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Educação

no Campo
Professor Me. Flávio Fraquetta
4. EDUCAÇÃO DO CAMPO E A PEDAGOGIA DA ALTERNÂNCIA

Analisando a memória da luta dos movimentos sociais pela educação do campo


no Brasil, constatamos que a Pedagogia da Alternância tem sido tratada como referência
curricular e metodológica. Ela tem origem no anseio de agricultores familiares em suas co-
munidades e no intuito de garantir educação e formação profissional diretamente articulada
às histórias de vida, familiar, comunitária, cultural, de sustentabilidade local, entre outros
aspectos. Propõe gestões participativas e colegiadas, estabelecendo relações cotidianas e
de responsabilidade coletiva entre escola e comunidade (SANTOS, 2016, p. 03).
A alternância se consolida nas práticas dos personagens abarcados em uma con-
cepção local e nacional, que na nossa concepção é de educação popular, marcadamente
sintonizado com os objetivos de organização da cultura e do trabalho do campo, o que
difere das políticas neoliberais que estão sintonizadas com uma educação impessoal, de
metas e mercadológica.
Por seguinte, Silva (2006, p. 06) considera que:
a alternância, enquanto princípio pedagógico, mais que característica de su-
cessões repetidas de sequências, visa desenvolver na formação de jovens,
situações em que o mundo escolar se posiciona em interação com o mundo
que o rodeia. Buscando articular universos considerados opostos ou insufi-
cientemente interpenetrados – o mundo da escola e o mundo da vida, a teoria
e a prática, o abstrato e o concreto – a alternância coloca em relação diferen-
tes parceiros com identidades, preocupações e lógicas também diferentes:
de um lado, a escola e a lógica da transmissão de saberes e, de outro, a
família e a lógica da pequena produção agrícola. (SILVA, 2006, p. 06).

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Para Ribeiro (2008, p. 30), as experiências de Pedagogia da Alternância realizadas
e seus processos pedagógicos pelos movimentos sociais populares, parecem sinalizar
para um novo projeto de sociedade e de educação. Ainda para Ribeiro (2008, p. 31), a
Pedagogia da Alternância é uma alternativa metodológica de formação profissional agrícola
de nível técnico para jovens de ambos os sexos.
De acordo com Santos, Silva e Souza (2013, p. 134), um dos objetivos da alter-
nância é valorizar a cultura do campo, resgatando valores da família e da comunidade,
fortalecendo a organização e os movimentos populares do campo. É um meio de ligar a
prática à teoria, pois a escola não é o prédio, a escola é a vida, a família, a comunidade, o
trabalho, a participação nas lutas. Com isso:
A alternância visa integrar os dois espaços-tempos (escola e família), possibi-
litando a movimentação pelo concreto e pelo abstrato, pois alterna momentos
educativos no ambiente escolar e no ambiente familiar/comunitário, priorizando
a experiência e os conhecimentos constituídos pelo aluno em sua interação
com o meio, sua própria realidade educacional. Este ir e vir representa algo
mais profundo, está baseado em princípios fundamentais, na crença de que a
vida ensina mais que a escola; que se aprende também na família, a partir da
experiência do trabalho, da participação na comunidade, nas lutas, nas orga-
nizações, nos movimentos sociais etc. (Santos; Silva; Souza, 2013, p. 134).

Para Vieiro e Medeiros, (2018, p. 103), a formação na alternância exige compro-


misso, responsabilidade e conhecimento dos processos, tanto por parte dos estudantes
como dos formadores. Porque a dinâmica desse sistema educativo necessita da partici-
pação, envolvimento desses atores. Sem o envolvimento das famílias, das associações
e instituições e das parcerias, inviabiliza-se a metodologia do processo. Essa concepção
de educação, rompe com a lógica do modelo tradicional escolar porque nela o educando
torna-se o sujeito da sua própria formação.
Nesse sentido, para se seja colocada em prática a proposta da Pedagogia da Alter-
nância, faz-se necessário, sobretudo, que exista um exercício entre a família e a escola, ou
seja, o que os alunos devem fazer em cada um desses tempos é bem planejado para que
haja aprendizagem significativa em ambos.

