidos. Aqui, busca-se no cam-
po da sociologia, a noção de capital cultural (BOURDIEU, 1997) para Ao finalizar a sua dissertação de mestrado, Tavares (2018) articula
dar esteio à reflexão teórica da construção simbólica do sujeito. Para uma possível conjunção teórica que dá suporte a uma leitura huma-
Bourdieu (1997), o capital cultural representa o acúmulo de aprendi- nista da atividade de Relações Públicas, enfatizando o caráter educa-
zagens adquiridas pelo indivíduo e o projetam para a ação no meio so- tivo da práxis, de acordo com a figura abaixo.

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Cenário 1 Mix Relações públicas/Comunicação pública

Figura 1 – Caráter Educativo da Práxis de Relações Públicas atuação na sociedade. O documento especifica distintas exigências
de habilidades e atitudes do profissional, porém não atribui de for-
ma significativa um caráter educativo na práxis de Relações Públicas.

O silenciamento de uma possibilidade educativa para a práxis de Re-


lações Públicas nas Diretrizes Curriculares Nacionais da área (BRA-
SIL, 2013) expõe uma nova inquietação para o autor deste texto, e
um novo aspecto de pesquisa para o campo científico da comunica-
ção. Estas reflexões são contextualizadas em problemas de pesquisa
e hipóteses para o campo das Relações Públicas, especialmente ao
projetar a evolução da prática em uma sociedade marcada por novos
contextos e novas lógicas.

Surge aqui um ponto de reflexão, na medida em que a prática da área


é dada a partir da formação em nível superior, e esta por sua vez,
condicionada ao texto normativo, conforme a figura abaixo.

Figura 2 – Contexto Formação em Relações Públicas


Fonte: Tavares, 2018, p. 122.

O autor estabelece a conjunção de três diferentes dimensões: a


praxiológica, a da educação humanista e a da práxis de Relações Pú-
blicas. De acordo com Tavares (2018), o caráter educativo da ativi-
dade está na intersecção das dimensões e reforça algumas interfaces
das vertentes teóricas elencadas. Um apontamento significativo na
defesa da pesquisa discorre sobre a necessidade em ampliar o deba-
te para o campo profissional, ou seja, para os cenários corporativos.
Emerge então, o estopim para a pesquisa de tese de doutorado do
autor, e neste amadurecimento novas perspectivas das Relações Pú-
blicas são ponderadas e incorporadas ao estudo.
Fonte: Elaborado pelo autor, 2021.
Na sequência da trajetória acadêmica, o autor se debruça a estudar
os desafios interpostos para o ensino de Relações Públicas median- Desta forma, um primeiro passo para a implementação de uma práxis
te as Diretrizes Curriculares Nacionais da área (BRASIL, 2013). Os de Relações Públicas Educativas poderia estar correlacionado com
textos normativos dão conta de muitas competências atreladas a a alteração das Diretrizes Curriculares Nacionais (BRASIL, 2013). A
um perfil de egresso com amplas características generalistas para a premissa desta constatação reside na relação apresentada na figura

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Cenário 1 Mix Relações públicas/Comunicação pública

acima, em que as três dimensões estão diretamente ligadas: o marco Para Simões (1993), a noção de contato da práxis de Relações Públicas
normativo orienta o ensino, e este é o passo inicial da formação do fundamenta-se também em uma consistente formação do profissio-
egresso da área na sociedade. nal. Assim, a educação continuada pode qualificar o cenário organi-
zacional com um rol de técnicas orientadas para a nova tecnologia
Fica claro então, que um novo viés da práxis de Relações Públicas
administrativa da área. Surge aqui mais um ponto de convergência
para se constituir necessita se configurar em duas possibilidades: a) para o caráter educativo da área, pois a formação está diretamente
a primeira seria compor o rol de competências das novas Diretrizes ligada ao enfoque personalístico.
Curriculares Nacionais; b) a segunda seria numa implementação
deste olhar da prática por meio de experiências do mercado profis- Dados apresentados pelo GPEPcom2, a partir de um levantamento de
sional. Contudo, as duas possibilidades atuando de forma sinérgica produções acadêmicas da área de Relações Públicas, mostram que de
e articulada podem implementar uma nova prática na área. um universo de 73 trabalhos, considerando dissertações e teses de-
fendidas de 2013 a 2019, apenas 7 têm um enfoque personalístico, de
A partir destas reflexões, o autor continua a sua trajetória acadêmica acordo com Simões (1993). Desta forma, considerando um possível
estudando o tema a fim de agregar novos indícios para as discussões vínculo deste enfoque com as Relações Públicas Educativas, há um
das Relações Públicas Educativas. Com a sua participação no Grupo espaço considerável para mais pesquisas e debates acadêmicos pelo
de Pesquisas Ensino e Prática de Comunicação (GPEPcom)1, o pesqui- ponto de vista teórico da área.
sador se depara com as discussões relativas aos enfoques teóricos de
Contudo, para além da discussão teórica retoma-se, imprescindi-
Relações Públicas (SIMÕES, 1993), e todas as facetas teóricas da área.
velmente, a função social da práxis de Relações Públicas. Trata-se
A noção dos enfoques teóricos de Relações Pública é trazida por Si- de uma pauta oportuna e emergente diante do cenário social vivido
mões (1993), que na sua tese de doutorado, ao implementar a teoria pela sociedade brasileira durante a pandemia do COVID-19, e princi-
da função organizacional política estabelece distintos enfoques para palmente, na sua fase posterior. É inegável o fato de que o contexto
a prática. Dentre eles, destaca-se neste texto o viés personalístico, social promoveu uma reconfiguração da prática da área ao longo dos
traduzido como “Relações Públicas são contato”, pois: últimos 50 anos.

Um profissional bem formado, capaz de traduzir seus conhe- Nesta reflexão, o lapso temporal dos últimos 50 anos é definido por
cimentos teóricos, técnicos e práticos numa ação produtiva, dois grandes motivos: a) o primeiro é o tempo de configuração a par-
que resultem o bom relacionamento entre empresa e públicos, tir da Lei regulamentadora da profissão; b) o segundo é derivado dos
pode, tranquilamente, quando necessário, exercer o cargo de
registros de produção acadêmico na área. Desta forma, é nesse perío-
contato (cumulativamente ou não com outro qualquer), além
do em que a área de Relações Públicas sofre significativas mudanças
de descrever as funções e atividades aí compreendidas, em um
e aprimoramentos no contexto da atuação – profissional e acadêmi-
manual organizacional (SIMÕES, 1993, p. 57).
ca – no Brasil.
1 O Grupo de Pesquisa foi criado pelo Prof. Dr. Roberto Porto Simões, junto ao Programa de
Pós-Graduação em Comunicação Social da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande 2 Dados relacionados ao Banco de Dados da Produção Acadêmica em Relações Públicas
do Sul (PUCRS). Hoje o grupo é coordenado pela Profa. Dra. Cláudia Peixoto de Moura, e Stricto Sensu (2013-2019), pesquisa compilada pelos integrantes do GPEPcom, disponível
pode ser acessado pelo link http://dgp.cnpq.br/dgp/espelhogrupo/4131497373962443 no link http://claudiamoura.pro.br/gpepcom/banco-de-dados/

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Cenário 1 Mix Relações públicas/Comunicação pública

Os profissionais que estão atuando no mercado de trabalho são fru- Todo o contexto apresentado sintetiza a atual pesquisa de doutorado
tos de uma formação inicial orientada com o arcabouço teórico cons- do autor, e os rumos ainda estão em construção. A proposta deste
truído neste tempo, e estão condicionados com documentos norma- texto não é que ele seja taxativo, mas sim que provoque reflexões nos
tivos que traduzem uma concepção de Relações Públicas que vem campos acadêmicos e profissional, estimulando um olhar educativo
sendo reapropriada e melhorada ao longo do tempo. Moura (2008) da práxis de Relações Públicas. Apresenta-se então uma possibilida-
esclarece que cada marco normativo tipificava uma orientação para de de função educativa para a área, agregando ao olhar epistemoló-
a formação em Relações Públicas, logo a sociedade brasileira tem gico de Simões (1993) novas características.
hoje um rol de profissionais atuantes que derivam de distintas con-
Além disto, evidencia-se também uma nova faceta da função social
figurações da área.
da área que pode ser orientada pelos órgãos de entidade de classe
A perspectiva da função social da práxis de Relações Públicas tam- e pelas Diretrizes Curriculares Nacionais. Diante do cenário vivido
bém tem sido reconfigurada ao longo dos últimos 50 anos. Contu- pela sociedade brasileira, cada vez mais as organizações precisam
do, é emergente que a comunidade profissional e científica discuta e pensar e pautar a responsabilidade da sua comunicação, especial-
indague qual é a função social das Relações Públicas na atualidade? mente quanto estão envolvidas com a opinião pública. A atuação de
Num primeiro momento, muitas respostas podem emergir para este Relações Públicas pode ser decisiva para as organizações estarem
questionamento, mas diversas reflexões podem ter embricamentos coexistindo no cenário da opinião pública, sejam elas do Poder Pú-
nas atuais facetas da prática na sociedade. blico, da iniciativa privada ou ainda do terceiro setor.

Surge aqui um ponto de defesa em que as Relações Públicas Educa- A sociedade brasileira clama por um trabalho articulado das áreas
tivas possam se configurar também num viés social da atividade. da Comunicação Social, e a contribuição das Relações Públicas pode
Quando o relações-públicas articulas suas técnicas ou estratégias em se efetivar por meio do viés educativo. Quando o profissional tem
cenários similares aos apresentados pelo autor neste texto, a práxis um olhar voltado para os seus atos educativos, independentemente
assume uma intensa convergência entre os campos da comunicação do cenário organizacional em que ele esteja inserido, a prática pode
e da educação. Isto apresenta uma prova de que é possível configurar contribuir para os demais públicos estratégicos envolvidos, e assim
uma função educativa para as Relações Públicas. ter uma eficácia na opinião pública.

A possibilidade das Relações Públicas Educativa é uma sugestão Conforme o pactuado lá no início deste texto, o autor provoca uma
nova e encontra poucos pesquisadores no universo do campo cien- reflexão muito pontual para o campo, a partir das suas trajetórias
tífico debruçados sobre esta possibilidade. Contudo, no campo pro- profissional e acadêmica. Esta discussão não se encerra aqui, mui-
fissional, nos cenários organizacionais ainda é uma práxis pouco ex- to pelo contrário, trata-se de um pontapé inicial para mais discus-
plorada e difundida como aderente à área de Relações Públicas. Pode sões, para reunir mais profissionais e pesquisadores interessados
constituir, portanto, em um novo cenário de atuação profissional, e pelo tema, que acreditem na função social e educativa da área de
reunir diferentes experiências no campo profissional. Relações Públicas.

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Cenário 1

REFERÊNCIAS
BOURDIEU, Pierre. Capital cultural, escuela y espacio social. Mexico: Siglo
Veinteuno, 1997.
BOURDIEU, Pierre; PASSERON, Jean-Claude. A reprodução: elementos para uma
teoria do sistema de ensino. Petrópolis: Vozes, 2014.
RelAçõeS públICAS
BRASIL. Resolução CNE/CES nº 2 de 27 de setembro de 2013. Institui as Diretrizes
Curriculares Nacionais do curso de graduação em Relações Públicas. Diário Oficial e SuAS QueSTõeS
da União da República Federativa do Brasil, Brasília, 2013.
CABANAS, Jose Maria Quintana. Teoria de la educación: concepción antinómica
de la educación. Madri: Editorial Dykinson, 1995. Márcio Simeone Henriques
GRUNIG, James E. Uma teoria geral das Relações Públicas: quadro teórico para o
exercício da profissão. In: GRUNIG, James E.; FERRARI, Maria Aparecida; FRANÇA,
Há muitos anos já é lugar-comum apontar as Relações Públicas como
Fábio (Org.). Relações Públicas: teoria, contexto e relacionamentos. 2. ed. São
Caetano do Sul: Difusão, 2011. p. 15- 124.
um campo de trabalho promissor, tanto quanto apresentá-las como
uma área de expertise mal definida e pouco valorizada. Este é apenas
MOURA, Claudia Peixoto. Fragmentos da história do ensino das Relações Públicas
um dos paradoxos nas visões correntes. Ao lado dos clamores por um
no Brasil. In: MOURA, Claudia Peixoto (Org.) História das relações públicas:
fragmentos da memória de uma área. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2008. p. 688-694.
efetivo reconhecimento, também estão as desconfianças. Nos últi-
mos anos, parece que as contradições internas têm-se acentuado,
SIMÕES, Roberto Porto. Relações Públicas e seus fundamentos em micropolítica.
bem como os questionamentos sobre como essa profissão é exercida
Tese (Doutorado em Educação) - Programa de Pós-Graduação em Educação,
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, 1993.
e por quem. Ao chegarmos à terceira década do século XXI somos
desafiados, não sem razão, a compreender a situação desta profis-
TAVARES, Marcelo de Barros. O caráter educativo da práxis de Relações Públicas:
são nos movimentos históricos. Poderíamos fazer isso revisitando a
uma leitura humanista da atividade. Dissertação de Mestrado em Comunicação
Social. Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social. PUCRS, 2018. sua trajetória no passado, em pouco mais de cem anos, com o receio
de que isso seja pouco esclarecedor dos dilemas com os quais atual-
mente nos defrontamos. Em vez disso, prefiro ensaiar brevemente
algumas ideias e conjecturas, de modo a deixar nossa mente aberta
para todo um conjunto de questões que já se apresentam ou estão
em vias de se apresentar.

Em trabalho pregresso (HENRIQUES, 2009), apresentei um raciocí-


nio para pensar as relações públicas na qual sua visão como atividade
ultrapassa a sua restrita e insuficiente delimitação em seu estatuto
como profissão. Após tanto tempo, sigo considerando esta distinção
entre atividade e profissão não só adequada, mas fundamental para

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Cenário 1 Mix Relações públicas/Comunicação pública

qualquer análise acerca das práticas e sua inserção no meio social. a preocupação com as melhores técnicas, mas também com aquelas
Com isso reforço também a ideia de que, independente de como se mais aceitáveis. Não quero dizer aqui, entretanto, que a preocupação
organize uma prática especializada, as relações públicas, em seu en- ética se apresentou como absoluta e inevitável. É preciso compreen-
tendimento amplo, são um campo de práticas comunicativas nas der que a instituição de uma profissão de Relações Públicas, como de
quais toda a sociedade está empenhada, compondo a vasta gama de qualquer outra, implica um reconhecimento de que o especialista é
fenômenos que se dão no espaço público. Instituições, organizações, regido por algum tipo de conduta aceitável, evitando práticas inde-
públicos, como modernamente vieram se configurando, formam um sejáveis. Dessa forma, a ideia de um especialista, que opera sob um
campo relacional nas sociedades complexas que constituem tanto a comportamento “profissional” sugere uma atuação dentro de certos
vida pública - nossa vida comum em público, quanto as nossas vidas parâmetros que, de alguma maneira, é auto-regulada entre pares,
privadas. As forças, tensões e movimentos desses agentes produzem independente de ser menos ou mais regulada externamente. O que
dinâmicas coletivas de comunicação pública, composta por conflitos
se toma como pressuposto não é, necessariamente, o que ocorre na
e cooperações, por dissensos e consensos, que são, enfim, dinâmicas
prática. Ainda que exista o imperativo ético na constituição manifes-
de poder. Este é, em suma, o sentido político dessas práticas. O que
ta da profissão, não significa que seu código seja bem delimitado e
proponho, a seguir, serve como uma espécie de atualização de algu-
explícito. Um rápido exame nos princípios discursivos justificadores
mas reflexões que podem inspirar nossas agendas, tanto acadêmi-
da profissão revela, em termos gerais, um sentido normativo positi-
cas quanto profissionais, num mundo de transformações muito in-
tensas e rápidas. Para além dessa vertiginosa sucessão de imagens e vamente orientado por “simetria”, “diálogo”, “harmonia”, “concilia-
opiniões e das forçosas adaptações quase instantâneas a que somos ção de interesses”, “alinhamento de expectativas e valores”, “geração
chamados, refletir sobre algumas questões mais profundas talvez de valor às partes interessadas” e outras expressões. Contudo, não
seja bom para pensarmos também em formas novas, mais consis- encontramos nos códigos de ética referências mais precisas de con-
tentes e mais justas de ação. duta, naquilo que se constitui como prática de influência, de persua-
são, de construção de imagem e de reputação.
O que se professa? Entre a positividade do discurso justificador (“professado”, visando
Diante disso, uma primeira questão que emerge quando examina- o seu reconhecimento público) e a natureza conflitiva das relações
mos a profissão é se e por quê a sociedade precisa do exercício es- entre os entes (instituições, organizações, públicos), podem os pra-
pecializado dessas práticas, algo que só pode ser exercido por quem ticantes incorrer em diversos dilemas morais. Em meio às controvér-
detém conhecimentos específicos. Se a profissão existe (passou a sias e conflitos de interesse entre organizações e públicos, a proposi-
existir) é porque logrou constituir uma disciplina como especiali- ção de um papel mediador para as RP sempre há de colocar ao menos
dade (SIMÕES, 2001), cuja tecnicidade se encontrava, de um lado, o dilema básico entre estar ao lado da organização à qual serve ou
na forma de lidar com os meios de comunicação, suas técnicas e lin- levar em conta os interesses divergentes dos públicos e os impactos
guagens e, de outro, nos conhecimentos acerca dos comportamen- das decisões e ações organizacionais sobre estes públicos. No entan-
tos humanos, individuais e coletivos, e nas formas influenciá-los. to, estes dilemas são resolvidos no mais das vezes no âmbito indivi-
Além disso, a conformação disciplinar trazia à profissão não apenas dual de cada praticante, raramente pela arbitragem estatal e pratica-

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Cenário 1 Mix Relações públicas/Comunicação pública

mente nunca por mecanismos auto-reguladores no nível corporativo de partida para este tipo de atividade quanto à transparência de seus
da profissão (como o Conselho profissional). A troca de experiências procedimentos. Melhor dizendo, atividades como estas, que lidam
sobre esses dilemas, nos seus aspectos mais fortes, fica resguardada com algum tipo de regulação das visibilidades, com a modulação das
às individualidades dos praticantes e só incidentalmente são objeto próprias condições de publicidade, não podem ser totalmente trans-
de atenção coletiva desse corpus profissional, até mesmo porque en- parentes, sob pena de serem ineficazes.
volve, na maioria das vezes, questões sensíveis da relação entre as or-
Decorre desse fator paradoxal uma distinção das mais importantes
ganizações e os públicos e que precisam ser tratadas discretamente.
em relação a outras profissões e boa parte da incompreensão sobre
Mesmo assim, as fronteiras pouco nítidas entre as diversas práticas
o que realmente fazem os seus praticantes e como atuam, no nível
de influência colabora para dissolver muitos desses dilemas no coti-
mais estratégico de decisões e de planejamento. Ou seja, os proces-
diano, assim como a composição e recomposição de narrativas que
sos mais visíveis tendem a ser os mais operacionais, como o manejo
se sobrepõem servem para distrair e confundir acerca da natureza das ferramentas e a criação dos produtos - os eventos, a produção de
dessas práticas. É comum que a intervenção na própria controvérsia conteúdos e a gestão de mídias sociais, a promoção de campanhas - e
gerada por estas práticas seja no sentido de mostrá-la mais embara- não as concepções e formulações das estratégias em si, ou seja, toda
lhada, de fazer com que se torne mais difícil decidir acerca do que é a “engenharia” que envolve uma compreensão mais profunda e inte-
melhor, mais adequado e mais ético, de inserir pelo menos algumas grada dos problemas e as tomadas de decisão cruciais que formatam
dúvidas ou mesmo outros falsos dilemas. Em meio a tantas opções, um programa mais complexo e sutil voltado para tais objetivos es-
fica mais fácil encontrar justificativas aceitáveis para estas atividades. tratégicos e de longo prazo.

O que as boas práticas não revelam? Uma função da organização ou da sociedade?


Cabe a toda profissão exaltar e codificar o que considera como “boas Em sua evolução histórica, as Relações Públicas foram ocupando
práticas”. Com a profissão de RP não é diferente. As ações que são dis- progressivamente lugar na gestão, a ponto de serem reconhecidas
tinguidas são postas como referências técnicas e, raras vezes, como como uma função da organização e como um subsistema organiza-
referências éticas. Aliás, a própria descrição dos casos, pela natureza cional específico, sendo isso recorrente na literatura, nacional e es-
estratégica dessas ações, é tendenciosa, no sentido de exibir parcial- trangeira, a partir dos anos 1980 (GRUNIG, HUNT, 1984; TORQUATO
mente dados e resultados e omitir os elementos mais importantes da DO REGO, 1986; GRUNIG, 1992; KUNSCH, 2003). Pari passu com o
intencionalidade estratégica, ou seja, nos conduz a uma leitura onde desenvolvimento de visões gerencialistas na área da administração,
a ética está pressuposta no profissionalismo da condução das ações o que isso significou foi uma grande centralidade das organizações e
e, quando não, exaltando a manutenção do sigilo como sendo a nor- de seus mecanismos de gestão na visão dos processos de RP. Grunig
ma ética máxima preconizada neste tipo de atuação profissional. De (1992) acentuava precipuamente as RP como função da administra-
fato, a exigência de sigilo é intrínseca ao exercício das estratégias e é ção e, ainda mais, com seus argumentos teóricos, procurou demons-
fator de sucesso de programas de relações públicas. A natureza estra- trar que, exatamente por isso, é uma função que deve ser localizada
tégica dessas práticas, se podemos dizer assim, já traz um problema na alta gestão, ou seja, com participação na esfera das tomadas de

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Cenário 1 Mix Relações públicas/Comunicação pública

decisões estratégicas. Simões (1985), por exemplo, registrava e apli- questões controversas e na produção de um sentido de “público” e
cava a ideia de função, tanto no sentido de uma interdependência de “interesse público”. Atividades e estratégias de relações públicas
sistêmica entre organização e públicos, quanto das atividades que (em público) são todo o tempo engendradas nesse espaço múltiplo,
contribuem com efeito para a manutenção e sobrevivência da orga- assimétrico e conflituoso. Precisamos também reconhecer que essas
nização e/ou do sistema social. Nesta perspectiva, o sucesso dessa atividades não são exclusivamente exercidas - e nem poderiam ser -
atividade profissionalizada em constituir-se como um subsistema por profissionais especializados aos quais se conferiu o título de “Re-
da organização dá-se porque, de fato, há co-variações frequentes no lações Públicas”. Quando disse anteriormente que todos estão empe-
sistema (organização-públicos) que precisam ser constantemente nhados na produção dessa vida pública comum, embora de forma
verificadas e nas quais se pretende interferir em prol da organização, assimétrica e desigual, menos ou mais intuitiva, menos ou mais tec-
bem como pela funcionalidade que essas atividades possuem, ou nificada, a redução das possibilidades de intervenção a um domínio
seja, sua capacidade de produzir resultados que contribuem para os particular de expertise é, por decorrência, uma espécie de “coloniza-
objetivos e para a própria manutenção da existência da organização. ção” desse espaço público e uma forma de controle da vida públi-
Ainda mais, estas visões passaram a se sustentar na possibilidade de ca que tende a uma forma de execução mais intencional, racional e
aferir estes resultados, dando tangibilidade aos seus efeitos. Desta tecnicamente embasada e justificada. Além disso, muitos domínios
forma, as visões gerencialistas derivam a importância das práticas diferentes de conhecimento e de ação nos âmbitos da mercadologia,
de RP para a sociedade de uma centralidade do papel das organiza- da administração, da informação, da psicologia e da política exercem
ções, sendo isso um fator precípuo de coesão social. essas intervenções, todo o tempo, sejam ou não assessorados pelos
especialistas em comunicação. Estes últimos, na posição de assesso-
Formas de regulação ou mediação? ramento e consultoria, não deixam de ser reguladores das condições
dessa vida pública, muito embora possam se apresentar mais mo-
Com as perguntas anteriores, procurei dar relevo a alguns elementos
destamente como “mediadores”.
que podem evidenciar esse caráter tão complexo, ou uma “persona-
lidade difícil”, atribuída à profissão de RP, como algo que a constitui Sob essa ótica, a delimitação de um campo especializado, como o de
como campo de práticas especializadas - e não que incidem sobre RP e Comunicação Organizacional ou Comunicação Corporativa, ba-
elas. Não é, portanto, incidental, que tenhamos tanta dificuldade seia-se na suposição de que conhecimentos científicos e técnicas bem
em explicar de modo mais preciso em que consistem essas práticas, codificadas podem potencializar o controle sobre algumas dessas re-
mas algo que vem da sua própria constituição. Tudo isso que até aqui lações, em certas situações. Este também é um fator intensamente
postulei não quer dizer que muitas dessas ações e produtos comuni- presente no discurso profissional das RP. Exemplo mais recente - e
cacionais, bem como o uso daquelas ferramentas não seja necessário eloquente - é a proposição das relações públicas como fundamentais
ou útil para qualquer dos atores que formam o que chamei de vida para a “gestão de crises”. O que este discurso procura mostrar é que,
pública. Ao contrário, isso é trivial. Instituições, organizações e pú- em situações específicas que se afiguram críticas, uma intervenção
blicos são entes que fazem uso dos meios e recursos à sua disposição precisa, baseada no conhecimento de padrões e de técnicas de inter-
para criar e manter suas condições de publicidade, engajar-se nas ferência junto aos públicos e à opinião pública podem, senão resol-

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Cenário 1 Mix Relações públicas/Comunicação pública

ver a crise, ao menos mitigá-la, protegendo a imagem e a reputação. lidou dos públicos como audiência passiva costuma obliterar nossa
Não podemos simplesmente dizer que isso é uma falsa promessa. Ela visão sob este prisma das diversas agências. Estas são muito mais
corresponde a demandas reais, de lidar deliberada e racionalmente complexas e interativas do que pode parecer sob a visão que se reduz
com situações complexas. A experiência profissional, que reconhece à emissão e recepção de mensagens. Mas, entre parênteses, espero
padrões, possui saberes e recursos potentes e condições de acioná ter deixado claro que estes atores não possuem os mesmos meios e
-los em curto espaço de tempo, certamente se mostra útil a quem recursos e nem lançam mão necessariamente das mesmas táticas e
pode contratá-la. Seja tudo isso realizado por profissionais com for- estratégias. E que a intervenção profissionalizada é um desses recur-
mação em RP ou em qualquer outra área, mas que se especializam e sos que ajuda a organizar, regular e produzir experiências relacionais
se empenham de algum modo no trato dessas questões, com um ar- particulares nesse amplo processo.
senal de conhecimentos que é, reconhecidamente, multidisciplinar.
Assim, uma questão reiteradamente postulada é se as RP são neces-
Importante, entretanto, considerar que as funções especializadas de sária e exclusivamente uma profissão a serviço do poder hegemôni-
assessoramento podem estar em algum ponto que oscila entre a me- co. Numa visão estritamente profissional, essa resposta tende a ser
diação e a pura e unilateral defesa de interesses, isto é, nada impede respondida afirmativamente, muito embora se possa considerar a
que em certas situações as ações levem em conta os públicos e suas sua aplicação “na contramão”, como já ressaltava Peruzzo (1986),
questões e premências, que de outra maneira não seriam sequer con- por exemplo. Neste caso, o que se buscava compreender é como se-
sideradas. E também que se trabalhe com as demandas por accounta- tores organizados da sociedade que fazem frente ao poder hegemô-
bility que são dirigidas às instituições e organizações e se articulem nico podem usufruir dos mesmos processos e técnicas para afirmar
formas de relacionamento mais efetivas, até mesmo para cumprir publicamente seus interesses, na perspectiva contra-hegemônica.
exigências legais, como é o caso das relações com os consumidores Essas abordagens, a partir da década de 1980 forneceram impor-
e do trato com comunidades por questões de impacto ambiental e tantes pistas para compreender as RP num sentido mais amplo dos
segurança, por exemplo. Também não se deve menosprezar que téc- conflitos políticos e para uma busca de alternativas e seguiu-se, nas
nicas que promovem a aproximação favorecem tanto um ambiente
décadas seguintes, uma percepção entusiasmada acerca do papel
para negócios quanto negociações institucionais delicadas e ofere-
dessas práticas também para as organizações da sociedade civil (na
cem formas de escuta que, de outra maneira, não ocorreriam, sobre-
ideia de “terceiro setor”) e para os movimentos sociais. Não foi esta
tudo em situações muito críticas.
uma tendência somente brasileira, diante de seu processo de rede-
mocratização e de ampliação da cidadania, mas também correspon-
Relações Públicas em mão e contramão?
deu a tendências globais mais amplas. Quando falo de “percepção
Quando afirmo que todos os atores na cena pública estão empenha- entusiasmada” incluo aí uma referência à visão muito disseminada
dos em fazer relações públicas, quero com isso apenas destacar as de que, para além do governo e do mercado, abriu-se um espaço de
RP como processo que, independente da intervenção especializada atuação profissionalizada de comunicação em ONG’s, projetos so-
e profissional, possui uma dinâmica na qual todos estão implicados ciais e movimentos variados da sociedade civil. Mesmo consideran-
e onde qualquer um deles possui papel ativo. A visão que se conso- do que a maior fatia de atuação profissional seguiu sendo nos setores

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Cenário 1 Mix Relações públicas/Comunicação pública

tradicionais do mercado e do poder público, é inegável que uma pro- As condições para exercer essa influência são variadas e estão sujei-
fissionalização nos setores sociais e culturais efetivamente aconte- tas a assimetrias e desequilíbrios entre os diversos atores, confor-
ceu e não podemos minimizar sua importância, o que corrobora a me se movimentam. O ponto que aqui é suficiente, por enquanto,
ideia de que as técnicas, em si, podem ser aplicadas por instituições para nossas anotações é que toda a dinâmica das interações às quais
diferentes e fora do centro do poder. nos referimos como sendo o campo ampliado das relações públicas
(das relações em público) se dá no sentido de adquirir ou conquis-
Porém, a recolocação do problema da profissão no terreno da cida-
tar influência (o que também implica, obviamente em aumentá-la
dania não retira, sozinha, o peso da sua atuação nos negócios e na
e preservá-la, segundo as circunstâncias). Há uma disputa pela in-
política, lá onde se afigura como um dispositivo central no exercício
fluência que é um potente motor para a mobilização dos públicos,
do poder. Ainda mais, esses campos nem sempre são muito distin-
tanto quanto para a ação das instituições e organizações, ou seja, o
tos, pelo imbricamento entre as atuações do terceiro setor e de seus
constante embate entre os atores se dá em torno de um conjunto de
projetos, muitas vezes atrelados e financiados pelo poder vigente e
interinfluências que podem aumentar ou diminuir seu poder de in-
vinculados a estruturas de negócios, como por exemplo, o que se dá
terferência ou o poder de interferência dos outros1.
por via das ações de responsabilidade social.
A remissão aos públicos e às suas dinâmicas como sendo uma cha-
Como ver as relações na perspectiva dos públicos? ve para pensar em termos de ações em sentido contra-hegemônico
tem aparecido de várias maneiras em abordagens distintas, como
Se a ideia acima indicada mostra uma limitação para entendermos por exemplo, pela noção de contra-públicos (counterpublics), onde
as atividades de RP em sentido propriamente contra-hegemônico, se acentua a movimentação de minorias e públicos subalternos,
acabamos apontando inevitavelmente para a maior complexidade ou seja, os públicos em desvantagem, e as formas como obtêm
que essa questão possui, mas ela só pode ser equacionada se pensar- influência (FRASER, 1992; WARNER, 2001). Também emerge nas
mos, de fato, na perspectiva dos públicos e de como é possível que perspectivas ligadas à mobilização social, seja do ponto de vista
eles se empoderem - ganhem maior poder de agência e de influência das condições para a instauração dos conflitos, em termos de opor-
social. Para isso temos também que considerar uma assimetria entre tunidades e recursos para ação (McADAM, TARROW, TILLY, 2009),
os diversos públicos, onde alguns se encontram em posições mais seja pela atenção ao processo interativo (comunicacional) de for-
desvantajosas que outros e também entre os públicos e as institui- mação e de movimentação dos públicos em torno de um processo
ções/organizações. de problematização coletiva e pública (CEFAÏ, 2009, 2017; HEN-
Uma forma simples de abordar a influência é tomá-la como a capa- RIQUES et al., 2004; HENRIQUES, 2012). A isso podemos acres-
cidade de realizar uma interferência para alterar os rumos de uma centar que com frequência negligenciamos os aspectos cognitivos
situação. Quando falamos de influência social simplesmente des- que estão implicados numa visão a partir dos públicos, que possui
tacamos essa capacidade relativa à ação na arena pública, onde as tanto componentes emocionais como cálculos racionais acerca das
questões, por meio da formação do interesse público, podem fazer oportunidades, das potências de ação, com base em certos padrões
referência ao “social” como sendo o que afeta a toda a sociedade. 1 Para aprofundamento em relação à influência, ver Henriques e Silva (2020).

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Cenário 1 Mix Relações públicas/Comunicação pública

de ação-reação já conhecidos e também nas formas de dispor dos Nessa linha, as questões que se apresentam são de difícil respos-
recursos que estão ao alcance ou de como obter novos recursos. ta, pela dificuldade de verificar concretamente o comportamento
Entender essas bases da formação coletiva no cotidiano e nas di- sistêmico fora dos modelos dominantes e de certa forma consoli-
nâmicas de sociabilidade auxilia no entendimento acerca dos limi- dados dos quais já conhecemos os padrões. Porém, o que temos as-
tes das práticas de influência social, como também colabora para sistido é um processo que caminha em outra direção, ou seja, anti-
maior potência dos públicos. democrática e com um viés claramente anti-institucional, com a
corrosão das formas tradicionais de mediação. Se considerarmos a
Como conclusão provisória: os desafios emergentes profissão de RP como sendo parte dessas formas convencionais de
Quero ressaltar, para além do raciocínio que acabo de tecer, uma mediação, com função de suporte e proteção institucional, temos
aderência das RP a um modelo que parece assim bem ajustado aos aí um ponto de inflexão que tende a questionar a própria base na
moldes das democracias liberais e a modelos participativos que pas- qual existe como profissão. Por outro lado, sendo a profissão, ela
saram a vigorar em muitos lugares nas últimas décadas, acarretan- própria, uma instituição, assim como outras profissões e seus com-
do demandas renovadas de comunicação no espaço público, princi- plexos organizacionais que lhes dão forma, não haveria porque não
palmente em termos de accountability, transparência e mobilização ser problematizada em seus fundamentos, em sua razão de exis-
social. Por isso, tanto a posição das RP no poder quanto o papel dos tir e na base de sua disciplina, do ponto de vista técnico-científico.
públicos no processo são questões que não tardariam a voltar à tona, Neste domínio, compartilha das mesmas inquietudes e perplexi-
à medida que avançavam estes modelos macropolíticos, com as con- dades com as demais profissões do campo da comunicação e até
tradições a eles inerentes, expressas no âmbito micropolítico. É fora com outras, assim como reflete a mesma desconfiança que emerge
de dúvida que essa configuração democrática nas últimas décadas em relação ao Estado, à Ciência, à Universidade, à Mídia etc. Mais
também propiciou oportunidades para que os públicos pudessem uma vez, lançando mão da distinção entre profissão e atividade,
ser vistos em sua capacidade de agência e mesmo com certo prota- permito-me pensar que as práticas estratégicas de comunicação
gonismo. Embora seja evidente que, sob estas condições, a questão
no espaço público prosseguem, de qualquer forma, ajustando-se a
da produção de influência social se apresenta como um elemento
qualquer que seja o esquema de poder e de luta social, com a movi-
central na lógica relacional entre os públicos e as instituições, ainda
mentação dos atores a que já me referi. Pode ser que estas práticas
assim essa dinâmica resta até agora pouco compreendida ou mesmo
sejam menos organizadas, menos codificadas e com isso estejam
negligenciada a partir da perspectiva dos públicos, especialmente
sujeitas a mudanças estruturais profundas, isso cabe especular e
em posição contra-hegemônica.
investigar. Também pode ser que sejam, por isso, menos controla-
Um problema que há tempos se apresenta é se as mesmas lógicas e das ou auto-contidas. Mas é certo que, como nunca antes, estare-
as mesmas práticas de RP se sustentariam sob um exercício demo- mos confrontados nos anos vindouros com o sentido da profissão
crático mais aprofundado, ou numa visão de democracia radical2. e com os limites (éticos, técnicos e estéticos) da atividade, se con-
siderarmos essas práticas e estas relações como centrais para uma
2 Aqui considero quaisquer das abordagens ou propostas sob este termo. Para melhor es-
clarecimento sugiro verificar DAHLBERG (2015). comunicação pública democrática.

178 179
Cenário 1 Mix Relações públicas/Comunicação pública

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180 181
2
cenário
Mix
Comunicação
Organizacional
RepuTAçãO, lIDeRANçA
e AS CObRANçAS SOCIAIS
pOR pOSICIONAmeNTO

Ana Luísa de Castro Almeida


Jussara Belo

Resumo:

Este artigo traz uma reflexão sobre o impacto do posicionamen-


to dos líderes na construção da reputação corporativa, diante de
um cenário de tantas perguntas sem respostas. Com a pandemia
da Covid-19, as cobranças sociais por um posicionamento coeren-
te e a exigência dos públicos por organizações que gerem um im-
pacto positivo na sociedade atingiram um novo patamar. Em um
movimento global de responsabilidade e compromisso social, as
organizações se viram como parte da solução, sendo impelidas a
encabeçar iniciativas de enfrentamento a uma crise inédita. Nessas
situações de exceção, as empresas precisam contar com a capaci-
dade de seus líderes para entender o cenário de incertezas e tomar
múltiplas decisões urgentes, corrigir rotas e antecipar problemas,
assegurando a segurança e o bem-estar de seus empregados e de to-
dos aqueles que se relacionam com a empresa. Toda essa mudança
de paradigmas mostrou que, com esforço e colaboração, mesmo
expectativas sociais elevadas podem ser alcançadas, trazendo para
a organização – além da satisfação genuína pela contribuição rele-
vante ao ambiente social – também um retorno compensador em
forma de capital reputacional.

185
Cenário 2 Mix Comunicação organizacional

Buscar entender esta crise que o mundo atravessa nos leva ao reconhe- (Fombrun e Rindova, 1998). Embora alguns autores utilizem os con-
cimento de uma transformação da humanidade, um movimento que ceitos de imagem corporativa e reputação corporativa como sinôni-
coloca em questão o modelo da civilização moderna pois, como afirma mos, recentes estudos sobre reputação corporativa destacam duas
o sociólogo francês Maffesoli, “a pandemia é o sinal de uma crise civi- características distintivas: reputação é construída ao longo dos anos
lizatória”(MAFFESOLI, 2020)1. Se até então, paradoxalmente, víamos e tem como base as ações e os comportamentos da organização (Bal-
críticas ao modelo econômico e social e argumentos contundentes na mer e Greyser, 2003). A reputação pode ser entendida, assim, como
impossibilidade de frearmos o chamado desenvolvimento progressis- um crédito de confiança adquirido pela organização, estando esse
ta, a pandemia escancarou de forma brutal o tamanho da desigualdade crédito associado a um bom nome, familiaridade, boa vontade, favo-
social, esfregou em nossos olhos um estrago ambiental já estabelecido rabilidade, credibilidade e reconhecimento.
e acelerou o entendimento de que somos, afinal, realmente “globais”.
A reputação tem impactos profundos sobre a performance corporati-
Ficou provado que é sim possível – mediante exigências inarredáveis –
va, principalmente em situações de crise. Em uma sociedade cada vez
suspender, desacelerar ou redirecionar o modo como vivemos. Nós te- mais complexa, tornou-se necessário entender como se dá esse pro-
mos escolhas – como seres sociais responsáveis – e precisamos tomar cesso de construção, como lidar com ela no dia a dia da organização,
para nós o sentido de construção de um mundo melhor. como sustentá-la durante os anos e como trabalhar as diversas expec-
Um dos fenômenos a que assistimos e do qual participamos ativamente tativas de diferentes stakeholders. Talvez a reputação seja, de todas as
foi o fortalecimento da dimensão relacional e o aumento da consciência bases de diferenciação, a mais difícil de reproduzir. A reputação é, nes-
coletiva. É evidente que há hoje maior valorização de uma cultura do sa perspectiva, uma fonte de geração de vantagem competitiva susten-
sensível, focada na emoção, no compartilhamento e no comunitarismo. tável e o recurso intangível mais importante de uma organização. Uma
A pesquisa “Pandemia da Covid-19 no Brasil” realizada pela RepTrak reputação positiva atua como um ímã que atrai investidores e diminui
Company mostra que o crédito de confiança e admiração – o que cha- os custos do capital; traz novos consumidores e retém os atuais; eleva o
mamos de reputação – nas organizações passa a ser concedido menos moral dos empregados; atrai e retém talentos; contribui para melhores
na relação empresa-consumidor e mais na relação empresa-sociedade negociações com fornecedores e prestadores de serviço; e leva a uma
e ecossistema de stakeholders. Isso significa que a gestão do impacto po- cobertura mais justa da mídia. Em momentos de crise, esse capital re-
sitivo pelas organizações torna-se ainda mais crucial neste momento. putacional pode literalmente “salvar a vida” de uma organização.

