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sociais. São as circunstâncias que formam o modo de pensar, de ser e de agir convivialidade entre o Eu e o Tu que reforça a corresponsabilidade pela
dos grupos sociais. Os contextos históricos são configurados pelas existência, do constituir-se mais gente e do cuidado com o outro. A educação
desigualdades sociais e pelas lutas de resistência; por formas de dominação e solidária é a base da formação intelectual para a construção social da economia
de libertação; por processos de exploração econômica e por dinâmicas de solidária. São os intelectuais orgânicos compromissados com a organização
trabalho associado; por poderes de dominação e organizações de promoção da socioeconômica, cultural e política da classe trabalhadora. É, portanto, uma
emancipação; por situações de dominação sexista e por relações de gênero de educação para a emancipação da humanidade.
convivialidade democrática; com ecossistemas degradados e por ambientes
conservados. Compreender os contextos socioculturais é considerar a Empreendimentos Econômicos Solidários e Sustentáveis: são organizações
complexidade da existência humana na diversidade de condições materiais e as econômicas que têm como finalidade a geração de trabalho e renda para os/as
situações imateriais. É levar em consideração a objetividade e a subjetividade, trabalhadores/as. Para ser solidário é necessário que os meios de produção
o modo de ser e de se organizar as instituições, as ideologias, os fundamentos sejam de propriedade coletiva e/ou com atividades compartilhadas, que o
históricos, o presente e as posturas em relação ao futuro, as frustrações e as planejamento e a administração sejam autogestionários e os resultados do
esperanças. trabalho tenham a divisão e a distribuição em conformidade com o trabalho de
cada associado/a. É imprescindível, também, que as funções no
Cooperação: é a organização coletiva para o planejamento, execução e empreendimento desde o planejamento, a execução e as avaliações sejam
avaliação do trabalho associado. Operar ou trabalhar em conjunto. No modo de exercidas por todos/as aplicando o princípio da politecnia, isto é, em que cada
produção capitalista existe cooperação entre os/as trabalhadores/as na fábrica, participante tenha conhecimento de todas as atividades a serem desenvolvidas.
no comércio, nos serviços. Sob o regime do capital, relação de trabalho de Desta forma, aplica-se a cooperação como metodologia de divisão técnica do
patrão e empregado, predominam as normas dos que dominam os meios de trabalho. Há uma constante vigilância para a superação da divisão social do
produção privados, que são as indústrias, o comércio, as terras, a mineração, o trabalho, portanto, a não discriminação e subjugação do trabalho de mulheres,
sistema financeiro. Porquanto os/as trabalhadores/as cooperam entre si, o jovens e idosos, mas a interação complementar entre habilidades manuais,
resultado do trabalho não pertence a quem produz, mas ao proprietário do força física, conhecimentos intelectuais e emocionais. Assim, faz-se
capital que, em uma relação contratual, compra a força de trabalho e, em troca, necessário investir continuamente na formação técnica e na educação dos/as
paga um salário. Desta relação de trabalho surge o lucro para o capitalista. Na participantes para gerar e garantir a cultura da solidariedade. Para ser
economia solidária rompe-se com o círculo da exploração do trabalho ou, mais sustentável os empreendimentos econômicos solidários devem estar atentos
especificamente, com a lei objetiva de geração de mais-valia [lucro]. A para que as atividades desenvolvidas tenham como fundamento o cuidado com
cooperação no modo de produção solidário tem uma relação direta entre as a natureza e a conservação do meio ambiente. Nestes empreendimentos
condições materiais de trabalho e a subjetividade das pessoas participantes. Ela articulam-se os princípios da diversidade cultural, o reconhecimento das
ocorre porque os meios de produção, condições materiais, são de propriedade etnias, das religiosidades, das práticas sociais e dos modos de vida dos grupos
dos/das trabalhadores/as. A subjetividade nas relações solidárias muda. sociais.
