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1.

HABILIDADES SOCIAIS

Humanos e primatas são geneticamente dotados


com habilidades para criar certos modos de
estrutura social no qual interagem.
Peter Trower

A expressão Habilidades Sociais (HS) tem sido utilizada


com dois significados. O primeiro, mais amplo, denomina um
campo teórico-prático de produção e aplicação de conhecimen­
to psicológico. O segundo, mais'restrito, refere-se a um dos con­
ceitos-chave dentro desse campo. Neste capítulo, o termo HS
será abordado enquanto campo teórico-prático e, na sequência,
como conceito, em sua articulação com o de Competência So­
cial, defendido como central em relação aos demais. O restante
do capítulo detalha a definição, as classes e subclasses de Ha­
bilidades Sociais, além dos aspectos "topografià' ou "forma do
desempenho" ( componentes não verbais e paralinguísticos) e
sua importância para a funcionalidade das Habilidades Sociais.
É apresentado um Portfólio de Habilidades Sociais como base
para a análise do repertório do cliente e encaminhamento de
programas de intervenção.

Habilidades Sociais enquanto campo teórico-prático


O campo das Habilidades Sociais vem se consolidando desde
meados do séculb passado, reunindo conhecimentos resultantes

...._
de diferentes aportes teóricos da Psicologia. Nas suas origens, 2013; Fumo, Manolio, Bello, & Hayashi, 2009; Murta, 2005;
destacam-se os conhecimentos produzidos sob as abordagens Mitsi, Silveira, & Costa, 2004; Teixeira, Del Prette & Dei Prette,
cognitiva, comportamental e sociocognitiva (Z. Del Prette & 2013; Z. Dei Prette & Dei Prette, 2016), pode-se afirmar que
Del Prette, 1999). No Brasil, a pliodução de conhecimento so­ a produção em Habilidades Sociais, em cada um desses eixos,
bre Habilidades Sociais se amparou, desde os primeiros estudos, vem se ampliando de maneira expressiva, especialmente nos úl­
principalmente nas abordagens da Análise do Comportamento timos anos. Historicamente, os ensaios teóricos se apoiaram em
e Cognitivo-Comportamental, com importantes contribuições pesquisas sobre.interações sociais, comportamento social, rela­
conceituais, empíricas e práticas. Essas contribuições aparecem ções interpessoais e, posteriormente, comunicação não verbal
alocadas em diferentes eixos de produção de conhecimento,
(cf Argyle, 1967/1994). Na atualidade, pode-se dizer que os es­
conforme ilustrado na Figura 1.1.
tudos teóricos precedem e seguem as pesquisas empíricas, foca­
lizando questões relevantes para o desenvolvimento do campo
sob diferentes perspectivas conceituais.
Estudos
teóricos
Habilidades Sociais enquanto conceito
Procedimentos Construção de
e técnicas Enquanto conc;eito, é importante destacar a controvérsia
instrumentos
histórica na compreensão sobre a relação entre Habilidades
Sociais e Competência Social. Ora esses termos são entendidos
como conceitualmente equivalentes, ora como irredutíveis um
ao outro, e algumas vezes como complementares.
Recursos para Estudos de
usoemTHS caracterização A diferenciação entre-,Habilidades Sociais e Competência
Social teve como base os estudos de McFall (1976; 1982), que
argumentou favoravelmente à distinção entre ambos, inclusive
em suas implicações práticas. Ainda que essa distinção não seja
consenso na�área, ela é adotada por grande parte dos pesqui­
sadores e teóricos, como, por exemplo, O'Donohue e Krasner
(1995), Trower (1995), Gresham (2009), entre outros.
Desde os estudos preliminares no Brasil ( cf. Z. Del Prette &
Del Prette, 1996; 1999), optou-se por reconhecer e explicitar as
Figura 1.1. Eixos de produção de conhecimento sobre Habilidades
Sociais e Competência Social.
diferenças conceituais entre esses termos, tal corno no presente
manual. Nesse sentido, propõe-se a centralidade do conceito de
Competência Social em relação aos demais conceitos da área.
Com base em estudos de revisão da produção brasileira
Espera-se que a importância dessa decisão, tanto para a com­
da área, em diferentes períodos (Bolsoni & cols., 2006; Freitas,
preensão e aplicação dos conceitos como para o planejamento