A pandemia da Covid-19 reformulou as regras de engajamento entre


Reputação: um crédito de confiança! as empresas e seus stakeholders. Um relatório de 2018 da Fleishma-
nHillard apontou que investidores, comunidades, fornecedores e
Entende-se por reputação corporativa uma representação coletiva
clientes esperam posicionamento das empresas em relação às prin-
das ações e resultados da organização, por meio da qual se demons-
cipais questões sociais, ambientais, culturais e políticas que mobi-
tra sua habilidade em gerar valores para os múltiplos stakeholders
lizam a sociedade e impactam a vida das pessoas, como as mudan-
1 Michael Maffesoli: “A pandemia é o sinal de uma crise civilizatória” Entrevista por Bolívar ças climáticas, biodiversidade, desigualdade social ou de gênero,
Torres para O Globo. Disponível em: https://oglobo.globo.com/cultura/michel-maffesoli
-pandemia-o-sinal-de-uma-crise-civilizatoria-1-24346714 racismo e, é claro, medidas antifraude e corrupção, cuidados com a

186 187
Cenário 2 Mix Comunicação organizacional

privacidade de dados e segurança da informação, apenas para ficar presentação e a imagem espelhada do todo. Os CEOs precisam ser
em temas mais relevantes. As expectativas sociais mudaram nas dé- contemporâneos, estar presentes nas mídias sociais, assumindo
cadas recentes e, no último ano aceleraram-se ainda mais. Líderes e posicionamentos claros e transparentes sobre temas críticos e com-
organizações precisam estar atentos a isso. preendendo o desenvolvimento sustentável como base de resultados
no longo prazo. E, claro, é fundamental que corram em suas veias os
Um estudo da Edelman de maio de 2020, especial sobre a Covid-19,
valores e o propósito da companhia. Não é pouco, não é fácil... mas
revela que a população demonstra um grau de confiança maior nas
sendo simples, é preciso que sejam coerentes e consistentes em seus
empresas e nas ONGs, comparando com governo e mídia, por exem-
atos e palavras, porque CEOs são postos à prova diariamente e, em
plo. Outra pesquisa, da Porter Novelli, também realizada especifi-
tempos de crise, a cada hora, a cada minuto.
camente para avaliar a percepção das pessoas durante a pandemia,
mostra que grande parte da população acredita que as empresas Tantas mudanças desenham um frame de novos comportamentos
podem criar soluções melhores e mais rápidas do que os governos. e atitudes dos CEOs. Trazem elementos que precisam provar a ver-
Esses resultados reforçam a noção de que a expectativa da sociedade dade, a honestidade e o comprometimento das organizações com o
em relação ao papel das empresas mudou profundamente. que se apresenta como o bem comum. Esta crise também oferece aos
A confiança nas relações, é o que esses estudos sugerem, torna-se fator líderes uma oportunidade única de comprovar o propósito da sua
crítico de vulnerabilidade para as organizações. É como se as empre- organização, checar o walk the talk, demonstrar seu compromisso
sas passassem a ser categorizadas em: empresas más, empresas boas com a criação de valor para a empresa e todos os seus stakeholders,
e empresas em que confiamos. O relatório da pesquisa “Trust Baro- conquistar a confiança e a legitimidade para operar. Neste novo nor-
meter 2020” da Edelman mostra que 71% das pessoas afirmam que mal que já estamos atravessando, os líderes têm que responder à cri-
marcas e companhias que colocarem seus lucros acima das pessoas se, agindo não só para garantir a competitividade e a sobrevivência
durante esta crise perderão sua confiança para sempre. O estudo des- da empresa, mas também para preservar sua imagem e continuar
taca ainda que 60% das pessoas estão recorrendo às marcas nas quais construindo uma boa reputação. Essa construção depende necessa-
têm certeza absoluta de que podem confiar. Nesse contexto, a figura riamente de assumir um posicionamento coerente, alinhado às ex-
do CEO precisa assumir uma voz ativa. Se no passado era raro um CEO pectativas sociais e aos valores da organização. Qualquer gap nessa
se posicionar sobre temas “sensíveis” para a sociedade, com o receio relação pode significar um enorme risco para a saúde da organização.
de que sua posição pudesse impactar vendas, expor a empresa e trazer
Mas há muitos cuidados que precisam ser tomados. CEOs que se con-
consequências negativas, hoje esse posicionamento torna-se essen-
centram exclusivamente em sua marca pessoal, que têm um compor-
cial, influenciando diretamente a reputação da organização.
tamento populista e tratam de sua própria imagem pessoal às custas
da empresa, representam um perigo, pois seus próprios valores e agen-
Impactos do posicionamento de CEOs na reputação corporativa
da pessoal podem nem sempre estar alinhados com os da empresa.
Com o crescimento da expectativa sobre o comportamento das or- Carlos Ghosn, ex-CEO da Renault/Nissan/Mitsubishi, é um exemplo
ganizações, espera-se que os CEOs se tornem o reflexo aspiracional muito claro dessa simbiose arriscada. Ao salvar a Nissan da falência,
da empresa que lideram. O líder deve ser ao mesmo tempo uma re- Ghosn transformou-se num ídolo para os funcionários da empresa e

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Cenário 2 Mix Comunicação organizacional

um herói nacional no Japão. Passou a ter status de celebridade e alta aumentar em até 10 pontos a própria reputação, o que implica em um
concentração de poder dentro da organização. Ao ser acusado de su- grau maior de confiança e admiração e, consequentemente, favorece
postas violações financeiras envolvendo sonegação fiscal e uso de ati- a realização de parcerias, atrai e mantém talentos, reforça os vínculos
vos da companhia japonesa para fins pessoais, o herói foi preso, fugiu com os diversos públicos e permite o aumento de market-share.
do país e, como consequência, para além do fim de sua carreira, afetou
imensamente as marcas e a reputação das organizações. A hora da verdade para os CEOs

Por outro lado, se a voz ativa do CEO for trabalhada de forma cuida- A crise atual apresenta para os CEOs uma oportunidade única para
dosa e estratégica, os resultados podem ser bastante positivos. Re- testar a forma como estão conduzindo sua empresa e demonstrar
centemente, a Nike enfrentou a reação de consumidores americanos seu comprometimento com a criação de valor para ambos – empre-
que queimaram tênis e ameaçaram boicote aos produtos, por serem sa e stakeholders. As lições aprendidas com a crise podem ser usadas
contrários à posição da empresa, que apoiou a atitude do ex-jogador para construir modelos de negócios mais consonantes com o futuro,
de futebol americano Colin Kaepernick de se ajoelhar na hora do hino possibilitando novos padrões de produtividade, convivência e hu-
nacional americano em protesto sobre a brutalidade policial contra manidade nas organizações. Nesse cenário, é fundamental se asse-
os afro-americanos. A Nike defendeu uma causa mesmo contra uma gurar da tomada de decisão eficaz num ambiente de incertezas, onde
parcela da população, assumiu riscos, mas manteve a autenticidade o respeito e a preocupação com o bem comum devem prevalecer.
dos valores da marca de ousadia e coragem. Outras marcas e líderes Se hoje é crucial para o CEO assumir o ativismo corporativo, defender
como Tim Cook – Apple, Howard Schultz – Starbucks, Marc Benioff – causas e se posicionar claramente diante de questões relevantes para
Salesforce, Guilherme Benchimol – XP e Luiza Helena – Magalu têm a sociedade, isso, sem dúvida, se materializa também em avaliação de
se posicionado sobre diversas questões sociais e sido lembrados por riscos. Muitas vezes o CEO se vê diante de questões novas, sem ainda
isso, de forma positiva, em levantamentos e pesquisas de recall. ter uma posição clara da empresa e, no entanto, ele precisa posicio-
Mas é importante aprofundar as reflexões sobre quais são os reais nar-se publicamente. Momentos como esses podem gerar atrito ou
impactos desses posicionamentos na reputação das organizações. A desconforto com os acionistas, clientes, fornecedores e, consequente-
Weber Shandwick divulgou em 2019 os resultados de uma pesquisa mente, trazer muitos impactos para a imagem e a reputação.
que revelava que o ativismo dos CEOs orientava e diferenciava a re- Nessas horas, nada melhor do que a verdade e a transparência. Agir com
putação da própria empresa. Segundo dados da consultoria, em mé- convicção e com o direcionamento do propósito e dos valores organi-
dia 50% do valor de mercado de uma companhia pode ser atribuído zacionais reduz significantemente a vulnerabilidade da organização. O
ao seu CEO – no Japão esse percentual não passa de 28% e, no Bra- ativismo do CEO é sempre um balizador das crenças e dos princípios da
sil, chega a 55%. Ou seja, os CEOs, em qualquer lugar do mundo, são organização, o que fortalece os vínculos com a sociedade, que recom-
uma moeda que garante a saúde corporativa. Pesquisa da RepTrak pensa as empresas com maior confiança e consequentemente um re-
Company também revela que o ativismo do CEO pode impulsionar putação mais sólida. Por isso é tão necessário lembrar aos CEOs e aos
o aumento da reputação e melhorar os resultados. Empresas cujos executivos de marketing e de comunicação: posicionar-se hoje sobre
CEOs contam com maior familiaridade junto à população chegam a questões sociais não é mais uma escolha, é uma exigência da sociedade.

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Cenário 2

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A atuação do Relações Públicas é fundamentada em planejamento,
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trak.com/ceo-reptrak/
da no objetivo principal do público. Seja ele cidadão, cliente, colabo-
Weber Shandwick. The CEO Reputation Premium: Gaining Advantage in the rador ou a própria organização. O Relações Públicas é o fio condutor
Engagement Era. Mai/2019. Disponível em: https://www.webershandwick.com/ entre organização e todos os seus stakeholders.
uploads/news/files/ceo-reputation-premium-executive-summary.pdf
Com visão treinada estrategicamente para negócios, o Relações Pú-
blicas é o profissional mais preparado para gerir o relacionamento de
uma marca em que o seu público principal é o cliente. Olhares volta-
dos para o sucesso do cliente trazem alcance de receita e contribuem
para o crescimento de qualquer empresa.

Tendo em vista as questões apontadas e as vertentes a serem explo-


radas, o objetivo geral deste artigo é analisar como o profissional de
Relações Públicas é promissor na carreira de Sucesso do Cliente. Me-
todologia que, em sua essência, se apoia em garantir que o cliente
seja bem sucedido com a sua aquisição.

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Cenário 2 Mix Comunicação organizacional

Para tanto, a análise deste artigo se pautará em: A metodologia é utilizada principalmente por empresas de modelo
SAAS (Software as a Service), que se caracteriza pela venda de produ-
• analisar como as habilidades de um profissional de Relações Públi-
tos e serviços de recorrência, ou seja, soluções que são renovadas pe-
cas contribuem para endossar o trabalho de Sucesso do Cliente e;
riodicamente.
• por que investir na metodologia de Sucesso do Cliente é o caminho
Lincoln Murphy, uma das maiores referências sobre o tema, no livro
mais seguro para a retenção de receita e reputação de uma empresa.
Customer Success, ressalta que “O Customer Success, não é só uma
Este estudo tem o intuito de mostrar como as aptidões de um profis- nova forma de organização, mas também uma filosofia inovadora,
sional de Relações Públicas são complementares às competências de em vias de ser adotada também por empresas tradicionais, de outras
um profissional de Sucesso do Cliente. Tem o objetivo, também, de áreas que não software, não tecnologia e não B2B.”
compreender como a experiência do cliente impacta diretamente na Apesar de comumente difundida em empresas de tecnologia, a me-
reputação das marcas e além disso, como garantir, de fato, o sucesso todologia não se restringe apenas para essas empresas. Negócios de
deste público. todos os segmentos e portes podem aplicar este método. É preciso
O primeiro capítulo é centrado em analisar a metodologia de Su- buscar clientes alinhados com o seu produto. Desde a venda até a
cesso do Cliente. Todas as suas atribuições e como é aplicado nos passagem de bastão para o profissional que vai cuidar da experiência
negócios. Para isso, o tema foi embasado na obra mais completa dele. É um processo que precisa ser pensado e estruturado para as
sobre o assunto, escrita por Dan Steinman, Lincoln Murphy e Nick particularidades de cada negócio.
Mehta: Customer Success - Como empresas inovadoras descobri- A fase de encantar, do conhecido funil de vendas inbound, é a que
ram que a melhor forma de aumentar a receita é garantir o sucesso mais se relaciona com a aplicação da metodologia de forma prática.
dos clientes. Nesta etapa, o cliente já adquiriu a solução e está pronto para utili-
O segundo e o terceiro capítulo, foram pautados em relacionar as com- zar e atingir os seus objetivos. É aí que o time de Sucesso do Cliente
petências e saberes de um Relações-Públicas com as técnicas espera- entra e tem o papel de caminhar junto com ele, garantindo que ele
chegue ao objetivo.
das de um profissional que atue como Sucesso do Cliente. Esta análise
foi fundamentada na obra: Imagem corporativa - uma vantagem com- Customer Success é a evolução do pós-venda. Este processo consistia
petitiva sustentável. Com ela, entende-se a importância de olhar para no fechamento da venda e o mesmo vendedor que tratou a negociação
a imagem e reputação como um pilar essencial de uma empresa. oferecia um atendimento passivo para o indivíduo. Até aqui, o cliente
era coadjuvante e só recebia um atendimento reativo. O modelo an-
O que é de fato Sucesso do Cliente? tigo funcionou por muito tempo, mas ficou defasado principalmente
depois do surgimento da internet e uma geração conectada.
O princípio básico do Sucesso do Cliente (Customer Success), tem
relação direta com o nome: garantir que o cliente tenha êxito com a A internet ampliou as vozes e deu protagonismo para o público. Após
solução que contratou. a transformação digital, as pessoas têm ainda mais poder sobre o seu

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Cenário 2 Mix Comunicação organizacional

dinheiro e mais informações para decidir onde investí-lo. No proces- públicos. Com isso, mais que conhecimento técnico, o profissional
so de decisão de compra, a experiência e reputação da empresa vai aprende muito na troca com os clientes e como transformar o desejo
contar muito para a compra ou não de uma solução. e objetivos deles, em estratégias efetivas.

Qualquer pessoa que realiza uma compra, deseja ser bem sucedido e O próprio nome também diz muito sobre o trabalho do Relações Pú-
ter literalmente sucesso com a aquisição. O papel do time de Suces- blicas. Relações que provêm de “relacionamento”, e Públicas que se
so do Cliente é fazer o acompanhamento desde o início, para que o originam de “públicos”. Assemelhando-se bastante com a premis-
cliente aproveite todas as funções e potencialidades do produto, da sa da metodologia Sucesso do Cliente: a habilidade de se relacionar
melhor forma possível. com todos os públicos.

Uma empresa precisa ter a mentalidade de garantir o Sucesso do Para a comunicação ser direcionada e bem sucedida, acima de conhe-
Cliente como foco central do negócio. Afinal, o propósito de fazer o cer as particularidades de cada negócio, é necessário que se conheça
consumidor satisfeito com a sua solução, não é responsabilidade de muito bem quem é o seu cliente. As pessoas são diversas, donas de
um único setor, e sim de todos os colaboradores. Ter a cultura cen- muitas histórias e de uma jornada única. A forma com que se enxer-
ga a experiência de um produto, passa pelas percepções pessoais e
trada no cliente é a melhor forma de mantê-los na sua cartela e, tam-
visão de mundo de cada um.
bém, garantir uma receita segura e previsível.
Empatia é uma palavra muito falada em tempos atuais, e também
Quando um cliente se torna promotor da sua solução, a probabilida-
uma virtude bem conhecida por um Relações Públicas. Ele preci-
de de difundir sua marca positivamente é muito maior. Assim, é bem
sa desenvolver essa linha de pensamento diariamente em todos os
possível conquistar novos clientes através do marketing de indicação.
pontos de contato com o cliente. É entender que cada cliente é único,
Prospectar um novo cliente exige esforços do seu time de marketing,
com os seus respectivos cenários e limitações.
de prospecção e de vendas. Oferecer a melhor experiência para o seu
cliente é fazer com que mais pessoas cheguem de maneira orgânica. Com isso, a missão de uma comunicação humanizada e personaliza-
da, se torna um desafio diário no atendimento de um cliente. É ne-
Dessa forma, as empresas devem pensar nessas variáveis para se es- cessário entender que a personalização da comunicação é o caminho
forçar cada vez mais em proporcionar a melhor experiência para o mais certeiro para o sucesso. É preciso ser capaz de garantir uma co-
consumidor. Ter um cliente satisfeito é ter garantia de receita, altos municação direcionada e eficiente para cada um, exercitando sempre
índices de engajamento com o produto, advogados da marca e novos a escuta empática para reconhecer as necessidades de cada público.
clientes provenientes de boas recomendações.
Faz parte do dia a dia de um profissional de Sucesso do Cliente, exer-
Relações Públicas e Sucesso do Cliente é um match perfeito? citar a empatia e muitas vezes gerenciar crises e conflitos. Pautas
bem presentes no cotidiano de um profissional de Relações Públi-
O Relações Públicas, como já dito anteriormente, respira e vive “rela- cas. O que prova mais uma vez que o Relações Públicas é o profissio-
cionamentos” e isso faz com que naturalmente, este profissional te- nal mais preparado para atuar na área. Afinal, o time de Sucesso do
nha a escuta ativa e treinada para traduzir as necessidades dos seus Cliente faz Relações Públicas a todo momento com o cliente.

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Cenário 2 Mix Comunicação organizacional

A importância da saúde do cliente para a reputação das marcas Uma das formas de fazer este acompanhamento é através de miles-
tones. É um conceito conhecido também como marcos de sucesso.
Construir e principalmente manter a reputação em tempos de redes
Assim que o objetivo principal é definido, é construída uma jorna-
sociais se tornou um desafio para as empresas. A todo momento, a da em passos, e assim são estabelecidos os os planos de ação para
imagem de uma marca é colocada em xeque, basta um deslize para chegar no resultado.
uma reputação construída por anos, sofrer uma decadência.
É necessário que todas as etapas de qualquer estratégia seja co-
Tendo em vista que o Customer Success acompanha de perto cada criada com o cliente. O projeto tem mais chance de ser assertivo
cliente, ele contribui ativamente para a construção da reputação da quando ele participa de todo o processo, afinal, é ele quem conhece
marca. Ele está no dia a dia com o cliente e consegue perceber quan- mais do negócio do que ninguém. Dessa forma, o cliente se sente
do ele está insatisfeito, o que é muito mais rápido de ser percebido e parte do projeto e naturalmente será mais engajado com a estraté-
corrigido em tempo. Ter um profissional acompanhando o seu clien- gia como um todo.
te é agir preventivamente para conservação da sua marca, o que evita
Então, veja mais alguns motivos para construir os marcos de sucesso:
gerir uma situação de crise posteriormente.
• o cliente precisa saber como ele está e onde vai chegar;
Em virtude disto, o time de Sucesso do Cliente se preocupa a todo
momento em assegurar que o conjunto de experiências do cliente • possibilita um acompanhamento mais assertivo dos resultados;
seja 100% alinhado com as expectativas dele. Garantir a saúde de to- • engajamento do cliente na estratégia;
dos eles é também se preocupar com os dos maiores ativos do seu
• identificação de oportunidades de ganho de receita;
negócio: sua reputação.
• identificação de possíveis gargalos no processo.
Como garantir o sucesso do cliente?
Para construí-lo, faça o exercício de pensar sobre a sua solução. Qual
Quando o relacionamento com o cliente é prioridade, há alinhamen-
é o potencial máximo que ela pode trazer, em termos de receita, para
to constante de expectativas em relação ao plano de sucesso, como a
o cliente? Quais são as funções básicas e avançadas do seu produto?
solução está envolvida e vai colaborar para que o objetivo inicial seja
É importante que você tenha essas questões básicas em mente para
alcançado. É preciso identificar como o cliente está performando e construir os marcos de sucesso.
para isso, é necessário monitoramento constante e acompanhamen-
to contínuo. Definido essa parte, você precisa estabelecer os passos que o cliente
vai seguir até se tornar um “expert” ou “premium” na sua solução. É
Para construir este movimento, é preciso entender primeiramente o preciso pensar em tudo que a ferramenta é capaz de proporcionar e
que é sucesso para o seu cliente. O objetivo precisa estar alinhado quando o cliente vai estar apto para avançar de fase. Pode ser inte-
desde o primeiro contato. É preciso partir de um norte para saber por ressante construir em forma de gamificação para manter o engaja-
quais caminhos devemos direcioná-lo para o sucesso. mento na estratégia.

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Cenário 2 Mix Comunicação organizacional

Antes de colocar os milestones em prática, é muito importante es- Conclusão


tar imerso no universo do seu cliente. É preciso estudar o mercado,
Pode-se traduzir, através deste artigo, a importância da estruturação
acompanhar as principais notícias, se inspirar em pessoas referên-
da área de Sucesso do Cliente para qualquer negócio e que envolve
cias no assunto e extrair bastante informações sobre o negócio. O
todos os departamentos de uma organização. Pensar na satisfação
cliente precisa estar seguro de que você vai saber o que é melhor para
dele, deve ser uma mentalidade de toda a empresa.
a empresa dele.
Percebe-se também que o trabalho de um Sucesso do Cliente é com-
A humanização é uma pauta cada vez mais relevante nos tempos plementar ao de um Relações Públicas. Ambas vertentes trabalhadas,
atuais, principalmente se o seu negócio ou da empresa que você re- frequentemente se cruzam. A imagem e reputação da marca e a relação
presenta, se trata de soluções não palpáveis. É necessário investir de confiança construída pela empresa e cliente, deve ser o propósito de
cada vez mais no relacionamento com o seu cliente. Afinal, é com ele qualquer empresa que queira ser referência no seu mercado.
que você vai aprender o DNA do negócio.

Para fazer uma gestão melhor da cartela de clientes, de início, é pre- REFERÊNCIAS:
ciso dividi-la em pequenos blocos. É possível organizar por segmen- STEINMAN, Dan; MURPHY, Lincoln; MEHTA, Nick. Customer Success - Como em-
tos, clusters, porte ou alguma organização que faça sentido para o es- presas inovadoras descobriram que a melhor forma de aumentar a receita é garan-
tir o sucesso dos clientes. Autêntica Business, 2017.
copo de trabalho e a rotina do profissional.
GOMES, M. T.; SAPIRO, A. Imagem corporativa - uma vantagem competitiva susten-
É importante destacar que nenhum desses processos será eficaz se tável. RAE-Revista de Administração de Empresas, v. 33, n. 6, p. 84-96, 1 nov. 1993.
não for mensurado. “O que pode ser medido, pode ser melhorado”,
ou seja, a análise é tão importante quanto a execução. É isso que Pe-
ter Drucker nos ensina através dessa frase que ficou tão conhecida e
que podemos usar em várias situações do cotidiano, inclusive para a
gestão de clientes.

Enxergar o que os dados têm a mostrar é garantir efetividade em


todo o seu trabalho. Fazer acontecer várias estratégias e ações, não
são garantia de bons resultados se não forem frequentemente anali-
sadas. As métricas são importantes para saber se está indo pelo ca-
minho certo.

No decorrer da produção deste escrito, buscava-se mostrar a relação


intrínseca da metodologia Sucesso do Cliente com a formação de um
Relações Públicas. Pois ambas são voltadas para o stakeholder mais
valioso de uma organização: o cliente.

200 201
RObôS e TORCIDA
comunicação dirigida pensada para pensar
Um case Amstel de relacionamento
artificial com a torcida

Anita Cardoso

Introdução

A importância de uma estratégia de relacionamento de uma empresa de


cervejas com as torcidas de futebol na pandemia através da inteligência
artificial, traz à tona o tema da violência e agressividade no futebol.

Na Copa Libertadores, um dos maiores eventos do futebol da Amé-


rica do Sul, a Amstel como patrocinadora oficial e em parceria com a
Google, criaram um BOT para interagir com o torcedor virtualmente.

Vamos abordar as estratégias usadas pela Amstel, onde ela instiga o


seu público a pensar no seu comportamento como torcida, através
do comportamento do BOT que foi educado por ela própria.

Os desdobramentos dessa relação fazem parte de um processo de


educação social que através de uma estratégia de ativação, leva o tor-
cedor a refletir sobre pontos sobre a violência e a hostilidade.

Inteligência Artificial - o bot que replica o humano


A colaboração homem-computador tem ampliado consi-
deravelmente, de forma inédita, o impacto das tecnologias
intelectuais na humanidade. No vídeo, A ascensão da co-
laboração homem-computador, o cientista Shyam Sankar

203
Cenário 2 Mix Comunicação organizacional

mostra como o relacionamento simbiótico adequado entre Gabriel enfatiza a importância de estarmos atentos à evolução e ino-
computação e criatividade humana pode resolver grandes vação tecnológica, a partir dela teremos mais capacidade de uma co-
problemas (captura de terroristas, determinação de tendên-
municação mais coletiva:
cias etc.) de forma muito mais eficiente do que o ser huma-
no sozinho ou o computador sozinho. Além disso, grupos de A evolução e as inovações sempre aconteceram em função
indivíduos de inteligência mediana com um computador e da construção coletiva do conhecimento, e todas as grandes
bons processos conseguem vencer o indivíduo mais inteli- invenções na história da humanidade foram, na realidade,
gente do grupo (atuando sozinho) com um computador e uma combinação ou aperfeiçoamento de ideias anteriores,
processos ruins. (Gabriel, 2018, p.235) de forma que muitos contribuem sempre para que algo novo
aconteça. (Gabriel, 2018, p.48)
Assim como menciona Gabriel acima, sabemos que a inteligência
artificial faz parte da nossa vida atual e fará cada vez mais. O que Isso significa que a partir das tecnologias, podemos estimular o sen-
propicia às organizações uma inesgotável oportunidade de ampliar so de percepção da construção coletiva do conhecimento e estimular
seu relacionamento com os públicos de forma mediada por compu- a prática dos públicos de nosso interesse. O que nada mais é que esti-
tadores, inteligência artificial e outros, gerando uma interatividade mular cada vez mais a interação entre organização e públicos.
planejada para impactos positivos. Engana-se quem acha que os relacionamentos das organizações e pú-
Isso significa darmos cada vez mais passos em prol do relaciona- blicos mediados por IA vão se transformar em apenas algoritmos e da-
mento com os públicos de forma estratégica e mais eficaz, utilizando dos quantitativos. Para Gabriel, a tecnologia oportuniza a transparên-
a tecnologia como aliada potencial. cia e a exposição, e com isso todas as ações éticas ou antiéticas, ficam
mais visíveis. Isso tem um lado positivo, segundo Gabriel. Para ela:
A IA – inteligência artificial - inegavelmente traduz com velocidade
Em função disso, paradoxalmente, quanto mais tecnologia
assombrosa muitas respostas ou até indagações que as organizações
existe no mundo, mais éticos e humanos precisamos ser.
precisam saber ou se preocupar com.
Chamo isso do paradoxo da artificialidade, pois o aumento
É sabido que a maioria das informações que permeiam uma organi- de tecnologias que torna o mundo mais artificial também nos
torna mais naturalmente humanos. (Gabriel, 2018, p.123)
zação, que influenciam públicos advém de públicos desconhecidos
ou pouco conhecidos, o que nos leva a uma grande dificuldade de in-
Então a organização deve utilizar os recursos de IA para se comu-
teração. Nesse caso, a organização não consegue perceber os impac-
nicar de forma interativa com os públicos, de forma a combinar um
tos e fica “sem controle” efetivo das comunicações transacionadas
misto de conexões de códigos binários e códigos químicos, que po-
por esses públicos.
dem cada vez mais se aproximar de características humanas.
Trazendo a nosso favor a tecnologia digital isso permitirá que co-
Yuval Harari argumenta, que os seres humanos são a única
nheçamos cada vez mais nossos públicos e não públicos, e possa- espécie no planeta que construiu realidades que só existem
mos gerar comunicações mais efetivas, assertivas e com alto nível em nossos cérebros, e que elas são tão influentes em nossas
de propagação. vidas quanto as realidades físicas. Somente o ser humano

204 205
Cenário 2 Mix Comunicação organizacional

fala sobre coisas que não existem em nenhum outro lugar, requer uma negociação ética e social constante entre tec-
exceto em sua imaginação, nas estórias que inventamos – os nologias e cenários disruptivos para que consigamos criar e
outros animais também se comunicam, mas eles comunicam viver nas novas estruturas sociais e econômicas que se es-
informações sobre coisas que realmente existem no mundo tabelecem, na busca de sermos seus autores e não vítimas.”
físico. Ele argumenta que jamais conseguiríamos conven- (Gabriel, 2018, p.135)
cer um chimpanzé a nos dar algo hoje – por exemplo, uma
banana -, em troca de uma promessa de que depois que ele
morrer ele irá para o céu dos chimpanzés e receberá muitas Assim, quando a Amstel utiliza-se da IA para conversar com seus
bananas mais pelos seus bons atos. Somente nós, homo sa- públicos, ela vai descobrir que os públicos definidos – torcedores
piens, fazemos isso, e não apenas com religião, mas também ou torcedoras – vão apresentar uma comunicação inesperada e que
em nosso sistema político, legal, econômico. Se prestarmos impacta todo o seu planejamento estratégico de relacionamento de
atenção, passamos boa parte das nossas vidas, mais preocu-
pados com realidades imaginadas – como dinheiro, nações,
forma negativa, por causa da comunicação violenta, agressiva pro-
deuses, corporações etc. – do que com as realidades físicas duzida pelos públicos em função da emoção e amor ao futebol.
que nos cercam – rios, comida, pedras etc.” (apud Gabriel,
2018, p.124/125) É nesse viés que daremos voz ao nosso artigo.

Isso vai demandar da Amstel uma habilidade e criatividade para co-


Gabriel ainda argumenta que a inovação pode ser incremental ou
nectar, interagir e negociar com seus públicos um resultado positivo
disruptiva. No caso da IA a inovação é disruptiva, pois opera num
para essa ação.
lugar onde o indivíduo jamais pensou que poderia acontecer: na área
da inteligência humana. Sabemos que tanto as organizações quanto seus públicos podem
influenciar positiva ou negativamente através de uma ação, uma
Sendo assim, uma boa ação de IA é entender as emoções e ações de
seus públicos para conseguir interagir com os mesmos de forma comunicação etc. Isso é inerente aos indivíduos em suas socieda-
mais assertiva possível. des. E esse poder é uma grande força que interessa às organizações
podem afetar mais públicos e ampliar a propagação de suas comu-
E foi nesse campo do relacionamento que a Amstel produziu um BOT nicações. O desafio posto é entender como a organização poderá
para conversar e compreender as torcidas de times do campeonato influenciar os seus públicos mediante a interação via IA, visto que a
Libertadores da América. dissipação da comunicação dada atravessa fronteiras, se transfor-
Ainda na voz de Gabriel, ela reafirma a importância dos impactos do mando em uníssona e global.
relacionamento das organizações e públicos mediados pela IA. Ela
Outro ponto importante a ser validado são as incertezas.
sabe que quanto mais próximos das informações e dados sensíveis
dos públicos mais éticos precisamos ser. Se uso a IA para conhecer melhor meu público e a IA vai reverberar
Esses cenários disruptivos criam novos paradigmas econô-
as emoções e perfis dos meus públicos, que impactos teremos na
micos no mundo, resultando em novas realidades disrup- sociedade? E para os indivíduos quais serão os impactos positivos
tivas. Esse contexto – aceleração da disrupção no mundo -, ou negativos?

206 207
Cenário 2 Mix Comunicação organizacional

Se a comunicação for contrária ao que previu a organização a IA será Ao criar uma ação dirigida e estratégia, a Amstel criou uma linha de
capaz de criar uma nova comunicação para mudar o tipo de intera- diálogo com as torcidas via comunicação dirigida. A comunicação
ção? Se a IA imita o humano, seria correto reverberarmos exatamente dirigida nada mais é que mapear públicos, definir temas, escolher os
o comportamento do humano via IA? veículos, aplicar a ação e colher os resultados.

Gabriel afirma que a IA pode sim influenciar o indivíduo e traz con- E foi nesse último ponto – colher os resultados – que a comunicação
siderações feitas por Friedrich Nietzsche e Marshal McLuhan, para dirigida precisou ser reavaliada.
evidenciar seu pensamento:
Outro ponto importante na ação da Amstel é o poder de influência.
Considerando a evolução das tecnologias em nossa história,
provavelmente a dimensão mais importante que elas afetam O quanto a organização pode influenciar a torcida a participar dessa
no mundo é a nossa percepção, inteligência, cognição e, con- campanha de comunicação dirigida e o quanto a torcida, através da
sequentemente, o modo como agirmos no mundo. Friedrich análise dos dados apreendidos pela IA, pode influenciar a sociedade
Nietzsche dizia que a máquina de escrever influenciou pro- e ser porta-voz da organização.
fundamente seu modo de pensar e escrever; a experiência da
leitura (que é possível devido à introdução e disseminação Segundo Antonio Vasconcelos e Celso Oliveira, a comunica-
de tecnologias relacionadas com a escrita) tem nos tornado ção dirigida é uma forma de comunicação humana destina-
mais inteligentes e empáticos. Marshal McLuhan também da a propiciar maior interação entre pessoas e grupos, pois
refletiu sobre o impacto das tecnologias no ser humano, afir- quanto mais direta for, melhor será o resultado de qualquer
mando que “nós moldamos as nossas ferramentas, e depois comunicação. Na comunicação dirigida comunicador e re-
nossas ferramentas nos remoldam”. (Gabriel, 2018, p.229) ceptor se identificam. O código empregado é mais adequado
para ambos, o conteúdo é destinado a perdurar no tempo e
O relacionamento com a IA e a mente violenta dos torcedores é a as mensagens são programadas para atingir toda a audiên-
base de referência para um diálogo de mudança e animosidade entre cia. (1979). (apud Kunsch, 2003, p.186/187)

as torcidas que foi apresentado como resultado para a Amstel.


É nesse ponto – “Na comunicação dirigida comunicador e receptor
se identificam.” – que a Amstel teve o grande desafio. Ao identificar
Comunicação Dirigida x Influência – estratégia de ativação
que a comunicação produzida pelo seu público – dirigido – não se
Para entendermos a ação da Amstel como estratégia de ativação dos identificava com a organização. O que fazer para reverter esse pro-
públicos precisamos compreender duas dimensões: a comunicação cesso e garantir o sucesso da campanha e gerar a propagação de uma
dirigida e o poder da influência. comunicação influente e positiva?

A ação criada pela Amstel foi desde o início direcionada ao públi- E ainda, na comunicação dirigida pressupõe um emissor que produz
co torcedor ou torcedora de times do campeonato Libertadores da uma mensagem e um receptor que responde a ela. No caso da Amstel
América. O objetivo era compreender o que esses ou essas torcedoras o emissor e o receptor são os próprios torcedores que treinam a IA.
traziam nos seus cérebros e corações que representassem a paixão Se a comunicação não é a que esperávamos como vamos fazer a IA
pelo time e pelo futebol. mudar o conteúdo apreendido?

208 209
Cenário 2 Mix Comunicação organizacional

Terra diz que pelo poder de “influência, entendemos a capacidade Para Ricardo John, presidente da JWT, o projeto mostrou que a mar-
que um agente tem de convencer, impactar, ter um poder sobre, ca não queria apenas patrocinar a Libertadores da América, mas sim
ainda que seja de apenas influir em uma decisão, ter autoridade. Al- colaborar para melhorar “o campeonato mais cobiçado da América
guém que influencia outras pessoas serve de modelo, de referência, do Sul, utilizando recursos de tecnologia para conscientizar os tor-
de exemplo.” (Terra, 2021, p.27). Sendo assim, a Amstel resolveu en- cedores de que futebol não é sobre ódio. É sobre paixão”, afirmou.
tão usar a própria comunicação absorvida pela IA – que foi treinada (fonte: Cliente SA)
pela torcida – para mostrar o poder negativo que foi gerado e o quan- A campanha de comunicação dirigida durou um ano, com interação
to isso pode ser danoso para a sociedade. ininterrupta com diversos torcedores de vários times do campeona-
to Libertadores da América.
A ação partiu do pressuposto que até uma comunicação não positiva
pode gerar resultados que beneficiem o comportamento da sociedade.
Conclusão

Case Amstel Toda organização sabe que interação é condição fundamental para
sua existência e sobrevivência no ambiente digital. Sem interação
A Amstel, patrocinadora oficial do campeonato Libertadores da
não é mídia digital, é apenas uma simples reprodução das mídias
América, em parceria com o Google, J. Walter Thompson e Media- tradicionais que pressupõem públicos passivos e consumidores.
Monks criaram um Torcedor Artificial, utilizando IA.
Isso não existe mais e toda organização deve estar atenta para en-
O Torcedor Artificial teria que captar os comentários reais publica- tender as respostas advindas das mídias sociais. As respostas sociais,
dos em sites e nas redes sociais durante as partidas da competição. assim intituladas por Braga, são a verdadeira reverberação do senti-
O resultado da coleta desses milhares de dados foi a origem de um mento do público.
torcedor virtual agressivo e intolerante que respondia às interações
A Amstel ao perceber que o Torcedor Artificial adquiriu um conheci-
de forma ríspida, deixando de lado o espírito esportivo amigável.
mento danoso e com um poder de influência muito negativo, apro-
A percepção dos criadores do Torcedor Virtual os levou então, veitou para travar um novo diálogo com aqueles públicos previa-
numa segunda fase, a criar uma ação para evitar que o comporta- mente selecionados para a ação.
mento agressivo do torcedor fosse maior do que a paixão pelo time Então, criou uma nova comunicação dirigida e uma campanha nas
e pelo futebol. mídias sociais sobre paixão pelo futebol e pelo time do coração. Nes-
Nessa segunda fase, as pessoas podiam acessar um site – www.tor- sa campanha o torcedor e torcedora foi influenciada a ajudar o Tor-
cedoartificial.com.br –  criado para que o público interagisse na pla- cedor Artificial a mudar seu conteúdo apreendido, para um conteú-
taforma, observando essas reações e os comentários negativos. Ao do mais amistoso e socialmente positivo.
mesmo tempo, a Amstel lançou uma campanha que convidava os Essa interação, aumentou o poder de influência da marca, onde ela
torcedores a reeducarem o robô com palavras mais amistosas e ca- foi vista como geradora de impactos significativos nas relações de
pazes de ajudar a melhorar esse cenário de violência e intolerância. consumo, sociabilidade, negócios, entretenimento, etc.

210 211
Cenário 2

Entendemos que essa ação estratégica alinhou-se às metas de comu-


nicação dirigida da Amstel e além de ter contribuído para os objeti-
vos dos negócios, ampliou a visibilidade da marca e de sua imagem
e reputação.

REFERÊNCIAS
Farias, Luiz Alberto de. Organizador. Relações Públicas Estratégicas: técnicas, con- exISTe STAkehOlDeR?
ceitos e instrumentos. Summus. 2011. SP
Gabriel, Martha. Eu, você e os robôs – pequeno manual do mundo digital. Gen/
Atlas. 2018 Annemarie Ritcher
Cliente SA – https://www.clientesa.com.br/online/69207/amstel-lanca-torcedor
-artificial
Kunsch, Margarida Maria Krohling – Planejamento de relações públicas na comu- Sou formada em Relações Públicas há 30 anos. Nunca ouvi falar de
nicação integrada. Summus, 2003. São Paulo
stakeholder na faculdade. No meu tempo, eles eram chamados de
Meio e mensagem - https://www.meioemensagem.com.br/home/comunica- público-alvo.
cao/2019/08/27/amstel-usa-ai-para-mostrar-hostilidade-de-torcedores.html
Savarejo - https://www.savarejo.com.br/conteudo-Heineken/amstel-lanca-inteli- Esse termo novo me foi apresentado quando, há mais de 15 anos, co-
gencia-artificial-que-mostra-o-comportamento-online-dos-torcedores mecei a trabalhar com impactos socioeconômicos.
Terra, Carolina Frazon – Marcas influenciadoras digitais: como transformar orga-
nizações em produtoras de conteúdo digital. Difusão Editora, 2021. São Caetano Quadro 1 – O conceito de stakeholder
do Sul. SP.,
Autor(es) Conceito de stakeholder

Freeman e Reed Aqueles grupos dos quais a organização é dependente


(1983) para sua sobrevivência continuada

Qualquer grupo ou indivíduo que pode afetar ou ser


Freeman (1984)
afetado pela conquista dos objetivos de uma empresa

Alkhafaji (1989) Grupos pelos quais a corporação é responsável

Thompson,
Wartick e Smith Grupos que têm relações com a organização
(1991)

Bowditch e Grupos ou pessoas identificáveis das quais a organi-


Buono (1992) zação depende para sobreviver
Fonte: a autora, 2021.

212 213
Cenário 2 Mix Comunicação organizacional

Qualquer grupo ou indivíduo que pode afetar ou ser afetado pela conquis- O que é um mapeamento de pessoas interessadas?
ta dos objetivos de uma empresa! Nossa! Isso abre um leque de possi-
O mapeamento de pessoas interessadas é um recurso, uma ferra-
bilidades, de pessoas sobre as quais nunca havíamos pensado. O pú-
blico-alvo passa a ser um mar de gente! Se, por um lado, o conceito menta que utilizamos para organizar o nosso pensamento, a nossa
traz uma nova visão de relacionamento, por outro, traz também um compreensão dessa enorme quantidade de sujeitos com os quais
desafio enorme no gerenciamento de tanta gente e de tantas visões precisamos nos relacionar. Um mapeamento de pessoas interessa-
e perspectivas. das é um processo extremamente enriquecedor para quem o realiza,
pois traz novas perspectivas e visões sobre as pessoas e instituições.
Mas, particularmente, eu tenho um problema com a tradução que é
Entretanto, ele é só uma ferramenta, e não a solução inteira.
dada ao termo stakeholders como parte interessada. Não existe “par-
te” interessada nem dentro e nem fora da empresa. O que existe são
pessoas, seres humanos, como você e eu. Não podemos deixar que a Quem deve ser mapeado?
tradução do conceito nos leve a equívocos na forma de tratamento, Algumas pessoas interessadas estarão sempre presentes no mapea-
considerando os indivíduos como coisas, como “partes”, pois isso di- mento independentemente do momento vivido pela empresa. Es-
ficulta o nosso relacionamento, o nosso modo de interagir. tas podem ser denominadas de pessoas interessadas fixas. Alguns
Não posso tratar o outro como um objeto, como se ele fosse somente exemplos são: funcionários e seus familiares, terceirizados e seus fa-
parte de uma grande engrenagem, que, se calibrada da forma correta, miliares, a cadeia de fornecedores do core business da empresa, a co-
fará com que tudo funcione, e, se não funcionar, pode simplesmente munidade vizinha, órgãos fiscalizadores, governo – entendido como
ser substituída. Não! Essa coisificação do outro, a dificuldade de perce- Executivo, Legislativo, Judiciário e o Ministério Público –, clientes,
bermos as pessoas dentro das instituições com todas as suas peculia- consumidores, imprensa. Com esses, a gente vai eternamente ter que
ridades humanas têm criado mais dificuldades do que possibilidades se relacionar e, de preferência, da melhor forma possível.
nas nossas relações, principalmente na hora da verdade, quando se está
frente a frente com outro ser humano, cheio de sentimentos, necessida- Isso não significa que, por serem fixos, não devem ser mapeados.
des e interesses, tão humano e falível, sensível e intuitivo quanto você. Ao contrário! Se você tem um relacionamento próximo e constante,
deve saber ainda mais sobre eles. Nunca os deixe de fora em um
Assim, o stakeholder banco, por exemplo, não existe. Existem várias
mapeamento.
pessoas que trabalham em uma instituição chamada banco, mas que
carregam, para além da cultura, interesses e metas corporativas, Existem, ainda, outras pessoas interessadas que devem ser ma-
toda a sua bagagem humana. Assim, o indivíduo não é o banco, é a peadas de acordo com o contexto que a empresa está vivendo. Por
pessoa que trabalha no banco e, se for tratada como humana, a pro- exemplo, em processo de licenciamento, outras pessoas interessadas
babilidade de sucesso na interação aumenta. se juntam. No lançamento de um produto, o foco também se altera,
Partindo dessa compreensão, a partir de agora, usaremos, neste li- indo mais para o mercado. Em uma crise, as pessoas interessadas são
vro, o termo pessoas interessadas para que possamos, durante todo o outras, variando de acordo com a tipologia e a magnitude da crise
tempo, lembrar-nos da humanidade que nos une e nos aproxima. que a empresa enfrenta.