Enquanto empregado/a deve ocorrer a obediência, submeter-se às leis de
outrem, trabalhar sem questionar das condições e da finalidade. Na cooperação Finanças Solidárias: é um processo social e de políticas públicas de geração
solidária as pessoas tornam-se sujeitos da sua história, portanto passam do de poupança e de concessão de créditos para a formação e o desenvolvimento
medo para a ousadia, da obediência cega para a autonomia. Tais possuem um de empreendimentos econômicos solidários e/ou a promoção social de grupos
sentido complementar, os resultados do trabalho não serão apropriados por um sociais para a superação de situações e condições de empobrecimento dos seres
único dono, mas serão distribuídos em conformidade com o trabalho de cada humanos. Não tem como finalidade os ganhos financeiros pelos empréstimos e
um/a. Os/as trabalhadores/as viverão dos esforços da força de trabalho a cobrança de taxas de juros, pois visa a promoção do trabalho associado e a
aplicados em uma relação de trabalho social, ou seja, cooperação na produção, qualidade de vida das pessoas e o cuidado com o meio ambiente. As finanças
na comercialização e no usufruto dos resultados do trabalho. solidárias podem ocorrer por métodos distintos e complementares: fundos
rotativos solidários, moeda social, bancos comunitários, bancos e/ou clubes de
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nas condições concretas de existência. Educação popular é a afirmação Diagnóstico Participativo: o diagnóstico é uma leitura criteriosa e sistemática
superadora da concretude existencial das classes sociais populares. Por que da realidade que envolve determinados grupos sociais. Significa a codificação
afirmação? Porque ao considerar o modo de vida dos populares avalia-se sua de informações sobre as estruturas e as relações que caracterizam a existência
existência como positiva na produção social do modo de ser e de ter. Por que em termos culturais, políticos, econômicos, ecológicos. É a realização da
superadora? Porque considera que as condições estruturais e materiais de investigação compromissada com o entendimento, a explicação e a
redução à pobreza, à negação das identidades culturais, linguísticas, transformação da realidade avaliada como injusta e o desenvolvimento das
econômicas é própria do modo de ser das classes dominantes. A superação é o potencialidades identificadas para o bem viver coletivo. A pesquisa é
reconhecimento dos modos de ser, da ontologia social, dos povos que retomam participativa porque ocorre o debate e a construção do objeto, do problema, da
sua cultura, sua história e fortalecem-na, ampliam e aprofundam com novos metodologia, das questões desde a concepção até o resultado final. Os
conhecimentos. Partimos do pressuposto que a educação popular dispõe de resultados sistematizados e codificados são socializados com os grupos sociais
uma base social: os saberes e as práticas sociais. Todos os grupos sociais têm em forma de seminários, textos, oficinas, para serem validados e se
uma história, culturas, linguagens. O arcabouço desenhado nas relações constituírem fontes de rigor científico e político para o planejamento, a
sociais, nas escolhas políticas, nos encaminhamentos econômicos, nas ações proposição e a execução de projetos de desenvolvimento solidário e
ecológicas, constitui uma totalidade, mesmo quando desarticulados, de sustentável do grupo social, empreendimento, comunidade e/ou território, em
representações e de imaginários. As diversidades dos desenhos, das conformidade com a abrangência das ações realizadas pelos sujeitos sociais
ilustrações, das colorações, são os saberes que configuram a existência dos implicados.