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3. ESCOLAS DO CAMPO NO ESTADO DO PARANÁ

No Estado do Paraná, a trajetória da educação do campo não é diferente, pois


também esteve marginalizada. Durante muitos anos, a educação dos povos do campo foi
precarizada, repetindo todos os problemas encontrados no restante do país. No Estado,
no início dos anos de 1990, ocorreram importantes iniciativas de alfabetização de jovens
e adultos nos assentamentos da reforma agrária, mediante a ação do MST. O acúmulo
teórico-metodológico (práticas, materiais didáticos, debates, seminários) realizado pelo
referido movimento fez avançar o debate sobre educação do campo (PARANÁ, 2006, 20).
Ainda, de acordo com Paraná (2006, p. 21):
No Paraná, em 2000, após vários encontros e reuniões, criou-se a Articula-
ção Paranaense por uma Educação do Campo, concomitante à realização da
II Conferência Paranaense: Por uma Educação Básica do Campo. Conforme
Souza (2006), os sujeitos coletivos envolvidos na Conferência foram: Apeart,
Assesoar, Comissão Regional dos Atingidos por Barragens (Crabi), Comissão
Pastoral da Terra (CPT), Sistema de Cooperativas de Crédito Rural com Intera-
ção Solidária (Cresol/Baser), Central Única dos Trabalhadores (CUT), Depar-
tamento de Estudos SocioEconômicos Rurais (Deser), Fórum Centro, Fórum
Oeste, MST, Prefeitura Municipal de Porto Barreiro e de Francisco Beltrão, Uni-
versidades: UFPR, UEM, Unicentro e Unioeste. (PARANÁ, 2006, p. 21).

Conforme explica, tais sujeitos e entidades, de uma forma ou outra, dedicam-se


ao debate da educação do campo, dos trabalhadores rurais, embora representados por
profissionais individuais ou grupos que se interessam pela temática, como no caso das
universidades, bem como pelas organizações da sociedade civil. De fato, o que os une
é a preocupação com uma educação que valorize os sujeitos sociais e sua cultura, que
produza conhecimentos com uma função social focalizada no benefício e transformação da
sociedade (SOUZA, 2006).

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Com isso, são os conhecimentos do mundo do trabalho no campo, das negociações
em torno da produção, das necessidades básicas para a produção de determinados produ-
tos, a organização dos trabalhadores em cooperativas, iniciativas na área da agroecologia,
organização das comunidades de pescadores, que fortalecem grupos de resistência, que
se recusam a inserir-se no modelo capitalista competitivo de produção e criam alternativas
para manter o vínculo com o trabalho e vida no campo (PARANÁ, 2006, p. 31). Ainda:
Nesse aspecto, a escola deve realizar uma interpretação da realidade que
considere as relações mediadas pelo trabalho no campo, como produção
material e cultural da existência humana. A partir dessa perspectiva, deve
construir conhecimentos que promovam novas relações de trabalho e de vida
para os povos no e do campo (PARANÁ, 2006, p. 32).

Nas contribuições de Paraná (2006, p. 33), hoje, os professores saem dos bancos
escolares, dos cursos de licenciatura, sem ter estabelecido qualquer discussão sobre o
modo de vida camponês, pressupondo que o modo de vida urbano prevalece em todas
as relações sociais e econômicas brasileiras. Da mesma forma, a maioria dos cursos de
formação continuada deixa de valorizar a educação do campo. No Estado do Paraná, exis-
tem exemplos de cursos de formação continuada voltados à educação do campo, como o
organizado junto à Unioeste e à UFPR. A formação continuada, conforme era concebida por
Freire, permite que o educador faça de sua prática objeto de estudo, reflita-a coletivamente
e à luz de teoria, recriando-a permanentemente (PARANÁ, 2006, p. 33).
Apoiando-se em Freire, escrevem Benincá e Caimi (2002, p. 100-101):
A formação continuada, no pensamento de Paulo Freire, tem como pressu-
posto a existência de um processo político-pedagógico e, ao mesmo tempo,
de uma antropologia fenomenológico-hermenêutica. Isto implica um passado
que se faz história, um presente em permanente transformação e um futuro
a ser construído. O passado se faz história e realidade, embora seja sem-
pre uma determinada leitura dos acontecimentos e textos já construídos. O
futuro, porém, é sempre um presente em transformação, enquanto desejo e
utopia (BENINCÁ; CAIMI, 2002, p. 100-101).