214 215
Cenário 2 Mix Comunicação organizacional

Portanto, meus caros, é preciso deixar uma coisa bem clara: as pes- • Moradores do município A;
soas com as quais a empresa vai se relacionar serão de inúmeras ca-
• Prefeito e secretários do município A;
tegorias, sempre de acordo com o momento vivido por ela. Não exis-
tirá nenhum mapeamento de pessoas interessadas que seja fixo e • Vereadores do município A;
eterno, não só pela mudança natural que ocorre dentro da categoria
(mudança de pessoas nos cargos, fluxos migratórios, alterações de • Formadores de opinião no município A; e
mercado, admissão e demissão de funcionários, por exemplo), mas • 1 rádio do município A.
porque a dinâmica da empresa vai sempre colocar e tirar gente desse
processo. É um trabalho constante! No entanto, essa indústria acaba de ser vendida para uma empresa
europeia com rígidos padrões de desempenho socioambiental. Além
Exatamente por ter esse caráter contínuo, o mapeamento deve ser da necessidade de atender aos novos padrões corporativos, essa em-
muito bem conduzido e registrado, de modo que a empresa não corra
presa passará por uma grande ampliação de sua unidade industrial
o risco de perder informações históricas sobre o processo de relacio-
para atender o projeto corporativo de expansão da linha de produ-
namento, o que é fundamental para uma empresa que pretende ser
tos e, consequentemente, de mercado. A capacidade produtiva será
sustentável e permanecer muito tempo em um local. Soma-se a isso
triplicada no primeiro ano após a conclusão das obras e depois terá
a necessidade de comprovação da integridade empresarial, o com-
novo aumento para seis vezes a capacidade atual. Os impactos am-
pliance, que exige a comprovação da lisura dos processos de relacio-
bientais serão exponencialmente ampliados, com a geração de vários
namento com as pessoas interessadas.
resíduos tóxicos e a necessidade de um forte esquema de vigilância e
Um exemplo fictício vai tornar mais fácil a compreensão. segurança das instalações.
Imagine uma empresa do ramo químico instalada na área limítrofe Essa ampliação, no entanto, acontecerá em um terreno que faz parte
de um pequeno município (A), com 7.800 habitantes, no estado de de outro município (B), que tem 3.600 habitantes. Além dos atuais
Sergipe. Todos conhecem os donos e têm livre acesso à área da em- 300 empregos diretos, serão gerados mais 150 empregos fixos nos
presa, que nem cerca tem. Os produtos são comercializados somente próximos três anos e, no pico das obras, 350 trabalhadores serão em-
com os hospitais daquele estado. A categoria das pessoas interessa- pregados por um período de cinco meses.
das nessa atividade são:
Devido aos impactos socioambientais, essa empresa precisará fazer
• Acionistas;
um licenciamento ambiental no estado de Sergipe, não só pela natu-
• Funcionários e familiares; reza da atividade, mas porque agora as atividades serão desenvolvi-
das em dois municípios.
• Fornecedores;
A empresa que adquiriu as atividades tem várias denúncias de con-
• Clientes;
dições inapropriadas de trabalho e de danos ambientais em suas
• Órgão regulador estadual; unidades na Índia, na República Centro-Africana e na Nicarágua.

216 217
Cenário 2 Mix Comunicação organizacional

O governo estadual anuncia os investimentos como a redenção da • Representantes da sociedade civil engajados na preservação am-
região, e a imprensa da capital e as redes sociais divulgam dados e biental, em nível estadual, nacional e internacional;
informações alarmantes sobre a cultura e as práticas corporativas. • Representantes da sociedade civil engajados na defesa dos direi-
Com essa nova realidade, veja quais são as pessoas interessadas na tos humanos, em nível estadual, nacional e internacional; e
empresa: • Ministério Público estadual e federal.

• Acionistas europeus; O contexto vivenciado aumenta a quantidade e a variedade de pes-


soas interessadas, de modo que sem entender esse contexto não é
• Funcionários e familiares;
possível fazer o mapeamento.
• Fornecedores;
• Clientes; Como se faz um mapeamento?

• Novos concorrentes; Para realizar um mapeamento, as pessoas devem passar por dois ti-
pos de classificação: uma cadastral e outra analítica.
• Órgão regulador estadual e municipais;
A classificação cadastral é composta por dados atribuídos conforme
• Participantes do Conselho Municipal de Defesa e Conservação do
a função que a pessoa desempenha. Já a classificação analítica é re-
Meio Ambiente (Codema) dos municípios;
sultado da análise de percepção e avaliação observadas em campo e/
• Moradores do município A; ou por meio de pesquisas realizadas no levantamento de dados se-
cundários.
• Moradores do município B;
• Governador e secretários estaduais; A classificação cadastral vai listar pessoas, entidades às quais elas
estão ligadas e formas de contato. Essa classificação deve ser perio-
• Prefeito e secretários do município A; dicamente revista, com atualização constante dos dados e enrique-
• Prefeito e secretários do município B; cimento das informações, haja vista que, ao longo do tempo, as pes-
soas alteram seus endereços e formas de contato. Além disso, novas
• Deputados estaduais;
informações podem ser coletadas de forma a compor com mais deta-
• Vereadores do município A; lhes o perfil das pessoas. Todavia, esse cadastro, esse mailing, ainda
não é um mapeamento das pessoas interessadas.
• Vereadores do município B;
• Formadores de opinião no município A; O que faz um mailing se tornar um mapeamento é a inserção de res-
postas a perguntas-chave.
• Formadores de opinião no município B;
Sugiro que, para começar, você faça, em Excel mesmo, a sua planilha.
• 1 rádio do município A;
Não precisa contratar uma empresa de gerenciamento de banco de
• Mídia formal de Aracaju; dados. Use duas tabelas lincadas, uma cadastral e outra analítica

218 219
Cenário 2 Mix Comunicação organizacional

Lembre-se: feito é melhor do que perfeito! O que define um bom mapeamento de pessoas interessadas?

Comece com os recursos disponíveis para que você possa ir se am- Disposição e verdade. Não parta de pressupostos ou subentendidos
bientando e degustando a importância do trabalho. Com o tempo, na hora de analisar as informações. Procure sempre basear suas aná-
prática, refinamento das informações e necessidades que se apresen- lises em dados concretos, que podem ser auditados, e não em achis-
tarem, você vai analisando onde e como essas suas planilhas iniciais mos, em suposições.
podem ser aprimoradas. Querer começar com o programa mais podero-
so pode acabar tirando o foco daquilo que realmente interessa, que é en- Saia da cadeira e vá interagir com as pessoas para que você possa
tender as pessoas. entendê-las. Dispa-se do orgulho. Seja humilde. Foque as suas igno-
râncias circundantes ao invés de ficar apegado àquilo que você acha
Qual metodologia usar? que sabe.

Bem, existem várias metodologias que indicam a classificação por Portanto, vá para a rua, para o trecho, para o campo, para a comuni-
critérios diferentes. Acho bacanérrimas todas as metodologias, uti- dade, para as instituições. Converse com a equipe da empresa sobre
lizo várias delas no meu trabalho de consultora, mas acho que é as pessoas interessadas e colha deles também percepções e informa-
preciso colocar o pé no chão. Reitero: feito é melhor do que perfeito. ções. Existe muita informação dispersa dentro da empresa sobre as
Assim, você precisa saber exatamente o que irá fazer com a informa- várias pessoas interessadas. Ao buscar essas informações e organizá
ção coletada. Se você começa a analisar demais, corre o risco de ficar -las, você já terá muito material de trabalho. No entanto, não se con-
paralisado pela quantidade de informações, sem saber o que fazer. tente só com as informações internas, é preciso ir, sempre que pos-
Você precisa focar as informações de que precisa, essa é a melhor me- sível, direto à fonte. FAÇA PERGUNTAS. OUÇA. FAÇA PERGUNTAS.
todologia! O que você precisa saber? O que vai fazer com as respostas OUÇA. FAÇA PERGUNTAS. OUÇA. Tenha a humildade e a coragem
que obtiver? de perguntar. Você ficará abismado com a quantidade de coisas que
você supunha, imaginava, inferia e que estão completamente equi-
Acho essencial listar ainda quais são os pontos de convergência, os
vocadas e dificultavam o relacionamento.
temas, os assuntos e as preocupações que nos unem a essas pessoas.
Muitas vezes, focamos nossas análises nos pontos de divergência, o Não se preocupe, nesse momento, em dar respostas. Você foi para
que resulta em diálogos que acabam tendo resultados frustrantes. a rua para ouvir e mapear a fim de entender. E, para entender, você
Mas, se identificarmos pontos em comum com cada uma dessas pes- precisa perguntar. Pratique a escuta ativa (e se você ainda não sabe o
soas, o início da conversa pode ser facilitado, de modo a criar mais que é isso, tenha um pouco mais de persistência, porque falarei dela
simpatia entre as pessoas. Assim, pense quais são as percepções em mais adiante).
comum. Por exemplo, pode ser que a empresa e uma determinada
pessoa se preocupem muito com a questão do tratamento de lixo do Se você coloca nos seus dados analíticos que uma pessoa interessada
município ou com o acesso à determinada área. Os temas e os assun- é contra a sua empresa, é preciso ter dados concretos (registros de
tos para se buscar a convergência são amplos e vastos, e um olhar reuniões, posicionamentos na mídia ou nas redes sociais) que ates-
atento a eles pode dar pistas de como começar diálogos difíceis. tem essa posição. Sugerir que a pessoa é contra porque você acha não

220 221
Cenário 2 Mix Comunicação organizacional

vale! Isso é uma inferência e não garante a fidedignidade da análise. Sem entender o contexto, todo texto pode virar pretexto para azedar
Agora, se você mapeou internamente, com seus pares e colegas, e to- ainda mais uma relação, porque você simplesmente não entende ou
dos têm a mesma percepção, aí, tudo bem. O que não vale é pegar não conhece o que a pessoa passou ou está passando.
somente uma versão, uma percepção, e traçar um veredito, uma sen-
Quando as pessoas têm a chance de contar suas histórias, elas exer-
tença sobre essa pessoa. Além disso, é preciso entender que ela pode
cem seu poder e têm a oportunidade de explicar a coerência de seus
ser contrária em um tema e concordar com você em tantos outros. atos dentro da sua perspectiva particular. Ouvir alguém contar sua
Entender essas particularidades é fundamental para não rotularmos história nos impressiona e nos permite conhecer as nuances e as su-
as pessoas interessadas. tilezas que fazem as pessoas serem únicas.
O mapeamento é uma base, uma primeira forma de se conseguir Aquele que não formou uma audição do outro só consegue
enxergar um cenário que é complexo, por isso devem ser elencadas apreendê-lo em bloco, dizer gostei ou não gostei, amargo ou
as variáveis que mais lhe interessam para tentar encontrar uma ten- doce. Aqueles que se dedicam à arte da escuta, lidam com a
dência no todo. coisa como os enólogos lidam com o vinho: ele tem uma cor,
uma consistência, desce redondo ou quadrado, tem tons de
Sempre digo que a busca de informações é como cavar uma mina madeira (DUNKER; THEBAS, 2019, p. 87).
subterrânea ao contrário: quanto mais você se aprofunda no enten-
dimento, mais clara fica a resposta! Conflitos também são formados pela soma de fatos, por versões e
percepções diferentes de um mesmo acontecimento, por mal-enten-
didos, comunicação truncada e falhas, além, é claro, de erros.
Então, qual é a parte mais importante do mapeamento?
Portanto, quanto mais entendimento do histórico das relações, do
Gostaria de destacar a importância de todo mapeamento começar
contexto dos acontecimentos, melhor será a sua compreensão do ce-
com a descrição do contexto em que ele está sendo realizado, com a
nário atual. Assim, é fundamental que você busque informações in-
construção de uma linha do tempo que permita a qualquer um en-
ternamente também, não se atendo a apenas uma versão da história,
tender o que realmente estava acontecendo quando o mapeamento
mas buscando mais de uma pessoa para lhe contar o mesmo caso.
foi realizado, tanto em nível nacional, estadual, municipal quanto Isso é enriquecedor e esclarecedor, pois, como já disse, as pessoas
corporativo. enxergam as situações de formas diferentes, mesmo que estejam tor-
Tão importante quanto esse contexto amplo é a contextualização cendo para o mesmo time. Lembre-se, no entanto, de não engessar a
da relação com cada pessoa interessada, de modo a haver uma me- história somente com as informações do seu time, busque o contra-
lhor compreensão do que precisa e deve ser feito para a restauração ditório, o outro lado da questão.
da relação. Essa é a importância do registro do relacionamento com as pessoas
interessadas.
As questões mais importantes a serem respondidas pelo mapeamento
são: qual a razão desse posicionamento? Em qual contexto essa posição É preciso muita disciplina para que esse registro ocorra, e essa tarefa,
foi construída ao longo do tempo? Qual a história desse sentimento? que precisa ser capitaneada pela área de relacionamento ou de co-

222 223
Cenário 2 Mix Comunicação organizacional

municação da empresa, deve ser um mantra, uma política da empre- FREEMAN, R.E. Strategic management: a stakeholder approacha. Boston: Pitman
Publishing, 1984.
sa para que todos possam contribuir com a construção dessa história
de relacionamento. FREEMAN, R.E; REED, D. L. Stockholders and stakeholders: a new perspective on
corporate governance. California Management Review, v. 25, n.3, p.88-106, 1983.
THOMPSON, J.K.; WARTICK, S.L.; SMITH, H.L. Integrating corporate social perfo-
Vai dar tudo certo depois que eu fizer o mapeamento? mance and stakeholder management: implications for a research agenda in small
business. In: POST, J. E. (Ed.). Research in corporate social performance anda poli-
Esteja ciente de que ter um mapeamento bem-feito não garante seu cy. Greenwich: JAI, 1991. p. 207-230.
sucesso, mas um mapeamento malfeito garante seu fracasso e esfor-
ço redobrado. Isso porque o mapeamento é um diagnóstico que deve
ser utilizado para aprimorar o uso das ferramentas de comunicação
no estabelecimento de relacionamentos positivos. Ele é a primeira
das muitas etapas na busca das soluções para as empresas. É, assim,
uma ferramenta poderosa, dinâmica e útil, mas que, sozinha, não re-
solve a parada.

Alerto, ainda: capricho, cuidado, precisão e registro!

Utilize as versões anteriores para construir conhecimento sobre as


relações. Elabore gráficos analíticos sobre a evolução de posiciona-
mentos, poder e questões relevantes em cada um dos momentos.
Informações passadas são ricas e podem auxiliar várias áreas da em-
presa, dos suprimentos ao jurídico, passando, necessariamente, pela
área de meio ambiente e recursos humanos.

Transforme dados em informações e, depois da análise acurada,


transforme informações em conhecimento e sabedoria. Leva tempo,
eu sei, mas o esforço valerá a pena.

REFERÊNCIAS
ALKHAFAJI, A.F. A stakeholder approacha to corporate governance: managing in a
dynamic environment. New York: Quorum Books, 1989.
BOWSITCH, J.; BUONO, A. Elementos de comportamento organizacional. São Pau-
lo: Pioneira Thompson, 1992.
DUNKER, C.; THEBAS, C. O palhaço e o psicanalista: como escutar os outros pode
transformar vidas. São Paulo: Planeta do Brasil, 2019.

224 225
RelAçõeS públICAS
e CulTuRA ORgANIzACIONAl

Bruno Carramenha

As transformações sociais e tecnológicas vistas na contemporaneida-


de modificam as relações humanas e demandam uma nova forma de
se relacionar – mais rápida e mais transparente – tanto em níveis in-
terpessoais quanto nos organizacionais. Assim, a sociedade contem-
porânea apresenta uma necessidade de estruturação da comunicação
– e das relações – de forma nunca vista no ambiente organizacional.

Desta forma, a gestão da comunicação das organizações tem ganhado


espaço estratégico, e o profissional de Relações Públicas vem buscando
assumir seu lugar neste contexto. Neste capítulo, proponho uma refle-
xão sobre a necessidade do (re)conhecimento da cultura organizacional
para uma compreensão contemporânea dos desafios organizacionais.

A cultura somente se estabelece e se alimenta por meio da comuni-


cação. Assim, o profissional de Relações Públicas, na gestão da co-
municação nas organizações, precisa ser o conhecedor das questões
culturais – do ponto de vista teórico e prático – para que, no realizar
de sua função, considere adequadamente o contexto antes de agir,
aumentando suas possibilidades de assertividade na função.

Os estudos acerca da cultura organizacional se estabeleceram e po-


pularizaram como campo de conhecimento na segunda metade do
século XX. No início, a produção científica deste tema estava vin-

227
Cenário 2 Mix Comunicação organizacional

culada aos estudos organizacionais no campo da administração de O entendimento da cultura na contemporaneidade


empresas e da psicologia organizacional. Ao transpor os conceitos
Amplamente debatida e conceituada, a noção de cultura, como a
de cultura, advindos da antropologia cultural, para o ambiente em-
própria definição, demanda constantes atualizações e revisões,
presarial, os estudos da cultura organizacional neste contexto volta-
especialmente considerando-se o contexto contemporâneo. Hall
ram o olhar às particularidades das corporações de forma a auxiliar a
(2014) alerta para as mudanças que a globalização traz no jeito de
gestão a lidar com os desafios contemporâneos nos negócios.
entender a sociedade, antes “como um sistema bem delimitado”
Fica bastante evidente, ao mergulhar na bibliografia específica, que (2014, p. 39) e, agora, a partir de uma perspectiva de reordenação
há diferentes – e divergentes – correntes de estudo e entendimento da vida ao longo do tempo e do espaço. Isto porque, com a acelera-
do conceito de cultura organizacional. As próprias referências antro- ção dos processos globais “se sente que o mundo é menor e as dis-
pológicas que sustentam tais conceitos têm suas dissidências, que tâncias mais curtas, que os eventos em determinado lugar têm um
se refletem e espalham na apropriação do conceito pelas escolas de impacto imediato sobre pessoas e lugares situados a uma grande
negócios e administração de empresas, especialmente. distância” (HALL, 2014, p. 40).

Barabosa (2002, p. 11) explica que os “teóricos de administração pro- Ganesh (2015, p. 31) reconhece que a globalização torna cada vez
curam chamar a atenção para a importância da esfera simbólica do mais fluida a informação, gerando o que denomina “reflexividade
mundo organizacional” ao adotar este termo. As principais causas que global”, e dá ao indivíduo conscientização sobre temas globais e lo-
levaram aos estudos da cultura no contexto organizacional foram, es- cais, permitindo a ele que se conecte com outros em torno de temas
pecialmente, o declínio da produtividade norte-americana frente aos em comum. O autor defende, assim, que “é preciso reformar urgen-
modelos japoneses. Barbosa (2002, p. 12) reconhece ainda, entretanto, temente as ideias, sejam elas populares ou acadêmicas, da cultura
que o termo “cultura organizacional” é usado como uma espécie de em si, para que seja possível tratar dos importantes temas distópicos
“caixa preta, na qual se coloca tudo aquilo que não se conhece e para da atualidade” (GANESH, 2015, p. 26).
o qual não se encontra uma explicação mais tangível e mensurável”. Desde o início dos estudos acerca da cultura, no final do sécu-
Mais recentemente, os estudos da cultura organizacional passaram a lo XIX, por Taylor, considerado o pai-fundador da antropolo-
gia britânica, a noção de cultura não é universal e apresenta di-
integrar o campo da Comunicação e das Relações Públicas, a partir do
vergências entre os estudiosos de acordo com sua linha teórica
entendimento de alguns autores de que, sendo a comunicação elemen-
(MARCHIORI, 2008). Em linhas gerais, os estudos se ocupam de
to fundamental de manifestação cultural, reconhecer a cultura organi-
reconhecer e identificar a manifestação de ideologias, valores,
zacional também é uma forma de entender como empregados agem
atitudes, normas, comportamentos, símbolos, rituais, costumes,
e reagem às questões que surgem em seu dia a dia de trabalho. Este
por determinados grupos.
repertório será fundamental na gestão da comunicação nas organiza-
ções, mesmo na condução da tradicional rotina da função do comuni- Para Ferrari (2009, p. 139), em seu sentido mais amplo, cultura pode
cador. Para Ferrari (2016) o processo de comunicação e o processo da ser entendida como um conjunto de valores, normas, crenças, costu-
formação da cultura organizacional são dimensões indissociáveis. mes que determina o comportamento humano e permite que ele seja

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Cenário 2 Mix Comunicação organizacional

percebido de maneira compreensível em certo contexto e “sua mate- Breve trajetória dos estudos de cultura organizacional
rialização inclui desde as expressões artísticas até as manifestações
Apesar de haver desde a década de 1930 referências no campo da
sociais e linguísticas”. Barros e Prates (1996, p. 16) chamam atenção
administração à transposição dos estudos da antropologia cultural
para o aspecto dinâmico da cultura, que, ainda que seja “uma estru-
para as organizações, é só a partir da década de 1980 que o concei-
tura de significados socialmente estabelecida [...]”, é um processo
to de cultura organizacional “tomou forma, passando a ocupar cada
vivo, que se transforma em função do funcionamento da sociedade.
vez mais espaço no entendimento das organizações” (MARCHIORI,
Assim, como matéria viva, se modifica nas interações, nas relações e
2008, p. 78). Nesse mesmo sentido, Carrieri e Silva reforçam que:
nas experiências (ASSIS; NEPOMUCENO, 2008).
Ao voltarem o foco para a cultura no contexto organizacio-
Como se refere à formação de comportamentos coletivos e se baseia, nal, os estudiosos trouxeram essa diversidade e a amplia-
necessariamente, nas relações que se estabelecem entre os indiví- ram, pois reinterpretaram os conceitos ao aplicá-los nas or-
duos, o conceito de cultura, recorrentemente, se intersecciona com a ganizações e envolvê-los, mais intensamente, em questões
noção de identidade. Ganesh (2015), numa reflexão contemporânea, específicas, como os interesses e conflitos típicos da relação
observa que a globalização potencializa interações culturais entre capital-trabalho (CARRIERI; SILVA, 2014, p. 34).

diferentes povos, e acaba por gerar uma cultura híbrida e múltipla,


Publicado na revista Business Week, em outubro de 1980, o artigo “Cor-
dentro de um contexto provisório e constantemente sujeito a mu-
porate Culture – the hard-to-change values that spell success or failure” é
danças, impactando, assim, o processo de identificação do indiví-
considerado o grande impulsionador da popularização do conceito
duo. Para Hall (2014), o olhar para cultura deveria ser no sentido de
de cultura organizacional. Em 1983, a academia teve seu marco na
entendê-la como um dispositivo discursivo que representa a diferença,
abordagem da cultura organizacional, a partir da publicação de uma
como uma das formas de promover a identidade do sujeito.
edição exclusiva sobre o tema no Administrative Science Quarterly “na
Já Cuche (2002) defende uma diferenciação entre os conceitos de qual a cultura é vista como produto e processo continuamente cria-
cultura e identidade cultural. Para o autor, participar de determi- do pelas pessoas nos processos de interação” (MARCHIORI, 2008, p.
nada cultura não necessariamente significa valer-se de (toda) sua 81). Nesta época passam a surgir algumas dezenas de autores – nem
identidade. Dependerá da “estratégia de identificação”, uma de- todos eles acadêmicos, diga-se –, em sua maioria norte-americanos,
liberação do sujeito sobre a complexidade social a qual está sub- que se dedicam a teorias e definições para o conceito, que ganhava
metido (CUCHE, 2002). Neste sentido, Caldas (2012, p. 90) afirma abordagens de aplicação prática.
que “se por um lado somos um produto de nosso meio, de nossa
A apropriação dos estudos de cultura pelos autores vinculados aos
história e da cultura que nos engendra, por outro somos também
estudos organizacionais gera, entre os antropólogos, inquietudes
seus artesãos”.
e incômodos de natureza epistemológica, identitária e ideológica
A variedade na conceituação da noção de cultura em seu sentido (BARBOSA, 2002). Há uma sensação de que a lógica que permeia o
mais amplo se verifica também na conceituação de cultura organiza- universo organizacional não leva em conta os anos de refinamento
cional, esta, entretanto, muito mais recente nos registros científicos. e complexidade cultural que a antropologia conquistou. Além dis-

230 231
Cenário 2 Mix Comunicação organizacional

so, “a apropriação por parte de executivos, líderes organizacionais • seu uso em um contexto mais de estratégia empresarial
e gestores de todos os tipos de linguagem da cultura retirou dos an- do que gerencial;
tropólogos o distanciamento crítico e a postura intelectual indepen- • sua relação íntima com um contexto de mudança na
dente que sempre tiveram em relação às instituições do capitalismo” agenda política social e ética das organizações por pres-
(BARBOSA, 2002, p.8). são da sociedade;
• liderança corporativa como um dos seus principais agen-
Isto porque uma característica comum dos estudos iniciais da cul- tes de promoção (BARBOSA, 2002, p.13)
tura organizacional era o tratamento “teórico-prático” do tema,
abordando exemplos de empresas bem-sucedidas e cravando as ca- Mais recentemente, os reflexos da globalização com crescentes nego-
racterísticas determinantes deste sucesso. Em geral, as referências ciações de fusão e aquisição de empresas e o aumento no processo de
valorizavam o modelo japonês e apresentavam dicas e passos que internacionalização de organizações do mundo todo demandam dos
poderiam ser seguidas por outras empresas e as tornariam campeãs administradores um entendimento das diferenças e semelhanças
de sucesso, como o papel inspirador dos grandes líderes, por exem- tanto das empresas negociadas quanto dos novos mercados explora-
plo (FREITAS, 2013). dos, fatores que reaqueceram os estudos da cultura organizacional.
Neste período inicial, os estudos no campo da administração acer- Com o avanço da globalização, o contato intercultural, até
ca da cultura organizacional por vezes destacavam o papel relevan- então restrito aos segmentos seniores das organizações e aos
expatriados, expandiu-se e rotinizou-se, ao mesmo tempo
te que o Japão e suas características particulares desempenhavam
em que sua complexidade passou a ser melhor percebida.
na economia, além disso, dedicavam-se a realizar uma discussão Trabalhar em e com times “multiculturais” e operar em mer-
epistemológica sobre o conceito, e é também neste período que cados culturalmente diversos são experiências que passa-
emergem consultores e teóricos com abordagens que transfor- ram a integrar o cotidiano organizacional, significando um
mam o conceito de cultura em uma variável da estratégia gerencial diferencial competitivo para jovens gerentes, e sendo consi-
(BARBOSA, 2002). deradas exigência básica para qualquer líder organizacional
(BARBOSA; VELOSO, 2007, p. 63).
A partir da década de 1990 o conceito começou a ser relacionado com
a crescente intensidade da competição global, ressaltando a necessi- Somam-se a isso as mudanças sociais e tecnológicas características
dade de as organizações implementarem mudanças a partir do en- do século XXI, que às empresas têm demandado novas formas de
tendimento da complexidade cultural, característica deste momento gestão de pessoas para dar conta dos novos formatos organizacio-
da história. Nesta década, o passado ganhou ares de obsoleto, inclu- nais – tais como as práticas de horário de trabalho flexível para em-
sive as ideias que sustentavam os modelos de gestão (FREITAS, 2013) pregados de grandes centros urbanos, home office, escritórios com-
e, assim, o período caracterizou-se por: partilhados, gerenciamento de times à distância, entre tantas outras.
Outro fato relevante no estudo da cultura organizacional que se des-
• definição e inclusão do conceito cultura organizacional
taca nas primeiras décadas deste século é a convivência de diferen-
como ativo intangível das organizações;
tes gerações trabalhando no mesmo ambiente organizacional, como
• questão epistemológica da mensuração da cultura; ilustram Carramenha, Cappelano e Mansi:

232 233
Cenário 2 Mix Comunicação organizacional

a força de trabalho é composta por pessoas que têm com- Desta forma, o campo da comunicação e das Relações Públicas pas-
portamentos, princípios e valores distintos. É evidente que sar a integrar em seus estudos uma defesa da necessidade do re-
o ambiente interno das empresas acaba por sofrer fortes in-
conhecimento cultural para o sucesso do trabalho. De acordo com
fluências derivadas dessa pluralidade e, se não estiver prepa-
Freitas (1997), foi Maryan Schall, em 1983, que defendeu os estudos
rada, pode vivenciar um choque de gerações que dá origem a
inúmeros conflitos no dia a dia (CARRAMENHA; CAPPELLA-
da cultura organizacional enquanto fenômeno de comunicação. No
NO; MANSI, 2013, p. 22). Brasil, são de meados da década de 1990 os primeiros estudos no
campo da comunicação organizacional que diretamente problema-
As organizações têm assumido uma relevância nunca antes vista na tizaram e referenciaram a cultura como conceito fundamental para a
vida dos indivíduos, que deflagram novas formas de relação e iden- compreensão da comunicação no âmbito das empresas.
tificação dos sujeitos com as organizações. Sobre este tema, Freitas
(2006) observa que as empresas vêm se fortalecendo e ganhando es- Organizações, cultura e comunicação:
paço socioeconômico e também político e cultural “à medida que a um espaço para as Relações Públicas
geração de empregos e a maior competitividade dos mercados inter-
A despeito da tradicional e funcionalista corrente de estudos das Re-
nos e externos se tornam cruciais para a sobrevivência das socieda-
lações Públicas, centrada na gestão estratégica e arraigada no pen-
des modernas” (p. 36). Mais fortes, as empresas se tornaram “polos
samento empresarial dos Estados Unidos1, há um forte movimento
da legitimação social”, e, naturalmente, regeradoras do tecido social
de autores de diferentes nacionalidades que se dedicam a repensar
(FREITAS, 2006).
a atuação das Relações Públicas a partir de um questionamento pa-
É importante salientar que nesta relatada evolução histórica do con- radigmático, que leva a um entendimento mais amplo da atividade,
ceito, uma definição não exclui ou invalida a outra. Em muitos ca- baseado nos desafios contemporâneos, e que defendem a integração
sos, inclusive, são complementares. Há, no entanto, neste campo de das questões culturais na gestão da comunicação das organizações
estudo, duas principais perspectivas teóricas que determinam sua como Freitas (1997), Holtzhausen (2002), Marchiori (2008), Ferrari
aplicação prática nas organizações: a abordagem interpretativis- (2009), Sriramesh (2009), Oliveira (2009), Edwards (2011), Bardhan
ta, também conhecida como simbólica ou cognitiva, que considera & Weaver (2011) e Marques & Mafra (2014).
a cultura como uma metáfora da organização, o que ela é; e a abor- No campo das Relações Públicas, há duas abordagens (complemen-
dagem funcionalista, que considera a cultura como uma variável da tares, porém) distintas que dão conta da integração dos conceitos
organização, algo que ela tem (FREITAS, 1991); (FERRARI, 2009); de cultura à prática comunicacional nas organizações. Uma aborda-
(CARRIERI; SILVA, 2014). gem possível de se olhar para a cultura integrada à práxis das Re-
Independentemente da abordagem teórica, elementos de comunica- lações Públicas é no que concerne ao movimento de internaciona-
ção estão presentes em todas as propostas dos acadêmicos. Para Ias- lização das empresas, ou seja, quando as organizações se deparam
beck (2010), a razão desta constatação é simples: “onde não há inte- com contextos sociais e culturais bastante diferentes daqueles que
ração – e, portanto, não há condições de comunicação – também não estão acostumadas em seu país matriz. Outra abordagem, se dedica
haverá condições de se alimentarem processos culturais” (p. 139). 1 Ver CARRAMENHA, 2019.

234 235
Cenário 2 Mix Comunicação organizacional

a entender como as particularidades de cada organização – indepen- transformações que os meios de comunicação digital estabeleceram
dentemente de onde esteja instalada – podem ajudar ou atrapalhar nas relações sociais deram mais autonomia e voz aos indivíduos e des-
o processo de comunicação. truíram as fronteiras entre comunicação interpessoal e organizacional
– “o indivíduo se transforma em organização” (GANESH, 2015, p.33)
Sobre esses aspectos, Sriramesh (2009) defende que, no estudo das
Relações Públicas, há de se fazer a diferenciação entre cultura social Estas reflexões salientam como a cultura social impacta a cultura or-
e cultura organizacional, ainda que ambas influenciem na maneira ganizacional, assim como a necessidade de as organizações trafega-
como as pessoas se comunicam e como respondem à comunicação rem por diferentes terrenos culturais. Para Kent & Taylor (2011), toda
da organização. Isto porque, como membros de uma sociedade, os a ambiguidade e incerteza aqui evidenciadas abrem espaço para que
públicos externos estão imbuídos das idiossincrasias específicas de a prática de Relações Públicas se manifeste de forma valiosa nas or-
seu contexto cultural e, adicionalmente, os empregados estão acul- ganizações. Entretanto, Bardhan & Weaver (2011), ao refletir sobre
turados por certas características únicas que são específicas das or- os gaps na produção acadêmica da área de Relações Públicas, apon-
ganizações (SRIRAMESH, 2009). Estas duas manifestações culturais, tam, entre os três principais espaços a serem preenchidos neste cam-
po, a necessidade de integração e teorização do conceito de cultura
entretanto, se retroalimentam e se influenciam mutuamente.
de maneira mais complexa no campo das Relações Públicas. Para os
Por um lado, o avanço da globalização e as crescentes transformações autores, a relação entre cultura, comunicação, contexto e poder tem
sociais causadas pelas novas tecnologias de comunicação aumentam a que guiar os estudos de Relações Públicas, de forma a estabelecer di-
ambiguidade e a incerteza nas relações sociais (KENT; TAYLOR, 2011). reção para a prática (BARDHAN; WEAVER, 2011).
Por outro, no contexto das empresas, estas transformações também
Uma das primeiras defesas de integração dos conceitos de comuni-
têm causado mudanças, que são reflexo do contexto social.
cação e cultura no contexto organizacional, feita por Schall em 1983
Como evidencia Bauman (2001), ante uma relação duradoura que se e retomada por Freitas (1997) que reforça “a organização como um
estabelecia no passado entre empregado e empregador, contempora- fenômeno de comunicação e sua cultura se estabelece e se modifica
neamente, num período de “relações líquidas”, o emprego passou a ser e se cristaliza por meio da comunicação; portanto a cultura deve ser
como “um acampamento que se visita por alguns dias e que se pode tratada como comunicação” (p. 44). Assim, no adequado balancea-
abandonar a qualquer momento se as vantagens oferecidas não se ve- mento desses conceitos, as Relações Públicas têm um espaço para
rificarem ou se forem consideradas insatisfatórias” (BAUMAN, 2001, demonstrar seu valor estratégico às organizações. Considerando a
p. 187). Para o autor, é crescente o desengajamento do trabalho, que se relação com empregados, a comunicação é fundamental para ajudar
estabelece a partir de uma sensação do empregado de ser dispensável, este público “a se encontrar numa dada cultura” (CARRAMENHA,
CAPPELLANO; MANSI, 2013, p. 57).
e cujas consequências são a alta mobilidade de emprego de forma a evi-
tar a frustração iminente (BAUMAN, 2001). De forma bastante ilustra- Entretanto, lembra Mansi (2014) que a gestão formal da comunica-
tiva, Ganesh (2015) evidencia esta relação, ao problematizar este con- ção nas organizações é uma função recente e com origem na prática.
texto a partir um componente que ele denomina de “comportamento “Talvez resida aí uma característica muito marcante da função: seu
empreendedor” no sujeito contemporâneo; esse conceito trata das aspecto instrumental (MANSI, 2014, p.21).

236 237
Cenário 2 Mix Comunicação organizacional

Ainda assim, a comunicação tem impacto significativo no processo das relações que eles estabelecem entre si. Dessa forma, o público
de mudança ou amadurecimento cultural, com potencial de favo- não deve ser visto como um agente passivo da cultura. Ao interagir,
recer o desenvolvimento de processos bem-sucedidos nas organi- o indivíduo influencia a cultura organizacional, apesar de, em geral,
zações. Freitas (1997) defende que, por meio da atuação do profis- ter pouca consciência disso.
sional, a comunicação auxilia “na diminuição da dor e da ansiedade
provocadas pela incerteza” (p. 45). REFERÊNCIAS
Reconhecido como um dos grandes direcionadores dos estudos ASSIS, Cássia Lobão; NEPOMUCENO, Cristiane Maria. Estudos contemporâneos
contemporâneos da cultura organizacional, Schein (2001) defende de cultura. Campina Grande, PB: UEPB/UFRN, 2008.

que para reconhecer a cultura das organizações há de se reconhecer BARBOSA, Livia. Cultura e Empresas. Rio de Janeiro, RJ: Jorge Zahar Editor, 2002.
questões de sobrevivência externa, tais como missão, estratégias e BARBOSA, Livia; VELOSO, Letícia. Gerência intercultural, diferença e mediação
os sistemas de detecção e correção de erros; além das questões de nas empresas transnacionais. Civitas – Revista de Ciências Sociais. Porto Alegre,
v. 7, n. 1, jan.-jun/2007.
integração interna, como linguagem, identidade e relacionamentos;
assim como pressupostos mais profundos. O autor dedica parte de BARDHAN, Nilanjana; WEAVER, Kay. Public Relations in Global Cultural Contexts.
In ______. Public Relations in Global Cultural Contexts. Ed. Routlege, 2011.
sua produção a debater como a interação estabelecida pela liderança
nas organizações impacta a cultura e defende que liderança e cultura BARROS, Betânia Tanure; PRATES, Marco Aurélio Spyer. O estilo brasileiro de ad-
ministrar. São Paulo, SP: Editora Atlas, 1996.
são conceitos entrelaçados, “dois lados da mesma moeda”, necessá-
BAUMAN, Zygmunt. Modernidade Líquida. Tradução: Plínio Dentzien. Rio de Ja-
rios para um entendimento mútuo (SCHEIN, 2001).
neiro, RJ: Zahar, 2001.
A cultura somente se estabelece e se alimenta por meio da comuni- CALDAS, Miguel P. Santo de casa não faz milagre. In. MOTTA, Fernando. C. Prestes;
cação. Com a comunicação denominada funcional, é possível orga- CALDAS, Miguel. P. Cultura Organizacional e Cultura Brasileira. São Paulo, SP:
Editora Atlas, 2012
nizar e institucionalizar os comportamentos valorizados (ou não) e,
portanto, traduzir a cultura por meio dos instrumentos oficiais da CARRAMENHA, Bruno; CAPPELLANO, Thatiana; MANSI, Viviane. Comunicação
com empregados: a comunicação interna sem fronteira. Jundiaí, SP: In House, 2013.
organização. Assim, é primordial na gestão da comunicação que se
leve em conta o possível impacto que se pode causar nos públicos CARRAMENHA, Bruno. Afinal, o que é Comunicação com Empregados? Anais XIII
Congresso Brasileiro Científico de Comunicação Organizacional e de Relações
com os quais se relaciona. É necessário que o profissional à frente Públicas, São Paulo, SP: Abrapcorp, 2019.
da atividade de Relações Públicas tenha precisão na definição das
CARRIERI, Alexandre de Pádua; SILVA, Alfredo Rodrigues da. Cultura organiza-
mensagens, use adequadamente os veículos disponíveis em balanço cional versus cultura nas organizações: conceitos contraditórios entre o controle a
com a comunicação de liderança para conduzir um trabalho em con- compreensão. In. MARCHIORI, Marlene (org.). Cultura e Interação. São Caetano
sonância com a cultura organizacional, seja na necessidade de uma do Sul, SP: Difusão; Rio de Janeiro, RJ: Editora Senac, 2014.
mudança cultural ou na valorização daquela existente. CHU, Rebeca Alves. Modelo Contemporâneo da Gestão à Brasileira. São Paulo,
SP: Cengage, 2010.
Já por meio da comunicação processual, a cultura também se estabe-
CUCHE, Denys. Cultura e Identidade. In. CUCHE, Denys; PEREIRA, Miguel Serras;
lece e se alimenta, já que esta forma de comunicação atua fortemen- GANDRA, Fernando. A noção de cultura nas ciências sociais. Bauru, SP: Edusc,
te na criação da realidade e do mundo social dos empregados a partir 2002.

238 239
Cenário 2 Mix Comunicação organizacional

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240 241
TeNDêNCIAS em Rp?
O fuTuRO é AgORA!