20 21
e condução dos programas de Treinamento de Habilidades So­ competente. A coluna da direita representa os comportamen­
ciais, se torne mais compreensível ao longo deste manual. tos sociais indesejáveis, com seus dois subconjuntos: os ativos
O esquema que segue mostra relações entre esses dois con­ ("antissociais") e os passivos ("associais"), associados, respec­
ceitos e as classes de comportamentos sociais desejáveis e inde­ tivamente, a comportamentos problemáticos externalizantes e
sejáveis na convivência social. internalizantes, geralmente relacionados a transtornos psico­
lógicos que podem requerer atendimento clínico e/ou encami­
nhamento a setores jurídicos e de atenção psicossocial.
COMPORTAMENTOS SOCIAIS
Os comportamentos sociais indesejáveis do tipo ativo fre­
COMPORTAMENTOS SOCIAIS
---DESEJÁVEIS
---- INDESEJAVEIS quentemente geram resultados satisfatórios imediatos para o
indivíduo, mas em detrimento de resultados para o interlocutor,
HABILIDADES SOCIAIS ATIVOS •· · • · · · • PASSIVOS
o grupo e a comunidade. Podem também produzir represálias
Man�estar respeito e empatia, expressar e interrupção de amizades, além de suspenção escolar, medidas
Agredir, coagir,
opiniões, discordância e senUmentos Isolar-se, omitir-se,
positivos e negam/os, fazer. aceitar
manipular,
desrespellar, autodepreciar-se, socioeducativas, perda de direitos civis etc. Os do tipo passivo
e rejeitar críticas, falar em público, fater enganar etc. submeter-se etc.
--- ---
amizades, abordar aiilondades etc. podem evitar de imediato consequências negativas para o indi­
víduo, mas não em médio e longo prazo, além de pouco contri­
buir para o interlocutor e o grupo.
COMPETÊNCIA SOCIAL PROBLEMAS E TRANSTORNOS PSICOLÓGICOS
..J É importante, ainda, lembrar que os padrões passivo e ativo
não são fixos, mas ocorrem em um contínuo, conforme a ilus­
Figura 1.2. Esquema geral de classes de comportamentos sociais pertinentes e não pertinentes aos
tração anterior, proposta por Del Prette e Del Prette (2003a) em
conceitos de Habilidades Sociais e Competência Social (A. Dei Prette & Dei Prette, 2001; Z. Dei Prette

'
& Dei Prette, 1999; 2005a). relação ao padrão assertivo:

Agressivo
-----·····!····---------,
Assertivo
�-----···-f ····------
Conforme organizados na Figura 1.2, grosso modo, os com­ Passivo
portamentos sociais podem ser divididos em dois conjuntos, os
desejáveis e os indesejáveis. Comportamentos sociais desejáveis,
na.maioria das culturas e subculturas, são aqueles orientados
por valores de.respeito mútuo entre os indivíduos em interação; É importante destacar que Exigir algo de modo agressi­
os indesejáveis são os que contrariam esses valores comparti­ tanto os comportamentos de­ vo e ser bem-sucedido com­
sejáveis como os indesejáveis pete com fazer um pedido
lhados na cultura. O critério para a desejabilidade ou indese­ de forma adequada. A con­
jabilidade recai sobre as consequências dos comportamentos, se mantêm porque geram con­
sequência positiva ao com­
em termos dos benefícios e malefícios que eles produzem para sequências positivas ou evitam
portamento agressivo torna-
o interlocutor, o grupo e a comunidade, bem como, em muitos consequências negativas para -o mais provável de ocorrer
casos, a sua aceitação pela cultura. o indivíduo. É nesse sentido novamente.
que são considerados compor-
Assim, na coluna da esquerda, os comportamentos sociais
tamentos concorrentes aos desejáveis, pois resultam em con­
desejáveis caracterizam classes e subclasses de Habilidades So­
sequências que são obtidas com comportamentos indesejáveis,
ciais que podem contribuir para um desempenho socialmente