Iniciativas das universidades em parcerias com os movimentos sociais precisam ser


valorizadas pelo poder público, pois a partir delas a formação inicial e/ou continuada poderá
ser incrementada, pela difusão de conhecimentos que permitam aos professores valorizar
o campo e a cultura dos povos do campo no Brasil. Também, a atitude de disposição por
parte do professor precisa estar manifesta. É necessário que ele seja sujeito do processo
pedagógico, sinta-se sujeito, queira ser sujeito (PARANÁ, 2006, p. 33).

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SAIBA MAIS

A Universidade Federal de Santa Maria UFSM, desde 2005, vem desenvolvendo alguns
projetos em parceria com o Pronera. Entre eles podemos citar o Programa de Formação
de Estudantes e Qualificação de Profissionais para a Assistência Técnica, patrocinado
pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário (MD A/INCRA/Pronera). O início da inserção
foi através do Projeto Piloto de Assistência Técnica Planificada aos Assentamentos de
Reforma Agrária e Agricultura Familiar. Este projeto objetivou formar profissionais para a
ação extensionista em áreas de assentamentos de reforma agrária e agricultura familiar,
apoiar ações de desenvolvimento rural nestas áreas, bem como diagnosticar e trazer os
principais problemas vivenciados pelos assentados e agricultores familiares para o con-
texto de ensino e pesquisa da instituição. O projeto promoveu estágios de vivência de
campo para alunos formandos da graduação dos cursos da área de ciências agrárias,
bem como a realização de estudos em nível de especialização após se formarem, com
recebimento de bolsas de estudos (VIEIRO; MEDEIROS, 2018, p. 136).

Fonte: VIEIRO; MEDEIROS, 2018, p. 136

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1. DOCÊNCIA NOS ESPAÇOS RURAIS

A proposta da educação do campo tem como objetivo a fixação do homem no cam-


po, valorizando os seus saberes. A expressão do, quando se diz educação do/no campo,
está querendo dizer que a educação é pensada para e com os sujeitos do campo, e não que
é uma educação pensada para cidade, sendo também implementada no campo; reporta-se
aos direitos dos povos do campo em estudar no espaço onde vivem, sem precisar sair para
a cidade (SANTOS; SILVA; SOUZA, 2013, p. 60).
Tendo em vista que o processo educativo pode acontecer tanto em áreas urbanas
quanto nas áreas rurais, inicialmente é importante contextualizar como se configura a edu-
cação nos espaços rurais, bem como, os conteúdos que devem ser desenvolvidos pelo
docente no processo de ensino e de aprendizagem.
No âmbito da educação do campo, objetiva-se que o estudo tenha a inves-
tigação como ponto de partida para a seleção e desenvolvimento dos con-
teúdos escolares, de forma que valorize singularidades regionais e localize
características nacionais, tanto em termos das identidades sociais e políticas
dos povos do campo quanto em valorização da cultura de diferentes lugares
do país (PARANÁ, 2006).

A partir do excerto acima, entende-se a importância do educador enquanto media-


dor do conhecimento, em considerar a realidade dos povos que vivem em áreas rurais, bem
como, compreender os seus valores e também seus conhecimentos de mundo, na qual
possibilitará ao docente desenvolver estratégias de ensino a partir de situações problemas
que coloquem em xeque o contexto social desse povo.

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Nesse aspecto, a escola deve realizar uma interpretação da realidade que
considere as relações mediadas pelo trabalho no campo, como produção
material e cultural da existência humana. A partir dessa perspectiva, deve
construir conhecimentos que promovam novas relações de trabalho e de vida
para os povos no e do campo (PARANÁ, 2006, p.32.)