grupos sociais. Os saberes se constituem dialeticamente com as práticas
sociais. Na economia solidária parte-se dos conhecimentos, das experiências, Democracia: cada vez que nos referimos à democracia estamos tratando de
das observações, do fazer e refazer, das aprendizagens da cotidianidade que relações de poder. Em sociedades com histórias não democráticas, a concepção
necessitam de respostas e de soluções para questões-problema que tratam da de poder é relacionada e/ou confundida com atitudes autoritárias, de
produção, do trabalho, da comercialização, da vida social, da infraestrutura. É dominação e de exploração. A etimologia da palavra nos remete ao sentido de
no movimento de problemas-soluções que os grupos populares geram as 'poder do povo', o oposto às relações autocráticas em que o poder está centrado
tecnologias sociais, conjunto de saberes e conhecimentos práticos capazes de em um indivíduo que governa conforme seus interesses e desejos. A autocracia
responder às questões emergentes da organização da vida cotidiana. Na é uma forma de governo ditatorial que atende a mecanismos de controle do
incubação solidária, deve-se promover o fluxo contínuo entre os saberes e as Estado embasados no delineamento de leis orientadas pelo privilegiamento de
práticas dos grupos sociais com os conhecimentos científicos. Não pode haver um grupo diretamente vinculado ao supremo chefe a quem atendem e por quem
dicotomia e nem hierarquia, mas o encontro de retroalimentação de saberes são atendidos. A democracia é, também, contraditória em relação às relações
distintos. de poder estabelecidas pela plutocracia. Esta é o governo dos ricos, que se
constitui na elite dominante com todos os requintes e privilégios para um
Educação Solidária: constitui um complexo de valores e de práticas sociais pequeno grupo que se julga superior aos demais. O critério de avaliação da
que tem como fundamento a transformação da realidade social dominadora, suposta superioridade fundamenta-se nos argumentos do mérito individual. É a
exploradora, individualista. Seu foco é o desenvolvimento da ética dominação pela meritocracia, alguém é e possui porque foi capaz, inteligente,
participativa, da cultura da solidariedade, da política democrática, do trabalho investidor. No Brasil, predominam no grupo dos plutocratas os homens
associado, da intersubjetividade cooperante, da igualdade social, do brancos-capitalistas. Ainda é oposta à democracia as relações de poder
reconhecimento da diversidade, da pedagogia da cooperação. É uma relação de teocráticas, nelas a fonte do poder está em Deus e todas as relações são
ensino e de aprendizagem de valoração do ser humano, da capacidade crítica e justificadas como uma inspiração ou uma ordem superior, portanto divina, e
criativa de imaginação, de invenção e de fazimento de relações sociais de em nome de Deus será exercido. Diferente é a democracia, em que a fonte do
reciprocidade, de mutualidade e de organização do trabalho a partir de bases poder é o povo e em seu nome será realizado. Vamos distinguir duas maneiras
coletivas e da distribuição equitativa dos produtos para o bem viver de todos e de organizar o poder democrático. A primeira caracterizamos como
todas que se associam às organizações econômicas solidárias. É a democracia liberal-burguesa, dominante no Brasil. Ela permite a participação
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dos cidadãos nos limites da ordem estabelecida nos limites da estrutura do à ideia de desdobramento, prolongamento, progressão, propagação,
Estado e nas práticas formais legitimadas pelos órgãos institucionais. O seguimento, construção, elaboração, criação. A este conjunto significativo são
formalismo democrático liberal conclama para a inserção cidadã, desde que as introduzidas múltiplas variáveis e complexificadas as relações sociais e
instituições sejam respeitadas, onde o auge da participação são as eleições, que cognitivas relativas à interpretação do desenvolvimento. É a racionalidade que
oportuniza a escolha dos seus representantes, e permite aos cidadãos o direito incorpora as interdependências e as retroalimentações dos sistemas sociais e
de voz e de escolha. A cidadania, para ser exercida, deve seguir ritualísticas ambientais. Enquanto o crescimento econômico fundamenta-se em fatores
formais de requerimentos, de tempos rigidamente controlados de fala, de exógenos (externas), o desenvolvimento é constituído a partir das bases
processos que consagram os autos. A democracia liberal, acima de tudo, é a endógenas (internas). Assim são incorporadas as dimensões sociais, culturais,