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em lugar de serem obtidas com os desejáveis. Dess lizantes e intemalizantes, respectivamente (Z. Del Prette & Del
a forma,
enquanto os indesejáveis são fortalecidos, reduz-se a Prette, 2005a). Os comportamentos categorizados como Habi­
probabi­
lidade de aprendizagem e ocorrência dos desejáveis. lidades Sociais podem contribuir para a Competência Social
Não obs­
tante esse esquema simplificado, não se ignora a complexid no sentido de produzir os resultados pretendidos na intera­
ade
dos determinantes de comportamentos problemáticos ção social (por exemplo, pedir algo e ser atendido, expressar
e outros
transtornos psicológicos, mas apenas se destaca o pape discordância e ser respeitado no direito de opinar, fazer uma
l das
consequências, que podem ser alvo de intervenções educ pergunta e obter resposta etc.). É importante destacar que as
ativas
e terapêuticas. Habilidades Sociais podem contribuir, mas não resultam ne­
cessariamente em Competência Social, porque, além do de­
sempenho de Habilidades Sociais, esta inclui outros critérios,
Definição de Habilidades Sociais como se verá adiante.
O conceito de Habilidades Sociais é razoavelmente intu Por definição, o conceito de Habilidades Sociais nomeia
itivo
e, talvez por isso mesmo, é necessária uma definição opera uma classe geral de comportamentos sociais e suas subclasses.
cio­
nal para evitar equívocos e orientar a pesquisa e a prátic Nesse sentido, os adjetivos "habilidoso" e "não habilidoso" são
a. O que
são Habilidades Sociais, quais os diferentes tipos ou evitados para não se confundirem com o conceito de Compe­
classes de
Habilidades Sociais e como diferenciá-las? Qual a impo tência Social (próximo capítulo).
rtân­
cia do contexto no desempenho de Habilidades Socia
is? Essas
e outras questões fazem parte de uma compreensão neces
sária Classes e subclasses de Habilidades Sociais
desse constructo.
Enquanto conceito, o termo Habilidades Sociais aplic Os comportamentos caracterizados como Habilidades So­
a-se a ciais aparecem na literatura da área agrupados em conjuntos
um conjunto de comportamentos socia
is que apresentam carac­ denominados classes e subclasses. O que significa classificar
terísticas específicas. Uma definição adequada desse

,
conceito comportamentos? Significa agrupá-los com base em alguma
deve incluir pelo menos três caraterísticas interdependen
tes. característica que compartilham e que os diferencia das carac­
..
-',
terísticas de outros agrupamentos. No caso de comportamentos
Habilidades Sociais refere-se a um construto descritivo
- > sociais, pode-se classificá-los tanto pela topografia (aspectos
I portamentos O dos com­
sociais valorizados em determinada cultura 8 com alta
formais do comportamento, como gestos, tom de voz, expressão
probabilidade de resultados favoráveis para o indivíduo,
seu grupo e
facial e corporal etc.) como pela funcionalidade, ou seja, sua fun­
comunidade@ que podem contribuir para um desem
penho social­
ção efetiva em dada situação, considerando a tríplice relação de
mente competente em tarefas interpessoais.
I contingências (antecedente - comportamento - consequência).
-· - -------------- A diversidade de classes funcionais de Habilidades Sociais,
ou seja, de comportamentos sociais que possuem uma mesma
Essa definição permite identificar os comportamentos deno­ função, pode ser exemplificada com as classes de "empatià' e
minados de Habilidades Sociais e diferenciá-los dos indesejáveis, "assertividade': A classe "empatià' reúne comportamentos so­
ativos e passivos, associados a transtornos e problemas externa- ciais esperados e desejáveis em relação ao interlocutor, especial-