Em outras palavras, educação no campo também pode ser compreendida como


modelo de ensino que não se reduz somente à questão da proposta pedagógica, mas,
como um conjunto de fatores educacionais, culturais e produtivos, que fogem ao modelo
tradicional de ensino, além de impactar de forma significativa na aprendizagem.
[...] o educador do campo ocupa na comunidade um papel fundamental no
fomento à cultura, na formação dos sujeitos e na organização político-social.
Os educadores têm a tarefa, como intelectuais da cultura, de promover a for-
mação e socializar o conhecimento (SIMÕES, 2017, s/p).

Em virtude disso, o olhar docente e a imersão do educador engajado no processo de


aprendizado na área rural, permitirá a este profissional um amplo entendimento sobre como
esses povos se relacionam e interagem. E então a partir dessa compreensão será possível
traçar estratégias metodológicas de ensino que venham de encontro com a realidade rural.

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2. EDUCAÇÃO DO CAMPO E METODOLOGIAS DE ENSINO

A história da Educação do Campo no Brasil envolve diversos sujeitos que atuaram


e atuam nas várias dimensões da vida: política, social, cultural, estética, ética, científica –
se configurando como um movimento de busca por reconhecimento e valorização dos seus
saberes (SILVA, et al. 2020, p.18).
A educação no campo se constitui devido a diversas lutas e movimentos sociais
dessa população na busca por direitos igualitários, com objetivo de romper com a educação
até então restrita a sala de aula. Com isso, o campo conquista sua emancipação por meio
de sua cultura singular e sua forma de resistência.
Segundo ARROYO; CALDART; MOLINA, 2004, podemos entender alguns fa-
tores que foram determinantes e impulsionaram os movimentos sociais pelo direito da
educação no campo:
A luta passa a ser por uma educação no e do Campo. No: o povo tem direito
a ser educado no lugar onde vive; Do: o povo tem direito a uma educação re-
sultante das reivindicações dos processos formativos, vinculada à sua cultura
e às suas necessidades humanas e sociais (ARROYO; CALDART; MOLINA,
2004, p. 151-152).

No entanto, a educação no campo ainda é vista como um grande desafio para os edu-
cadores, no que diz respeito às metodologias de ensino voltadas para esse público; partindo
de uma ciência da qual valorize o contexto social em conformidade com a realidade do campo.

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Para Silva, et al. (2020, p. 24), entende-se que as metodologias educativas de-
vem-se constituir a partir: ‘’[...] de uma ciência que fomente o diálogo entre as culturas
acadêmica e popular, almejando a formação de seres humanos capazes de refletir local e
globalmente as questões fundamentais das suas realidades’’.
Santos, et.al. (2013): destaca o que é necessário considerar ao pensar nas meto-
dologias de ensino na educação do campo:
A prática pedagógica no campo deve levar em conta os princípios da ecope-
dagogia, que constitui o cenário educativo de construção de uma cultura da
sustentabilidade pautada nas dimensões significativas e totalizadoras desse
diálogo, cuja análise crítica lhes possibilite uma nova postura, também crítica
(SANTOS, et al. 2013, p. 126).

E mais, a autora ainda completa sua concepção ao ressaltar a relevância dessas


ações pedagógicas:
Trata-se de uma educação preocupada com o convívio com o meio ambiente,
através da busca constante do sentido mais profundo da produção de nossa
existência, desenvolvendo vivências, atitudes e valores que promovam a vida
na Terra e, como ponto de partida, as coisas do dia a dia, o pensar a vida co-
tidiana, atribuindo-lhe significado prático dentro de um olhar global, tendo em
vista a libertação do homem e da mulher (SANTOS, et al. 2013, p. 126-127).

Nesse sentido, sob a ótica dos autores mencionados acima, fica claro o que a me-
todologia de ensino pensada para a educação no campo deve abranger; o que é relevante
e necessário, e que dará suporte ao docente no processo educativo ao aplicar as ações
pedagógicas propostas.