afirmação da ideologia e do poder da classe burguesa e o Estado é organizado ecológicas, educacionais, científicas e tecnológicas. O desenvolvimento se
para atender a lógica política e econômica dos homens que controlam os meios conecta à organização territorial. Por que solidário? A solidariedade é uma
de produção – os capitalistas. A segunda configuração de democracia é a dimensão do desenvolvimento para a análise e a construção dos processos
organização política popular. A democracia popular é o movimento histórico sociais de inclusão social. Tem como base as igualdades sociais em termos
de construção de condições materiais e substanciais para, além da formalidade, econômicos, culturais, ambientais. É a superação da dominação e da
garantir a participação efetiva do povo em todo o processo do exercício do exploração de classe social, étnica, gênero, geracional. É a construção coletiva
poder. A prática política se inicia no conhecimento real dos problemas sociais, da cooperação e das relações de colaboração e de reciprocidade. A
na concepção crítica das situações sociais, na construção de uma agenda sustentabilidade é a afirmação da preservação e da conservação das dimensões
coletiva, na execução e na avaliação da política e no exercício do poder. O naturais e culturais, o encontro do homem com a natureza pela sua história,
poder popular, por ser a expressão do povo na sua diversidade e desigualdade, é pelas práticas sociais de conhecimento dos ecossistemas e de valoração ética
a capacidade argumentativa e de efetividade prática das demandas que do ser humano e todas as formas de vida tendo como horizonte o bem viver. O
emergem de todos os territórios onde existam pessoas na sua condição de desenvolvimento solidário e sustentável constrói-se a partir do mundo do
trabalhadores e de trabalhadoras, homens, mulheres; negros, índios, brancos; trabalho e incorpora as dimensões ambientais e das igualdades sociais.
jovens, crianças e idosos; heterossexuais e homossexuais; escolarizados e
analfabetos. A democracia popular é o exercício do poder de todos/as com Educação Popular: é uma das referências políticas e científicas mais
todos/as na afirmação e consolidação dos direitos, na ampliação de conquistas importantes para a afirmação cultural do mundo vivido pelo conjunto diverso
e na construção coletiva das condições objetivas e subjetivas, econômicas e de grupos sociais subalternizados e oprimidos na estrutura e nas relações
culturais para a concretização ampla da participação democrática. A sociais. Reconhecemos que os conceitos de povo e popular são controversos. A
democracia popular é radicalmente transformadora, na qual se justifica elite brasileira historicamente difundiu percepções e gerou representações
nenhuma exclusão social. A explicação e a compreensão da história de sociais que associou o sentido do popular a uma conotação de menoridade
dominação é um exercício com vistas à mudança social profunda para a vida intelectual e cultural. Para contrapor tal imaginário é bom conhecermos a
em sociedade solidária. história do Brasil. Entre outras obras importantes, Darcy Ribeiro desenvolveu
um pensamento que nos ajuda a visualizar a reconstrução histórica e
Desenvolvimento Solidário e Sustentável: o conceito de desenvolvimento antropológica do Povo Brasileiro (1995). Nela evidenciou as origens das
tem conotações diferentes e em conformidade com o enfoque que adotamos é matrizes do Brasil: a indígena, a negra e a branca. O Brasil se configura pelo
que teremos interpretações e ações para a promoção da organização da encontro-desencontro dos povos, desde a colonização: a violência, a
sociedade. Predomina sob a perspectiva da sociedade do capital o sentido do dominação, a exploração, a exclusão, a negação da cultura, do trabalho, da
progresso, do crescimento, da prosperidade. Às necessidades do capital se linguagem, dos gostos, da organização social, religiosa, econômica do índio,
vinculam fatores do aumento, da expansão, da evolução. É a racionalidade do negro e do branco empobrecido. O Brasil se constitui diverso e desigual.
linear que tem como meta o quantitativo de lucros e a taxa de acúmulo de Neste sentido, povo e popular é o universo (multiverso, adverso) dos homens e
capital. As medidas são anunciadas com base no crescimento geométrico do mulheres que vivem e convivem com as caraterísticas próprias da classe
capital. A segunda significação do conceito de desenvolvimento está vinculada trabalhadora e nas relações sociais configuram identidades que se aproximam
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