Carolina Terra

Começo essa reflexão pontuando a dificuldade, em tempos tão com-


plexos, voláteis e instáveis em fazer previsões. Contudo, com a petu-
lância de sinalizar uma certeza: de que contextos como esses fazem
emergir uma necessidade e um protagonismo das Relações Púbicas
como nunca vimos antes.

Vale destacarmos o papel central da Comunicação e do Digital tanto


na vida pessoal, quanto na vida das organizações. Com a hipercone-
xão e o acesso às plataformas de mídias sociais, há uma necessidade
– quase obrigatória – de que as organizações dominem estratégias e
ferramentas que as posicionem para que sejam notadas, discutidas,
consumidas e referenciadas. Ignorar tais ambiências – sociais e digi-
tais – se mostra quase impossível nos dias de hoje.

É importante também assumirmos a relevância das plataformas de


mídias sociais tanto no cotidiano pessoal quanto profissional. Para
trabalharmos, nos relacionarmos, planejarmos estratégias orga-
nizacionais ou mesmo para pedirmos comida, carro para nos loco-
movermos ou assistirmos a filmes e séries estamos na dependência
das plataformas digitais. Entender que são parte da nossa existência
atual e saber o modus operandi de seu funcionamento passam a ser
mais um dos tantos papeis a serem assumidos pelos comunicadores.

243
Cenário 2 Mix Comunicação organizacional

Com a exposição exacerbada de entes institucionais, torna-se cada Outro importante papel do empregado é ser parte de uma estratégia
vez mais necessária a competência do profissional e da atividade de de identificação, seleção e desenvolvimento de embaixadores inter-
Relações Públicas que, planejada e deliberadamente, pode ajudar nos. Quando a organização consegue formar um grupo de influen-
a construir imagem, reputação, gerir relacionamentos (seja lá qual ciadores dentro de si, a chance de que ele seja uma referência interna
for a ambiência – on, off-line ou híbrido), exposição e visibilidade e e externa são grandes. Fora a autenticidade com que os conteúdos
como tudo isso traz resultados aos negócios. podem ser trabalhados por essas figuras. São pessoas falando com
Passamos de acessórios a fundamentais. De meros executores de táti- pessoas e não uma marca se autopromovendo. Há anos o Trust Ba-
cas a estrategistas da comunicação, o que sempre fomos, é verdade. De rometer1 da agência global de RP, Edelman, aponta a pessoa comum
executores de ações para planejadores sistemáticos da comunicação. como principal fonte de confiança dos indivíduos no consumo de in-
formações, notícias, produtos e serviços. E o funcionário nada mais é
Diante de tantos desafios e novas necessidades, faço um exercício de do que alguém que desperta confiança, uma pessoa comum, por ve-
evidenciação de situações em que nos faremos presentes, necessá- zes especialistas em sua área de atuação ou segmento, por vezes, um
rios, aclamados e com aplicações que começam no aqui e no agora e
“insider” da organização que pode trazer informações “fresquinhas”
que vão perdurar para os próximos anos.
e com credibilidade.
Iniciando-se pelo ambiente interno das organizações, apresento mi-
Dos funcionários conectados e influenciadores internos, surge a mi-
nha primeira aposta:
nha segunda aposta: os líderes como forma de comunicação organi-
1) Funcionários conectados como potenciais zacional e Relações Públicas.
embaixadores de marca e influenciadores internos
2) Executivos como figuras influenciadoras
As organizações entenderam que o seu primeiro exército de divul-
gação está “em casa”. São seus empregados. E são pessoas que es- As lideranças formais, geralmente, são respeitadas, seja por sua po-
tão conectadas, têm poder de consumo, de expressão, de influência. sição hierárquica, seja por seu conhecimento. Quando trabalhamos
Se satisfeitos e felizes, vão publicizar a organização, seus produtos e de maneira estruturada para a construção consciente da imagem e
serviços de maneira espontânea, positiva e válida. Se desmotivados reputação de um líder, podemos fazer com que ele se torne um por-
e descontentes, farão o mesmo papel que um detrator de marca faz: ta-voz não só da organização a qual representa, mas também de todo
colocar a empresa em xeque. um setor.

Fagan-Smith (2012), em artigo chamado “The naked company” (A Vejamos o exemplo da Presidente do Conselho de Administração do
empresa nua), comentou que desde que as diversas plataformas de Magazine Luiza, Luiza Trajano. Sua atuação a transformou em uma
redes sociais surgiram, os colaboradores se expressam por meio de- Top Influencer2 do LinkedIn, ao mesmo tempo em que a posicionou
las sobre suas organizações e, muitas vezes, as expõem a escândalos, como sinônimo de liderança feminina, empoderamento, sucesso e
fazem-nas perder valor de mercado ou prejudicam a sua imagem e
1 Disponível em: https://www.edelman.com/trustbarometer.
reputação. Isso sem mencionar o quanto podem se autoexpor tam-
2 Disponível em: https://propmark.com.br/digital/linkedin-divulga-quarta-edicao-da-lis-
bém ao não atentarem para os próprios conteúdos. ta-de-top-voices/.

244 245
Cenário 2 Mix Comunicação organizacional

gestão, além de a colocar em um patamar de defesa de causas como à definição reducionista que faço nesse texto. Porém, sinalizo como
a luta em prol da mulher, do combate ao racismo, da equidade de uma possibilidade de mostrarmos tanto ao público interno quanto
gêneros, entre outros assuntos. No ano de 2020, Luiza Trajano foi ao externo que desenvolver e manter uma marca empregadora passa
convidada a sentar em um dos mais importantes fóruns midiáticos pelo relacionamento adequado, transparente e justo que uma orga-
da TV brasileira, o programa Roda Viva, da emissora Cultura. Antes nização tem com seu público interno, de forma que isso, literalmen-
destinado a intelectuais, cientistas, acadêmicos e similares, levou te, reverbere, repercuta e reflita no âmbito externo.
uma mulher que chegou ao topo do mundo corporativo em posição Como fonte de aprofundamento no assunto, recomendo o site:
de destaque. https://employerbranding.com.br/.
Sobre o tema dos Top Influencers do LinkedIn, dos dez selecionados 4) Comunicação interna contemporânea que consiga, de fato, prover
para o ano de 2020, sete são presidentes, CEOs ou diretores gerais, a participação, envolvimento e engajamento dos públicos internos
o que mostra o quão em destaque fica um líder. Ao trabalharmos a
sua comunicação – tanto no âmbito interno, quanto no externo – é E, por falar em âmbito interno, a quarta tendência que saliento é a
possível que promovamos as suas ideias e seus estilos de gestão de “virada de mesa” da comunicação interna. Muitas vezes, relegada a
maneira destacada, considerada e ouvida por muitos. Fazer com que um orçamento menor e a um olhar pouco estratégico, vejo que uma
sejam além de líderes e gestores, mas também desenvolvam a com- comunicação interna potente, funcional e efetiva, passa pela remo-
petência da comunicação os alça a um patamar de fonte e de referên- delação de ferramentas, plataformas, mas também pela necessidade
cia para os públicos de interesse de suas respectivas organizações. de abertura de controle por parte da organização. É aí que reside um
dos grandes desafios da comunicação interna: estar preparada para a
3) Employer branding – perda da primazia do discurso. Não adianta, em tempos de hiperco-
comunicação passa a transbordar a cultura interna nexão e redes sociais, querer controlar o que os funcionários dizem.
Melhor que isso, vale mais estimular e inspirar os empregados para
A terceira tendência que destaco é o quanto a cultura interna trans-
que estes funcionem como os tais embaixadores internos.
borda para o externo. Com a visibilidade escancarada por sites como
o GlassDoor3, por exemplo, é possível saber o quão saudável ou in- • Uma comunicação interna que se mostre relevante tem, a meu ver,
salubre é trabalhar em determinada organização. As pessoas fazem que se utilizar da lógica de interesse que normalmente pensamos
resenhas de seus ambientes de trabalho, chefias, programas de re- e planejamos para a comunicação externa:
muneração e desenvolvimento, entre outros fatores.
• Saber que as audiências, sejam internas ou externas, estão conec-
Assim, trabalhar no desenvolvimento de uma marca empregadora tadas e vão compartilhar experiências satisfatórias ou frustradas;
que seja interessante tanto para os atuais funcionários quanto para • Utilizar formatos e ferramentas de interesse das nossas audiências;
atração de novos talentos é mais uma competência que pode ser
adicionada ao rol de atividades do profissional de comunicação/RP. • Pensar em conteúdos prestadores de serviço para os nossos públicos;
Vale destacar que o conceito de employer branding é muito superior • Preocupar-se com os timings das ações. Vale aí o tempo real, o ime-
3 Disponível em: https://www.glassdoor.com.br/index.htm. diatismo, o contexto como conteúdos da comunicação;

246 247
Cenário 2 Mix Comunicação organizacional

• Privilegiar o público (sobretudo o interno) e colocá-lo no centro Uma frase da também RP Bianca Dreyer (2017, p. 73) bem resume a
daquilo que queremos disseminar importância da visibilidade no ambiente digital:

Passando-se ao contexto externo, defendo que quanto mais uma or- (...) pensar na gestão do relacionamento entre uma empresa e
ganização consegue se posicionar como fonte de referência, admira- seus públicos na contemporaneidade implica compreender que
ção, informação, apoio e cuidado, mais ela se aproxima dos modelos a visibilidade inicial pode gerar interação, porém, quanto mais
investimento em interação, maior será o retorno em visibilidade.
de sucesso e influência angariados pelas figuras influentes. A esse
fenômeno, chamo de brandcasters.
6) RP de dados e compreensão dos algoritmos
5) Brandcasters
Dados são novo petróleo. Com essa frase de impacto, a renomada pu-
Brandcast é a nomenclatura que convencionamos usar para nos re- blicação The Economist5, produziu uma de suas capas com essa máxi-
ferirmos às disseminações de conteúdo nas mídias sociais pelas ma: o recurso mais valioso não é mais o petróleo, mas sim, os dados.
marcas e que vêm se aproximando muito dos modelos utilizados pe-
Ter uma mentalidade data driven é uma das competências mais bus-
los influenciadores digitais. A palavra brandcast teve origem em um
cadas nos profissionais pelas organizações contemporâneas. Como
evento criado pelo Google em 2015 chamado YouTube Brandcast4.
ser um profissional de RP orientado a dados? Primeiro, deixando de
No evento, que reuniu quase 600 anunciantes, agências e YouTu-
bers, o então presidente do Google, Fábio Coelho, destacou a impor- lado o pensamento de que RP é intangível. Nunca foi e agora, mais do
tância do YouTube como um lugar que lança celebridades, tendên- que nunca, não é mesmo! Segundo passo é extrair dados e transfor-
cias e influenciadores. Em meu recente estudo de pós-doutorado (de má-los em ações, atividades, projetos.
2018 a 2020), ressignifiquei o termo e o associei a qualquer forma de Tudo pode fornecer dados. Listo alguns – poucos - exemplos:
transmissão de marca por meio digital.
• exposição na imprensa (em quais veículos saiu, em que área, que
As Brandscasters produzem seus conteúdos, criam seus veículos de tamanho, foi menção, entrevista? Etc.)
mídia que vão “falar diretamente” com seus públicos, de maneira
desintermediada se valendo de todo o arsenal digital para isso. Exer- • repercussão nas mídias sociais (citações, menções, comentários,
cem o papel de municiar o público com informações, ora pela via métricas de vaidade, influenciadores, embaixadores etc.)
educativa, ora pelo entretenimento, ora com linguagem jornalística.
• adesão a um evento (conversão, presença, boca a boca etc.)
Dominam o funcionamento das plataformas de mídias sociais, com-
preendem a existência e interferência dos algoritmos e fazem uso • satisfação dos funcionários (na comunicação interna, na pesquisa de
desse contexto todo a seu favor. clima, nas redes sociais on-line, adesão às ferramentas internas etc.)

Bem gerir a própria visibilidade e exposição na cena digital é uma E após a coleta dos dados, que pode ser feita por meio de ferramen-
das competências de destaque de uma brandcaster. tal/software, analisar e tomar medidas de ação em relação a isso.
4 Disponível em: https://www.thinkwithgoogle.com/intl/pt-br/tendencias-de-consumo/ 5 Disponível em: https://www.economist.com/leaders/2017/05/06/the-worlds-most-valua-
youtube-brandcast-2015/. Acesso em 26 jun.2020. ble-resource-is-no-longer-oil-but-data.

248 249
Cenário 2 Mix Comunicação organizacional

Outra característica importante é a compreensão de que vivemos Durante a pandemia do novo coronavírus, em 2020, assistimos a diver-
em um mundo permeado por algoritmos. O que vemos, acessamos e sas demonstrações das marcas nesse papel: a fábrica de vacinas a ser
compartilhamos sofre influência das plataformas de mídias sociais6 construída pela Ambev e outras empresas do setor privado; as fabrica-
e seus algoritmos. Estamos sujeitos a eles e vivemos em espécies de ções de álcool gel e sua consequente doação ao setor público; concor-
bolhas. Quanto mais buscamos por um tema ou interagimos com de- rentes cooperando para a construção de leitos hospitalares no combate
terminadas pessoas e entidades, mais o algoritmo entende que nos à doença; a abertura de plataformas de e-commerce dentro dos grandes
interessamos por aquilo e menos controvérsia nos apresenta. Com varejistas para que os pequenos não sucumbissem, entre outras.
as organizações e marcas, o algoritmo ainda desempenha um papel 8) Glassbox brands
adicional: ou se paga para aparecer ou ficam relegados a um limbo
que não permite visibilidade. Não estou dizendo que temos que nos Na esteira das marcas sociais e das marcas empregadoras, temos uma
tendência nomeada de “marcas caixas de vidro”, ou, glassbox brands8,
tornar experts em ciência de dados, mas temos que saber “jogar” com
isto é, organizações transparentes. A necessidade de transparência
o cenário que nos é posto: coletar dados, analisá-los e transformá-los
passou a ser uma obrigação. Se a organização não for transparente,
em ações concretas.
o usuário ou a imprensa serão por ela e então as versões oficiosas
Partindo para uma reflexão mais humana, destacamos a nossa séti- serão muito piores do que a real da própria instituição. Sobretudo no
ma tendência. ambiente digital, ter transparência é crucial. Como o próprio relató-
rio da TrendWatching afirmou: “Agora que cada negócio é uma caixa
7) Social brands e comunicação de causa de vidro, a marca é tudo o que é visível. Cada pessoa. Cada processo.
A sociedade, a opinião pública e os consumidores têm expectativas Cada valor. Tudo o que acontece, sempre”.
em relação às organizações. Anseios para que elas desempenhem pa- Mais do que isso, a TrendWatching destacou: “em uma era de trans-
peis sociais que antes eram exclusivos do Poder Público. Ser ambien- parência radical, a sua cultura interna é sua marca. É tempo de agir!”
tal e socialmente responsáveis já são considerados comportamentos O que acontece dentro dos muros organizacionais transborda para
padrão para as organizações. Exigem-se delas que assumam causas, fora, é visto, analisado, julgado, questionado, falado. As organiza-
tenham propósitos, não se calem diante de injustiças e de mazelas ções estão mais nuas do que nunca. Qualquer pessoa de dentro ou de
sociais, se posicionem, escolham lados e opiniões. fora – com propriedade ou não – pode se expressar sobre a organiza-
ção, formar outras opiniões, impactar e influenciar. E, por que não,
Uma social brand, termo criado por mim e João Francisco Raposo em enaltecer ou destruir uma marca.
um artigo veiculado no site ProXXIma7, é marca empática que sabe
que precisa intervir no ambiente a que pertence para que haja pere- 9) Gestão de crises “na veia”
nidade, continuidade e, inclusive, consumo. RP na gestão de riscos e crises sempre foram naturais atribuições do
6 Para quem quiser se aprofundar um pouco no tema, recomendo o documentário O Dilema profissional. Em tempos turbulentos, de cultura do cancelamento,
das Redes, disponível na Netflix. de exposição extrema no ambiente digital, de descontextualização,
7 Disponível em: https://www.proxxima.com.br/home/proxxima/how-to/2020/05/12/social
-brands-e-relacionamentos-em-transformacao-o-novo-normal-da-comunicacao.html. 8 Disponível em: https://trendwatching.com/quarterly/2017-09/glass-box-brands/.

250 251
Cenário 2 Mix Comunicação organizacional

de fake news, de rumores, boatos e afins, estar preparado o tempo Outra reflexão válida de ser feita diz respeito à hiperexposição e recor-
todo para gerir uma crise – seja ela de pequeno, médio ou grande remos a Paula Sibilia. A autora (Sibilia, 2008) compreende que a inter-
porte, é mais do que um luxo, é uma obrigatoriedade. net e suas ferramentas digitais facilitam o acesso às vitrines midiáticas,
proporcionando a qualquer pessoa a chance de transformar a vida pri-
Uma fala de um executivo ou funcionário, um incidente, um aciden-
te, um post inadequado, um conteúdo polêmico...absolutamente vada em um espetáculo de hipervisibilidade. Ao mesmo tempo em que
tudo pode se tornar uma crise. Capacidade e preparo para solucionar todos temos potencialidade de exposição e geração de conteúdos, rela-
e o entendimento da dinâmica das redes são parte das exigências e to de experiências e opiniões, também estamos sujeitos ao julgamento
da jurisdição do profissional de RP. de terceiros, à cultura do cancelamento, aos perigos da visibilidade exa-
cerbada (como a falta de segurança ou a vigilância e patrulhamento).
Reflexões Por fim, sugiro entendermos que apesar da capacidade de sermos uma
Depois desse exercício de “futurologia” que está mais para “presen- atividade e profissão voltada aos negócios, com possibilidade, inclusive
tologia”, compartilho com vocês as reflexões referentes às RP. de trazer retorno financeiro, nunca percamos de vista as nossas funções
sociais, política, educativa, comunitária. Nascemos da necessidade de
Finalmente, passamos de “patinho feio” à “galinha dos ovos de um empresário em melhorar sua imagem, evoluímos para não estarmos
ouro”. Vivemos um tempo em que comunicar-se é competência fun- apenas a serviço da produção capitalista, podemos e devemos nos man-
damental, requerida, necessária, admirada, obrigatória. Mais ainda
ter como figuras que mediam, equilibram, harmonizam, fazem o bem!
no âmbito corporativo. A organização que não souber se comunicar,
está fadada à invisibilidade. E, já dizia, Germaine Greer (APUD BAU- Paz a todos e viva Relações Públicas!
MAN, 2008, p. 21): “na era da informação, a invisibilidade é equi-
valente à morte”. Ou seja, quem não participa da ambiência digital, REFERÊNCIAS
não está visível e, portanto, não existe aos olhos de milhares de po-
BAUMAN, Zygmunt. Vida para consumo: a transformação das pessoas em merca-
tenciais consumidores. dorias. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 2008.
Outro ponto que vale ressaltarmos é o contexto de transparência DREYER, Bianca. Relações públicas e influenciadores digitais: abordagens para a
compulsória a que estamos todos submetidos e a necessidade de re- gestão do relacionamento na contemporaneidade. Revista Communicare – Dos-
siê Influenciadores Digitais. Cásper Líbero. Edição especial de 70 anos. Volume 17.
lacionamento e exposição que acabam por posicionar a atividade de
Disponível em: https://casperlibero.edu.br/communicare-17-edicao-especial-de-
RP como essencial aos negócios. Porém, cabe sermos críticos em tais 70-anos-da-faculdade-casper-libero/. P. 56-75.
quesitos e lembrarmos de Han (2017, p. 35): “(...) Tudo deve tornar-
FAGAN-SMITH, B. The naked company: how social media revolution makes
se visível; o imperativo da transparência coloca em suspeita tudo o authentic employee engagement vital. June, 2012. Disponível em: http://roico.
que não se submete à visibilidade. E é nisso que está seu poder e sua com/2012_whitepaper/The%20Naked%20Company%20White%20Paper%20
violência”. Ao mesmo tempo em que a transparência traz um certo June%202012.pdf.
alento a nós, profissionais de RP, porque queremos tudo às claras, ela HAN, Byung-Chul. Sociedade da transparência. Petrópolis/RJ: Editora Vozes, 2017.
também nos cobra um preço altíssimo: a diluição total das fronteiras SIBILIA, Paula. O show do eu: a intimidade como espetáculo. Rio de Janeiro: Edi-
entre o pessoal e o privado. O ônus e o bônus da translucidez. tora Nova Fronteira, 2008.

252 253
mANufATuRANDO INCeRTezAS
relações públicas, vulnerabilidades
e a indústria do tabaco

Daniel Reis

Resumo:
Ancorado na noção agnotológica da manufatura de incertezas, o ar-
tigo aborda a evolução dos front groups enquanto estratégias de re-
lações públicas, revisitando os esforços da indústria do tabaco para
lançar sombras sobre o vínculo entre o cigarro e o câncer de pulmão.
Com base em pesquisas documentais e revisões de literatura, dois
aspectos da evolução dos grupos de fachada são destacados: (a) os
esforços de construção de credibilidade de grupos criados para pa-
recerem neutros, incluindo por meio de sua expertise e de discursos
alinhados com interesses públicos; e (b) a tentativa de aumentar a
circulação social de suas mensagens, a partir de vulnerabilidades
dos públicos, como forma de ampliar seu alcance e força de influên-
cia. Por fim, o artigo reflete sobre algumas das tensões resultantes
dessas transformações e vulnerabilidades.

Palavras-chave:

Relações públicas; manufatura de incertezas; front groups; indústria


do tabaco; vulnerabilidades.

A ideia da Agnotologia ganhou adeptos nas últimas décadas, partindo


da proposta original de Robert Proctor (2008) sobre o estudo da

255
Cenário 2 Mix Comunicação organizacional

historicidade e artificialidade da ignorância. Segundo o autor, acreditamos que a compreensão acerca dos aspectos agnotológicos
vivemos em um momento histórico no qual a humanidade conhece em práticas de relações públicas se mostra urgente. O presente
mais sobre a realidade do mundo no qual vive do que em qualquer artigo busca superar das lacunas mencionadas anteriormente,
período anterior da história. Porém, é justamente nesse momento estabelecendo uma reflexão sobre como a evolução dos front groups
que somos confrontados com as redes de incertezas e as tentativas tornou a prática cada vez mais ambígua. Para tanto, parte de uma
estratégias de se apropriar delas (e, no limite, as criar). Entender revisitação histórica, pautada em pesquisas documentais e revisões
essa dualidade perpassa, na perspectiva de Proctor, considerar que de literatura, daquele que é um dos episódios mais importantes de
assim como o conhecimento, a ignorância é socialmente construída, manufatura de incertezas por parte da indústria de relações públicas:
inclusive podendo ser manufatura ou manipulada. a campanha para negar a existência de vínculos entre o cigarro e o
câncer de pulmão na segunda metade do século XX.
A proposta de um campo interdisciplinar para abordar a ignorância
tem sido abraçada em diversas vertentes, com pesquisas sobre a
O cigarro nos holofotes
aplicação da agnotologia como ferramenta pedagógica (BEDFORD,
2010), sobre as interfaces entre ignorância, ausência e conhecimento A indústria do tabaco possuía, no início da década de 1950,
(CROISSANT, 2014), sobre como a agnotologia permite renovadas considerável experiência com polêmicas sociais e questionamentos
reflexões acerca dos aspectos políticos e econômicos da relação científicos, compreendendo a importância da opinião pública e
entre indústria e ciência (PINTO, 2015), e sobre como tal noção pode das técnicas de influência para enfrentar problemas e avançar sua
reorientar o pensamento sobre os princípios da ciência da informação agenda. Aquelas empresas superaram, por exemplo, o tabu social do
(FRAZIER, 2015). Também são recorrentes os esforços que buscam fumo feminino (SILVA, 2015), a crise causada pela depressão de 1929,
entender as interfaces entre relações públicas e a manufatura de e mesmo o surgimento das primeiras pesquisas que relacionavam
incertezas, especialmente em controvérsias científicas sobre temas o cigarro com o câncer. Mesmo tendo superado esses episódios,
como os malefícios do tabaco ou a existência de mudanças climáticas a indústria não estava preparada para o turbilhão que se formaria
(MICHAELS, 2008; ORESKES; CONWAY, 2008; SILVA, 2017). em dezembro de 1952, mês no qual a Readers Digest publicou
uma matéria (NORR, 1952) acerca sobre como pesquisas recentes
Essa última linha de pesquisa, porém, ainda sofre com a carência de
relacionavam diversos tipos de câncer, especialmente o de pulmão,
reflexões acadêmicas que desvelam elementos de práticas abusivas
com o ato de fumar. Rapidamente outros veículos mediáticos
de relações públicas (SILVA, 2018). Apesar delas identificarem, por
reproduziram tais resultados, dando início a um verdadeiro frenesi
exemplo, a criação de front groups, ou grupos de fachada, como um
social em relação ao cigarro.
elemento básico das estratégias de manufatura de incerteza por
parte de corporações, há poucos insumos teóricos para lidar com o Durante a primeira metade do século XX, a principal estratégia
tema, na medida em que grande parte das obras que o abordam são da indústria do tabaco, preconizada por Edwards Bernays, era
dotadas de um espírito de denúncia acerca do caráter abusivo dessas suprimir os estudos sobre os malefícios do cigarro (TYE, 1998). Essa
estratégias (STAUBER; RAMPTON, 1995). Perante a realidade imposta ideia, porém, se mostrava inadequada perante a ampla e acelerada
pela pandemia global de Covid-19, e todas as disputas ao seu redor, circulação adquirida pelo tema em 1952. Se durante anos foi possível

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cultivar táticas para ocultar achados científicos menores e fazer a nicotina causava dependência e que o cigarro aumentava as
com que editores não publicassem matérias sobre eles, a temática chances do desenvolvimento de diversos tipos de câncer. Todos
despontava naquele momento como uma das principais polêmicas esses documentos estão disponíveis em um arquivo da University of
na esfera pública e não dava indícios de esmorecer, despertando, California San Francisco nomeado Thuth Tobacco Industry Documents,
assim, pânico nos executivos da indústria. e podem ser acessados fisicamente e online1.
Foi em 1953 que os presidentes e diretores das seis maiores corporações Nosso foco não reside, assim, em abordar as idas e vindas daquela
de tabaco decidiram se unir para viabilizar um programa de relações campanha, mas explorar como o caso trabalha com uma evolução
públicas extensivo capaz de defender seu mercado. O encarregado da ideia de front groups, criada anteriormente por Bernays. A prática
de traçar e executar a estratégia de defesa do cigarro seria John dos front groups consiste, segundo o SourceWatch, “na criação de
Hill, fundador e presidente da agência de relações públicas Hill and uma organização que afirma representar uma agenda enquanto, na
Knowlton. Dois anos antes, Hill havia sido contratado pela indústria realidade, serve outro ator ou interesse cujo financiamento é ocultado
química para elaborar uma campanha contra as investigações acerca ou raramente mencionado”2. O próprio pioneiro das Relações Públicas
de substâncias cancerígenas em diversos alimentos comercializados afirmou que a técnica consistia “no método mais útil, em uma sociedade
nos Estados Unidos, e os esforços formulados pela sua agência foram múltipla como a nossa, de indicar o apoio a uma ideia” (apud CUTLIP,
bem-sucedidos em manter a questão relativamente controlada e 1995, p. 163). Buscando desvelar aspectos da evolução dessa prática
evitar um temor generalizado na opinião pública (MICHAELS, 2008). no episódio do tabaco, dois aspectos serão trabalhados na sequência
Durante o encontro com os presidentes das corporações de tabaco, do presente artigo: (a) os esforços de construção de credibilidade de
Hill traçou os contornos gerais daquela que se tornou uma das mais grupos criados para parecerem neutros, incluindo por meio de sua
efetivas e longínquas estratégias de promoção de dúvida e incertezas expertise e de discursos alinhados com interesses públicos; e (b) a
da história. É importante, nesse momento, esclarecer que nossa tentativa de aumentar a circulação social de suas mensagens como
intenção não é abordar essa campanha em todos os seus pormenores forma de ampliar seu alcance e força de influência
– um tratamento minucioso sobre o tema pode ser encontrado
em diversas obras lançadas nos últimos anos (PROCTOR, 1996; Para além de um constructo oco: a credibilidade do front group
BRANDT, 2007; GLANTZ et al, 1998; MICHAELS, 2008; ORESKES;
A reação instintiva dos presidentes das empresas de tabaco diante
CONWAY, 2010). A grande variedade de livros explorando o tema
da súbita polêmica sobre os malefícios do seu produto foi planejar
se deve, principalmente, às decisões jurídicas, a partir da década de
1990, que decretaram a quebra de sigilo dos documentos internos a criação de um front group capaz de sustentar o posicionamento de
das empresas envolvidas no episódio, condenadas por fraudar 1 Disponível em <https://www.industrydocumentslibrary.ucsf.edu >. Todos os documentos
desse arquivo possuem um número único de identificação chamado Bates Number (BN).
o público estadunidense. Atualmente, mais de 14 milhões de Como muitos deles não possuem autores ou título, assim como demais requisitos de referen-
documentos foram publicizados pela justiça dos Estados Unidos ciação definidos pela Associação Brasileira de Normas Técnicas, indicaremos o Bates Number
dos textos citados ao final do trabalho, de maneira a permitir sua identificação e acesso.
– textos que apontam, inclusive, para como essas corporações já
2 Disponível em <http://www.sourcewatch.org /index.php/Front_groups>. Acesso em 01
possuíam dados próprios que confirmavam as alegações de que out. 2020.

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que não existiam bases científicas naquelas pesquisas. A intenção com intenção de defender determinado ponto de vista está
era estabelecer um comitê de informação pública, uma organização relacionada com a complexidade e intensidade da controvérsia sobre
de fachada que condenaria as acusações de cientistas ao mesmo a qual ele irá versar. Quanto mais polêmica e disputada for uma
tempo em que apresentaria como contraponto uma cuidadosa determinada questão, maior é a credibilidade necessária para intervir
mensagem pró-tabaco pautada nas vantagens medicinais do ato efetivamente nos seus rumos. Isso significa que o crédito oriundo
de fumar (ORESKES; CONWAY, 2010). Hill, porém, julgou que esse da institucionalização de um front group pode ser o suficiente para
rumo de ação era insuficiente ante a gravidade da situação. Seu situações menos conflituosas, mas se revela precária e insuficiente
posicionamento era que a controvérsia havia se tornado ampla para protagonizar uma grande controvérsia, especialmente naquelas
demais, e que nada iria fazer com que o público deixasse de se em que outras instituições já estão envolvidas. Nesses casos, é preciso
ir além de uma carcaça pensada apenas para conferir verossimilhança
preocupar com a questão da saúde e com os indícios científicos que
com grupos reais, sendo necessário assumir a estrutura e a atuação
relacionavam o tabaco e o câncer. Nenhum truque ou estratagema
de uma associação que de fato opera na sociedade. Esse aspecto é
de relações públicas, afirmou o profissional, faria com que aquele
importante especialmente quando levado em consideração o eventual
problema deixasse de existir (PRELIMINARY, 1953).
escrutínio ao qual aquele ator será submetido, na medida em que a
A sua maior divergência com o front group pensado pelos executivos exposição de sua natureza pode causar perdas na reputação de quem
não envolvia os princípios daquela técnica, mas sim a capacidade que está por detrás daquela iniciativa e polarizar a opinião pública.
tal comitê teria, no formato imaginado, de intervir nos rumos de uma O raciocínio de Hill se torna particularmente relevante quando a
controvérsia acalorada. Tendo que ir contra um corpo cada vez mais disputa em questão é centrada em um debate cientifico que envolve
consolidado de estudos científicos, Hill defendia como fundamental diretamente riscos ao modo de vida e à saúde dos públicos. Diante da
que “a palavra ‘pesquisa’ fosse incluída no nome do comitê como credibilidade de pesquisas que apontavam a ligação entre o cigarro
forma de estabelecer o fato de que o grupo realiza ou financia e o câncer, apoiadas por associações científicas e publicadas em
pesquisas científicas fundamentais, não sendo assim um mero difusor periódicos importantes, um front group que visava simplesmente
de informações” (PRELIMINARY, 1953, p. 4). Mais ainda, aquele front trazer a público a opinião de alguns médicos sobre como o hábito
group deveria ir além da simples aparência de um grupo real, passando de fumar traz benefícios marginais por ser um ato de sociabilização
a atuar como uma organização que de fato desenvolve as funções se revela incapaz de influenciar o debate – ao contrário, ameaçava
apontadas em sua missão e objetivos. Aquela não era, assim, uma aumentar o embaraço no qual a indústria do tabaco se encontrava.
solução instantânea, mas um compromisso a longo prazo: para Hill, Para Hill, aquele não era o momento de “enfatizar os aspectos
seria um erro da indústria do tabaco não financiar as atividades do saudáveis do cigarro, (...) algo que pode gerar um grau de ceticismo
grupo durante pelo menos três anos, período no qual seria construída na mente do público capaz de, inicialmente, afetar a credibilidade dos
a credibilidade necessária para que ele se tornasse um ator capaz de esforços de relações públicas” (PRELIMINARY, 1953, p. 3, tradução
influenciar a opinião pública (PRELIMINARY, 1953). nossa). Ao contrário, era preciso enfrentar as provas científicas com a
ajuda do próprio discurso científico – naquela temática e situação, “a
Podemos entender essa observação de Hill como um reconhecimento única forma de lutar contra a ciência era com a ciência” (MICHAELS,
de que a credibilidade necessária para um grupo manufaturado 2008, p. 6, grifos do autor, tradução nossa).

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Essa afirmação, porém, traz uma armadilha para quem a aborda fora Foi assim que surgiu o nome do Dr. Clarence Cook Little, membro da
do contexto de uma campanha de relações públicas nos moldes que National Academy of Sciences, ex-presidente da University of Michigan
Hill propunha. Em uma leitura superficial, ela pode ser entendida e ex-diretor da American Cancer Society. Como Oreskes e Conway
como um argumento a favor do confronto entre pesquisas visando (2010) apontam, Little era, naquele momento específico, uma figura
encontrar a melhor ciência, descobrir uma resposta aceita por todos marginalizada dentro do pensamento científico graças à sua defesa
como a correta para aquela situação. O objetivo de Hill, porém, não sobre a eugenia. Tal noção havia sido inicialmente aceita nos Estados
era utilizar de novas pesquisas para “vencer” a controvérsia acerca Unidos na década de 1920, mas foi abandonada após a eugenia
dos malefícios do cigarro, mas sim empregar o discurso científico nazista. Little, porém, permanecia convicto da centralidade genética,
como arma capaz de influenciar a formação da opinião pública. Sua apontando que o câncer não era causado por fatores comportamentais
estratégia era manufaturar um grupo com credibilidade suficiente como o cigarro, mas devido a uma fraqueza dos genes – discurso
para atuar no sentido de fomentar dúvidas acerca do conhecimento comodo para a indústria do tabaco por isentar seu produto de
científico que ligava o tabaco ao câncer. Essa intenção fica clara responsabilidades. Ainda que o pesquisador fosse ridicularizado na
quando são listados os públicos com os quais aquele comitê deveria se academia, suas qualificações eram suficientes para atestar, para a
relacionar com prioridade estratégica: os media, os médicos que não imprensa e públicos, que ele era uma figura de notável saber.
atuavam em pesquisas, as faculdades de medicina e alguns grupos de
interesses especiais, como associações de mulheres – os pesquisadores Assim, Little foi recrutado por Hill como Diretor de Pesquisas do
e principais corpos científicos eram, por sua vez, tratados como os comitê. Esse foi, porém, apenas o seu primeiro passo. Se a intenção
adversários da campanha (PRELIMINARY, 1953; PUBLIC, 1956). era enfrentar a ciência, ainda que no reino da opinião pública,
era necessário um corpo de dados e opiniões “científicas” capaz
É com base nessas diretrizes primordiais que a Hill and Knowlton de defender o cigarro. Era nesse aspecto que o subcomitê de
fundou, no início de 1954, o Tobacco Industry Research Committee, que pesquisas atuaria, identificando estudos promissores que seriam
se transformaria, em alguns anos, no Council for Tobacco Research financiados. Centenas de trabalhos foram contemplados com
(CTR). Se a intenção primordial era a construção da credibilidade recursos do tabaco nos anos seguintes. Importante ressaltar que,
daquele front group, Hill nota que ele deveria ser estruturado como um para os objetivos de Hill, aqueles estudos não precisavam provar
centro de pesquisa, contando com um Diretor de Pesquisas dotado
a inexistência da ligação entre cigarro e câncer, mas meramente
de notório saber que atuaria como porta-voz sem levantar suspeitas
fomentar dúvidas sobre ela. Eram considerados estratégicos os
sobre suas qualificações. Mais ainda, era preciso criar um conselho
estudos que possibilitavam ao comitê realizar uma defesa “neutra”
consultivo “composto por um grupo de pessoas com reconhecimento
sobre o cigarro, pesquisas, por exemplo, que apontavam para outras
no campo da medicina, pesquisa e educação” (PRELIMINARY, 1953,
causas de câncer, desassociando indiretamente o tabaco e a doença
p. 5, tradução nossa), assim como um subcomitê de pesquisas.
(MICHAELS, 2008; ORESKES; CONWAY, 2010). Além de gerarem
Em outras palavras, era necessária uma atenção especial para a dados e nomes que poderiam ser acionados em campanhas,
credibilidade das pessoas envolvidas naquele grupo, na medida em esses estudos ajudavam a proteger o CTR do pesado escrutínio
que elas poderiam contribuir, ou não, com o prestígio da iniciativa. que ele seria submetido ao tentar influenciar os rumos daquele

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debate. Nesse aspecto, a agência salientava a importância de que Circulando mensagens: explorando a
os estudos financiados seguissem padrões éticos, com o comitê vulnerabilidade dos médicos e dos media
jamais intervindo diretamente nos resultados das pesquisas – o
Em segundo lugar, é fundamental observar que a atuação do CTR
real ponto de intervenção deveria ser a seleção dos trabalhos que
foi pensada no sentido de expandir a circulação social das dúvidas
seriam financiados e nunca os seus achados (PUBLIC, 1956).
acerca da ligação entre o cigarro e o câncer. A maneira mais eficiente
Outro aspecto importante para a credibilidade do CTR era como de garantir que esse ponto de vista se tornasse amplo era, na ideia de
seriam acionados valores socialmente relevantes em seus discursos. Hill, por meio dos media e da comunidade médica, atores que teriam
Como já mencionado, Hill observou que a defesa de um ponto maior capacidade de influenciar a opinião pública sobre a temática.
de vista focado nos benefícios do cigarro era inadequada ante a Uma das primeiras preocupações do conselho foi formular uma lista
controvérsia instalada.Com essa preocupação, a Hill and Knowlton de quinze perguntas chaves que permaneciam instigantes ante as
identificou três pilares centrais a serem publicamente trabalhados novas pesquisas sobre o tabaco. Por exemplo, por que a Inglaterra
pelo CTR como forma de demonstrar sua consonância com as possuía quatro vezes mais casos de câncer de pulmão que os Estados
preocupações sociais: em primeiro lugar, o grupo precisaria se Unidos, apesar do consumo de cigarro no país ser menor? Por que
apresentar como uma instituição orientada pela defesa da saúde cidades com as mesmas taxas de fumantes apresentavam variações
significativas no número de mortes por câncer? Como explicar que
pública; em segundo lugar, suas falas deveriam sugerir desconfiança
ratos pintados com tabaco desenvolveram câncer de pele, enquanto
com a rápida popularização de pesquisas que concluíam, de maneira
que outros expostos à fumaça do tabaco não apresentaram câncer de
descuidada e sem o apoio de uma base factual, que o cigarro era
pulmão? (PRELIMINARY, 1953).
o principal causador do câncer, apontando como esses esforços
colocavam em risco o bem-estar da população ao desencorajar novas Segundo Oreskes e Conway (2010), essas perguntas são, em última
reflexões que poderiam desvelar as reais causas daquela doença tão medida, legítimas. Mas são, ao mesmo tempo, extremamente
fatal; em terceiro, sustentar que o objetivo da iniciativa era permitir enganosas, principalmente ao ignorar que nenhum autor de
e incentivar estudos até então suprimidos pela sociedade científica respeito afirma que o cigarro é a única causa do câncer do pulmão.
mainstream, contaminada por interesses financeiros privados, e O movimento discursivo do CTR, porém, era usar essas observações
voltados para ampliar, a partir de fatos e provas, a compreensão da como uma distração para desvincular a doença e o cigarro, e o grupo
sociedade sobre o câncer (PRELIMINARY, 1953). rapidamente passou a bombardear jornalistas e médicos com esses
questionamentos. As perguntas
O reconhecimento de que uma maior credibilidade era necessária
para intervir em uma grande controvérsia científica corrente torna convenceram as pessoas que não possuíam conhecimentos
especializados sobre o assunto de que havia ainda muitas
o Council for Tobacco Research um front group diferenciado do modelo
dúvidas sobre a temática. A indústria percebeu, assim, que
clássico associado com essa estratégia – ele segue as mesmas lógicas, era possível criar a impressão de um grande debate científico
mas as impulsiona a novos patamares na busca por se tornar um ator simplesmente ao apresentar perguntas, ainda que suas res-
viável para influenciar a opinião pública. postas fossem conhecidas e não ajudassem necessariamente