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3. EDUCAÇÃO DO CAMPO E AS ALTERNATIVAS DE ORGANIZAÇÃO DAS
ATIVIDADES PEDAGÓGICAS

A organização das atividades pedagógicas voltadas para a educação no campo


tem como princípio o método de ensino que parte da investigação e também da interdiscipli-
naridade. A partir disso, faz-se necessário organizar os saberes escolares, com objetivo de
estabelecer um panorama em relação aos conteúdos específicos a serem desenvolvidos.
Partindo desse pressuposto, inicialmente é fundamental que os conteúdos devem-
-se articular em conformidade com a realidade do campo, como apontado nos componentes
curriculares. Para isso, alguns critérios devem ser considerados, conforme Paraná, 2006:
[...] é necessário responder a alguns questionamentos: que conteúdos cultu-
rais dos povos do campo devem estar presentes nas disciplinas para que ins-
trumentalizem os alunos a compreenderem o mundo em que vivem? Quais
são os saberes dos povos do campo que precisam integrar os currículos das
disciplinas? A resposta a tais questões somente será encontrada mediante
a realização de investigação, assunto que será discutido adiante (PARANÁ,
2006, p. 45).

Em concordância com o excerto acima, o pensador Paulo Freire traz a seguinte


contribuição:
Não posso investigar o pensar dos outros, referindo ao mundo, se não penso.
Mas não penso autenticamente, se os outros também não pensam. Simples-
mente, não posso pensar pelos outros, nem para os outros. A investigação
do pensar do povo não pode ser feita sem o povo, mas com ele, como sujeito
de seu pensar. E se seu pensar é mágico ou ingênuo, será pensando o seu
pensar, na ação, que ele mesmo se superará. E a superação não se faz no
ato de consumir idéias, mas de produzi-las e de transformá-las na ação e na
comunicação (FREIRE, 1987, p.101).

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A partir disso, entende-se como é necessário o método de observar, que possibilitará
por meio da análise e principalmente da investigação, diagnosticar o modo de vida no campo;
o comportamento; as interações, bem como, as relações sociais e culturais desse povo.
Por outro lado, como alternativa para organização das atividades pedagógicas,
visando a educação do campo, é necessário a criação de disciplinas para compor a grade
curricular. Nesse sentido, essas disciplinas ao serem criadas e estruturadas devem ter
como finalidade a formação integral do sujeito que vive nas áreas rurais, em conformidade
com a realidade do campo.
Em contrapartida, Paraná, (2006), aponta que a implementação da Educação do
Campo, não depende somente da criação de disciplinas diversificadas:
[...] é importante salientar que a implementação da Educação do Campo não
vai ocorrer apenas com a criação de várias disciplinas na parte diversificada,
pois estas devem tratar de conhecimentos muito específicos, que não são
respondidos pelas diferentes disciplinas da Base Nacional, como, por exem-
plo, o desenvolvimento rural, a agroecologia, a pesca artesanal etc. Assim, é
fundamental garantir que a realidade do campo, com sua diversidade, este-
jam presentes em toda a organização curricular (PARANÁ, 2006, p. 45).

Ainda de acordo com as Diretrizes Curriculares da Educação do Campo, no que


diz respeito a Educação Infantil e as séries iniciais do Ensino Fundamental (1.ª a 4.ª), o
documento destaca que:
[...] também devem inserir a especificidade da vida das crianças do campo
nas suas práticas pedagógicas, as brincadeiras criadas pelas crianças, à so-
ciabilidade entre elas, a participação nas atividades domésticas e da lavoura
etc. Embora seja proibido o trabalho para menores de 14 anos, é sabido que,
no campo, faz parte da educação da criança e do jovem o acompanhamento
das atividades que os pais realizam na lavoura, desde que não sejam preju-
diciais à sua saúde, e nem se caracterizem como exploração de mão-de-obra
infantil. (PARANÁ, 2006, p. 45-46).

Outro método viável de organização das atividades pedagógicas pensado como


alternativa para romper com a prática pedagógica fragmentada é pautado na interdiscipli-
naridade. Com isso, Fazenda (1994, p. 62-63), faz o seguinte apontamento:
A tendência em olhar a sala de aula sob uma única e determinada perspec-
tiva acarreta sérias limitações, quer no referente às análises, quer nas sín-
teses enunciadas [...] colocar em dúvida teorias construídas a partir de uma
atitude disciplinar não significa isolá-las ou anulá-las, mas enfatizar nelas o
seu caráter de provisoriedade. Essa provisoriedade justifica-se pela comple-
xidade dos fenômenos envolvidos nas ocorrências de sala de aula. A atitude
interdisciplinar visa, nesse sentido, uma transgressão aos paradigmas rígidos
da ciência escolar atual, na forma como vem se configurando, disciplinarmen-
te. (FAZENDA, 1994, p. 62-63).