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mente quando este se encontra em dificuldade. Neste caso, os de assertividade como de empatia, porém com diferenças n a
objetivos são de apoiá-lo , demon strar compreensão, validar seus topografia que caracteriza cada uma delas. Considere "fazer/
sentimentos etc. Por outro l ado , a classe "assertividade" reúne responder perguntá' dia nte de dema nda de assertividade e
comportamentos sociais esperados em situações de desequili- diante de demanda empática. A diferença se ve_rillca �� volu­
brio nas trocas interpessoais, desrespeito ou ameaça de perda me, velocidade e modulaçã o da voz, nas expressoes faciais, ges­
de direito s, com a função de restabelecer a condição anterior tualidade e diferentes características do contato visual.
ou melhorar a condição atu al, caracterizando-se como enfren- Ainda há muito para pesquisar sobre categorização e clas­
tamento, já que envolve risco de reaçã o indesejável do outro si cação das Habilidades Sociais, tanto em term
fi os conceituais
(A. Del Prette & Del Prette, 2001). Essa função é compartilhada como empíricos. Apenas para exemplificar, A. Del Prette e Del
pelas subclasses de Habilidades Sociais assertivas, tais como ar - Prette (2009) fazem uma análise conceitua! de possíveis corres­
gumentar, discordar, questionar, recusar etc. pondências entre as classes de Habilidades Sociais , definidas no
campo do THS, e as classes de operantes verbais identificados
Qualque r habilidade pode se r tomada como uma classe mais ampla por Skinner (1957/1978), considerando que se referem a duas
quando o propósito é examinar seus componentes, até o ponto em
taxonomias de comportamentos sociais.
que as subdivisõ es não const ituam uni dade s id ent ificáveis de Habi ­
li dades Sociais.

Portfólio Geral de Habilida des Sociai s


Dentro de uma classe, os comportamentos apresentam fun­ Além da elaboraç ão conceitua!, a organizaç ão das Habili­
ção semelhante, mas podem apres entar topografia diferente. Por dades Sociais em classes e subclasses po de ser também refinada
exemplo, a classe "civilidade" inclui comportamentos de cum­ por avaliações empíricas. Por isso, as propostas de taxonomia
primentar, agradecer, despedir-se etc; todos com a funç ão geral não podem ser vistas como estruturas definitivas nem con sti­
s emelha nte na cultura, porém diferenciados quanto à topogra­ tuem propostas consensualmente estabelecidas na literatura da
fia. Comportamentos agrupados na classe "civilidade': possuem área. Ainda assim, dispor de um bom esquema de cl assificação
a função de "ajustar- se às normas de polidez': Tomando o com­ pode facilitar a identificação dos deficits e recursos do clien­
portamento de cumprimentar, verifica-se que este apresenta te, além de orientar a avaliação e a promoção das Habilidades
rica variabilidade n a topografia. Alguém pode acen ar a outro, Sociais relevantes de diferentes clientelas. A organização dessas
abraçá-lo ou troc ar aperto de m ãos. Todas essas variações n ão
classes (tanto as que constituem recursos quanto as deficitárias)
impedem que sejam categorizados como cumprimento, ou seja, pode ser denominada de Portfólio de Habilidades Sociais.
compartilham a mesm a funç ão. A es colha por uma forma de ----------- --- --- ---
desempenho (topografia) depende da subcultura à qual perten­
Portfólio de Habilidade s Sociais consiste em uma listagem de clas­
cem os envolvidos n a tarefa interpessoal. às
ses e subclasse s de Habili dad es Sociais rel evante s e pe rtinentes
tarefas e papéis sociais bem como à etapa de d e senvolv imen to do
Por outro l ado, pode haver compartilhamento de subclas­ -
ses entre as diferentes classes. Por exemplo: fazer/responder client e, incluindo também os componentes não verbais e paralin
guísticos (CNVP).
perguntas e expressar sentimentos fazem p arte tanto da classe