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o caso de seus produtos. Dessa forma, a indústria começou médicos “não estavam cientes do quanto essas afirmações [sobre
a transformar o emergente consenso científico em um feroz o cigarro ser causador do câncer] estavam sendo questionadas por
‘debate’ científico (ORESKES; CONWAY, 2010, p. 18-19, tra-
autoridades no campo. É do interesse da ciência e do público que
dução nossa).
essas visões sejam trazidas ao conhecimento público” (SCIENTIFIC,
Assim, duas frentes de atuação foram fundamentais para que 1954, p. 4, tradução nossa). A partir desse ponto, a obra apresentava
essa estratégia de circulação social das dúvidas funcionasse: o opiniões de “pesquisadores” norte-americanos e europeus, sempre
relacionamento com os médicos e com os media. Os médicos foram as enquadrando a partir da listagem de dúvidas formulada por Hill.
identificados, desde o princípio, como públicos centrais para os O comitê organizou também congressos científicos sobre o câncer
esforços da indústria do tabaco. Consumidos por dúvidas sobre que davam ampla ênfase em todos os possíveis fatores causadores
um tema relacionado com a saúde, era natural que os sujeitos da doença, menos o cigarro. A mensagem geral desses eventos era
questionassem os especialistas da área com quem possuem maior que ainda não existiam informações suficientes sobre o tema para
contato. A questão que se apresentava, assim, era entender como que culpados fossem apontados com certeza científica, e era melhor
a opinião profissional desse público era constituída, e quais suas precaver. Muitos desses congressos durante a década de 1950 e
vulnerabilidades. Nesse ponto, Hill observa a dificuldade dos médicos 1960 aconteciam em países considerados exóticos para o padrão
se manterem atualizados perante os avanços científicos, e como anglo-saxônico (um número significativo no próprio Brasil) com
parte dos profissionais não possui entendimentos sobre estudos e médicos norte-americanos e europeus sendo convidados de honra a
métodos de pesquisa, focando em suas práticas profissionais a partir participarem dos eventos (ORESKES; CONWAY, 2010).
de um conhecimento cristalizado. Tal vulnerabilidade ofereceria uma
possibilidade para a indústria: oferecer a tais médicos informações Também era significativa a aproximação do CTR com as faculdades
aparentemente qualificadas, ainda que enviesada. O objetivo, assim, de medicina. O comitê oferecia cursos especializados para essas
não era convencer parte daquele público que desenvolve pesquisas, instituições, assim como bolsas de pesquisas, materiais didáticos e
mas sim uma parcela de praticantes que possui pouco contato com verbas para a compra de equipamentos. Em um primeiro momento,
esse mundo, e poderia ser convencido a partir de materiais criados a comunidade acadêmica reagiu com desconfiança, questionando
sob medida para suas preocupações e conhecimentos. os conflitos éticos que aquelas pesquisas enfrentariam graças ao
financiamento de um grupo ligado com a indústria do tabaco. A
Parte da atuação do CTR consistiu justamente na criação de veículos
resistência a essa atuação, porém, foi vencida rapidamente quando
supostamente especializados voltados para disseminar as dúvidas
verbas começaram a chegar nos departamentos de tais instituições –
sobre o vínculo entre cigarro e câncer para os médicos. Nessa
em 1955, o CTR investiu U$500.000 em bolsas e incentivos direcionadas
vertente, uma primeira ação foi realizada ainda em 1954, quando um
para setenta e sete universidades nos EUA (TOBACCO, 1992).
livreto intitulado A Scientific Perspective on the Cigarette Controversy
foi preparado pelo Dr. Little e enviado gratuitamente para 176.800 Outra iniciativa importante foi a criação de um periódico
médicos nos Estados Unidos (ORESKES; CONWAY, 2010). O texto, pseudocientífico, o Tobacco and Health Research, distribuído
estruturado a partir de um padrão científico, afirmava que muitos gratuitamente para mais de 200.000 médicos. A ideia era que o

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veículo trouxesse estudos realizados no âmbito do CTR para médicos definitiva sobre o câncer – afinal havia muitas questões misteriosas
que não estavam envolvidos com pesquisas. O documento que discute não respondidas.
a criação do periódico incluía os critérios a serem observados para
Todas essas medidas visavam instituir, assim, um fluxo de
seleção dos seus artigos: estudos que relacionavam outros fatores
comunicação direcionado para a classe médica, evitando que o
que não o tabaco com doenças às quais o ato de fumar era vinculado;
consenso científico sobre os malefícios do tabaco chegasse até eles.
relatórios que questionavam estatísticas sobre o cigarro e o câncer;
Essa campanha foi complementada com tentativas de influenciar
pesquisas que apontavam como o câncer de pulmão muitas vezes
outro ator central para a formação da opinião pública: os media.
originava em outro órgão e sofria metástase; reflexões sobre como o
Assim que o CTR foi criado, a agência de relações públicas responsável
câncer poderia ter origem virótica. O memorando afirmava que “o tipo
organizou duas ofensivas mediáticas. A primeira consistia em utilizar
mais importante de história é a que lança dúvidas nas teorias de causa
o aparato de relacionamento com a imprensa da Hill and Knowlton,
e efeito entre o cigarro e doenças” (TOBACCO, 1968, tradução nossa).
investindo em contatos diretos com presidentes e editores dos
Todos os trabalhos publicados naquela revista deveriam trazer uma principais programas de rádio, televisão e veículos de imprensa dos
estrutura idêntica à adotada por periódicos científicos conceituados, EUA para apresentar o comitê. O segundo movimento foi a compra
incluindo notas de rodapé – segundo o documento, elas ajudavam de espaço em 448 veículos mediáticos localizados em 258 cidades
a dar uma aura científica para os textos (TOBACCO, 1968). Cada dos EUA para publicar o anúncio “Uma declaração franca para os
artigo deveria ser acompanhado por uma manchete elaborada a consumidores do cigarro”, elaborado no formato de uma carta na qual
partir da noção de que os médicos, “assim como outros leitores, o CTR apresentava seus valores e objetivos – ao mesmo tempo que
apreendem muitas vezes apenas a informação das chamadas. Assim, ocultava a participação da indústria do tabaco na iniciativa. No total,
as manchetes devem apontar de maneira incisiva para o ponto U$ 250.000 foram gastos nessa prática (TOBACCO, 1954).
defendido pela revista: controvérsia! Contradições! Outros fatores!
Passado o momento introdutório, o comitê colocou em ação uma
Aspectos desconhecidos!” (TOBACCO, 1968, tradução nossa).
estratégia centrada em abusar de uma vulnerabilidade importante da
Essas diretrizes foram seguidas com afinco, como apontado pela imprensa: sua suposta imparcialidade. Foram criados, assim, apelos
seleção de Michaels (2008) de alguns dos artigos publicados no para que os veículos de imprensa adotassem critérios imparciais e
periódico. Entre outros, foram selecionados os seguintes títulos: objetivos para tratar o assunto, permitindo que porta-vozes do grupo
“Cientistas reportam que o aumento no câncer de pulmão está ligado comentassem em matérias que abordavam as pesquisas vinculando
com a diminuição de tuberculose”; “Vínculos entre o câncer de pulmão o cigarro e o câncer. Durante anos, o CTR insistiu para que os media
e as pessoas nascidas no mês de março”; “Câncer de pulmão é mais raro atuassem de forma “responsável”, provendo uma apresentação
em pessoas carecas”; “Quase metade de 1.000 casos de câncer são não- balanceada dos fatos (ORESKES; CONWAY, 2010). Central para o
fumantes”; e “Especialista em pulmão elenca 28 razões para duvidar argumento era a Fairness Doctrine, uma política pública instituída
da ligação entre câncer e cigarro”. A aposta era que um médico, em em 1949 pela Federal Communications Commission que garantia que
contato com esse desfile de informações, não teria outra reação além os serviços de difusão deveriam prover pontos de vista contrastantes
de duvidar que a ciência já era capaz de se posicionar de maneira sobre questões de interesse público (ORESKES; CONWAY, 2010) –

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algo que revela um problema importante acerca das políticas públicas comprovavam a ligação entre tabaco e o câncer de pulmão, novos
que procuram intervir no conteúdo midiático, na medida em que esforços sobre o tema encontravam cada vez menos espaço na
elas podem se tornar importantes vulnerabilidades a serem usadas imprensa. Segundo reflexões internas da agência de relações públicas,
por aqueles grupos que possuem conhecimento especializado. Com aqueles trabalhos eram pouco noticiados por serem encarados como
base nessa ideia, o CTR fazia constante pressão para que todos mais do mesmo – eles “fracassavam na aparência de contribuir
os media, incluindo jornais impressos, revistas e programas de com novas e pertinentes facetas do problema” (PUBLIC, 1956, p. 2,
entretenimento, concedessem tempo e espaço igual para o grupo tradução nossa), o que consiste em um mais uma vulnerabilidade
expor seus argumentos. a imprensa como difusor de informações de interesse público, na
medida em que tais pesquisas seriam fundamentais por mostrar
Em última instância, o que Hill propôs era um conjunto de práticas,
a criação de um consenso científico sobre o tema na medida em
incluindo enxurradas de cartas para os editores, que tentavam
que confirmavam os malefícios do cigarro a partir de novos dados,
utilizar o princípio da objetividade jornalística para a criação de
adicionando peso ao corpo de provas que estava sendo construído.
dúvidas científicas. Diferente de seus adversários da American Cancer
Society (ACS), o conselho financiado pela indústria do tabaco possuía Fundamentais para a ciência, tais pesquisas não eram, porém,
recursos para fazer um monitoramento amplo da cobertura mediática, atrativas enquanto notícia, pois apenas reafirmavam o que já
exigindo que em todas as matérias sobre pesquisas científicas havia sido publicado. O que a Hill and Knowlton percebeu era a
gerassem um espaço para que um “especialista” argumentasse que oportunidade de enquadrar os estudos divulgados pelo CTR de
aqueles dados não eram conclusivos e propusesse novas incertezas uma forma capaz de capturar a atenção da imprensa e capitalizar o
sobre o tema. Essa estratégia foi bem-sucedida, e mesmo jornalistas interesse público ao redor do tema. Para tanto, era preciso ressaltar
icônicos, como Edward Murrow, concederam amplo espaço para que especialmente as características inovadoras de seus estudos,
representantes do CTR questionassem os esforços e resultados de focando no interesse social ou no elemento humano. Os trabalhos
estudos sobre os malefícios do cigarro (ORESKES; CONWAY, 2010). que relacionavam a poluição atmosférica com o desenvolvimento
Foi apenas em 1979 que o jornal The New York Times comunicou a do câncer de pulmão, por exemplo, eram repaginados pela agência
decisão de não mais ceder aos apelos da indústria para que fossem como a descoberta de mais uma peça no grande quebra-cabeças
destinados espaços para porta-vozes que argumentavam sobre como científico e vendidas como uma “fase nova, interessante e importante
o debate científico ainda não estava decidido – o jornal assumia, da situação geral” (PUBLIC, 1956, p. 2, tradução nossa).
naquele momento, o posicionamento de que o debate já estava
encerrado há anos, mas que a imprensa, em sua ânsia por apresentar Consequências da estratégia e considerações sobre os front groups
os dois lados de uma questão, contribuía para que interesses privados
As estratégias de relações públicas da indústria conseguiram,
conseguissem espaço para disseminar incertezas (HOYT, 2008).
inicialmente, sucesso. Se o cenário em 1953 era de condenação ao
Não se tratava, porém, apenas de uma diferença de recursos tabaco, logo a situação se acalmou. As análises do CTR apontavam
financeiros, mas também no conhecimento das lógicas dos medias. que, em 1956, “nem a imprensa nem o público parecem reagir com
Nos anos seguintes ao frenesi causado pelos primeiros estudos que medo ou alarme perante os recentes ataques [contra o cigarro]”

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(PUBLIC, 1956, p. 1, tradução nossa). Essa situação só foi alterada em As ações da indústria do tabaco a partir da década de 1950, porém,
1964, quando um relatório do governo dos EUA concluiu que existiam são particularmente interessantes por apresentarem a noção de
provas inequívocas sobre os malefícios do cigarro (BRANDT, 2007). que o front group precisa, em certas situações, evoluir, deixar de ser
apenas um constructo oco para assumir o papel e a função de ator
Ainda assim, a reação da indústria foi manter a estratégia de criação
social atuante e com grande credibilidade. Podemos entender essa
de dúvidas. Um memorando da empresa Brown and Williamson,
necessidade como fruto das modificações sociais da ciência no século
datado de 1969, afirmava de maneira inequívoca que “a dúvida é
XX, cada vez mais amparada por sociedades científicas dotadas de
nosso produto, já que ela é a melhor forma de competir com o ‘corpo
um vasto aparato especializado. Aquelas estratégias de relações
de provas’ que existe na mente da população em geral” (SEM TÍTULO,
públicas deixaram de competir com um saber especializado difuso,
1969, p. 1, tradução nossa). Um executivo observou, em 1972, que toda
truncado e pautado nas experiências individuais para enfrentar um
a defesa da indústria do tabaco partia de três pilares – litígio, política
e opinião pública – afirmando que a estratégia foi “brilhantemente discurso científico que tende a se apresentar cada vez mais coeso,
concebida e executada ao longo dos anos. (...) Porém, é justo dizer que totalizante e racionalizado. Essa mudança implica em alterações
ela não é, e nem foi pensada para ser, um veículo para a vitória. Ao significativas nas práticas que visam influenciar a opinião pública
contrário, ela sempre foi uma estratégia de contenção, consistindo acerca do conhecimento científico: elas também passam por um
na criação de dúvidas sobre as acusações de danos à saúde” (ROPER, processo de especialização.
1972, p. 1, tradução nossa). O documento observa que tal conjunto de Pensar as dinâmicas agnotológicas que envolvem a manufatura
ações era fadado ao eventual fracasso, já que a opinião pública iria de incerteza nos possibilita lançar novos olhares para as práticas
deteriorar frente às novas provas científicas. de relações públicas, especialmente nos dias contemporâneos.
Ainda assim, a indústria do tabaco não encontrou melhores opções É fundamental observar como aquelas práticas partiram da
estratégicas. No decorrer dos anos, novos front groups foram criados, identificação de vulnerabilidades importantes no processo de
assim como renovadas tentativas de influenciar os media e a opinião formação da opinião pública, conquistando credibilidade e
pública. As batalhas foram se sucedendo –para tentar bloquear os difundindo dúvidas. Ao mesmo tempo, são práticas complexas,
avisos que apontavam os malefícios do tabaco, contra a proibição de com grupos que deixam de ser uma fachada e assumem a forma
propaganda do produto, contra a ideia de que o fumo de segunda mão atual de think tanks ideológicos (SILVA, 2018). Jogar um olhar
é prejudicial e contra o banimento do cigarro de locais públicos – e as para as estratégias de relações públicas da indústria nos permite,
vendas do cigarro foram progressivamente declinando. Ainda assim, assim, refletir sobre vulnerabilidades dos públicos que não foram
as ideias trazidas pela campanha formulada por John Hill formaram totalmente superadas, e que nos ajudam a entender elementos da
um verdadeiro playbook de como instigar dúvidas científicas. O que circulação e disputas de sentidos acerca da ciência atualmente,
devemos ressaltar, ao final desse percurso, é que no cerne daquela inclusive no contexto do Covid-19. Campanhas de comunicação
campanha está a ideia de manufaturar um ator aparentemente sem pública da ciência, nesse sentido, necessitam de considerar essas
interesses econômicos para levar a cabo uma campanha visando vulnerabilidades para conseguirem atuar de maneira mais forte em
alterar a opinião pública. nossa sociedade.

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Cenário 2 Mix Comunicação organizacional

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274 275
pROCeSSO COmuNICACIONAl
NO peRíODO DA pANDemIA

Daniela Oliveira Campos

Uma pandemia, uma reinvenção de tecnologia. A comunicação faz,


acontece, transcende barreiras. Chega na casa de cada persona atra-
vés de computadores, sons, ligações de vídeo, lives interativas dentre
outros meios, mas sempre de máscara e com muito álcool em gel,
com todas as restrições que a Covid -19 impõe.
Foi assim que nos vimos em meio a pandemia, um momento único,
de muito aprendizado, desafios e tristezas que nos permitiu a rein-
venção, apressou alguns processos e declarou algumas distâncias.
Distâncias essas que se fizeram próximas através do processo comu-
nicacional assertivo e tecnológico.
Assertivo no sentido de chegar a qualquer um, qualquer segmen-
to, qualquer setor e a qualquer tribo ou raça, de forma online, com
distanciamento e com muita qualidade de conteúdo, de pessoas, de
compartilhamento de informações, mas a princípio de grandes au-
las. Aulas com RP´s, com alunos, com comunicólogos que sempre
tem algo a nos acrescentar, a nos envolver, a nos ensinar.
Tecnológico pelo momento virtual e atual, por comunicar através de
fibras, de cabos, de nuvens. De cliques e de olhares móbiles.
Foram criados canais de comunicação para que as pessoas pudessem
chegar mais perto umas das outras de forma virtual, mas acima de

277
Cenário 2 Mix Comunicação organizacional

tudo real.Ferramentas foram usadas, barreiras foram quebradas e a Acreditar, desafiar, compartilhar. E o que mais você tem para com-
adaptação se tornou necessária. plementar?

O mundo todo precisou se reinventar, se reerguer, se mobilizar. A Um momento de prazos, de tarefas, de criatividade. Em um ano de
vida passou a ser on-line, os abraços virtuais, mas as necessidades pandemia no mundo, o que a comunicação se tornou com tudo isso?
continuaram concretas e reais. Nos descobrimos, reinventamos, E o que você aprendeu?
atualizamos. Nos vimos a frente de um novo mundo com caras tam- A se reinventar, a ter novos canais, a se distinguir, a ser valorizada, a
padas, olhares desconfiados e pensamentos alterados. A ansiedade demandar e ser demandada.
pairou no ar, na vida, no dia a dia. Os momentos passaram a ser eter-
nos e as pessoas começaram a desaparecer e a se infectar com um Canais foram criados e reinventados. Pessoas foram formatadas e
piscar de olhos. O Vírus passou a disseminar. reiteradas.

Através do Conrerp3 retomamos o projeto INOVA RP, lançado em As pessoas que estão na rua têm medo do vírus e as que estão em
07/11/2017, bem antes do mundo se tornar virtual, mas com uma Home Office ou simplesmente em casa temem que outras doenças
venham, como a depressão, o cansaço, o estresse contínuo.
afeição a tudo isso.
Quando o assunto é comunicação, passamos a falar menos e obser-
No auge da Pandemia, em março de 2020, encontramos uma forma
var mais. Com máscaras e com códigos, com muita atenção e com
de retomar o nosso contato com os profissionais de Relações Públicas
bastante sinalização. Começamos a nos preocupar mais com o vi-
levando conteúdo de qualidade a todo o público interessado. Foram
sual, os sinais e tudo que possa ser transmitido virtual.
33 lives, falamos de voluntariado, de gestão, de pessoas e tecnologia.
Rimos, choramos, nos emocionamos. A cada contato, uma história, a As interações passaram a ser completamente comportamentais,
cada live, uma memória. funcionais e mídias. Vieram através de telas, que colaboraram com o
crescimento do setor de tecnologia, de comunicação e sempre com a
E o que tem por trás da sua tela? Um RP com sonhos, desafios e opor- presença do profissional habilitado e engajado.
tunidades de uma pandemia? Um grande sonhador, empreendedor,
facilitador de processos? Uma pessoa que acima de tudo sente medo, O Relações Públicas passou a ter um papel mais ativo e relevante nas
sente pânico, sente esperança de uma vacina? Ou sente tristeza por organizações, pois ele teve que colocar a cara a tapas e descobrir no-
ter perdido alguém? vas formas de se comunicar, de se mostrar, de atualizar. De entender
o porquê, para que, o como e onde a comunicação deve chegar. De
O que essa Pandemia nos trouxe? Novos amigos? Novos empregos? No- fazer e acontecer dentro de um cenário completamente duvidoso e
vos aprendizados? Novos desafios? Novas conquistas? Novos medos? instável, com medo, cuidados e precauções.
Uma sensação de medo com angústia, de desafio com felicidade, A comunicação passa a tomar uma importância gigante e atraves-
de oportunidades com abraços, de novos projetos com vários reco- sa pixels demandando vários processos. O processo ficou diferente,
nhecimentos. dentro de casa, dentro de quartos, dentro de imóveis, muitas das ve-

278 279
Cenário 2 Mix Comunicação organizacional

zes sendo dividida a ferramenta de trabalho por inúmeras pessoas de O isolamento e o distanciamento das pessoas em suas casas têm sua
diferentes faixas etárias e necessidades. De classes sociais e sonori- importância - vamos chamar de positivo. De um lado, evitam o au-
dade. De processos e necessidades. mento de circulação, hospitalização e mortes de pessoas, em função
da falta de equipamentos, falta de leitos, medidas de proteção e até
O ano de 2021 continua com essa forma diferente em todo mundo, em
de profissionais que já estão exaustos. Do outro, estas informações
especial no que diz respeito à pandemia do novo coronavírus, cau-
apresentam e representam os seus paradoxos (contradições) - vamos
sador da Covid-19. Vários lugares continuam passando a vivenciar
denominar de negativo. Tem impactado a economia e a saúde das
cenários preocupantes, cenas alarmantes e particularmente com os
pessoas, mas, com as pesquisas e os estudos, ao longo dos tempos,
impactos negativos, em diferentes escalas, na saúde e na economia
as informações poderão apresentar os (ou outros) resultados. Além
das pessoas e das empresas, frutos de outros problemas estruturais
de afetar o lado financeiro, também afetaram o lado psicológico, pois
e conjunturais em relação à várias esferas e segmentos da sociedade.
já há indicadores do aumento da violência domiciliar (feminicídio),
A pandemia da Covid-19 tomou conta das reportagens, por meio das aumento do consumo de bebidas alcoólicas, mas com poucas ações e
informações, com certa razão e necessidade, fruto do isolamento, manifestações das pessoas e dos gestores.
distanciamento social e resolutividade dos impactos. As informa-
Vamos aguardar, mas sem paralisar os estudos e as pesquisas, pois
ções foram e são muito mais em função das práticas necessárias so-
são eles e elas que podem nos “garantir” a tomada de “decisões”
bre os cuidados (modos corretos de se lavar as mãos e usar as más-
mais “seguras”. Afinal, qual é a importância da informação e da co-
caras,higienização de tudo e de todos, pessoas com casos suspeitos
municação em tempos de coronavírus?
e confirmados, mortes, curadas e quantidade de testes). Também
na divulgação de dados, foram produzidos mapas, gráficos, tabelas, Num primeiro momento, uma breve preocupação com a informação
estudos e pesquisas sobre medidas de cuidados, vacinas, desenvol- que, por si só, não garante que ela vá surtir efeitos positivos e ade-
vimento de tecnologias e equipamentos para cuidados com pessoas quados para mudanças de atitudes e de procedimentos, por meio de
hospitalizadas. Ainda são informações com pouco significado de ações individuais e/ou coletivas. Até porque, a informação, inicial-
contexto para uma parcela da população, que não tem a menor ideia mente, é muito mais individual, de uma pessoa que está preocupada
do que foi dito anteriormente. (ou não) com o que vai divulgar. Mas, aos poucos, apresenta “coe-
são” coletiva, a partir de grupos sociais, e toma outras dimensões.
Enfim, até então, são informações emitidas pelas diversas mídias
Vejam o caso das fake news, que em alguns momentos e algumas ve-
(meios de comunicação?). Mas como elas foram recebidas pelas pes-
zes propagam ou incentivam ações inadequadas e até mesmo peri-
soas? Como cada pessoa conseguiu interpretar cada “código” emiti-
gosas do ponto de vista da saúde das pessoas.
do? O “bombardeio” das informações foi e continua sendo gigante.
Mas uma parcela da população não tem a menor ideia dos contextos Por isso, para além da informação, há necessidade de se fazer uma
contidos em cada informação divulgada. Muitas vezes, são informa- boa comunicação, para que ambas surtam efeitos significativos, de
ções falsas que manipulam as pessoas (fake news). Mas, com o passar maneira que as pessoas, de forma coletiva, mudem de comporta-
do tempo, esperamos que ocorram os devidos ajustes. mento e de atitude, para o bem da maioria, a partir de ações que se-

280 281
Cenário 2 Mix Comunicação organizacional

jam ressignificadas, enquanto estratégias da promoção da saúde e das, como as reformas urbanas que estavam sendo realizadas pelo
bem estar contínuo da sociedade. prefeito Pereira Passos e as campanhas de saneamento lideradas
pelo médico Oswaldo Cruz, em especial na eliminação do Aedes ae-
O isolamento e o afastamento social têm alguns aspectos interessan-
gypti e da febre amarela.
tes e importantes a serem analisados, abordados e apontados para
toda a sociedade. Com um tempo maior das pessoas em suas casas Mas, para este momento atual de pandemia, o que podemos e deve-
com seus familiares, ficam mais sentadas ou “paradas” diantes das mos fazer (ainda informação, vejam), mas que pode representar, aos
TVs assistindo a inúmeras programações nestes últimos dias, muito poucos, estratégias de comunicação:
mais em relação à Covid-19, acomodadas em diferentes ambientes,
- Olhar, observar e cuidar com atenção em cada casa (dentro e fora),
ouvindo som pelo celular ou outros meios de comunicação. eliminando e/ou evitando criadouros que acumulam água de for-
As pessoas, em suas casas, podem ou poderiam, diante de um con- ma desnecessária. Neste caso, as vasilhas (bebedouros) de animais,
junto de atitudes e procedimentos (ações), ajudar, ao mesmo tempo, plantas que acumulam água (bromélias), etc. Mas, por que, em es-
a si próprias, aos seus familiares e à sociedade. Mas, na maioria das pecial dentro de casa? Segundo os dados dos Centros de Controle de
vezes, somente com informações! Zoonoses, por meio de pesquisas larvárias – Levantamento Rápido
de Índices para Aedes aegypti (LIRAa), mais de 80% dos criadouros
Por isso, a importância da informação com comunicação. A infor- estão dentro ou no entorno de nossas residências;
mação deverá ser mais comunicativa. Mas, o quê, para quem e de
que forma? Não acredito que exista uma receita pronta. Isso porque • Evitar muitos contatos, sem proteção (máscaras e limpeza das
a comunicação é (ou deveria ser) um processo que envolve as trocas mãos com água e sabão, ou com uso do álcool em gel), para não
de “códigos” presentes nas informações entre várias pessoas, ou in- apresentar riscos de contágios de algumas doenças, por exemplo,
terlocutores, por meio de mensagens mutuamente entendíveis (de- tuberculose;
codificadas), ou seja, deve (ou deveria) ser um processo social que • Conversar com os seus vizinhos, de forma protegida, sobre estas
permitisse às pessoas interpretar os códigos das mensagens que pro- preocupações (evitar fake news);
vocam trocas de saberes e fazeres.
• Colaborar com as visitas dos agentes de combates às endemias (ou
Mas, com certeza, toda aquela informação, com uma melhor comu- agentes de controle de zoonoses), que neste momento, em função
nicação, que tenha sentido, sensibilize e mobilize as pessoas, terá dos cuidados necessários, também estão em isolamento e afasta-
melhores resultados. Não é de um dia para o outro. Na história das mento ou com dificuldades de acessos às residências.
doenças, com suas epidemias ou pandemias, tivemos vários exem-
Da forma como foi dito, anteriormente, tem muito mais relação com
plos que impactaram a sociedade. Um deles foi a “Revolta da Vaci-
a informação. As pessoas já sabem o que precisa ser feito. Não fazem
na”, que foi um motim popular ocorrido entre 10 e 16 de novembro de
pela forma “banalizada” das relações midiáticas.
1904 na cidade do Rio de Janeiro, então capital do Brasil. O pretexto
imediato foi uma lei que determinava a obrigatoriedade da vacina- As formas como as informações são veiculadas apenas informam,
ção contra a varíola, mas também associada a causas mais profun- com poucas reflexões. Por isso, necessitamos de outra forma de co-

282 283
Cenário 2

municação da informação, mais dialogada com os diferentes seg-


mentos da sociedade, de forma intersetorial e em redes territoriais.
plANejAmeNTO De eveNTOS
Sendo assim, entendemos que a comunicação não deve ser vista ape-
nas como transmissão de informações, mas sim como um processo de em TempOS De pANDemIA
produção e ressignificação de sentidos sociais, baseada na concepção a experiência aplicada pelo
defendida pelo linguista russo Mikhail Bakthin, que propõe o conceito
de “polifonia”, ou seja, que a comunicação não deveria ser vista apenas profissional de Relações Públicas
como a transmissão de informações e, sim, considerada como um pro-
cesso de produção de sentidos sociais, enquanto relações interculturais.
Eneida Stehling
Após um ano de Pandemia, o que mudou? Os processos se tornaram
mais tecnológicos, os profissionais de comunicação se tornaram
mais indispensáveis (foco nas Relações Públicas). Introdução

As pessoas continuam mais ansiosas, com mais incertezas e mais vo- A pandemia bagunçou o coreto. Literalmente. Todo o cenário mais
láteis. Está todo mundo no limite, não custa nada tentarmos ser um do que preparado para a realização de eventos, de proporções mo-
pouquinho mais gentis para o processo de comunicação fluir melhor. numentais, foi impactado pela avassaladora probabilidade de con-
taminação dos públicos participantes, pelo vírus da COVID-19. Toda
A tecnologia está sendo usada por necessidade absoluta das pontas.
a cadeia desse importante setor da economia mundial, afetada pelo
Estamos tendo muitas possibilidades de aprendizado, nossas vidas
imperativo da segurança pela vida, viu-se obrigada a parar para en-
estão inquietas e conseguimos dar voz às coisas. Fomos empurrados
tender toda a situação, e identificar alternativas para seguir em fren-
às tecnologias, estamos sendo reformatados com a possibilidade que
te. Mas, que novo rumo é esse?
esse artifício tecnológico nos dá, da democratização da tecnologia, o
que não irá suprir a necessidade de verberação. Precisamos ter cui- O cenário de eventos mudou drasticamente. Paradigmas de produção
dado para não nos encapsularmos e nos colocarmos na concha. Pre- foram quebrados ou substituídos por estruturas ainda em construção.
cisamos que a criatividade exista para as alegrias e para as redações. O isolamento social é medida de prevenção eficiente, na batalha de
contenção da pandemia. De imediato, as soluções digitais foram ado-
Fica aqui o meu eterno agradecimento ao Conrerp3, por todo apren-
tadas, mas deixam um rastilho de saudades da aglomeração, do con-
dizado nessa nova fase do INOVA, pois me permitiu um contato du-
tato face a face. E esse é o panorama em que muitos profissionais estão
plamente semanal com pessoas, com comunicólogos, com empresas,
inseridos, afetados pela escassez de trabalhos e pela ausência de solu-
com conteúdos, com gente como a gente. Gente que ri, que chora, que
ções de curto prazo, para esse problema sanitário de alcance global.
se atualiza e aprende a cada dia. Gente cheia de conteúdo, de vida, de
histórias e memórias. Gente de luz, gente de paz, gente de sonhos e Os números do setor de eventos no Brasil são expressivos. Os da-
realizações. Gente que faz e acontece, que vibra e resplandece através dos coletados pelo Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas
de um processo comunicacional em um período totalmente viral. Empresas (SEBRAE), demonstrados em 2020, dão conta de que o

284 285
Cenário 2 Mix Comunicação organizacional

segmento é responsável por quase 5% do PIB nacional, oriundos do Eventos são, definitivamente, excelentes ferramentas para atingir
movimento de mais de 70 setores da economia brasileira. A quase públicos específicos, e o Relações Públicas é o profissional mais habi-
totalidade das empresas que compõem essa cadeia foi afetada, e por litado para planejar a forma de atingir as metas dos objetivos pré-es-
consequência milhares de trabalhadores diretos ou terceirizados fo- tabelecidos., e garantir a melhor execução.
ram desligados, contribuindo para o agravamento do desemprego
crescente no país. Os desafios da Comunicação para planejadores de eventos
Diante da falta de apoio que o empresariado do segmento de even- O isolamento social mostra o quanto é preciso que todos estejam pre-
tos depara, das sucessivas ondas de contaminação ainda registradas parados para mudanças. Tudo pode mudar, rápida e inesperadamen-
no Brasil, perda de clientes e o fechamento dos negócios, há um cla- te. Os planejadores de eventos, por exemplo, acostumados apenas
mor geral por soluções que colaborem para a superação dessa crise com o contato presencial com clientes e fornecedores, tiveram que
e retomada do setor. Nesse momento em que a insegurança pauta as se adaptar ao digital. E o que aconteceu, foi que nem todos estavam
decisões, as inovações tecnológicas surgem como alento e possível prontos para isso. A frase atribuída a Stephen Hawking: “inteligência
salvação. Porém, a solução passa pela inteligência humana e sua in- é a capacidade de se adaptar a mudança”, ilustra a situação, que indi-
findável capacidade de criação. E é nesse cenário que o profissional ca condições para que este reposicionamento seja consolidado.
de Relações Públicas, como planejador de eventos, ganha destaque.
O Relações Públicas, na condição de planejador de eventos, bem como
toda a cadeia de produção, deve estar absolutamente integrado às so-
O profissional de Relações Públicas
luções e inovações que estão sendo adotadas para a prestação dos ser-
como gestor de eventos: especialidade
viços especializados de comunicação. Em decorrência da facilidade
Dentre as várias atribuições do profissional de Relações Pú- proporcionada pela Internet, há uma avalanche de informações à dis-
blicas, a gestão de eventos também é uma de suas especia- posição, mas é preciso que o profissional de Relações Públicas possa fa-
lidades. “Por meio desse acontecimento planejado, a orga-
zer a seleção do que é importante e essencial para a leitura dos cenários.
nização mantém, eleva ou recupera o seu conceito, junto ao
seu público de interesse” (CESCA, Cleuza G. Gimenes. Orga- A rápida tomada de decisão, nesse cenário sem precedentes na histó-
nização de Eventos: Manual para Planejamento e Execução. ria recente, pode significar uma mudança radical na forma de produzir
São Paulo, Summos Editorial 2008 ).
e realizar eventos. É nesse momento valioso que o profissional de Re-
lações Públicas ganha destaque, pela capacidade de convergir esforços
Sendo parte de suas atribuições o relacionamento com os diversos
e o melhor conhecimento de todos os parceiros que detém os conheci-
públicos, o profissional de Relações Públicas observa a oportunida-
mentos mais atualizados sobre soluções em produção de eventos, para
de de transformar o evento em uma estratégia de aproximação e al-
dar garantias de alcance do resultado e do sucesso esperados.
cance de metas. O pensamento criativo do especialista em Relações
Públicas insere esta estratégia no planejamento global, que objetiva Inovar é desafiador e, em tempos de pandemia, pode ser ainda mais.
a consolidação do conceito da empresa, pelos resultados que gera na No contexto do planejamento de eventos, aplicar novas técnicas e
percepção do público envolvido na ação. métodos de produção com sucesso podem gerar benefícios que irão

286 287
Cenário 2 Mix Comunicação organizacional

além do alcance dos resultados. A qualidade desse processo comu- alternativas e soluções tecnológicas adequadas a cada público, o que
nicacional vai revelar o caráter do evento, e refletir diretamente na definirá a eficiência de suas decisões frente aos resultados alcança-
reputação do planejador e do realizador. dos em suas produções.

Boas práticas já podem ser observadas, passados mais de doze meses


Transformações tecnológicas e pandemia do novo
de pandemia. Planejadores de eventos desdobram-se para manter
coronavírus mudam a rotina do planejador de eventos
vivas as suas produções, diante de uma avalanche de restrições. A
transição não foi e não será fácil. Os paradigmas foram quebrados, a mudança no setor de eventos
aconteceu, e não há previsão de volta. O novo formato de eventos
O profissional de eventos está preparado gera sedução quando oferece conforto e facilidades que vão ao en-
para lidar com o mundo digital? contro dos consumidores, que vão permanecer nessas condições,
mesmo quando a pandemia for superada.
Pandemia e alta tecnologia fusionadas criaram o ambiente perfeito
para a transformação histórica, no mundo da comunicação. Tendo O uso intensivo de tecnologia já é uma realidade: agilidade, redução de
a habilidade de gerir crises de diversas naturezas, o profissional de custos e principalmente pela segurança, para esse tempo em que esse
Relações Públicas, enquanto planejador de eventos, está habilitado é o principal ativo para o realizador de evento. O uso de plataformas
ao enfrentamento das inovações tecnológicas, desde que tenha inse- virtuais é alternativa viável para reduzir os impactos da pandemia.
rido em sua performance alguns requisitos e entendimentos. Os eventos on-line e os híbridos são apenas uma evidência parcial
A tecnologia já faz parte da rotina diária do profissional de Relações do que vem por aí, e os planejadores de evento devem ficar atentos a
Públicas, há muito tempo. A grandiosidade dos eventos é alcançada toda essa novidade. O uso dessas tecnologias no presente funciona
pelo uso dessa tecnologia. O que mudou foi o cenário, e a pandemia como o teste que consolida o futuro do setor. A capacidade de adap-
trouxe esse desafio de enfrentamento do uso desses recursos, com tação e criação é inesgotável, e muito há de vir como solução para a
realização de eventos.
mais efetividade e alcance de resultados surpreendentes.
À parte, toda a dificuldade e incerteza vivenciada neste momento, há
A tecnologia está em permanente transformação. Então há profis-
que se observar as vantagens, as novas perspectivas e as oportunida-
sionais de eventos preparados nas diversas etapas dessa evolução do
de. No mundo real ou no virtual, é o relacionamento entre as pessoas
mundo digital. Esses estágios irão decorrer do monitoramento: da evo-
que está salvando vidas de pessoas e empresas e a atividade de Rela-
lução da pandemia e das condições de saúde no mundo; das soluções
ções Públicas, atemporal e multiforme, ganha destaque e amplia os
digitais que estão sendo adotadas; dos indicadores de resultados que
campos de aplicação.
estão sendo alcançados em âmbito mundial; da responsabilidade com
os diversos públicos envolvidos nas ações de produção de eventos.
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Cada vez mais, o profissional de Relações Públicas assume o papel CESCA, Cleuza G. Gimenes. Organização de Eventos: Manual para Planejamento
de gestor estratégico das comunicações, quando avalia as melhores e Execução. São Paulo, Summos Editorial 2008.

288 289
SuA COmuNICAçãO
é O ImpACTO geRADO
em SuA ImAgem

Isabel Gonçalves

Quando nascemos já começamos a nos comunicar, através do choro


e tudo vai se aprimorando até quando conseguimos falar as primei-
ras palavras.

Com o passar o tempo esquecemos como era importante esperar


para falar, pensar antes de falar e cuidar da nossa linguagem corpo-
ral que também comunica nossas ansiedades para começar a falar.

Se pensarmos que “O Ato de falar é o ato de tocar na alma do outro”


e o que dissermos direciona positivamente ou negativamente algu-
mas ações, tomaríamos mais cuidado ao falar.

Como estamos vivendo em uma correria constante, pressão interna e


externa, gerar resultado e fazer boas entregas ficamos voltados para
nossas vontades e desejos de realizações.

O que isso gera? A falta de uma Comunicação Humanizada.

Qual o movimento que podemos fazer?

Decido dar pequenas pausas para compreender as minhas ações e o


que essas ações estão gerando de impacto ao meu redor.

O ser humano quer se comunicar! Queremos falar, ouvir, trocar. An-


siamos por contribuir, aprender, sentir que fazemos a diferença. Bus-

291
Cenário 2

camos reconhecimento. Queremos celebrar, vibrar, torcer. E também AçõeS De COmuNICAçãO


chorar, sentir raiva, nos decepcionar porque, afinal, essas emoções em TempOS De pANDemIA
também fazem parte de quem somos. Queremos uma comunicação
humanizada. E isso não é benéfico somente para as pessoas, mas do off line para o online, as estratégias
também para as empresas. Um funcionário que enxerga o outro e adotadas pelo HC-UFMG
que se percebe visto em todo o seu potencial é alguém presente. Está
dedicado e vê propósito em seu trabalho.
Júlia Gadelha
O que faz, então, uma comunicação humanizada? Ela valoriza a sin-
gularidade do outro. Ela encara as diferenças e abraça a diversidade. E
Luna Normand de Assis Rocha
para isso não há listas, passo a passo, roteiros prontos. Não há um robô Maria Valdirene Martins
programado para nos auxiliar. Quando o ponto de partida é o indiví-
duo, não existe outro caminho para a mudança a não ser olhar para
O Hospital das Clínicas da UFMG (HC-UFMG) é um hospital públi-
essa pessoa, perguntar, ouvir, criar espaços seguros para o diálogo e
co, universitário, integrado ao Sistema Único de Saúde (SUS). Atende
ajudá-la a perceber que ela é sua própria agente de transformação.
a todas as especialidades e subespecialidades oferecidas pelo SUS e
Quando começamos a praticar a comunicação humanizada conse- também na formação de recursos humanos, no desenvolvimento de
guimos impactar as pessoas que estão ao nosso redor, gerar maior pesquisa e na produção e incorporação de tecnologia na área de saúde.
resultado, aumento de credibilidade e posicionamento da nossa
imagem. É referência em transplantes, tratamentos oncológicos, quimiotera-
pia, maternidade e berçário de alto risco, marca-passos de alto custo,
A nossa Marca Pessoal está sendo construída a todo momento, emi- cirurgia cardíaca, entre outras.
timos ao nosso receptor, através de ações, comportamentos, jeito de
vestir e falar. Com mais de 60 mil m2 de área construída, o HC-UFMG é formado por
um complexo de edificações que conta com 8 prédios, sendo um dos
Como você vem construindo a sua marca pessoal? Vamos trabalhar
maiores prestadores de serviços de saúde de Minas Gerais. Com 504
as boas práticas da nossa comunicação?
leitos, realiza, em média, por mês, 36 mil consultas ambulatoriais, 4,5
mil atendimentos de urgência, 160 mil exames ambulatoriais e 1500
internações.

A Comunicação no HC-UFMG

Entre as atividades desenvolvidas pela Unidade de Comunicação do


HC estão assessoria à alta gestão de questões sensíveis à instituição,
gerenciamento de crises, assessoria de imprensa, produção de veícu-

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Cenário 2 Mix Comunicação organizacional

los institucionais, produção de conteúdo para mídias sociais, organi- Além disso, a falta de um espaço de reunião e convivência, somado ao
zações de eventos técnico-científicos, educativos e sociais; eventos e fato de que a instituição funciona em 8 prédios distintos, torna ainda
campanhas internas, além de ações educativas para os públicos in- mais desafiadora a comunicação intersetorial e com os colaboradores. 
terno e externo.
Comunicação interna na pandemia:
A quem a comunicação do HC se destina? como motivar e informar em meio à crise?