Fazenda (1994, p. 84-88), ainda discorre sobre os fundamentos de uma prática


docente interdisciplinar, na qual destaca 4 dos 6 fundamentos. Veja no quadro 01:

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TABELA 1 – FUNDAMENTOS DA INTERDISCIPLINARIDADE

Consiste numa tentativa de incitar o diálogo com ou-


tras formas de conhecimento a que não estamos ha-
bituadas, e nessa tentativa a possibilidade de interpe-
netração delas. Para a autora, a parceira surge como
Primeiro: a parceria necessidade de troca; da solidão dos profissionais em
relação às instituições que 46 habitam; como condi-
ção de sobrevivência do conhecimento educacional.
Ela é “a possibilidade de consolidação da intersubje-
tividade – a possibilidade de que um pensar venha a
se complementar no outro.

A sala de aula é o lugar onde a interdisciplinaridade


Segundo: o perfil habita, a autoridade é conquistada; a obrigação é alter-
de uma sala de aula nada pela satisfação; a arrogância pela humildade; a
interdisciplinar reprodução pela produção de conhecimento; diferença
no espaço arquitetônico e na organização do tempo’.

A interdisciplinaridade decorre mais do encontro en-


tre indivíduos do que entre disciplinas; pressupõe a
Terceiro: alicerces do presença de projetos pessoais de vida: O projeto, a
projeto interdisciplinar intencionalidade, o rigor características fundamentais
de uma forma de pensar e de agir interdisciplinares,
infelizmente em muitos casos, têm sido substituídas
pela improvisação.

Quarto: possibilidade Para a autora, “aprender a pesquisar fazendo pesqui-


de efetivação sa, é próprio de uma educação interdisciplinar”. As-
de pesquisas sim, a interdisciplinaridade é reconhecida como uma
interdisciplinares categoria de ação.

Fonte: Fazenda, 1994, p.84-88.

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Dessa forma, podemos compreender os quatro fundamentos que são prioridades
no que diz respeito à prática docente interdisciplinar. A finalidade é desenvolver de forma
significativa a cultura de modo que seja possível superar o autoritário e enciclopédico do
fazer pedagógico.
Outro ponto importante em relação à interdisciplinaridade é que: eleger temas
centrais para a prática pedagógica escolar pode ser um caminho para articular os conheci-
mentos específicos das áreas (PARANÁ, 2006, p. 47).
Pensar em formas alternativas de como encaminhar as práticas pedagógicas já
existentes nas escolas do campo também é uma forma de rever e prever novas possibilida-
des educacionais (PARANÁ, 2006, p. 48).
A pesquisa é elemento essencial para que o professor aprofunde os seus
conhecimentos, ou para que entre em contato com os aspectos da realida-
de vivida pelos povos do campo. Ela requer observação, experimentação,
reflexão, análise, sistematização e estudos para aprofundamento teórico.
As crianças são pequenos cientistas, indagam a respeito de tudo (PARANÁ,
2006, p. 48).

Em síntese, compreende-se a essência da organização das atividades e da inter-


disciplinaridade ao se pensar em metodologias de ensino para colocá-las em prática no
decorrer do processo educativo no campo, uma vez que, facilite ao educador explorar os
saberes de mundo desses alunos, permitindo associá-los aos saberes científicos, contri-
buindo significativamente para a expansão de suas habilidades e competências.

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4. EDUCAÇÃO DO CAMPO E OS EIXOS TEMÁTICOS E AS ALTERNATIVAS
METODOLÓGICAS

Os eixos temáticos podem ser compreendidos como situações problemas que devem
ter destaque nos conteúdos escolares. As alternativas metodológicas são entendidas como
um processo de construção de conhecimentos gerais, pedagógicos de cada área específica.
Além disso, tem como finalidade valorizar os saberes da experiência, num contexto
na qual a educação supere o método enciclopédico a partir da prática social dos que estão
inseridos diretamente na ação pedagógica.
Os eixos temáticos da educação do campo são classificados a partir de quatro
problemáticas centrais: Trabalho: divisão social e territorial; Cultura e identidade; Interde-
pendência campo-cidade, questão agrária e desenvolvimento sustentável; Organização
política, movimentos sociais e cidadania. Na tabela 02 verificaremos como um se configura.