Público interno: trabalhadores (UFMG, EBSERH, funcionários tercei- Com o início da pandemia, houve um aumento da desmotivação e
rizados), professores, residentes, estudantes e seus familiares. Público insegurança dos profissionais que atuam no HC-UFMG, a exemplo
externo: órgãos públicos correlatos, órgãos de imprensa, visitantes, dos demais profissionais de instituições de saúde em todo o mundo.
comunidade no entorno do Hospital das Clínicas e sociedade mineira.
Diante dessa nova realidade, foram colocados diversos desafios para
Para realizar todas as atividades, a Unidade de Comunicação con- a atuação da Unidade de Comunicação frente à desmotivação dos
ta com a coordenação (chefia), uma profissionais relações-públicas trabalhadores e a necessidade de manter os pacientes da instituição
e uma jornalista, além de 2 auxiliares administrativos, o que torna o e a sociedade informados e conectados.
trabalho extremamente desafiador, considerando a complexidade das
Como motivar e integrar os trabalhadores com a suspensão de en-
atividades e seu amplo público-alvo. Além disso, a Unidade não possui
contros presenciais? Como realizar ações educativas “online”? Como
verba para realização das ações.
manter a sociedade informada das ações realizadas pela instituição
no enfrentamento da COVID-19?
Como trabalhar a comunicação interna em um ambiente tão complexo?
Diante desses questionamentos, foram desenvolvidas uma série de
Entre os diversos tipos de organizações públicas e privadas existen-
ações e campanhas na instituição. Em razão da equipe enxuta, o HC
tes, certamente as instituições hospitalares estão entre as mais desa-
-UFMG ainda não possuía perfil no instagram. Os veículos voltados
fiadoras em relação à comunicação interna.
para o público externo eram o site institucional e o facebook. Com o
Os hospitais têm funcionamento ininterrupto e seus profissionais cancelamento dos eventos e atividades presenciais, criamos o perfil
trabalham em turnos distintos de trabalho. No HC-UFMG, são cerca do HC-UFMG no instagram, que passou a ser o principal veículo de
de 5 mil trabalhadores, de diversas especialidades, entre profissio- comunicação com o público externo, além do site e facebook.
nais da assistência, administrativos e de apoio, com perfis diferentes
e vínculos distintos. Os profissionais que atuam na assistência tra- Objetivos da Comunicação durante a pandemia da COVID-19:
balham por escalas e precisam estar todo o tempo na área assisten-
cial, o que praticamente impossibilita reuniões, confraternizações e • manter os trabalhadores informados sobre as ações da instituição
eventos frequentes para aproximação e diálogo entre esses trabalha- e as mudanças de protocolo no hospital;
dores e a alta gestão do hospital. • motivar e valorizar os trabalhadores;

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Cenário 2 Mix Comunicação organizacional

• reforçar o compromisso legal e ético do hospital com a sociedade e lançada a campanha em abril de 2020. Foram veiculadas peças em
dar transparência sobre as ações realizadas. todas as mídias sociais do HC e também nos andares do hospital.

Método: Para definição dos objetivos, faz-se necessária a realização O “slogan” “Seu compromisso é a esperança de uma nação” foi esco-
do planejamento estratégico, a partir da avaliação do con- lhido com a intenção de reforçar a grandeza e a importância do tra-
texto, dos objetivos institucionais e do clima interno, e tra- balho no enfrentamento à pandemia. A campanha fez uma chamada
çadas as ações e campanhas, sem custo para a instituição. também ao compromisso legal é ético, considerando o aumento nos
No entanto, não havia tempo hábil para a realização de um pedidos de afastamento de trabalhadores e a necessidade de manter
planejamento estratégico, pois a crise já havia se instalado. a capacidade e qualidade do atendimento no HC-UFMG.
Portanto, foi necessário partir para o planejamento tático e
planejar ações com base na observação, sem realizar uma 3. “Com a Palavra, o profissional - #hcufmgcontraocoronavírus “
análise aprofundada da situação. Para valorizar o trabalho dos profissionais durante a pandemia e dar
transparência à sociedade sobre o trabalho realizado no HC, foi cria-
Da informação à valorização dos trabalhadores: ações realizadas da a série “Com a palavra, o profissional”. Com veiculação no ins-
pela Unidade de Comunicação tagram e no facebook da instituição, foram realizados 38 posts ao
total. Em cada um, foi divulgado uma frase do trabalhador sobre a
1. Alinhamento e divulgação das mudanças em razão da pandemia
importância do trabalho dele no contexto da pandemia e a descrição
O principal foco da Unidade de Comunicação, no primeiro mês de pan- das atividades realizadas pelo setor.
demia, foi garantir o alinhamento de informações sobre novos proto-
4. Homenagem aos 5 mil profissionais, com projeção gigante no prédio do HC
colos e orientações para os trabalhadores e pacientes. Foram criados
manuais de orientação, protocolos e fluxos de atendimento, materiais Em março de 2020, foi feita projeção de imagens e mensagens de
educativos voltados para pacientes, familiares e profissionais, lança- otimismo em tamanho gigante na fachada do prédio principal, com
mento do jornal semanal “Coronavírus em Pauta”, com assuntos re- cobertura da Globo Minas e veiculação no MGTV. A homenagem ren-
lacionados à Covid-19, produção de diversas campanhas educativas deu milhares de compartilhamentos e agradecimentos de funcioná-
para uso de máscaras, distanciamento social, entre outras. rios e da sociedade em geral, além de inserção espontânea na mídia.

2. Campanha “Seu compromisso é a esperança de uma nação” 5. “Histórias que não queremos contar”

Em um segundo momento, fez-se necessária a realização de uma Para demonstrar, de forma lúdica, a importância da prevenção para
campanha interna para motivar e valorizar os trabalhadores que en- segurança do profissional e do paciente no enfrentamento da CO-
frentavam um dos maiores desafios da saúde pública mundial. Para VID-19, foi lançada a série. Em 5 capítulos, em forma de quadrinhos,
reforçar a importância do compromisso de todos que atuam no hos- foram narrados fatos do cotidiano que podem facilitar a infecção
pital, valorizar o trabalho realizado e reiterar o compromisso legal pelo novo coronavírus. A série teve grande repercussão e comparti-
e ético com a sociedade, pela profissão que escolheram exercer, foi lhamento nas mídias sociais do HC.

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Cenário 2 Mix Comunicação organizacional

6. “Saúde na Pandemia” rios do hospital. A campanha contou com a participação de mais de


20 artistas mineiros, como Samuel Rosa, Fernanda Takai, Débora Fa-
Além de valorizar o trabalho dos profissionais, foi levantada a ne-
labella, Fernando Rocha, Paulinho Pedra Azul, Djonga, entre outros,
cessidade de realização alguma ação que levasse informação de
e foi realizada sem custo para a instituição.
qualidade à população durante a pandemia. Com esse objetivo, foi
lançada a série “Saúde na Pandemia”, com a veiculação de 25 vídeos Campanha #ElogiofazBEM
sobre diversos temas de saúde, gravado por especialistas do HC, para
alertar a população em geral sobre os cuidados com a saúde “além da Para incentivar a troca de mensagens de apoio e reconhecimento en-
COVID-19”. Com grande audiência, além de levar informação a quem tre os colegas no HC, foi lançada a campanha “#ElogiofazBem, que
precisa, a série projetou o HC como referência em diversas áreas da contou com peças gráficas e digitais. A campanha rendeu mais de
saúde, além de valorizar os seus profissionais participantes da série. 100 novas notificações de elogios na Ouvidoria, que foram encami-
nhados para os chefes e para o trabalhador, além de divulgados em
7. Eventos Técnico Científicos e eventos internos “online”
um mural interno.
Os seminários e simpósios que o HC realizava anualmente ganha-
ram novo formato e foram realizados de forma online, com grande Certificado de agradecimento a todos os profissionais
adesão de público. O Seminário “Doação de Órgãos em Tempos de Para encerrar um ano tão desafiador para todos, o HC-UFMG reali-
Pandemia” contou com mais de 700 inscritos, com participação de zou a entrega de um certificado de agradecimento, nominal, a todos
profissionais de todo o Brasil.
os trabalhadores. A ação foi compartilhada por dezenas de profis-
8. Programa “Conecte-se”: adoção do pacote Microsoft Office - Teams sionais das mídias sociais e teve ótima repercussão, melhorando o
clima interno, em um momento em que as festividades de fim de ano
O hospital adotou a ferramenta “Teams”, o que possibilitou a criação foram suspensas.
de equipes internas para troca e colaboração online, de forma rápida
e segura e a realização de reuniões online em um ambiente oficial do Exposição #BatalhaPelaVida
HC. Também foi criada uma “equipe” online no Teams, com partici-
Com o objetivo de ilustrar o esforço e dedicação dos profissionais e
pação de todos os trabalhadores, onde são divulgadas informações
alertar a população que a batalha pela vida continua, foi realizada
de interesse geral, com possibilidade de acesso pelo celular.
uma exposição de fotos no hall do hospital e no instagram. A expo-
A ferramenta Teams também contribuiu para a diminuição do uso sição teve grande engajamento com mais de 3 mil curtidas e teve co-
do whatsapp durante atividades remotas, o que tornava frágil a se- bertura do jornal da Record. O registro fotográfico foi realizado pelo
gurança da informação na instituição. enfermeiro do HC, Lucas Lobato.

“Juntos com HC-UFMG” “Live” de encerramento de fim de ano agradecimento aos profissionais

Com grande engajamento nas mídias sociais, a campanha #Juntos- A Diretoria do HC-UFMG, devido à impossibilidade de encontros
comHCUFMG teve como objetivo valorizar o trabalho dos funcioná- presenciais, realizou uma “live” em que apresentou o balanço das

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Cenário 2 Mix Comunicação organizacional

ações realizadas no hospital durante o ano de 2020, com foco no en- Por tudo isso, a comunicação do HC se consolida como estratégica,
frentamento da pandemia, e agradeceu a todos os trabalhadores. imprescindível e indispensável para manter o relacionamento da
instituição com os diversos públicos, principalmente no contexto da
Resultados pandemia, gerando engajamento, interação e maior identificação e
confiança dos profissionais com a instituição, o que, certamente, im-
Desde o início da pandemia, o HC-UFMG conquistou mais de 11 mil pacta na qualidade do trabalho desenvolvido pelos colaboradores e,
seguidores no seu perfil do instagram. Foram publicadas mais de consequentemente, no serviço prestado à sociedade.
70 edições do jornal semanal “Coronavírus em Pauta”, mantendo
os trabalhadores atualizados sobre as últimas notícias em relação a
tema e a instituição. Embora não tenha sido realizada pesquisa de
clima, foi notória a participação e o envolvimento dos profissionais
e pacientes nessas ações, com o alto número de engajamento com
as postagens.

O “post” sobre a projeção em homenagem aos profissionais alcançou


mais de 32 mil visualizações no facebook, emocionando e trazendo
orgulho aos profissionais, pacientes e sociedade. O vídeo do Pauli-
nho Pedra Azul teve mais de 17 mil visualizações.

Durante a pandemia, a assessoria de imprensa do HC-UFMG alcan-


çou a marca de 169 inserções espontâneas na imprensa. Entre os des-
taques relacionados à pandemia estão a veiculação da primeira alta
de paciente COVID do HC e da homenagem aos trabalhadores (pro-
jeções gigantes) no MGTV.

A entrega dos 5 mil certificados de agradecimento aos profissionais


melhorou significativamente o clima no hospital. Diversos trabalha-
dores postaram foto com o certificado e “marcaram” o HC-UFMG
nas mídias sociais, com frases que demostravam agradecimento e o
orgulho de fazer parte da instituição.

O desafio agora é conjugar as ações ora desenvolvidas com a reto-


mada da rotina do HC-UFMG de antes da Covid-19, com olhos no
pós-pandemia e os desafios que se apresentarão como motivadores
do desenvolvimento institucional.

300 301
TRANSfORmAçõeS DOS
eveNTOS NO bRASIl DuRANTe
A pANDemIA De COvID-19

Júlia Simões Neubarth


Diego Wander da Silva

Resumo

A pandemia de Covid-19 vem ressignificando e reconfigurando uma


série de práticas, o que conduz a rupturas e nuances para o setor de
eventos. O objetivo do artigo é compreender essas transformações
nos/dos eventos no Brasil ao longo da pandemia. Para isso, anali-
samos conteúdos provenientes de entidades setoriais, movimentos
do setor de eventos e imprensa especializada em comunicação. O
resultado do estudo envolve um mapa composto pelas transforma-
ções apreendidas e suas ênfases. Notamos a revitalização de antigos
formatos de eventos, a estruturação e a busca por visibilidade deste
expressivo setor da economia brasileira, e várias tentativas para mi-
tigar os impactos da crise.

Palavras-chave

Relações Públicas. Eventos. Pandemia. Covid-19.

Por que o show tem que continuar

Em março de 2020, a pandemia de Covid-19 começou a ganhar vi-


sibilidade de modo expressivo no Brasil. Trata-se de uma crise com
impactos de alta magnitude, um momento de incertezas e de renova-

303
Cenário 2 Mix Comunicação organizacional

ções. Sob esta conjuntura, voltamos o nosso olhar para um dos seg- pírico, buscamos entender as transformações do setor a partir de
mentos mais impactados, o de eventos. Foram diversas as rupturas fontes representativas, legítimas e incidentes nas dinâmicas que
até aqui e medidas de contingência que levaram esse setor a reduzir desejamos conhecer. Isso nos levou a contemplar contribuições de
drasticamente suas atividades e buscar alternativas para sobreviver. entidades de classe, de movimentos que surgiram durante esse pe-
A crise, que afetou cerca de 98% dos empresários dessa área (SEBRAE, ríodo e da imprensa especializada, o que detalhamos mais a frente.
2020), demandou e segue demandando uma série de atitudes. Os resultados decorrem da aplicação da Análise de Conteúdo (AC),
na perspectiva de Bardin (2011).
Posto esse breve contexto, temos como objetivo compreender trans-
formações nos/dos eventos no Brasil durante a pandemia. Nossa Esperamos que o artigo seja capaz de documentar experiências vi-
principal motivação reside na inquietação em relação às transforma- vidas em tempos marcados por tantas transformações. Que possa,
ções e aos formatos de eventos que emergiram ou se intensificaram de alguma forma, colaborar para o fortalecimento científico sobre
ao longo da pandemia. Além disso, notamos a incipiência de pro- eventos no Brasil. Afinal, são alternativas consistentes e experiências
duções capazes de expressar os movimentos que estamos vivendo. resolutivas para o diálogo, interação e relacionamento com os públi-
Alertamos que o intuito é apresentar alguns pontos e colaborar com cos. Logo, merecem atenção para que as práticas sejam cada vez mais
a produção científica da área. Jamais teríamos condições de esgotar profissionalizadas e efetivas no contexto das relações públicas e das
o assunto, pois temos clareza que o setor ainda vive muitos desafios iniciativas comunicacionais.
e poderá enfrentar outros mais a frente.
Dinâmicas do setor de eventos ao longo da pandemia
É oportuno mencionar que, de acordo com a revista Capital Econô-
mico (2019), em 2019, o setor era responsável por 2,65% do PIB bra- Uma pandemia, de acordo com Rezende (1998, p.154), se caracteriza
sileiro. Entretanto, com a pandemia, que se caracteriza como uma como “uma epidemia de grandes proporções, que se espalha a vários
crise que abrange três aspectos – a área política, econômica e da saú- países e a mais de um continente.” Para minimizar a contaminação do
de (FORNI, 2020) – o setor de eventos viu muitas de suas atividades coronavírus, a população foi orientada pela Organização Mundial de
serem descontinuadas. Dentre 2.702 empresas entrevistadas pela Saúde (OMS) a ficar em casa e manter protocolos de higiene. As reco-
União Brasileira dos Promotores de Feiras (Ubrafe) e pela Associa- mendações foram revisitadas ao longo dos meses, mas esses foram os
ção Brasileira de Empresas de Eventos (Abeoc), em parceria com o principais encaminhamentos para minimizar a propagação do vírus.
Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE,
Eventos costumam ser desenvolvidos por profissionais de Relações
2020), 36,8% delas não tiveram faturamento em março de 2020,
Públicas como alternativas para a constituição e fortalecimento de
quando os impactos começaram a ser percebidos no Brasil. Este é
relacionamentos entre uma organização e seus públicos de interesse
apenas um dos dados que representa os desdobramentos da crise.
(FORTES; SILVA, 2011). Igualmente, trata-se de uma “[...] atividade
Em relação às estratégias metodológicas, trata-se de uma investi- econômica social que, nascida com a civilização, acompanha a evo-
gação exploratória. Utilizamos as técnicas de pesquisa bibliográfi- lução dos povos, adquirindo características representativas de cada
ca e documental, sob a ótica de Gil (2019). Do ponto de vista em- período” (FORTES; SILVA, 2011, p.15). Desta forma, eles assumem di-

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Cenário 2 Mix Comunicação organizacional

ferentes formatos e especificidades de acordo com o momento, as ca- Para exemplificar o primeiro momento mencionado, recorremos à
racterísticas e expectativas dos interlocutores e os objetivos visados. pesquisa realizada com 2.702 empresários da área, em abril de 2020,
já referenciada. Os resultados apontaram que 98% deles haviam sido
Mais recentemente, quando falamos em eventos propostos pelas or-
impactados pela pandemia. Quando questionados sobre o cancela-
ganizações, os relacionamos diretamente com a ideia de experiências,
mento ou adiamento dos eventos, em média doze eventos foram can-
de marketing de experiência1, englobando a definição de live marke-
celados e sete tiveram de ser remarcados. A partir desse cenário, as or-
ting2 (CZAJKOWSKI; JÚNIOR, 2017). Os eventos colaboram para que ganizações e os profissionais começaram a buscar alternativas frente
um grupo de pessoas viva, em determinado período de tempo, expe- aos cancelamentos, como a negociação de créditos para utilização fu-
riências e sensações de alto impacto, como descrito por Fortes e Silva tura e a devolução de recursos para contratantes e fornecedores.
(2011). Podem ser marcados por trocas de afeto memoráveis aos pú-
blicos, o que demonstra as potencialidades às relações públicas. Isso nos leva ao segundo momento da crise para o setor de eventos,
no qual a expressividade dos efeitos negativos obrigou a busca por
No contexto da pandemia de coronavírus, os indivíduos e as orga- “novos” formatos de eventos e experiências, pela reinvenção do se-
nizações foram obrigados a repensar aspectos de suas vidas. Com tor para se adaptar e sobreviver. Aqui, iniciaram dois movimentos. O
as medidas de distanciamento social ampliado, a livre circulação de primeiro envolve uma certa potencialização de formatos que não vi-
pessoas foi vetada, especialmente aglomerações. Nesse cenário, os nham sendo tão explorados pré-pandemia. Já o segundo revela uma
eventos tiveram de se reinventar e, durante muitos meses, perderam movimentação do setor para alertar a sociedade e os governos sobre
a possibilidade da presencialidade. os impactos da crise nesta área.
Sob essa ótica, observamos dois momentos vivenciados na pande- Chamamos atenção para um formato que ganhou significativo desta-
mia: inicialmente, eram poucas as perspectivas de solução, etapa que como alternativa para “driblar” a pandemia: o desenvolvimento
marcada pelo cancelamento ou adiamento dos eventos, o que vai das lives3. O crescimento de tal modalidade oportunizou uma série de
ao encontro das decisões que visavam a queda da contaminação e experimentações em ambiências digitais, a partir de diferentes recur-
o cumprimento das medidas sanitárias; e, em um segundo momen- sos. Também com o desdobramento da pandemia, o setor passou a se
to, atores do setor deram visibilidade aos impactos da etapa recém organizar a favor da volta dos eventos e da defesa dos direitos dos tra-
apresentada, incidiram por mudanças, questionaram protocolos, o balhadores da área. Os movimentos surgiram em diferentes regiões do
que culminou, em alguns estados e municípios brasileiros, em uma país, com propósitos similares. Buscavam, sobretudo, dar visibilidade e
certa flexibilização nas medidas. apoiar diversos trabalhadores informais que ficaram desempregados.
1 Marketing de experiência “é uma evolução das estratégias de marketing promocional As organizações, na procura por alternativas para seguir com os
(promoções e eventos), tanto do ponto de vista acadêmico como mercadológico, pois, além
da experiência em si, o live marketing procura analisar o residual dessas ações na mente das eventos, optaram por formatos antes utilizados de modo relativa-
pessoas” (CZAJKOWSKI; JÚNIOR, 2017, p.41). mente incipiente, como os virtuais e híbridos. Segundo Martin e
2 Segundo a Associação de Marketing Promocional (AMPRO, 2015), live marketing é o “seg-
mento em que se inserem todas as ações, eventos e campanhas que aconteçam ao vivo na 3 Live streaming “[...] permite aos usuários cadastrados na rede social para transmissão de
relação do consumidor ou shopper com marca, produto ou serviço. Eventos, feiras, promoções, vídeo ao vivo diretamente de um smartphone e receber mensagens em tempo real das pes-
ativações, marketing de incentivo e trade marketing são as principais ferramentas utilizadas”. soas que acessam a transmissão” (SILVA; GUIMARÃES; SOBRINHO NETO, 2016, p.142).

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Cenário 2 Mix Comunicação organizacional

Lisboa (2020), eventos virtuais podem ser compreendidos a partir nicipais, estaduais e federais, além da imprensa e líderes de opinião”
das lives, sejam elas síncronas ou assíncronas; os híbridos envolvem (GO LIVE BRASIL, 2020); 2) Associação dos Promotores de Eventos
a complementaridade entre ações digitais e presenciais, o que foi do Estado do Rio de Janeiro (Apresenta-Rio) – originalmente, é uma
intensificado a partir das liberações graduais para que eventos pu- associação, mas atuaram, ao longo da pandemia, em uma série de
dessem realizar o agrupamento de pessoas, desde que respeitadas as iniciativas em prol da retomada dos eventos presenciais; e, 3) Live
recomendações dos órgãos de saúde. Marketing (Porto Alegre) – se definem como um “grupo de empre-
sas que tem como objetivo organizar o setor da área de eventos e live
Estratégias metodológicas marketing, pleiteando junto ao mercado e aos órgãos públicos o reco-
nhecimento de ações focadas na regulação, controle e expansão dos
Para além das técnicas bibliográfica e documental (GIL, 2019), já ci-
negócios” (LIVE MARKETING, 2020).
tadas, realizamos uma atividade fundamentalmente empírica4, a fim
de atender ao objetivo proposto. Isso ocorre a partir da coleta de da- Por fim, recorremos à imprensa especializada para agregar possibi-
dos capazes de evidenciar transformações do setor de eventos durante lidades divulgadas nesse período. São três portais: 1) Coletiva.net –
a pandemia de Covid-19. Optamos por envolver entidades setoriais, um dos principais portais de comunicação e marketing do estado do
movimentos do setor de eventos e imprensa especializada em comu- Rio Grande do Sul; 2) Propmark – um dos primeiros canais especiali-
nicação, na tentativa de apreender perspectivas complementares. zados em pautas comunicacionais no país, com 50 anos de história,
que aborda temas e acontecimentos de todo o país; 3) Meio & Men-
As três entidades setoriais selecionadas são: 1) União Brasileira dos
sagem – plataforma que aborda temas sobre marketing e comunica-
Promotores de Feiras (Ubrafe) – além de representar o setor, ela tam-
ção também em uma perspectiva nacional.
bém “apresenta ao mercado e ao governo a importância e os núme-
ros do setor”; 2) Associação Brasileira dos Promotores de Eventos A partir do cenário e das diferentes “vozes” selecionadas, analisa-
(Abrape) – tem como objetivo representar, preservar os interesses, mos uma série de conteúdos com base na técnica proposta por Bar-
promover o desenvolvimento e valorizar o setor; e, 3) Associação din (2011), chamada Análise de Conteúdo. Para viabilizar a coleta dos
Brasileira de Empresas de Eventos (Abeoc), que tem como finalidade dados, restringimos a subsídios divulgados entre julho e outubro de
coordenar, orientar e defender os direitos de seus associados. 2020. Essa amplitude revelou muitas notícias, lives e publicações di-
retamente relacionadas a eventos.
Além das entidades, escolhemos alguns “movimentos do setor”, sen-
do dois dos maiores estados brasileiros responsáveis pela promoção
Transformações nos/dos eventos no Brasil durante a pandemia
de eventos, São Paulo e Rio de Janeiro, e um do estado dos autores
deste artigo, o Rio Grande do Sul. São eles: 1) Go Live Brasil (São Pau- Com base nas orientações de Bardin (2011), acessamos os conteúdos
lo) – tem como missão reunir “líderes de todo o ecossistema vibrante e constituímos as categorias, que revelam rupturas e nuances no se-
e diversificado de eventos para envolver e engajar os governos mu- tor ao longo da pandemia. No Quadro 1, podemos visualizar cinco
categorias e dezessete subcategorias, com os seus respectivos nú-
4 Os dados foram originalmente coletados e sistematizados por Júlia Neubarth, em traba-
lho monográfico aprovado com grau máximo no curso de Relações Públicas, na PUCRS. cleos de sentido – sínteses para auxiliar a compreensão.

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Cenário 2 Mix Comunicação organizacional

Quadro 1 – Transformações nos/dos eventos no Brasil durante a pandemia


Ratificação dos A pandemia colaborou para ra-
modelos pré tificar a eficácia, eficiência e efeti-
Categorias
Subcategorias Núcleos de sentido (detalha- -pandemia vidade dos formatos presenciais
(transforma-
(ênfases) mentos)
ções)
Experimentação
Atuação de agentes do setor, de e aprovação de Para dar continuidade aos forma-
Incidência
modo organizado, para defesa protocolos sani- tos presenciais, foram necessá-
junto a órgãos Sustentação de
dos seus interesses, frente a tários durante a rios novos protocolos sanitários
públicos eventos presen-
governos estaduais e prefeituras pandemia
ciais

Desenvolvimento Mobilização de agentes do setor


Estruturação de estratégias para o desenvolvimento de estra-
do setor No cenário vivido, os protocolos
comunicacionais tégias de comunicação com foco Perspectivas
sanitários que vêm sendo imple-
conjuntas na visibilidade e apoio ao setor de protocolos
mentados precisam ser frequen-
sanitários no
temente reavaliados e redefini-
pós-pandemia
Estruturação de estratégias dos – alguns podem permanecer
Visibilidade da
para o aumento na visibilidade
expressividade
do setor na imprensa e junto à
do setor
sociedade O período colaborou para que os
Aprimoramento
profissionais buscassem o apri-
da etapa pós-e-
Reincidência das lives como alter- moramento dos eventos, princi-
vento
Fortalecimento nativa para os eventos, sobretudo palmente da etapa do pós-evento
de lives durante os primeiros meses de
pandemia
Na mesma linha da subcategoria
anterior, as organizações vêm de-
Após uso excessivo do formato, Reforço da di-
Exaustão das monstrando mais clareza sobre o
mercado apresenta certo esgota- Profissionaliza- mensão estraté-
lives potencial estratégico dos eventos
Dinâmicas nos mento das lives ção das práticas gica de eventos
e como podem contribuir a bons
formatos de resultados
eventos Crescimento da Com a pandemia e as regras
experimentação vigentes, as organizações opta-
de modelos ram pelos formatos híbridos para Estabelecimento
híbridos viabilizar eventos A instabilidade para aqueles que
de relações em-
não possuíam vínculos empre-
pregatícias mais
O drive-in foi outro formato gatícios vem provocando refle-
consistentes
Ressurgimento adotado para a continuidade dos xões e mudanças sobre questões
com trabalhado-
do drive-in eventos, com os protocolos sani- trabalhistas
res do setor
tários adequados

310 311
Cenário 2 Mix Comunicação organizacional

diferentes. Destacamos parte dessa mudança em três atitudes: incidên-


O momento motivou os pro-
Necessidade
fissionais da área a buscarem
cia junto a órgãos públicos, desenvolvimento de estratégias comunica-
de qualificação cionais conjuntas e visibilidade da expressividade do setor.
qualificação profissional comple-
profissional
mentar de qualidade
Não distante do cenário apresentado, em paralelo, as organizações
Durante a crise diversos atores seguiam a busca por novos formatos como alternativas emergen-
Proposição de
do setor criaram fóruns educati- ciais para a proposição de experiências. Categorizamos esse movi-
fóruns para dis-
vos, com o propósito de pensar o mento como “dinâmicas nos formatos de eventos”. Segmentamos
cussão do tema
futuro da área esse aspecto nas seguintes subcategorias, que revelam ênfases das
Novas ofertas transformações: fortalecimento de lives, seguida da exaustão deste
educativas Muitos profissionais não estavam
habituados com os formatos vir-
formato5, o crescimento da experimentação de modelos híbridos e
Ensino sobre o ressurgimento do drive-in6. Percebemos que tais possibilidades já
tuais, o que provocou o aumento
eventos digitais
na oferta e na demanda educati- existiam antes desse período, ainda que muitas vezes tenham sido
va sobre o tema noticiados com um tom de certo ineditismo.

Como resultado da reinvenção do Até o momento destacamos tanto alguns movimentos do setor, quan-
Visibilidade de
práticas profis-
setor, houve um aumento tam- to os diferentes formatos de eventos adotados pelas marcas para man-
bém na visibilidade de práticas ter proximidade com públicos estratégicos. Isso nos conduz para a ca-
sionais exitosas
bem sucedidas
tegoria que mescla os dois aspectos já trabalhados, pois constitui um
Fonte: os autores (2021) desejo do setor e propõe outras alternativas para a execução de even-
tos presenciais. Então, nominamos a categoria que contempla essa
Os resultados evidenciam tanto o surgimento de novos formatos de
discussão como “sustentação de eventos presenciais”, e a dividimos
eventos, quanto comportamentos do setor frente à pandemia. Enten-
em três subcategorias: a ratificação dos modelos pré-pandemia, a ex-
demos que esse conjunto revela um panorama significativo e demons-
perimentação e aprovação de protocolos sanitários durante a pande-
tra quão significativo vem se conformando o período vivenciado. Ago-
mia e as perspectivas de protocolos sanitários no pós-pandemia.
ra, dedicamo-nos a um breve detalhamento das categorias, que são as
transformações vislumbradas a partir dos conteúdos pesquisados. Esses protocolos foram elaborados e testados pelos movimentos já
citados em parceria com o governo. Estes têm como foco as medidas
Começamos pelo item descrito como “estruturação do setor”, o que nos
leva a reiterar o fato do setor de eventos ser muito relevante na perspec- 5 Conforme os meses foram passando, as lives atingiram um nível de “esgotamento”. Um dos
motivos é o fato de que “por melhor que seja a live ela nunca vai substituir a experiência do ao
tiva econômica e contar com excelentes empresas e profissionais. Ma- vivo. O ser humano precisa se abraçar, beijar, sentir cheiros, e a chuva na cabeça, e tudo isso
ajuda a construir a memória das pessoas sobre o evento” (JUSTO, 2020). Aqui vemos que,
chado (2020), um dos representantes do Grupo Live Marketing, destaca além da falta de proximidade física, a quantidade de conteúdos produzidos, seguindo o movi-
o fato de que antes da pandemia o setor enxergava as demais empresas mento comum do ambiente digital democrático, gerou uma percepção de exaustão.

apenas como concorrentes, sem buscar por direitos em comum ou vi- 6 Essa modalidade acontece de forma semelhante ao modelo dos cinemas antigos, nos
quais os carros estacionam frente a uma tela para consumir determinado filme, agora para
sibilidade de modo articulado. Entretanto o momento exigiu posturas assistir a um show ou até uma exposição de arte.

312 313
Cenário 2 Mix Comunicação organizacional

de contenção da propagação do vírus aliadas à retomada segura da Todas as mudanças mencionadas impulsionaram a criação de novas
economia. Machado (2020) ressalta que eles foram estruturados a ofertas educativas. Resumimos essas ações em quatro subcategorias:
partir da peculiaridade de cada evento, pensando em detalhes como necessidade de qualificação profissional, proposição de fóruns para
o limite de capacidade, a medição da temperatura na entrada, o dis- discussão do tema, ensino sobre a realização de eventos digitais e
tanciamento de cadeiras, a higienização regular dos espaços, den- visibilidade de práticas profissionais exitosas.
tre outras diversas diretrizes. Algumas dessas decisões podem gerar
Do ponto de vista da formação profissional, há fragilidades que in-
legados e aprendizados ao pós-pandemia, revelando oportunidades
dicam a necessidade de constante qualificação. Com toda mudança
para intensificar o cuidado com os públicos.
criam-se oportunidades de se pensar diferente e essas ações suge-
Agora dedicamo-nos a entender outras transformações que decor- rem um investimento no aprendizado para poder se adaptar aos no-
reram da crise. Um dos aprendizados para as empresas do setor foi a vos contextos (CARVALHO et al., 2020). Esse mesmo movimento po-
“profissionalização das práticas” de produção de eventos. Dividimos tencializou o número de fóruns de discussão sobre o “fazer eventos”,
essa ideia em três subcategorias: aprimoramento da etapa pós-even- nos quais se discute o funcionamento do setor, boas práticas, pro-
to, reforço da dimensão estratégica e estabelecimento de relações tocolos sanitários, organização dos movimentos, eventos digitais, e
empregatícias mais consistentes com os trabalhadores do setor. principalmente quais seriam as novas práticas do setor para mitigar
as consequências deste período nefrálgico.
De acordo com Cordeiro e Guerreiro (2020), a pandemia forçou as
empresas de eventos a se modificarem, e isso inclui a profissionali- Com os formatos digitais ganhando alcance, os profissionais tam-
zação e a qualificação dos serviços oferecidos. Os dois profissionais bém buscaram se aprimorar nesse assunto, para poder ofertar tais
destacam que, na maioria dos eventos, mesmo no período pré-pan- serviços. Assim, as entidades do setor passaram a divulgar cursos
demia, o evento era muito bem estruturado, geralmente, em duas sobre o tema e outros profissionais buscaram se espelhar em con-
etapas: o pré-evento e a execução em si. A etapa pós-evento, por teúdos que já estavam disponíveis online, ou então em outros seto-
vezes, se resumia à conclusão e entrega de relatórios superficiais. A res que já utilizavam técnicas semelhantes. Outra fonte educacional
proposta de ampliação do escopo dessa etapa engloba um aproveita- sobre a área foram os próprios estudos e conversas sobre os cases de
mento melhor do conteúdo gerado pelo próprio evento, aumentan- eventos já realizados. Dessa forma, os eventos bem sucedidos, exito-
do assim o valor da promoção dessa atividade. sos, serviam de exemplo para outros, aumentando a visibilidade das
práticas do setor e a entreajuda e colaboração entre profissionais.
Parte da profissionalização envolve a relação empregatícia com os fun-
cionários. A pandemia impactou diretamente os modelos de trabalho
No fechar das cortinas
e principalmente os trabalhadores informais. Essa era e segue sendo
a realidade de muitas empresas de eventos que mantiveram/mantêm As transformações apresentadas não podem ser percebidas como
relações informações com seus empregados. Porém, a crise demons- dinâmicas simples, pois exigiram atitudes ágeis e consistentes dos
trou a importância de, em alguns casos, se repensar essa relação a fim agentes deste setor. O que destacamos foram diversas movimenta-
de manter o parceiro com uma renda mínima (CORDEIRO, 2020) e ções apreendidas a partir de um conjunto de conteúdos seleciona-
com acesso a direitos que decorrem das leis trabalhistas nacionais. dos, que resumimos neste trabalho em cinco pontos principais: o

314 315
Cenário 2 Mix Comunicação organizacional

empenho coletivo para a visibilidade e organização do setor, a fim de CZAJKOWSKI, Adriana; JÚNIOR, Sérgio Czajkowski. Eventos: uma estratégia ba-
seada em experiência. [Livro eletrônico]. 1 ed. Curitiba: InterSaberes, 2017.
melhorar as condições de trabalho e reconhecimento da área; “no-
vas” dinâmicas nos formatos dos eventos; os esforços na criação de FORNI, João José. O Brasil perdido no meio da crise do coronavírus. Comunica-
ção & Crise, Brasília, 21, mai. 2020. Disponível em: http://www.comunicacaoecri-
protocolos para a retomada dos eventos presenciais de forma segura;
se.com/site/index.php/comentarios/1142-o-brasil-perdido-na-meio-da-crise-do-
a profissionalização das práticas; e, por fim, o constante aprimora- coronavirus. Acesso em: 26 ago. 2020.
mento através da educação e da aprendizagem contínua. FORTES, Waldyr Gutierrez; SILVA, Mariângela Benine Ramos. Eventos: estraté-
gias de planejamento e execução. São Paulo: Summus Editorial, 2011.
Vimos que o momento propiciou uma aproximação mais consisten-
te dos diversos atores, assim como visibilidade mais articulada e clara GIL, Carlos. Métodos e Técnicas de Pesquisa Social. [Livro eletrônico]. 7ª edição.
Grupo GEN, 2019.
para o setor – ainda que sejam muitos os desafios. Além disso, houve
GO LIVE BRASIL. Disponível em: https://golivebrasil.com.br/. Acesso em: 21 nov.
uma valorização do contato físico, da proximidade e das experiências
2020.
significativas. Aprendemos que é possível realizar eventos virtuais que
LIVE MARKETING RS. Facebook Grupo Live marketing RS, 2020. Disponível em:
gerem retorno para as marcas, mas que há muitos desafios para que de https://www.facebook.com/grupolivemarketingrs. Acesso em: 19 fev. 2021.
fato sejam memoráveis. Nossas vivências pessoais permitem afirmar
MACHADO, Rodrigo. [S. I.: s. n.], 2020. 1 vídeo (1h 37min 31seg). Publicado pelo
que foram inúmeros os casos de sucesso, inspiradores, assim como os perfil da FEDERASUL no Facebook. Disponível em: https://www.facebook.com/
que obtiveram resultados pífios em termos de alcance e performance. federasul/videos/992268021237207. Acesso em: 21 nov. 2020.
MARTIN, Vanessa e LISBOA, Robson. E-book Eventos Digitais - híbridos e virtuais.
Isso deve impactar no aprimoramento dos processos e práticas,
VM consultoria e Mídia Code, 8 de abril de 2020. Disponível em: https://mkt.mi-
como a mensuração mais clara a partir de objetivos bem constituí- diacode.com/eventosdigitais. Acesso em: 20 out. 2020.
dos e a qualificação constante de profissionais, o que demanda ofer-
SEBRAE. Pesquisa mostra que a pandemia do coronavírus afetou 98% do setor
tas educativas de qualidade. Esperamos que esses fatos contribuam de eventos. Parceria entre ABEOC, UBRAFE e SEBRAE, 2020. Disponível em: http://
para um novo e próspero momento para o setor de eventos e na asso- www.agenciasebrae.com.br//asn/Estados/NA/Anexos/PESQUISA%20SETOR%
ciação das relações públicas como área oportuna para qualificá-los 20DE%20EVENTOS.pdf. Acesso em: 27 set. 2020.

na perspectiva da comunicação, dos relacionamentos, dos afetos, SILVA; Fernando Firmino; GUIMARÃES, Elvis Maciel; SOBRINHO NETO, José Ca-
valcanti. Ao vivo no #Periscope: a experiência da ESPN Brasil com live streaming
das experiências de forte impacto e dos vínculos.
via mobile. João Pessoa: Revista Latino-americana de Jornalismo Âncora. Ano 3
Vol.3, n.2, jul./dez. 2016, p. 141 a 161. Disponível em: 10.21204/2359- 375X/ancora.
REFERÊNCIAS v3n2p141-16. Acesso em: 7 out. 2020.
ASSOCIAÇÃO DE MARKETING PROMOCIONAL (AMPRO). Live Marketing. Insti- REZENDE, Joffre. M. (jan. - jun. de 1998). Epidemia, endemia, pandemia, epidemio-
tucional, 2015. Disponível em: http://ampro.com.br/live-marketing/. Acesso em: logia. Revista de Patologia Tropical, pp. 153-155. Disponível em: https://www.revis-
20 set. 2020. tas.ufg.br/iptsp/article/view/17199. Acesso em: 20 ago. 2020.
BARDIN, Laurence. Análise de Conteúdo. São Paulo: Edições 70, 2011. WEBINAR: sobre como serão os eventos do futuro. Webinar apresentado por
CAPITAL ECONÔMICO. Grandes eventos movimentam, cada vez mais, a eco- CARVALHO, Eduardo; CORDEIRO, Rodrigo; GUERREIRO, Ana Clévia; JUSTO, Luís;
nomia nacional. 8 de agosto de 2019. Disponível em: < https://revistacapitaleco- [S. I.: s. n.], 2020. 1 vídeo (2h 22min 23seg). Publicado pelo canal eventais Portu-
nomico.com.br/grandes-eventos-movimentam-cada-vez-mais-economia-nacio- guês. Disponível em: https://www.eventials.com/sebraemt/como-serao-os-even-
nal/> Acesso em: 21 set. de 2020. tos-do-futuro/. Acesso em: 21 nov. 2020.

316 317
QuAl O NOSSO
veRDADeIRO pApel?

Paulo Henrique Leal Soares

Que o mundo mudou, não tenho dúvidas, ainda mais depois do que
enfrentamos, estamos enfrentando e iremos enfrentar neste tempo
de pandemia. Nunca pensei que teria a oportunidade de passar por
um período tão complexo que um dia será estudado por outros com
um olhar curioso para saber como foi o nosso comportamento, quais
foram as nossas reações e as soluções propostas por esta sociedade.
Tempos sombrios, de dor, de perda, de medo, de dúvida, do desconhe-
cido. Ao estudar fatos do passado, sempre tive a curiosidade de saber
como as pessoas vivenciavam esses momentos, suas falas, suas dores,
seus anseios, questionamentos, dúvidas, pois bem, estou tendo essa
oportunidade. Como profissional da área de Comunicação, observar
os acontecimentos sociais e organizacionais nesta pandemia tem pro-
vocado várias reflexões, algumas certezas e muitas indagações.
Qual o papel do Comunicador neste mundo em total mudança?
Como devemos nos portar perante tanta tecnologia e tão pouco
diálogo? O que precisamos fazer para nos tornarmos mais relevan-
tes quando tudo parece ter apenas dois lados, dois tons, duas no-
tas e duas possibilidades: um caminho para a direita e outro para a
esquerda? Sempre em lados tão opostos. Para este e para qualquer
momento da história, não tenho dúvidas de que o papel do Comu-
nicador continuará a ser, entre muitos outros profissionais, bastante
relevante, especialmente “para as” e “nas” organizações.

319
Cenário 2 Mix Comunicação organizacional

As organizações são entes vivos, mutantes, em permanente alteração E qual o nosso verdadeiro papel enquanto profissionais das áreas
e recriação. Existem a partir das interações entre seus empregados de Comunicação nas organizações? Acredito que podemos ir muito
e diversos grupos externos ao seu ambiente interno. Em constante além do alinhamento das nossas atividades à estratégia, de dar su-
interação, as organizações são construídas, estruturadas e passam porte para o sucesso do planejamento das organizações, bem como
por um processo de amadurecimento. Muitas duram pouco, poucas da produção de soluções criativas, de custos acessíveis e altamente
duram muito. Dentro desses ambientes de alta complexidade, os tecnológicas. Acredito que o nosso verdadeiro papel seja criticar. Ver-
empregados desempenham um papel vital e estruturante. São eles bo transitivo direto... muito simples de compreender, mas complexo
os responsáveis por garantir o pleno funcionamento dos planos de- de ser exercido com total compreensão e intenção. Ter uma postura
senhados em planilhas, por retirar valores, crenças, missão e propó- crítica quando trabalhando com as organizações não impõe ao pro-
sitos das paredes e praticá-los, por atingir metas, superá-las e buscar fissional de Comunicação um papel de censurar, de apenas apontar
alternativas para problemas complexos, ou não. Produzir mais, com erros ou falhas destacando as imperfeições. A postura crítica eleva o
profissional de Comunicação a uma postura de se colocar de forma
menor custo, em tempo reduzido e com qualidade faz parte do dia a
clara, direta e objetiva, com o propósito de sensibilizar as organiza-
dia desses empregados. Não há organizações sem empregados e não
ções para a necessidade de repensar as suas práticas e buscar alter-
há a constituição de empregados sem uma organização. Ao mesmo
nativas mais efetivas nos relacionamentos. A área de Comunicação,
tempo que os empregados são atores fundantes das organizações,
sozinha, não gera ou resolve problemas e crises. Nesse caso, o mais
estes só se constituem como trabalhadores a partir das suas intera-
adequado seria o verbo “contribuir”. Contribuímos com os processos
ções entre si e das suas relações nas organizações.
múltiplos em contextos complexos das organizações.
O profissional de Comunicação tem um amplo, vasto e rico espaço de
É preciso ter uma postura crítica e contributiva aos fatos, enfrentar
trabalho dentro das organizações, sejam estas privadas, públicas ou
os desafios profissionais com olhar afinado e ouvidos focados. Pre-
mistas. De todos os matizes, tamanhos e áreas de atuação, as organi- cisamos ir além da produção de conteúdos ou informações, muito
zações fazem parte de todas as sociedades. Desenvolvemos trabalhos além do básico. O nosso nobre papel vai muito além da produção de
importantes, suportando as organizações nos seus relacionamentos, peças, releases, sites, conteúdos, redes sociais, eventos, ferramentas e
na promoção de seus produtos e serviços, bem como na prevenção e, soluções criativas.
se necessário, gestão de crises. Trabalhar com comunicação nas or-
ganizações é ter um amplo leque de opções de atuação, sempre com Devemos nos posicionar nas organizações para as quais trabalha-
um olhar integrador e propositivo. mos com uma visão questionadora dos fatos e dos acontecimentos,
sempre buscando indagar. Questionar, perguntar os porquês, os co-
O trabalho de Comunicação nas organizações tem evoluído muito mos, e tentar encontrar um ângulo que ainda não tenha sido nota-
nos últimos anos, de forma exponencial. Partimos da produção de do, não tenha sido percebido ou, se foi, esteja sendo deixado de lado,
conteúdo textual, evoluímos para produtos multimídia e chegamos propositalmente ou de forma ingênua. Trabalhar “com” e “nas”
a contribuir com as estratégias das organizações com soluções com- organizações buscando um objetivo maior: a transformação. Sabe-
plexas a partir de cenários altamente desafiadores. mos das complexidades e amarras existentes, mas isso não impede

320 321
Cenário 2 Mix Comunicação organizacional

que tenhamos uma postura absolutamente lúdica perante os fatos. Quando deixamos de exercer uma das nossas principais virtudes,
Não é uma postura fácil, não é um trabalho tranquilo e muito me- a postura crítica, deixamos de contribuir plenamente com as mu-
nos confortável. Essa postura questionadora e crítica muitas vezes é danças necessárias nas organizações, nos transformando assim em
considerada com rebeldia e/ou desalinhamento aos interesses orga- meros executores de modelos prontos e predeterminados que, bem
nizacionais. Quando questionamos, de forma direta, objetiva, asser- sabemos, não terão resultados efetivos. O final desta história já é co-
tiva e no ambiente e momento adequados, estamos contribuindo e nhecido: sem uma visão crítica, pouca evolução e muita replicação.
provocando reflexões importantes que contribuirão para melhorias
estruturais das organizações.
Receber uma demanda, propor uma solução tecnicamente correta
sem fazer nenhum tipo de questionamento é desperdiçar oportuni-
dades, é apenas atender as necessidades de um sistema imposto e
uma hierarquia existente. É como ir a Belo Horizonte e só comer pão
de queijo, como se a culinária das Gerais se resumisse a um único
produto. Quando questionamos as organizações, temos a oportuni-
dade de ajudá-las a olhar para dentro, para os seus processos, para
as suas decisões, buscando encontrar alternativas além das óbvias
(além do pão de queijo), daquelas que já estão confortáveis e talvez
não contribuam com os resultados realmente necessários.
Quando adotamos uma postura crítica, estamos desempenhando o
nosso papel de profissionais da Comunicação na sua plenitude. Cri-
ticar não significa “colocar a boca no trombone”, muito pelo contrá-
rio; ao adotarmos uma postura crítica, estamos contribuindo para
que as organizações evoluam, resolvam os seus problemas e supe-
rem desafios e ajudando na redução da possibilidade de outros colo-
carem a boca no trombone...
As relações internas nas organizações são para lá de complexas. Jogos
duros de poder acontecem de forma declarada ou, na sua maioria vela-
da. Líderes e empregados são colocados no mesmo ambiente para que
desempenhem funções diversas. Não existe assimetria de poder entre
os empregados e suas lideranças. Poucos mandam e muito obedecem.
Alguns gritam e todos precisam manter os seus ouvidos abertos. Sem-
pre trabalhei em organizações, sempre aprendi muito e fui incentiva-
do a exercer os meus conhecimentos técnicos e gerenciais.

322 323
O eNCONTRO De RelAçõeS
públICAS COm A hISTóRIA
e A memóRIA empReSARIAl

Paulo Nassar

Na segunda parte do ano terrível de 2020, durante a pandemia do


Covid-19, a Associação Brasileira de Comunicação Empresarial rea-
lizou a pesquisa A História e Memória Empresarial nas Organizações
no Brasil (2020), sob a minha coordenação, com objetivo de enten-
der como, destacadamente nas últimas décadas, as áreas relacionais
das maiores organizações que atuam em nosso país, integrantes dos
principais segmentos econômicos, têm feito uso das suas histórias
e memórias empresariais. Relações-públicas, historiadores, comu-
nicadores e administradores integrantes de empresas, localizadas
nas diversas regiões do país, de todos os portes e de quase todos os
segmentos da economia brasileira, responderam à pesquisa. Das 117
empresas respondentes, mais da metade afirmaram ter programas
estruturados permanentes ou ações eventuais de História e de Me-
mória Empresarial. As 21 empresas que mantém programas estrutu-
rados argumentaram tê-los pelos seguintes motivos: “importância na
preservação da identidade corporativa e da coerência institucional;
importância no apoio aos negócios e elemento de coesão entre res-
ponsabilidade social e história; importância na consolidação do sen-
timento de pertencimento e orgulho dos colaboradores em relação à
empresa; importância desses programas como agentes de transfor-
mação da experiência acumulada ao longo da história da organização

325
Cenário 2 Mix Comunicação organizacional

em conhecimento histórico disponível à sociedade; importância no dificuldades ligadas à sua história, o diretor global da História Cor-
fortalecimento da reputação da Organização; e importância na con- porativa e documentação da Bayer, o historiador Ruediger Borstel
solidação da imagem institucional e para a maior visibilidade e valo- destaca que:
rização da marca”. É um conjunto de respostas de um pequeno, mas Na Alemanha, precisamos lidar também com o “tempos não
importante, grupo corporativo que identifica a História e a Memória tão bons” pelos quais passamos. Recebemos pedidos de pes-
quisadores e jornalistas de todo o mundo sobre o papel da
Empresarial como elementos fundamentais na conquista da legiti-
Bayer e da I.G. Farben durante o nazismo e, como especialis-
midade para as ações empresariais, na construção, na manutenção e tas, sabemos como auxiliar a área de comunicação e relações
no fortalecimento, por meio da produção das representações sociais públicas em suas respostas e reações. Sem usar a transparên-
da empresa, da sua identidade, imagem, reputação e, em perspectiva, cia para abordar esses temas problemáticos, grandes empre-
sua projeção. Motivações empresariais que demonstram claramente sas envolvidas no nazismo ou na Primeira Guerra Mundial se-
a existência de uma forte convergência entre as razões do existir dos riam boicotadas ou teriam uma péssima imagem. Ao contar os
fatos como eles aconteceram, a história cria uma imagem me-
programas de História e Memória com as razões dessas empresas em
lhor para a empresa. É assim que entendemos a transparência
manter e fortalecer as suas políticas de Relações Públicas. Motivações
e mostramos responsabilidade social (HISTÓRIA, 2017).
que já se expressavam em pesquisas e estudos anteriores, produzidos
a partir da segunda metade dos anos 1990 (NASSAR, 2007). No Brasil, o setor minerador tem conduzido debates com autorida-
Como a empresa pode ser perene e mudar o mundo? des e instituições sobre como promover reparações econômicas, so-
ciais e ambientais de atingidos pelas grandes tragédias de Mariana
Uma história empresarial verdadeira é um escudo simbólico que pro- e Brumadinho. Em um ambiente em que a sociedade e seus prota-
tege uma organização, principalmente em tempos em que a mentira gonistas estão cada vez mais atentos em relação aos impactos posi-
e a manipulação de fatos circulam com uma força jamais vista, pro- tivos e negativos das empresas, a convergência entre os programas
vocando prejuízos para a sociedade em seus aspectos econômicos, de relações públicas e os de História e Memória Empresarial podem
ambientais, sociais e de governança. As Relações Públicas, por meio assegurar uma estratégica perenidade organizacional. A partir de
de suas teorias e práticas, contextualizando essas histórias e memó- suas narrativas baseadas em suas histórias e memórias as empresas
rias, a partir de políticas, estratégias e ações, funcionam como uma podem demonstrar efetivamente que as suas ações e as suas pala-
potente vacina que pode imunizar e proteger de ataques as identida- vras cotidianas estão assentadas em rochas. Narrativas baseadas em
des, as marcas, as imagens, as reputações e os propósitos organiza- terrenos arenosos, em relações não-públicas, em mentiras, em lava-
cionais (NASSAR; FARIAS, 2018). Quando a história e a memória são gens de imagens e reputações são desmontadas pelos públicos in-
ruins, as relações públicas podem conduzir programas de reparação formados por fontes institucionalizadas e credíveis. As rochas meta-
histórica, que tem como beneficiários indivíduos, grupos, minorias, fóricas deste texto podem ser encontradas na História e na Memória
públicos. Um programa de reparação exemplar foi conduzido, du- de cada empresa ou segmento econômico específico. Perguntas de
rante os anos 2000 e 2010, pela Bayer na Europa, em relação ao uso públicos atentos e organizados vão intrigar, no sentido aristotélico,
de trabalho forçado de prisioneiros de guerra em suas fábricas na as narrativas organizacionais fortalecendo-as ou enfraquecendo-as.
Alemanha, durante a Segunda Guerra Mundial. Sobre os tempos de Relações-Públicas irmanados aos Historiadores, aos Comunicado-

326 327
Cenário 2 Mix Comunicação organizacional

res e aos Administradores ao fazerem suas seleções estratégicas do mais avaliada pelas lentes da História e da Memória, que perscru-
que lembrar e do que esquecer podem trazer a tona um pacote de ta o longo prazo, que dribla os imediatismos do curto prazo e até as
perguntas, dentre elas: Como a empresa e os seus representantes se manipulações criminosas. A História contemporânea das Relações
comportaram principalmente em momentos ruins?; Como foram as Públicas demonstra que este campo profissional e do conhecimento
suas decisões relacionadas a temas que naturalmente geram con- tem um entendimento certeiro de que a Responsabilidade Histórica
trovérsias, diferentes pontos de vista e até confrontos?; Como foram é a mãe de todas as responsabilidades organizacionais – as respon-
reparados indivíduos, grupos, comunidades, públicos de suas rela- sabilidades social, política, comercial, cultural e ambiental.
ções, diante de decisões e ações empresarias que prejudicaram prin-
O caráter das Relações Públicas
cipalmente os aspectos sociais, econômicos e ambientais? Este é só
o início de uma fieira de perguntas que ajudam a empresa a definir a As relações públicas contemporâneas têm um caráter fortemente
sua identidade. Não nos esqueçamos também de tantas coisas boas político e histórico, e de suas operações excelentes e democráticas
advindas da razão de ser das empresas, dentre elas, as invenções, dependem a legitimação das empresas e instituições. Essa legitima-
as inovações e, cotidianamente, a oferta de produtos e serviços de ção é um processo histórico de relações públicas, que se afirma como
grande utilidade e de transcendência, na perspectiva de geração de estratégico diante das questões que envolvem países e pessoas, hoje,
empregos, impostos e riqueza. Ações empresariais que certamente em escala global. Em obra publicada, em (2007, p. 11), destaquei que
transformam e melhoram o mundo. diante desse quadro de questões públicas:

Relações Públicas e Responsabilidade Histórica as relações públicas – não mais consideradas difusoras de
informações, mas também mediadoras entre inúmeros pro-
As narrativas que dão solidez ao que denominamos Responsabilida- tagonistas sociais – podem ter papel decisivo. [Entre, inú-
de Histórica Empresarial são aquelas que prestam contas de forma meros autores], É Anthony Giddens (2000) que alerta para
clara e acessível sobre os aspectos mais crucias – do ponto de vista esses desafios presentes em todas as regiões do mundo e
que trazem um novo conjunto de riscos para a humanidade
da ciência e da tecnologia – do impacto da ação empresarial princi-
e para o meio ambiente, com impactos nunca vistos antes
palmente nas pessoas e no meio ambiente. As relações públicas são
na identidade de países e pessoas, na geografia, na tradição,
as principais guardiãs dessas narrativas, em seus aspectos técnicos, nas estruturas familiares e na democracia. [...] No entanto,
éticos e estéticos. Accountability, compliance, dentre outras, são pala- que desafios são esses, dos que se apresentavam para os pais
vras que circulam na sociedade e no mercado global dessas narrati- das relações públicas? Giddens (1997, 2000), Ulrich Beck
vas, que as Relações Públicas devem ter sob a sua responsabilidade, e (1997), Scoth Lash (1997) e outros autores nos mostram que,
que expressam formas de se prestar contas, de estar em alinhamen- ao contrário do que o pensamento iluminista acreditava, o
desenvolvimento da ciência e da tecnologia criou inúmeras
to com o que a opinião pública informada e democrática, além de
situações de risco, entre as quais o aquecimento global, as
parte importante de acionistas e de fundos de investimentos, espera
mudanças quanto às inúmeras formas de se relacionar no
na atualidade da empresa em relação aos chamados princípios ESG âmbito da sociedade, o impacto que desestrutura as tradi-
(Environmental, Social, Corporate Governance). O alinhamento, o es- ções, representadas pela família e pela religião. São impac-
tar em conformidade, com a sociedade e seus públicos será cada vez tos que fortalecem sobremaneira os fundamentalismos e as

328 329
Cenário 2 Mix Comunicação organizacional

intolerâncias, mas que se apresentam também como opor- Este é um fenômeno que exige do profissional e do pesquisador des-
tunidades para a consolidação de modelos democráticos de ta área um mergulho no que se denomina conhecimentos de interfa-
relações públicas, na medida que esses trabalham com o ob-
ces, um deles sendo o campo da História e da Memória.
jetivo de criar canais de diálogo e pertencimento que respei-
tem as diferenças de todos os perfis. Os motivos de empresas importantes para estruturarem programas de
História e de Memória, apresentados no início deste texto, fizeram-me
Diante de contextos como os desenhado acima, a abrangência teóri-
voltar o meu pensamento ao tempo medieval, e lembrar que a psicolo-
ca e prática das relações públicas ganhou uma forte tonalidade po-
gia agostiniana colocava a memória como um dos pilares da inteligên-
lítica e histórica, já destacada por autores brasileiros como Andrade
cia humana, ao lado do amor e do discernimento (SCHMIDT; LE GOFF,
(2003), Kunsch (1999), Simões (1995). Em entrevista concedida por
2002). A partir dessa inspiração vinda do medievo, a empresa e a ins-
James E.Grunig para a Revista Comunicação Empresarial, da Aber-
tituição como criações humanas imperfeitas podem se valer da inteli-
je, em 1999, para mim e para Nara Damante, este renomado autor
gência, como um processo de aperfeiçoamento em que o passado, sob
chamou atenção para o adensamento social das relações públicas ao
o olhar de quem trabalha e valoriza os relacionamentos, expressado em
afirmar que “os novos profissionais de relações públicas participam
da administração estratégica [...] Os profissionais de relações públi- memórias e relatos, transforma-se em orientação diante dos perigos
cas tradicionais não veem a atividade além do relacionamento com a que se apresentam à jornada empreendedora; o passado transforma-se
imprensa e da construção de imagem”. em inspiração para a criação e para inovação; ou ainda, o passado vivi-
ficado, arquitetado como testemunho, surge como um espantalho para
O arco e a abrangência de atividades sob a gestão das Relações Públi- aquilo que pode ser inarrável e se situar aquém da ética.
cas se adensaram nas últimas décadas em termos do fazer técnico, éti-
co, estético e intelectual. Nassar e Parente (2020, p. 83) destacam que REFERÊNCIAS
Autores norte-americanos contemporâneos como Marston ABERJE. A História e Memória Empresarial nas Organizações no Brasil. São Pau-
(1979), Lesly (1995), McEntee (1998), Argenti (2003), Mar- lo: Aberje, 2020. (Pesquisa)
coni (2004), Newsom; Turk e Kruckeberg (2004) Lattimo-
re, Baskin, Heiman e Toth (2007) e Seitel (2007) destacam ANDRADE, C.T.S. Curso de relações públicas: relações com os diferentes públicos.
como principais os seguintes campos da atividade de rela- 6.ed.rev. e ampliada. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2003.
ções públicas e comunicação: comunicação estratégica; ges- DAMANTE, Nara; NASSAR, Paulo. Gerando comunicação excelente. Entrevista
tão da identidade, imagem e reputação; publicidade institu- com James Grunig. Revista Comunicação Empresarial, São Paulo, v.9, n.32, p. 21-
cional; relações com a imprensa e redes sociais; comunicação 24, 4º trim. 1999.
com os empregados (interna); relações com investidores;
relações com acionistas; Relações Governamentais (Public KUNSCH, Margarida Maria Krohling. Relações públicas e modernidade: novos
Affairs); relações comunitárias; relações políticas; relações paradigmas na comunicação organizacional. São Paulo: Summus, 1999.
com minorias; comunicação de crise; relações com públicos HISTÓRIA e Comunicação Empresarial: juntas impulsionando os negócios. En-
internacionais; gestão de marca-país; relações com organi- trevista com Ruediger Borstel. Portal Aberje. São Paulo: Aberje, 2017. Disponível
zações não-governamentais; relações com organizações sem em: https://www.aberje.com.br/historia-e-comunicacao-empresarial-juntas-im-
fins lucrativos, entre outros. pulsionando-os-negocios/ Acesso em: 18 fev. 2021.

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Cenário 2

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NASSAR, PAULO; FARIAS, Luiz Alberto de. Memória, identidade e as empresas bra-
sileiras: a difícil metamorfose. In FIGUEIRA, João; CRISTO, Ana Teresa F. Peixinho COmuNICAçãO, lIDeRANçA
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dieval. Coordenador da tradução Hilário Franco Júnior. Bauru: Edusc; São Paulo: Resumo
Imprensa Oficial. 2002. vol. 2.
Este artigo apresenta reflexões sobre a interseção entre as seguintes
temáticas-chave nas organizações: Comunicação, Liderança e Ges-
tão de Mudanças. Parte-se da análise dos conceitos de comunicação
simétrica para tratar sobre valores das partes interessadas, a lideran-
ça ambidestra para relacionar comportamentos inovadores na roti-
na das lideranças e a relação entre emissores e receptores como con-
ceito base de mudança, que por conseguinte alicerça as práticas da
Gestão de Mudanças. Por fim, pretende estimular relações-públicas
a relacionarem conceitos entre áreas de estudo como oportunidade e
incentivo para a prática profissional.

Palavras-chave:

comunicação simétrica; liderança ambidestra; gestão de mudanças;


relações-públicas; comunicação; emissores; receptores.

Introdução

Qualquer processo de relação interpessoal depende do uso de re-


cursos de comunicação. No ambiente corporativo não seria dife-
rente, estando a comunicação posicionada como facilitadora de

332 333
Cenário 2 Mix Comunicação organizacional

etapas. É objetivo principal deste artigo refletir sobre a teoria e a tanto, que um dos caminhos que se apresentam para essas lideran-
prática de três diferenciais para qualquer organização: Comunica- ças é a capacidade de encarar os impasses de comunicação como
ção, Liderança e Gestão de Mudanças. Como objetivo específico, oportunidades de aprendizado. Nestas circunstâncias os obstáculos
pretende-se relacionar essas temáticas aos conceitos de Comuni- possibilitam uma alteração de referência, para que as lideranças di-
cação simétrica, Liderança Ambidestra, bem como Conexão entre recionem sua atenção não apenas para variáveis externas, mas tam-
Emissores e Receptores no processo de Gestão de Mudanças. A au- bém revejam processos e iniciativas.
tora objetiva ainda conectar a função estratégica de profissionais
Considerando a relevante relação entre teoria e prática das ideias
de Relações Públicas para o alcance de resultados destes pilares das
empresas inovadoras. aqui expostas, serão utilizados alguns conceitos para elucidar os
argumentos, partindo da metodologia exploratória e descritiva,
Realizando uma analogia, em que a comunicação seria uma corren- considerando a experiência profissional da autora. O primeiro con-
te, e cada interação representa um elo, neste caso uma ligação entre ceito é o de gestão de mudanças pela metodologia da PROSCI® , do
liderança e equipe, quanto maior a conexão entre cada elo, mais po- qual a autora é certificada. Deste método será dada a ênfase a um
tente poderá vir a ser a comunicação. Esta potência pode ser asso- dos conceitos básicos, relacionados a emissores e receptores (Hiatt
ciada à eficiência, já que a comunicação efetiva gera mais valor para e Creasey, 2003). O segundo conceito é o da liderança ambidestra,
as organizações (Baldoni, 2009). Em tempos complexos, trazer as de Rosing et al. (2011), como a capacidade de uma liderança em
mensagens-chave de forma clara, direta e frequente, possibilita às alternar a busca pela eficiência operacional com a introdução de
lideranças seguirem engajando as equipes para o alcance do propó- novas tecnologias. A terceira teoria se relaciona à prática das ativi-
sito organizacional com transparência e responsabilidade. E estando dades de Relações Públicas, com o modelo simétrico de duas mãos
diante da necessidade de transformar comportamentos, é a qualida- (Grunig, p.38, 2011). Aqui optado pela autora de estar associado à
de da interação gerada pela liderança que determinará o sucesso da Comunicação simétrica cuja principal premissa é a de que há valor
intervenção (Scharmer, 2019). no discurso de todas as partes envolvidas em uma interação. Pre-
Desde a década de 60, com os estudos de Wilbur Schramm é sabido tende-se, por fim, refletir também sobre a potência que existe em
que o processo comunicacional não é linear. Há um campo social en- incluir profissionais de Relações Públicas como integrantes de uma
volvido nas interações entre emissor e receptor (apud Pereira, 2012). equipe de gestão de mudanças.
Embora não seja objetivo deste artigo aprofundar no estudo dos pro-
cessos comunicativos, tomou-se como importante citar que essa vi- Comunicação simétrica e geração de valor
são, dos campos de interação compartilhados, não é uma teoria nova.
Segundo Grunig (2011) o modelo simétrico de duas mãos ou simé-
Nos dias atuais, em todas as interações, entraves podem surgir de trico bilateral é aquele no qual a organização não se coloca como a
forma frequente. Alguns deles com efeito de impedir avanços e cau- detentora da verdade, principalmente em negociações e concessões.
sar sentimentos de frustração nas lideranças que, especialmente em Isso porque ao se observar com calma percebe-se que cada parte en-
momentos de transformação, enfrentam desafios em suas escolhas volvida avalia que sua posição é a correta. Logo, para o autor, se tor-
diárias. Isso inclui o movimento de comunicar. Observa-se, entre- na mais ético o exercício das interações se for assumida uma postura

334 335
Cenário 2 Mix Comunicação organizacional

de compreensão dos valores de cada parte como integrantes de um consequências das decisões organizacionais e do contexto externo
processo, e por isso, a colaboração se apresenta como a saída mais para propor planos de comunicação assertivos.
viável. Ao considerar que os argumentos das demais partes interes-
sadas tem tanto valor quanto as suas próprias crenças, a organização Liderança ambidestra e equilíbrio de papeis
permite às lideranças envolvidas na interação a escolha da Comu-
Pensando nas forças da natureza, tudo pende para o equilíbrio. Otto
nicação simétrica como uma via de resolução de conflitos ou uma
Scharmer (2019) ilustra sobre a importância das ações, de qualquer
maneira de aperfeiçoar o entendimento sobre o que os públicos es-
liderança, o conceito de que a energia segue a atenção. Isso quer dizer
tratégicos pensam.
que para onde estiver direcionada a atenção da liderança, será para
Outro ponto interessante a ser levantado, trazido por Baldoni onde irá a energia dela. Esse conceito pode nos levar a um questiona-
(2009), que analisa o estudo ‘The Watson Wyatt Effective Commu- mento sobre qual seria esse lugar para o qual a liderança deve direcio-
nication 2009/2010 - ROI Study Report’, traz a conclusão de que em- nar atenção. Uma das alternativas de resposta parece residir no con-
presas que constroem uma comunicação efetiva dão 47% mais lucro. ceito da liderança ambidestra. Rosing et al (2011) utilizam os termos
Dentre os diferenciais, há três aspectos essenciais que contribuem explotação [primeiro grupo - grifo da autora]1 , para processos e proce-
para o alcance desses resultados: a Coragem, a Inovação e a Discipli- dimentos que são aperfeiçoados ou atualizados, e o termo explora-
na. Estes atributos ajudam a impulsionar o desempenho das empre- ção [segundo grupo - grifo da autora]2 , que está ligado à introdução de
sas, especialmente em momentos difíceis. De acordo com Baldoni, novas tecnologias. Neste artigo, serão associados ao primeiro grupo
isso se justifica porque a Coragem tem relação com transparência. o termo eficiência operacional, e para o segundo grupo de compor-
A Inovação se relaciona a novos modos de fazer os processos, seja tamento a palavra disrupção. Segundo os autores a liderança ambi-
de maneira incremental ou disruptiva. A Disciplina se justifica pela destra é aquela capaz de alternar seu comportamento e foco entre efi-
comunicação eficaz não apenas das informações, mas também de ciência operacional e disrupção, a depender da situação encontrada,
contextos. Àquelas empresas que comunicavam o porquê as mudan- demonstrando assim para sua equipe uma postura de flexibilidade,
ças eram necessárias, tomavam para si a responsabilidade de liderar diante da velocidade cada vez menor entre as mudanças.
em tempos difíceis, engajando e fornecendo informações completas,
sejam elas positivas ou negativas. Com isso, os empregados tinham Já que essa ambidestria aponta para a análise frequente de cenários,
conhecimento do contexto, pois eram informados de maneira fre- mais uma vez, relações-públicas estariam em posição de vantagem
quente e consistente. considerando que o gerenciamento de assuntos emergentes está
entre uma das principais funções que estes profissionais podem de-
As conclusões de ambos os autores conduzem para a importância de sempenhar (Grunig, 2011, p.21).
processos mais transparentes, inovadores e consistentes para que
1 Explotação se refere à especialização de atividades requerendo, portanto, apenas atualiza-
relacionamentos de valor possam ser construídos coletivamente. É ções e incremento, a partir de conhecimento já existente (Marques, MAJ, 2010 apud James
ainda de Grunig o destaque para o legado de profissionais de Rela- March, 1991).

ções Públicas, atuando de forma estratégica, como analistas de ce- 2 Já a exploração demanda o uso de estratégias novas ou ainda não conhecidas. O desafio
para as empresas está em encontrar o ponto de equilíbrio para utilização dos dois proces-
nários e gerenciadores de assuntos emergentes, já que identificam as sos, a depender das demandas. (Marques, MAJ, 2010 apud James March, 1991)

336 337
Cenário 2 Mix Comunicação organizacional

Emissores e receptores, protagonistas na gestão de mudanças Segundo esses autores, a consequência desta desconexão entre in-
teresses conduz as lideranças a comunicarem 95% do tempo sobre
A gestão de mudanças é um processo estruturado para gerenciamen-
os negócios da organização, durante as interações com as equipes,
to eficaz da mudança, sob o viés do lado humano. É dotada ainda de
e apenas 5% sobre as implicações na vida pessoal do time. Há diver-
um conjunto de recursos que contribuem com a construção de com-
sos fatores que, segundo a PROSCI® , podem influenciar na manei-
petências dentro da estrutura organizacional com vistas ao alcance de
ra como os receptores recebem as mensagens. Destaco neste artigo
resultados desejados na temática. (Toolkit PROSCI®, 2016). Um dos
uma das competências de Relações Públicas que está diretamente
conceitos de mudança que embasa a aplicação de práticas de gestão de
relacionada aos aspectos micro e macro nos relacionamentos, ilus-
mudanças se relaciona à conexão entre Receptores e Emissores. Para
trados por Ianhez (2006, p.181):
Hiatt e Creasey (2003) o que um emissor diz e o que um receptor en-
tende podem ser duas mensagens distintas. Nesta abordagem de ges- A administração das organizações é, na sua essência, uma
tão de mudanças parte-se da ideia geral de que as perspectivas de um ampla gama de relações entre pessoas. Relações entre pes-
soas são fundamentais na comunicação. Ela é a busca da
emissor, no caso a liderança, e de um receptor, no caso empregado(a)
compreensão e harmonia, a necessidade de compreender o
de uma organização, podem ser diferentes. Para fins de simplificação que os outros querem e de fazer saber aos outros o que que-
textual, a liderança será citada como emissor, já empregados (as) serão remos, para que sejam atingidos objetivos e harmonizados
referenciados aqui como receptores. Não apenas por conta de suas vi- interesses coletivos e individuais. Podemos afirmar que a co-
vências, mas principalmente porque no início de um processo de mu- municação é o fundamento da administração.
dança quem compartilha informações sobre a transformação necessá-
ria, e quem recebe essas informações podem ter interesses distintos. Relações públicas é a comunicação na administração, no que diz res-
peito à sua visão institucional.
Segundo a PROSCI® , os emissores estão mais propensos a comuni-
carem sobre as questões do negócio e a necessidade de mudar. Já os Tendo sido mapeado pela PROSCI® que o motivo principal para as
receptores, querem saber os riscos e implicações pessoais diante da- pessoas não mudarem é porque elas não compreendem a necessida-
quela mesma mensagem. Emissores e receptores partem, portanto, de de fazerem diferente da forma atualmente realizada, levanta-se
na representação da figura 1, de perspectivas divergentes: a dúvida de como a Comunicação poderia contribuir. Outro aspecto
que também poderia ser motivo de questionamento, seria o papel da
liderança neste contexto. Uma resposta possível, que abarcaria expli-
cações sobre as duas temáticas-chave poderia residir na análise de
Otto Scharmer (2019) sobre o sucesso das intervenções em processos
de mudanças. Para Scharmer, o nível de consciência das pessoas que
operam um sistema é determinante para o alcance dos reais objetivos
da mudança. Partindo disso, sabe-se que a Comunicação tem poder
transformador contribuindo tanto para mudanças individuais quan-
to coletivas. Então, se relações-públicas estiverem em posições estra-
Emissores e receptores desconectados, Hiatt e Creasey (2003), pg.16 tégicas, participando das interações com a coalizão dominante, bem

338 339
Cenário 2 Mix Comunicação organizacional

como parte integrante das equipes de gestão de mudanças, há maior Marques, MAJ; Cunha, JCA. Liderança Ambidestra e Inovação: a evolução de
uma ideia. VIII Congresso Internacional de Conhecimento e Inovação–Ciki. Gua-
possibilidade de reconhecerem os pontos cegos das lideranças, e por
dalajara, 2018. https://www.researchgate.net/publication/330523667_LIDERAN-
consequência, aumenta a chances de estratégias mais assertivas na CA_AMBIDESTRA_E_INOVACAO_A_EVOLUCAO_DE_UMA_IDEIA. Acessado em
forma de comunicar as necessidades da organização. 28set2020, 15h25.

Pereira, Everaldo. Reflexões sobre o modelo do processo linear de comunicação


Conclusão a partir de uma concepção pós estruturalista de linguagem. In: XVII Congres-
so de Ciências da Comunicação na Região Sudeste – Ouro Preto - MG. Intercom –
O exercício da escrita se apresenta como uma espécie de reflexão es- Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação. http://www.
tando a autora grata pela oportunidade de falar sobre as áreas de es- intercom.org.br/papers/regionais/sudeste2012/resumos/R33-1878-1.pdf Acessado
em 15jan2021, às 11h00.
tudo e prática que vem realizando. Este artigo pretendeu apresentar
as principais reflexões acerca das temáticas de Comunicação, Lide- Prosci Toolkit. Programa de Certificação, PROSCI® Change Management. Turma
de Certificação, Belo Horizonte, MG, Outubro de 2016. PROSCI® Inc.
rança e Gestão de mudanças, não sendo pretensão da autora esgotar o
debate, mas contribuir para que relações-públicas percebam a rique- Rosing, Kathrin & Frese, Michael & Bausch, Andreas. (2011). Explaining the He-
za da inter-relação de áreas de estudo como oportunidades e campos terogeneity of the Leadership-Innovation Relationship: Ambidextrous Leader-
ship. The Leadership Quarterly. 22. 956-974. 10.1016/j.leaqua.2011.07.014. https://
para atuação profissional. É oportuno observar e incentivar que sejam www.researchgate.net/publication/229094454_Explaining_the_Heterogeneity_
feitas outras conexões entre as três temáticas aqui apresentadas, uma of_the_Leadership-Innovation_Relationship_Ambidextrous_Leadership, Acessa-
vez que os conceitos da Comunicação simétrica, da Liderança Ambi- do em 15nov2020, às 23h39.
destra podem contribuir sobremaneira para incrementar as práticas Scharmer, Otto. Liderar a partir do futuro que emerge: a evolução do sistema eco-
de Gestão de Mudanças, e por fim, alçar novas perspectivas para o nômico ego-cêntrico para o eco-cêntrico. Otto Scharmer; [tradução Cristina Ya-
magami; revisor técnico: Janine Saponara]. 1ª ed. Rio de Janeiro: Alta Books, 2019.
alcance de resultados desejados nas organizações.

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garida Maria Krohling (Org.). Obtendo resultados com Relações Públicas. 2ª ed.
rev. São Paulo: Cengage Learning, 2011.

340 341
AS RelAçõeS públICAS
e A COmuNICAçãO NAS
ORgANIzAçõeS

Sandra Nunes Leite

Resumo

Nossa proposição se concentra nas indicações de formação acadê-


mica descritas para as disciplinas pertinentes ao campo da comu-
nicação. Tem como pontos de referência as Relações Públicas e a
Comunicação Organizacional, destacando aquelas disciplinas que,
com estas, desenham o universo da comunicação dentro das organi-
zações. O olhar se deteve em documentos produzidos por universi-
dades brasileiras e, também, nos relatórios e resoluções relativos às
Diretrizes Curriculares Nacionais dos cursos de graduação no Brasil.
A análise combina a inspiração no modelo helicoidal do movimen-
to circulatório da ciência com a inspiração na lógica nebulosa para
tentar compreender sobre questões de fronteiras, limites, mesclas,
pertinências que são desenhados nesse espaço por tais campos pro-
fissionais e acadêmicos.

Palavras-chave:

relações públicas; comunicação organizacional; lógica nebulosa;


modelo helicoidal; regência da comunicação.

343
Cenário 2 Mix Comunicação organizacional

Introdução ções Públicas, do Jornalismo e da Publicidade e Propaganda. Integra-


se a esse quadro também o campo da Comunicação Organizacional.
Algumas reflexões nos foram provocadas por leituras e discussões so-
bre atores regentes da comunicação nas organizações, mais especifica- Importa, pois, para fins desse trabalho, perceber as descrições conti-
mente aquelas que dizem respeito aos campos acadêmico e profissio- das nos documentos norteadores das respectivas formações em ins-
nal das Relações Públicas (RP) e da Comunicação Organizacional (CO). tituições de ensino superior no Brasil ou por intermédio dos aponta-
mentos oficiais apresentados nas páginas dos cursos.
Por elas ficou evidente um conjunto de práticas específicas que se li-
gam a determinadas teorias próprias a cada campo, mas que também Ainda são observados os delineamentos específicos contidos em
se vinculam a um conteúdo conceitual comum. Por isso, a metáfora suas Diretrizes Curriculares (para os casos de Jornalismo, Relações
da música (e da orquestra) nos pareceu pertinente para a elaboração Públicas e Comunicação Social) e Parecer do Conselho Nacional de
desse texto que recorre ainda aos estudos da lógica nebulosa (teoria Educação/Câmara de Educação Superior (para Publicidade e Propa-
dos conjuntos Fuzzy) e à apreensão adquirida a partir do “modelo ganda), de forma a identificar traços que nos levem à compreensão
helicoidal” do movimento circulatório da ciência. Tanto a lógica ne- inicial de seus propósitos e domínios.
bulosa quanto o modelo helicoidal foram abordados anteriormente
em trabalhos apresentados em Congressos ABRAPCORP e INTER- Destacamos como observáveis seis instituições federais de ensino
COM, que neste texto alimentam novas reflexões. superior: Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Universida-
de Federal do Rio Grande do Sul, Universidade Federal da Paraíba,
Sendo assim, recorremos aos projetos pedagógicos de cursos de Jor- Universidade Federal de Minas Gerais, Fundação Universidade de
nalismo, Publicidade e Propaganda, Relações Públicas e Comunica- Brasília, Universidade Tecnológica Federal do Paraná. Num panora-
ção Organizacional e/ou descrições destes cursos contidas nas suas ma das instituições federais que ofertam curso de Relações Públicas
páginas eletrônicas. A escolha destes campos acompanha o enfoque percebemos os seguintes dados no que diz respeito ao ensino de gra-
dos estudos e das práticas da comunicação nas e das organizações
duação em comunicação social:
que se voltam para a Assessoria de Imprensa, Relações Públicas e Co-
municação Mercadológica. Quadro 1: Instituições federais de ensino superior que oferecem
curso de graduação em Relações Públicas
Também foram capturadas informações constantes nos relatórios/
resoluções relativos às Diretrizes Curriculares Nacionais destes cur- Relações Comunicação Publicidade e
Instituição Jornalismo
sos. A tentativa foi a de identificar traços dos propósitos fundamen- Públicas Organizacional Propaganda
tais e dos domínios de cada parte desse universo. UFMG X X X
UFRGS X X X
Formação acadêmica – por seus cursos UFPB X X
UFAM X X
Sabe-se que o espaço das organizações é composto por diferentes sa-
UFMA X X
beres e fazeres. Mas o intuito deste texto é direcionar o olhar para o
UFPR X X X
universo da comunicação, tendo sido pinçados os campos das Rela-

344 345
Cenário 2 Mix Comunicação organizacional

UFSM X X X Atuar no processo produção da


UFAL X X notícia.
(Não foi encontrada uma
UFG X X X UFMG Dominar o processo de construção descrição específica)
UNIPAMPA X X X da informação jornalística, da
pesquisa e da reportagem.

Entre aquelas instituições tomadas como objeto, destaca-se que as Repórter, pauteiro, chefe de
mesmas possuem os seguintes cursos na área da comunicação: reportagem, editor de ima-
Apuração, interpretação, registro e gens, editor de jornais, de ca-
Quadro 2: Cursos da área da comunicação nas instituições observadas UFRN divulgação de fatos de interesse da dernos de programas em rá-
sociedade. dios e de TVs, produtor, chefe
Relações Comunicação Publicidade e de redação, diretor de redação,
Instituição Jornalismo e ainda assessor de imprensa.
Públicas Organizacional Propaganda
UnB X X X Produção e articulação de infor-
UFMG X X X mações e conhecimentos sobre a Trabalha em veículos con-
atualidade.
UTFPR X vencionais e alternativos,
UFRGS bem como em organizações
UFRN X X Gestão de informações jornalísti-
públicas, privadas e comuni-
cas; assessoria de imprensa; pla-
UFRGS X X X tárias
nejamento e execução de projetos
UFPB X X editoriais jornalísticos.