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TABELA 02 - EIXOS TEMÁTICOS

Divisão social é a organização da atividade


humana em função das especialidades das
características sociais, como no caso das 35
comunidades indígenas, em que a divisão
do trabalho pode ser organizada em função
da idade e do sexo, não em função do au-
mento da produtividade de cada mercadoria
e da geração de lucro.
A divisão territorial do trabalho demonstra
Trabalho: divisão social e territorial a organização dos países e a função que
cada um ocupa no âmbito internacional. No
eixo trabalho, estão às discussões sobre re-
lações sociais produtivas e o lugar que cada
país ocupa no âmbito econômico, político e
social no planeta. Trabalho é um conceito
que guarda relação com classe social.
Trabalhador é aquele que vende a sua força
de trabalho e dono do meio de produção é
aquele que detém o capital. Terra, indústria,
dinheiro constituem o capital.

Cultura é entendida, neste contexto, como


toda produção humana que se constrói a
partir das relações do ser humano com a na-
tureza, com o outro e consigo mesmo. Não
pode ser resumida apenas a manifestações
artísticas, devendo ser compreendida como
os modos de vida, que são os costumes, as
relações de trabalho, familiares, religiosas,
de diversão, festas etc. Trata-se de ele-
mentos culturais presentes os quais carac-
Cultura e identidade terizam os diferentes sujeitos no mundo e,
portanto, os diferentes povos do campo. A
cultura é gerada na prática social produtiva
de cada uma das categorias sociais dos po-
vos do campo. Cultura e identidade são dois
conceitos que podem ser problematizados
a partir da identificação da trajetória de vida
dos alunos, da caracterização das práticas
socioculturais vividas na comunidade onde
a escola está localizada, da análise das
relações sociais vividas nos ambientes fa-
miliar, comunitário e de trabalho.

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A interdependência campo-cidade pode
ser problematizada a partir das atividades
cotidianas e das necessidades sociais
básicas, como alimentação e água potável.
O desenvolvimento sustentável requer um
projeto político de sociedade que contemple
Interdependência campo-cidade, questão a dimensão socioambiental do ser humano,
da sociedade e do planeta. [...] o eixo temáti-
agrária e desenvolvimento sustentável co interdependência campo-cidade, questão
agrária e desenvolvimento sustentável torna-
-se imprescindível à educação do campo. A
partir dele, serão identificados e analisados
os tipos de relações culturais, econômicas,
políticas e sociais que marcam e demarcam
os diversos municípios do Estado.

A organização política de um país, um es-


tado ou um município guarda relação com
a representação político-partidária, porém
não somente isso. A existência de movimen-
tos sociais, associações comunitárias, orga-
nizações sociais etc. indica a organização
política dos moradores de um determinado
local. Historicamente, os povos do campo
demonstraram sua organização por meio
da reivindicação de condições de trabalho,
Organização política, movimentos divisão da terra, de forma a garantir à pro-
dução de subsistência, a reforma agrária, a
sociais e cidadania delimitação territorial das terras dos povos
indígenas, a indenização pelos danos ge-
rados nas áreas de construção de usinas
hidrelétricas. Os movimentos sociais lutam
para conquistar os direitos sociais como
educação, saúde, trabalho, moradia entre
outros; lutam, portanto, pela conquista da
cidadania como direito e como dever. É a
partir do eixo organização política, movi-
mentos sociais e cidadania que o professor
terá possibilidade de analisar com os alunos
as condições existenciais dos sujeitos, com-
preender os enfrentamentos políticos e as
lutas sociais, na história.

Fonte: Paraná, 2006, p. 35-42.

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Portanto, a partir do quadro acima podemos compreender como os eixos temáticos
se constituem e são relevantes no processo educativo bem como, para a expansão da
prática pedagógica, uma vez que a educação do campo obtém suas conquistas por meio
de suas reivindicações próprias do homem da terra.

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