Produção de informações rela-


Pode-se perceber que as instituições que implantaram curso de gra- cionadas a fatos, circunstâncias e
duação em Comunicação Organizacional não contam com o curso de UFPB contextos do momento presente (Não foi encontrada uma
descrição específica)
Relações Públicas entre aqueles que compõem o seu campo de ensino Apuração, interpretação, registro e
em Comunicação Social. Entendendo que seja a partir desse campo de divulgação dos fatos sociais
ensino que se delineiam os propósitos da profissão e os domínios de
atuação inscritos nos documentos norteadores da formação acadêmi- Quadro 4: Propósito do curso de Publicidade e Propaganda e
ca, identificamos nos quadros a seguir os traços desses elementos. domínio de atuação previsto por instituição observada

Quadro 3: Propósito do curso de Jornalismo e Instituição Propósito do curso para o egresso Domínio de atuação previsto
domínio de atuação previsto por instituição observada Planejamento, criação, produção,
difusão e gestão de comunicação
Instituição Propósito do curso para o egresso Domínio de atuação previsto
publicitária, de ações promocionais
Objetivos de mercado, de ne-
Meios impressos e audiovi- e de incentivo, eventos e patrocínio,
Registrar fatos jornalísticos, apu- suais: jornal, revista, rádio, UnB gócios de anunciantes e insti-
atividades de marketing, venda
rando, interpretando, editando e televisão e internet. Trabalha tucionais.
UnB pessoal, design de embalagens e de
transformando-os em notícias e ainda como jornalista em as- identidade corporativa, e de asses-
reportagens sessoria a instituições de to- soria publicitária de informação.
dos os tipos

346 347
Cenário 2 Mix Comunicação organizacional

Competência para o planejamento, Domínio de linguagens utiliza-


Todo tipo de organização que
criação, produção, difusão e gestão das nos processos de comunica-
da comunicação publicitária, de procura se preparar para me-
ção nos campos de criação, de
ações promocionais e de incentivo, (Não foi encontrada uma UFPB lhor se relacionar com diferen-
UFMG produção, de interpretação e da
eventos e patrocínio, atividades de descrição específica) tes segmentos de públicos de
técnica em relações públicas e
marketing, venda pessoal, design sua área de atuação
cultura organizacional
de embalagens e de identidade cor-
porativa, e de assessoria.
Quadro 6: Propósito do curso de Comunicação Organizacional
Planejamento, criação, produção,
difusão e gestão de comunicação e domínio de atuação previsto por instituição observada
publicitária, de ações promocionais Objetivos de mercado, de ne-
e de incentivo, eventos e patrocínio, Instituição Propósito do curso para o egresso Domínio de atuação previsto
UFRN gócios de anunciantes e insti-
atividades de marketing, venda
Abrangência sobre diferentes
pessoal, design de embalagens e de tucionais.
identidade corporativa, e de asses- meios, linguagens e práticas
Elaborar diagnósticos, prognós-
soria publicitária de informação. profissionais e de pesquisa
ticos, planejamento e estabelecer
ligadas aos campos mais tra-
Campo da comunicação UnB políticas de Comunicação com os
dicionais da Comunicação,
Criação e de planejamento da co- estratégica e persuasiva, diversos públicos das organiza-
UFRGS como Jornalismo, Publicidade
municação estratégica e persuasiva seja de interesse público ou ções e instituições.
e Propaganda, Relações Públi-
privado. cas e Audiovisual
Gerenciar atividades de publicida-
Quadro 5: Propósito do curso de Relações Públicas e Gerir e administrar as  novas
de e propaganda, jornalismo, rela-
domínio de atuação previsto por instituição observada exigências da comunicação
ções públicas, marketing, comu-
UTFPR organizacional, frente às ex-
nicação  oral, pesquisa científica,
pectativas da  comunidade e/
Instituição Propósito do curso para o egresso Domínio de atuação previsto cerimonial e protocolo em eventos
ou organização
Proposição, análise e gestão de e políticas da comunicação
políticas, estratégias e instru-
mentos de comunicação e rela- Áreas de comunicação em Desenha-se, dessa forma, o universo difuso da comunicação quando
cionamento com os públicos da organizações públicas, esta é pensada no âmbito das organizações. Publicidade e Propagan-
UFMG organização. privadas e do terceiro setor
da, Jornalismo e Relações Públicas parecem estabelecer domínios de
Realização de atividades de pes-
quisa e análise, de assessoria e atuação muito próprios, embora tendam a se mesclarem pelo caráter
consultoria, de planejamento e complementar e de atravessamentos.
divulgação.
O profissional de Relações Públicas As vinculações da Comunicação Organizacional com os demais sub-
presta assessoria e consultoria a conjuntos desse universo são visíveis, mas seu entrelaçamento com
empresas públicas e privadas, atua
no planejamento e execução de as Relações Públicas evidencia muito mais do que simples conexões,
UFRGS eventos e promoções, em pesquisas Organizações em geral por seus delineamentos e propósitos. Eles podem, por vezes, ser per-
de opinião pública e de mercado e
no planejamento de projetos de co- cebidos como campos distintos, mas também confundidos um pelo
municação interna e externa para outro. Relações Públicas, como campo de formação acadêmica no
organizações em geral
Brasil, apresenta um significativo número de cursos e maior anti-

348 349
Cenário 2 Mix Comunicação organizacional

guidade, enquanto Comunicação Organizacional possui um históri- Isso nos dá o seguinte panorama, conforme Figuras 1 e 2, a seguir:
co muito recente de implantação de curso de graduação que revela
Figura 1: Panorama dos cursos de graduação em
um número muito reduzido.
Relações Públicas no Brasil, por categoria administrativa

Relações Públicas no “e-Mec”

No que diz respeito aos cursos de Relações Públicas é possível ob-


servar nos registros constantes no Cadastro Nacional de Cursos e
Instituições de Educação Superior (Cadastro e-MEC)1, o registro de
134 (cento e trinta e quatro) cursos quando buscamos “Relações Pú-
blicas”. Entre estes se encontra o registro de dois cursos de Publici-
dade e Propaganda, sendo um deles já extinto. Aparece na lista um
curso de Jornalismo, em atividade. Há ainda duplicação de algumas
instituições de ensino. Passamos a considerar um curso de Relações
Públicas para cada instituição cadastrada.

Com estes apontamentos, visualizamos um total de 104 cursos de Fonte: Autoria nossa, com base nos dados colhidos no https://emec.mec.gov.br/

Relações Públicas distribuídos pelo país, conforme Tabela 1, a seguir: De maneira geral, o quadro dos cursos de Relações Públicas é assim
compreendido a partir dos dados do e-Mec:
Tabela 1: Quantitativo de cursos de Relações Públicas
por categoria administrativa Figura 2: Panorama dos cursos de graduação em
Relações Públicas no Brasil, por situação
Em Em
Categoria Administrativa Extinto TOTAL
atividade extinção
Instituição Privada sem fins
33 0 9 42
lucrativos
Instituição Privada com fins
34 0 12 46
lucrativos
Instituição Pública Municipal 1 0 0 1
Instituição Pública Estadual 5 0 0 5
Instituição Pública Federal 10 0 0 10
TOTAL 83 0 21 104
Fonte: Autoria nossa, com base nos dados colhidos no https://emec.mec.gov.br/

1 Portal do Governo Federal (https://emec.mec.gov.br/) que concentra informações sobre os


cursos e graduação no Brasil. Fonte: Autoria nossa, com base nos dados colhidos no https://emec.mec.gov.br/

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Cenário 2 Mix Comunicação organizacional

Os cursos de graduação em Relações Públicas seguem diretrizes es- O universo nebuloso


pecíficas (2013) que assinalam conteúdos curriculares alicerçados
Compreendemos, então, que no conjunto organizacional estão pre-
em quatro eixos: 1) formação geral, que contempla conteúdos de cul-
sentes linhas de atividades impulsionadas e impulsionadoras por
tura geral e de formação ética e humanística; 2) formação em comu-
processos diversos que envolvem esses diferentes atores e áreas de
nicação, contemplando conteúdos teóricos e aplicados das ciências
atuação profissional. Por isso, o entendemos como universo nebu-
da comunicação; 3) formação em relações públicas, que contempla
loso, considerando a diversidade e a as semelhanças de ações e de
conteúdos teóricos e aplicados a práticas laboratoriais que são espe-
áreas aí atuantes.
cíficos para a compreensão de relações públicas; 4) formação suple-
mentar, contemplando conteúdos de domínios conexos importantes Esse entendimento nos foi possível por intermédio do pensamento
para a construção do perfil e das competências pretendidas na insti- matemático acerca da lógica dos conjuntos, mais especificamente a
tuição de ensino. Lógica Fuzzy, também conhecida como lógica difusa ou nebulosa.
Tal perspectiva indica possibilidades de representações uma vez que
Comunicação Organizacional no “e-Mec” o fenômeno da comunicação nas organizações, conforme literatura
científica na área, indica não constituir contornos bem definidos.
No Portal e-Mec, encontramos 2 (dois) cursos de graduação em Co-
municação Organizacional que estão em atividade no Brasil, ambos Sabe-se que o pensamento matemático alimentou o pensamento co-
são ofertados por instituições federais de ensino superior. O mais municacional no qual ressaltamos a descrição dos componentes me-
antigo está no elenco da Comunicação Social do Universidade de cânicos da trajetória da informação, baseado na álgebra booleana e
Brasília (UnB) cujo ato de criação se deu em 2008, tendo entrado em na aritmética binária, tendo inscrito o sistema geral de comunicação
atividade em 2010. Essa trajetória foi seguida pela Universidade Tec- ao apontar e descrever seus elementos, desde a entrada de dados/
nológica Federal do Paraná. O ato de criação do curso se deu em 2013 informação até saída dos mesmos.
e seu início, em 2014.
A diversidade e as semelhanças de ações e de áreas que compõem
Os cursos de Comunicação Organizacional seguem as diretrizes cur- o universo da comunicação nos ambientes organizacionais deixam
riculares para a área da comunicação social, definidas a partir de Re- perceptíveis a indicação de pontos em que os campos atuantes se to-
solução do Conselho Nacional de Educação, no ano de 2002, em que cam, se confundem ou apenas têm atividades próprias/específicas.
é indicado o padrão básico de referência para os cursos de comuni- Podemos perceber esse quadro pela perspectiva da interseção dos
cação social e suas habilitações (Jornalismo, Relações Públicas, Pu- conjuntos (áreas/campos), o que nos levaria à representação de um
blicidade e Propaganda, Cinema, Radialismo, Editoração e ou outras novo campo (dado pela interface ou região de fronteira).
habilitações que venham a ser criadas no campo da Comunicação).
Essa perspectiva se vincularia à lógica binária, uma vez que seriam
Se as atuações de profissionais em assessorias de imprensa (jornalis- definidos os elementos pertencentes e os não pertencentes a cada
tas), de comunicação (relações públicas) e mercadológica (publicitá- conjunto, enquanto o elemento comum definiria um outro conjun-
rios) parecem estar atravessadas no universo da comunicação nas orga- to/campo. Seriam percebidos, com muita evidência, os limites desses
nizações, como perceber a inserção do comunicólogo organizacional? espaços, o que definiria o pertencimento e o não pertencimento.

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Cenário 2 Mix Comunicação organizacional

O pensamento científico ocidental está alicerçado nesse sistema/ Em ambos há um núcleo e demais componentes de um mesmo
pensamento binário oferecido inicialmente pela lógica aristotélica universo. No modelo celular “texto” e “contexto” estão muito bem
(formulada por Aristóteles entre 348 e 322 A.C) que tem por fundamento delimitados, com funções específicas. Há um núcleo conceitual cir-
as assertivas de que: 1) nenhuma afirmação pode ser verdadeira e cundado por uma coroa de contextos organizacionais (mercado,
falsa ao mesmo tempo (princípio da não contradição); e 2) todas as notícia, cultura).
afirmações são verdadeiras ou falsas (princípio do terceiro excluído).
Esse modelo celular passa a ser visualizado (Fig. 4) num modelo he-
Mas se estamos diante de fronteiras porosas, as relações de licoidal que delineia quatro circuitos em forma de hélice e um circui-
pertinência vão se transformar, caracterizando o universo nebuloso, to circular central, todos intersecionados por linhas que represen-
uma vez que esse grau de pertinência vai se dar pela proximidade ou tam fluxos interacionais. Esses conjuntos (campos/áreas), dispostos
distanciamento dos pólos considerados (quanto maior proximidade, em contínuo movimento, podem delinear as vinculações entre “tex-
maior o grau de pertinência). to” e “contexto”. Tais hélices e circuito central são vistos aqui como
Essa ideia de mescla, porosidade e atravessamentos também pode o universo da comunicação nas organizações. O que seria o circuito
ser considerada a partir da perspectiva do modelo helicoidal. central? Como definir e identificar as hélices porosas?

O modelo helicoidal Regência da Comunicação nas Organizações

Esse modelo tenta capturar o pensamento contido no estudo de cir- É evidente que o universo das organizações se compõe por dife-
culação da ciência (LATOUR, 2001) para compreender o espaço da rentes conjuntos os quais dão a propriedade daquilo que seja a co-
comunicação nas organizações, cujos elementos (ou conjuntos/cam- municação. Fazendo alusão à música, poderíamos dizer que aque-
pos/áreas) fazem parte de um mesmo circuito. Podemos olhar para la é constituída por “sons” simultâneos e sucessivos, num certo
esse espaço pela perspectiva de célula (Fig.3) ou pela perspectiva de andamento. Há “sons” graves e, também, agudos que variam na
hélices/circuitos (Fig. 4). sua intensidade, no timbre e na duração. Percebemos diferentes
“naipes” cujos “coordenadores” aqui sugerimos identificar como
Figura 3: O universo da comunicação Figura 4: O universo da comunicação
nas organizações pela perspectiva de nas organizações pela perspectiva de
os campos profissionais: Relações Públicas, Jornalismo, Publicida-
célula circuitos de, até então figurantes como potenciais atores regentes da comu-
nicação nas organizações.

A regência, na teoria musical, diz respeito a uma prática, fundada em


estudos, que busca estabelecer o elo entre o compositor, o intérpre-
te e o público. Fresca (2020) afirma que a regência requer “domínio
sólido de algum instrumento”, mas também “noções gerais de todos
os instrumentos”, além de outros atributos relativos a conhecimento
amplo dos repertórios.

354 355
Cenário 2

O regente marca o ritmo e indica o tempo correto com sinais precisos


e visíveis por seus movimentos, expressões e postura que se direcio-
nam para a melhor performance orquestral. Quando Fresca (2020)
cita o maestro Fábio Mechetti, sobre a regência, chama a atenção
para a importância de desenvolver a capacidade de “[...] ‘escutar’ o
TeNDêNCIAS DO meRCADO
que está acontecendo e saber direcionar seus comentários ou pró- De COmuNICAçãO
prios gestos, a fim de alcançar o objetivo final”.

Por essa reflexão, com a metáfora da regência musical, associada à


construção desse texto, talvez não seja pertinente oferecer respostas
ou definições acerca das pertinências e não pertinências, das hélices Viviane Mansi
e circuito central, ou a quem caberia a regência da comunicação nas
organizações. Mas é preciso perceber essa função a partir daquilo que
Escrever sempre foi, para mim, uma forma de organizar o pensa-
as instituições de ensino delineiam na formação de seus profissionais.
mento e calibrar as ações para o futuro. Escrever aqui, para outros
Relações Públicas, é especialmente gratificante, especialmente por-
REFERÊNCIAS
que a profissão me trouxe tudo de bom. Sou bastante realizada. Que-
ARISTÓTELES (384-322 a.C.). Órganon: categorias, da interpretação, analíticos
ro contar pra vocês, numa prosa, como se nós estivéssemos numa
anteriores, analíticos posteriores, tópicos, refutações sofísticas. (tradução, textos e
notas de Edson Bini). São Paulo: Edipro, 3.ed., 2016. (Série Clássicos Edipro). conversa presencial, ao lado de uma xícara de café e uns pães de
BRASIL. Ministério da Educação. www.mec.gov.br . Acesso em janeiro de 2021. queijo quentinhos (não sou mineira, mas aprecio muito rs), como eu
FRESCA, Camila. O caminho que leva à regência. In: Revista continente. Edição 235, construí um pouco das minhas crenças atuais e quais tendências eu
2020. https://www.revistacontinente.com.br/edicoes/235/o-caminho-que-leva-a penso que pautarão nosso futuro. Não se tratará exatamente da lista
-regencia. Acesso em janeiro/2021. célebre de tendências das “big four”1, mas de algo muito particular
LATOUR, Bruno. A esperança de Pandora: ensaios sobre a realidade dos estudos que eu tenho visto e vivido todos os dias.
científicos. Bauru/SP: EDUSC, 2001.
LEITE, Sandra Nunes. A lógica midiática da inovação. Maceió: EDUFAL, 2009. Optei por essa narrativa porque eu tenho refletido muito sobre a forma
NASCIMENTO, J. L.; STEPHAN, C.; NUNES, E. D. Cientistas sociais da saúde co- como fazemos as coisas e a urgência de retomarmos os espaços de con-
letiva: uma abordagem pela ótica fuzzy. In: Ciência e saúde coletiva. v. 20. n.º 5. versa que o Covid nos tirou. Vivi esse momento intensamente, felizmen-
Rio de Janeiro, 2015. Disponível em: http://www.scielo.br. Acesso em 27 fev. 2020.
te com saúde, mas tenho acompanhado os dilemas não aparentes que a
ORTEGA, N. R. S. Aplicação da teoria de conjuntos Fuzzy a problemas da reorganização da nossa rotina doméstica e de trabalho nos trouxe.
biomedicina. São Paulo: Universidade de São Paulo, Instituto de Física, 2001.
(Tese de douramento).
Começo então pelo começo – porquê escolhi relações públicas entre
POSSELT, E. L. Infuzy: ferramenta para o desenvolvimento de aplicações de siste- tantas outras profissões.
mas difusos. Dissertação (Mestrado em Sistemas e Processos Industriais) - Progra-
ma de Pós-Graduação em Sistemas e Processos Industriais, Universidade de Santa 1. Big four é um termo que o mercado usa para se referenciar às maiores empresas de consul-
Cruz do Sul. Santa Cruz do Sul, 2011. toria: EY, PwC, Deloitte e KPMG

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Cenário 2 Mix Comunicação organizacional

O passado Mudei de empresa, ainda no setor farmacêutico, saindo de uma to-


tal zona de conforto, para aprender mais e me testar mais. Fui pra
Eu posso dizer que minha relação com a profissão sempre foi bas-
Nycomed, que foi vendida para a Takeda alguns meses depois. Fo-
tante positiva, mas começou de maneira quase acidental. Na esco- ram anos intensos. Desafio de formar equipe, começar um projeto de
la de ensino médio em que eu estudava, circulava uma revista de responsabilidade social do zero, fortalecer uma nova cultura. Mais
profissões, na ocasião publicada pela Unesp. Ao ler sobre o que era uma vez, tive a sorte de ter gente muito competente por perto, e que
Relações Públicas, eu diria que foi amor à primeira vista. Meses de- se importava verdadeiramente com meu processo de imersão nessa
pois eu prestava vestibular e começaria um novo capítulo na minha nova cultura – acreditem... nada é fácil depois que você “nasce, cresce
história de estudante. e se desenvolve” numa única empresa. Foi outro bom momento na
minha carreira, até que recebi uma proposta irrecusável para ir para
Eu conhecia bem pouco da profissão – nada além das duas páginas
a GE. Mais um capítulo, desta vez bastante curto, operando public
da revista que eu li. Uma vez na Faculdade, o céu começou a se abrir.
affairs, como manda o figurino americano. Saí da GE com mais baga-
Entrei cedo para o mercado de trabalho – inclusive para pagar os es-
gem, mais aprendizado, e fui para Votorantim Cimentos, para minha
tudos – e acabei fazendo meu primeiro estágio na área por conta de primeira grande experiência internacional, com a responsabilidade
uma indicação. Um conhecido (hoje amigo) me contou que a empre- por 14 países que na época a Votorantim operava. A empresa me tra-
sa em que ele trabalhava estava abrindo uma vaga de estágio na mi- zia muita oportunidade interessante, especialmente por trabalhar
nha área. Eu me inscrevi, passei, e fiquei nessa empresa por catorze mais fortemente com posicionamento de marca e propósito. Inaugu-
anos. Fui extremamente feliz. A empresa se chama MSD, e é uma das ramos o capítulo digital da Votorantim Cimentos para falar de ques-
grandes indústrias farmacêuticas do país. Tive chance de aprender tões institucionais, fizemos um grande trabalho de comunicação de
e realizar nessa empresa muitas coisas de que me orgulho, além de liderança, e essas bases rendem bons fruto para a empresa até hoje.
conviver com profissionais qualificados. Mais que conhecimento
Eis que surge mais uma oportunidade: fazer parte da Toyota. Hoje eu
técnico, tive a sorte de trabalhar com líderes que sempre me inspi-
sou diretora regional para a América Latina e Caribe nessa empresa,
raram a ser como eles. Uma liderança autêntica, devotada, compro-
além de presidente da Fundação Toyota do Brasil. Esse é, ao menos, o
metida, íntegra. Hoje vejo como essas coisas são fundamentais para
que posso chamar do meu capítulo em empresas privadas.
quem está dando seus primeiros passos de carreira. É bom ter a sorte
de conviver com gente assim, que te marca profundamente e passa Há um segundo capítulo, que começou em 2006, relacionado a ensino
a vida sempre por perto. Na MSD eu tive chance de trabalhar com e pesquisa. Nesse ano, depois de ter feito um processo de formação na
comunicação com empregados, relações governamentais, responsa- escola em que eu me formei – Faculdade Cásper Líbero – eu assumi
bilidade social, relações externas. Foi um período de muito aprendi- a cadeira de Comunicação Interna na faculdade. Por longos anos me
dediquei ao ensino na graduação, e depois na pós-graduação.
zado, mas em algum momento eu me perguntei: será que a empresa
é boa comigo ou eu sou boa de verdade? Entrei com estagiária e já era Em algum momento eu pensei se estava usando meu tempo e minha
gerente sênior, com uma trajetória inteira construída sob o mesmo energia da melhor maneira possível. Eu lecionava Comunicação com
teto. Para mim, era um alerta para buscar coisas diferentes. entusiasmo para quem já acredita na profissão. Achei que era hora

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Cenário 2 Mix Comunicação organizacional

de mudar e comecei a me dedicar às escolas de negócio, pois a mi- da miséria, da falta de emprego e deve ter impactos maiores que a
nha trajetória e experiência poderiam contribuir que que as pessoas Grande Recessão. Para as empresas, lidar com o tema não tem sido
que decidem temas importantes nas organizações melhorassem seu fácil e demonstra a importância da relação e da comunicação com
entendimento nessa área. Estava feita a ponte para a Fundação Dom seus diferentes públicos. Comunicação dentro da organização, por
Cabral, Fundação Getúlio Vargas e FIA/USP, onde estou vinculada exemplo, nunca foi tão demandada. Muitas empresas tiveram que
até hoje, seja com matérias objetivamente voltadas à comunicação suspender a sua operação por algum tempo. As pessoas demandam
ou a desenvolvimento de equipes de alta performance. mais e mais informação. O trabalho invadiu a casa e reajustou a roti-
na. Esta é só uma das várias implicações.
Também escrevi muito. Entre livros, capítulos ou organização de li-
vros foram dezoito. Fui eu mesma em todos eles – privilegiando uma Para não generalizar e não correr o risco de dizer o mesmo que você
linguagem próxima, às vezes até lúdica, mas buscando fazer um laço poderia ler em qualquer noticiário ou jornal impresso, vou contar
entre a vida real e teoria. Não foi exatamente um caminho tranqui- um pouco da nossa história na Toyota.
lo – primeiro livro sempre vem com muita expectativa. Nós (prazer
Em 11 de março de 2020 anunciamos que nossos empregados admi-
enorme de tê-lo escrito com o Bruno Carramenha e com a Thatiana
nistrativos poderiam trabalhar de suas casas e assim foi feito a partir
Cappellano) pedimos para um colega professor prefaciar. Ele achou
do dia posterior ao anúncio. Não se trata de uma tarefa fácil, pois a
melhor não. Hoje a gente entende que possivelmente ele não tenha
empresa não tinha o hábito de trabalho remoto e muitos dos compu-
gostado do estilo e nem sequer acreditava no que estava ali. Esse li-
tadores ainda eram desktops. Uma semana depois, nós anunciamos
vro, voltado para a área da comunicação com empregados, que na-
parada das quatro fábricas que temos no Brasil. Fizemos o máximo
quela altura tinha em pouca literatura publicava, foi um pequeno
que pudemos para evitar a queda dos salários das pessoas. Embora a
sucesso. Mais de quatro mil cópias vendidas e diversas reimpressões.
MP 936 permitisse que os salários fossem descontados até 50%, pre-
Ele agora pode ser baixado gratuitamente. Não imprimimos mais,
servamos os salários a 95% para trabalhadores com menor salário, e
pois já está na hora de uma nova edição, que será feita quando o nos-
até 80% para executivos. Além disso, fizemos um processo minucio-
so tempo permitir.
so de cuidado de saúde com todos, reforçando necessidades extras
Este livro abriu caminho para vários outros. Um deles, com diversos de higiene e montamos um novo protocolo para receber de volta das
autores, publicado e recomendado para o ensino da comunicação pessoas três meses depois.
nos Estados Unidos. Um momento de bastante orgulho para nós.
Aos empregados que continuaram trabalhando presencialmente, tí-
Escrevo nas horas vagas, mas admito que tenho escrito bem menos
nhamos uma nova rotina. Aprendemos a usar as ferramentas digitais
dada as demais responsabilidades e pressões do dia a dia.
para o dia a dia, tais como o Zoom e o Teams, além de aprender na
prática uma nova etiqueta para as reuniões. Nós nos aproximamos
O presente
mais, conversamos mais abertamente, e nosso presidente, Rafael
Por falar em responsabilidades, estamos vivendo uma das maio- Chang, fez 49 encontros com grupos pequenos de empregados para
res crises da nossa geração. Um evento que atinge e preocupa mais saber como estavam, falar de negócios, tirar dúvidas e dar um pouco
que as grandes guerras. A pandemia traz de volta o horror da fome, mais de tranquilidade às pessoas.

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Cenário 2 Mix Comunicação organizacional

Nós também nos comunicamos muito mais com nossos fornecedo- transformaram uma dificuldade em oportunidade de crescimento.
res e concessionários, em conversas diárias para entender a saúde As conquistas deles não têm mais volta. O novo normal de Taman-
das pessoas e a continuidade de negócios. daré é definitivo e positivo.

Felizmente, fechamos o ano com um volume de vendas real maior Estes foram alguns dos nossos esforços para acolher e diminuir a dor
do que havíamos previsto no começo da pandemia, mas com muitos de pessoas que mais precisam e até mesmo para que comunidades
outros desafios para cuidar, especialmente relacionados à competi- pudessem continuar gerando renda mesmo durante a pandemia. O
vidade. Nunca foi tão difícil operar no Brasil como é hoje. exemplo pernambucano mostra a ação conjunta de diferentes ato-
res em favor do desenvolvimento sólido de uma iniciativa, que tra-
Ainda assim, fizemos uma atividade intensa para, além da nossa rá muitos outros frutos. Ele também expõe como não podemos nos
cadeia direta, contribuir com nossas comunidades pela Fundação deixar paralisar e que podemos aprender juntos, criar soluções mais
Toyota do Brasil. Fizemos doação de 30 mil frascos de álcool-gel ao interessantes e oportunas e aprender um novo jeito de viver.
Estado de São Paulo, 48 mil máscaras de proteção, todas confeccio-
nadas por comunidades que têm mulheres como chefes de família. Futuro
Para Indaiatuba, Sorocaba, Porto Feliz e São Bernardo do Campo,
Esse último ano trouxe aprendizados importantes para todos nós
municípios paulistas, doamos 4 ambulâncias para ajudar os profis-
e não foi diferente para a área de comunicação. Estamos diante de
sionais da área da saúde que estão na linha de frente no combate à
uma oportunidade única de fazer a diferença e contribuir para a con-
pandemia. Ainda com o objetivo de minimizar o impacto da Covid
tinuidade de negócios.
nas comunidades mais vulneráveis, a Fundação Toyota doou 50 to-
neladas de alimentos, máscaras inclusivas para facilitar a comuni- Acredito que situações complexas precisam de soluções conjuntas,
cação, capacitou docentes de escolas públicas para aprimorar o co- por isso dialogar nunca foi tão importante como agora. Criar e man-
nhecimento em ferramentas de EAD em Santo Antônio do Pinhal, na ter relacionamentos que sejam produtivos para todos os envolvidos
Serra da Mantiqueira, sede do projeto Águas da Mantiqueira. é o que sabemos fazer. Pensando nisso, reflito sobre algumas ques-
tões que podem impactar mais nosso trabalho daqui para frente:
Em Tamandaré (PE), uma das cidades onde o projeto Toyota APA
Costa dos Corais é realizado, com os recursos disponibilizados pela Mais diálogo
Fundação Toyota do Brasil e pela Prefeitura do município, as mulhe- Comunicação nunca foi tão relevante, mas a questão não é apenas
res se organizaram em uma cooperativa de costureiras e produziram quantidade. Precisamos de mais diálogo, mas este “mais” inclui pro-
máscaras para que os trabalhadores pudessem ir ao mar. Os pescados fundidade. A visão antropocêntrica que nos faz pensar numa orga-
passaram a ser processados dentro das mais rigorosas normas sani- nização como o centro das nossas discussões deve dar espaço para
tárias em um centro de beneficiamento e vendidos diretamente para uma visão mais moderna de rede. Nós, as empresas, fazemos par-
os consumidores. Agora, as costureiras atendem a outras demandas te dessa rede, mas não estamos no centro dela. Isso faz expressões
e o centro de beneficiamento promete ser um polo pesqueiro da re- como “comunidade de entorno” ser menos populares, dando lugar a
gião. Resumo: os pescadores e suas famílias se profissionalizaram e outras, tais como “comunidade onde estamos inseridos”.

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Cenário 2 Mix Comunicação organizacional

Digital é um caminho sem volta frente um arranjo menos selvagem. Se você está no grupo dos mais
céticos, pode dizer que ele não chegará “sozinho” (sem que a gen-
Por falar em diálogo, é importante que as marcas estejam onde o
te se esforce), mas nunca tivemos um momento tão positivo quanto
diálogo está. E ele está nas redes sociais. Claro que não dá para en-
este para repensar nossas práticas.
trar sem planejamento e equipe que possa acompanhar e monitorar
comentários para manter a conversação, mas é necessário estar lá. Os consumidores pedem novas ações e novos compromissos e cada
Digo ainda que cada vez mais se espera que a liderança da empresa vez mais vão recompensar ou punir empresas pelas suas práticas. As
esteja nas redes profissionais, dando transparência e humanidade ao Metas de Desenvolvimento Sustentáveis (ou SDGs – Sustainable De-
que se diz. Posso dizer com isso que o treinamento de mídia (media velopment Goals, se preferir as siglas em inglês) dão conta dos gran-
training) como conhecemos no passado me parece com os dias con- des desafios que temos pela frente. Importante mencionar que a agen-
tados. Talvez hoje faça mais sentido um treinamento mais amplo, da é aberta, transparente e qualquer cidadão pode acompanhá-la.
que treine a liderança da empresa não apenas para a mídia formal,
Diversidade continuará na pauta
como para os demais canais que estão sendo criados, como as lives
do Linkedin e o ChubHouse. Esperamos que diversidade continue na pauta. As questões raciais,
de gênero, de orientação sexual e tantas outras continuam tema de
Storytelling ganha relevância para diferenciar as narrativas
diálogo nas empresas, nas redes sociais e na sociedade, pois ainda
E sobre o que falaremos? Precisamos saber contar histórias, pois elas somos um país com muita lição de casa para fazer. A população tem
fisgam. Nós nos esquecemos facilmente dos números porque ouvi- sido mais vigilante e tem cobrado ação específica das marcas para
mos dezenas deles no noticiário da noite, mas uma história fica re- melhorem a representatividade das suas pessoas e nas suas ações de
gistrada na nossa memória de longo prazo. Ela nos emociona, nos comunicação. Como comunicadores que somos, é nossa obrigação
faz refletir, nos tira do lugar comum. Acho importante recuperar essa cuidar da linguagem que usamos, para que seja o mais inclusiva pos-
essência da comunicação e utilizá-la em todas as nossas relações sível, pois palavras constroem mundos.
com diferentes públicos com todo cuidado que o tema merece – leia-
se: usando sempre a verdade. Que a gente não pegue o caminho da ESG ganha espaço e mudará de fato a agenda das empresas
história inventada ou fabulática, mas que a gente seja capaz de apre- Se antes debatíamos sobre sustentabilidade, agora o tema central
sentar nossas vulnerabilidades, ter abertura a ouvir e nos conectar são as ESGs, ou, se preferirmos o termo no nosso idioma2, ASGs: de-
verdadeiramente. Ainda cabe dizer que é uma oportunidade de ouro cisões que impactam meio-ambiente, a área social e a governança
para atualizar a cara dos nossos heróis, normalmente homens, bran- das empresas. Não é para menos – os três assuntos garantem que os
cos, ricos e velhos, para incluir aí toda a diversidade de quem torna interesses dos envolvidos sejam preservados, e garantem continui-
nosso contexto de negócios melhor. dade dos negócios.
Capitalismo Consciente 2 Notem que eu uso um bocado de palavras estrangeiras no meu vocabulário. Ainda que eu
evite, e a língua portuguesa nos permite muitas soluções, ter habilidade em outros idiomas
Com toda a crítica que cabe ao capitalismo, ainda não conseguimos abre muitas portas na nossa carreira. Se pretende trabalhar em empresas multinacionais, ain-
da que sejam de origem nacional, ou em entidades do governo que tenham relação com o
substitui-lo por nenhum outro modelo. Mas podemos esperar pela mundo (olha a globalização aqui) falar outro idioma vai contar mais que uma pós-graduação.

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Cenário 2 Mix Comunicação organizacional

Cada vez mais percebemos que os jovens investidores estão mais lítica, aprender a mediar (algo que usaremos em muitas situações
dispostos que nunca de tirar o dinheiro investido em ações de em- diferentes) serão coisas que farão a mais completa diferença.
presas que eles acham que não têm boas práticas de negócios. Inau-
O lado bom é que há muita oportunidade pela frente: caberá tan-
guramos, portanto, uma narrativa ainda mais forte e relevante que a
to aos profissionais que querem jogar esse jogo corporativo, quanto
dos CEOS – a narrativa de quem detém o capital.
aqueles que querem partir para o governo, entidades do terceiro se-
Reputação conta e define hábitos de compra tor, abrir suas próprias consultorias ou simplesmente utilizar todo o
aprendizado de comunicação para abrir uma pousada na praia.
Reputação continua um tema na pauta e é cada vez mais sensível
para as organizações. Já superamos a fase de que reputação é um in- Não devíamos ver nenhuma dessas formas de viver e atuar com
tangível que não se pode medir. Há diversas métricas e rankings para qualquer preconceito. Afinal, se existe algo que é importante a todos
o tema, mas sinceramente basta que a empresa esteja na capa de um nós, esse algo é liberdade.
jornal com um escândalo para percebermos o quanto a reputação Vida longa às Relações Públicas e que possamos ser sempre destemi-
está em jogo e quanto ela nos custa. Sobram eventos com empresas dos para criar uma sociedade melhor.
para demonstrar isso: de bancos, passando por supermercados, até
mineradoras.

E a imprensa, perde o poder?

Não creio que perca o poder, mas a própria imprensa está se reinven-
tando num mundo que pede reinvenção. Uma imprensa de menor
qualidade foi desaparecendo para acomodar novos produtores de
conteúdo. Outra imprensa, que deixará saudade, foi desaparecendo
porque preferiu não desapegar de princípios que considerava impor-
tante, enquanto sua audiência já estava mudando. Sempre há dor no
fim, pelo menos para alguns. Quando eu pergunto em sala de aula
de jornalismo quem assina alguma revista impressa e só eu levanto a
mão, fica claro o tamanho da mudança que estamos vivendo.

Mas mudanças são ruins? Nem sempre, especialmente se nós con-


seguirmos estar dois passos à frente, nos antecipando a tudo isso.
Requer fazer bem o que fizemos até agora, mas também requer aber-
tura, disciplina e disposição para aprender novas competências:
pensamento sistêmico, conhecer mais sobre o negócio e o setor em
que a gente opera, ter conhecimentos mínimos de economia e po-

366 367
pOSfáCIO

“Um sonho em eterna edição.”


É possível que esta frase seja a que mais represente a trajetória da
Gulliver Editora, empresa que nasceu em Divinópolis, no interior de
Minas Gerais, no ano de 2011.

Ao mesmo tempo em que este livro comemora as cinco décadas de


existência do CONRERP, é também um marco para a Gulliver, que
acaba de atravessar sua primeira década publicando – com sucesso –
o sonho de centenas de autores e autoras de todo o Brasil.

Porém, nossa história começa bem longe de Divinópolis, mais pre-


cisamente em Buenos Aires, capital federal da Argentina. Escolhi a
cidade para começar meus estudos na antiga arte de editar livros. Ao
voltar para o Brasil, convidei dois amigos para iniciarem juntos uma
editora de livros. O nome escolhido foi “Gulliver”, em homenagem
ao famoso personagem criado pelo escritor irlandês, Jonathan Swift.

Assim, em 2011, a Gulliver Editora publicava seu primeiro livro,


“Quando falar é fazer”, do autor divinopolitano e também sócio da
editora, Juarez Nogueira. Apesar das dificuldades iniciais, conse-
guimos sucesso com o lançamento e logo editamos outros livros.
A qualidade das obras ajudou a Gulliver a formalizar parcerias im-
portantes, que levaram seus livros a diversas livrarias do Brasil.
Nesse período a editora lançou obras de vários autores e autoras
locais, como o músico e compositor Gê Lara, o professor Juvenal
Bernardes e as contadoras de histórias Terezinha Fonseca e Denise
Arantes, dando a eles a primeira oportunidade de terem seus livros
editados profissionalmente.

369
No ano de 2014, a Gulliver Editora, juntamente com a Boutique do Linha do Tempo – presidentes Conrerp 3ª Região
Livro, iniciaram uma nova aventura: realizar um grande evento lite-
rário na cidade. Nasceu assim a Flid - Festa Literária de Divinópolis,
um evento que se propõe a criar espaços de convivência com a li-
teratura e a vida. A festa rapidamente ganhou o carinho do público 1971/1974 Mário Rolla
por conta da qualidade cultural de sua programação, o que colocou a
1975/1977 Paulo Celso Dutra
cidade de Divinópolis no Circuito Nacional de Feiras de Livros.

Em 2016 a Gulliver teve a honra de publicar um livro da poeta Adélia 1978/1979 Ary Bráz Lopes
Prado. A obra “Cantiga dos Meninos Pastores”, que conta ainda com as
1980/1981 Clorindo Campos Valladares Filho
belas ilustrações de Angela Leite, narra o nascimento do Menino Jesus. O
livro recebeu três importantes prêmios, sendo dois deles internacionais. 1982 Milson Gercóssimo

O belo trabalho chamou atenção de outros grandes nomes da nossa li- 1983/1985 Marcello Cortizo Sacchetto
teratura e, atualmente, o portfólio da casa editorial mineira conta com
autores e autoras de renome nacional, como Cris Guerra, Leila Ferrei- 1986/1988 Jorge Eduardo de Araújo Caixeta
ra, Flávio Gomes, Paulinho Pedra Azul, Ana Elisa Ribeiro, entre outros.
1989/1990 Malvina Maria Palhares Silva
No ano de 2018, assumi a parte de um dos sócios, Daniel Bicalho, que
1990/1991 Andrea Alice Faleiro Carvalhaes
por problemas de saúde não pôde continuar a trabalhar na Gulliver.
Apesar de não estar mais como sócio, Daniel é ainda autor da editora 1992/1997 Dario de Faria Tavares Filho
e parceiro comercial em diversos outros empreendimentos.
1998/2002 Suely Sant’Anna Murta
Assim, em 2021, a trajetória da Gulliver completa dez anos. Atual-
mente contamos com três selos editoriais e já publicamos mais de 2003 Marcelo de Oliveira Alves da Cunha
300 autores e autoras de todo o Brasil, sejam eles renomados ou em
busca de realizar o sonho de publicarem seu primeiro livro. 2004/2006 Angelina Gonçalves de Faria Pereira

O futuro de uma editora no Brasil é impossível de prever! Porém, uma 2007/2012 Valdeci Corrêa Ferreira
coisa é certa: a Gulliver continuará perseguindo sua missão de levar
2013 Washington Moreira Pinto
o melhor da literatura aos seus pequenos e grandes leitores.
2013/2018 Angelina Gonçalves de Faria Pereira

Joubert Amaral 2019/2021 Anita Cardoso Magalhães


Editor e sócio-fundador da Gulliver Editora

370 371
Este livro foi composto em Crimson Pro
e impresso em papel Offset 75g
por Artes Gráficas Formato Ltda.
a pedido de Gulliver Editora Ltda.
Primavera de 2021 | Brasil
Nada melhor do que juntar saberes, reflexões, cases da
pandemia, para aprendermos ainda mais e mostrarmos
a força de cada Relações Públicas e suas ações na
comunicação organizacional das instituições.
E o resultado foi incrível.

Um livro composto de dois cenários.


Cenário I – Relações Públicas e Comunicação Pública e
Cenário II – Comunicação Organizacional.

São vinte e oito coautoras e coautores de todas as


regiões do Brasil trazendo suas diversidades culturais,
experiências e vivências. Num momento, onde a
sabedoria é tão importante para todos, essa obra é com
certeza um marco para a profissão.

PATROCÍNIO

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