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Considerando as principais Habilidades Sociais que vêm 1 5. Assertivas. Por se tratar de uma classe ampla com muitas sub­
sendo objeto de pesquisa e prática em nosso meio, pode-se classes, são aqui destacadas entre as mais importantes:
organizá-las sob diferentes eixos de análise (Del Prette & Del ./' Defen de r direitos próprios e direitos de outrem
Prette, 2008). Ao longo das etapas de desenvolvimento, o in­ -1' Questionar, opinar, discordar, solicitar explicações sobre o por­
divíduo se defronta com demandas interpessoais para uma quê de certos comportamentos, manifestar opinião, concordar,
diversidade de classes e subclasses de Habilidades Sociais. O discordar
'
Quadro 2.1 contém as principais classes de Habilidades So­ ./' Fazer e recusar pedidos
ciais identificáveis na literatura, que podem ser relevantes ./' Expressar raiva, desagrado e pedir mudança de comportamento
para todas as etapas do desenvolvimento e para os papéis so­ -1' Desculpar-se e admitir falha
ciais assumidos ao longo delas. ./' Manejar críticas: (a) aceitar críticas (ouvir com atenção até o in­
terlocutor encerrar a fala, fazer p erguntas, pedir esclarecimento,
olhar para o interlocutor, concordar com a crítica ou com par­
QUADRO 2.1. PORTFÓLIO DE HABILIDADES SOCIAIS' te dela, pedir desculpas); (b) fazer críticas (falar em tom de voz
pausada e audível, manter contato visual sem ser intimidatório,
1. Comunicação. Iniciar e manter conversação, fazer e respond er
dizer o motivo da conversa, expor a falha do interlocutor, pe­
perguntas, pedir e dar feedback, elogiar e agradecer el ogio, d ar
dir mudança de comportamento); (c) rejeitar críticas (ouvir até
opinião, a comunicação tanto o corre n a forma direta (face a face)
o interlo cutor encerrar a fala, manter contato visual, solicitar
como n a in dire ta (uso de m eios eletrôn icos); n a comun icação tempo para falar, apresentar sua versão dos fatos, expor opinião,
direta, a verbal está sempre ass ociada à n ão verbal, que pode relacionar a não aceitação da crítica em relação à veracidade do
�mentar, ilustrar, substituir e às vezes contrariar a verbal. acontecimento).
2. Civilidade. Cumprimentar e/ou responder a cumprimentos (ao en­ -1' Falar com pessoa que exerce papel de autoridade: cumprimen­
trar e ao sair de um ambiente), pedir "por favor': agradecer (dizer tar, aprese ntar-se, expor motivo da abordagem, fazer e respon­
"obrigado/à'), desculpar-se e outras formas de polidez normativas na der p erguntas, fazer pedido (se for o caso), tomar nota, agen­
cultura, em sua diversidade e suas nuanças_. ___ dar novo contato (se for o caso), agradecer, despedir-� __
3. Fazer e manter amizade. Iniciar conversação, apresentar i nfor­ 6. Expressar solidariedade. Ide ntificar necessidades do outro,
oferecer ajuda, expressar apoio, e ngajar-se em atividades sociais
mações livres, ouvir/fazer confidências, demonstrar gentileza, [
construtivas, compartilhar alimentos ou objetos com pessoas de­
manter contato, sem ser invasivo, expressar sentimentos, elogiar, 1
les necessitadas, cooperar, expressar compaixão, participar de re­
dar feedback, responder a contato, enviar mensagem (e-mail, bi­ uniões e campanhas de solidariedade, fazer visitas a pessoas com
lhete), convidar/aceitar convite para passeio, fazer contatos em necessidades, conso lar, m otivar colegas a fazer doações. _
datas festivas (aniversário, Natal etc.), manifestar solidariedade
. Manejar conflitos e resolver problemas interpessoais. Acal­
�iante de e!:9_!,lemas __
__:_____ mar-se exercitando autocontrole diante de indicadores em ocio­
4. Empatia. Manter contato visual, aproximar-se d o outro, escu­ nais de um pro bl e ma, reconhecer, nomear e definir o problema,
tar (evitando interromper), tom ar perspectiva (colocar-se no lu­ identificar comportamentos de si e dos outros associados à ma­
gar do outro), expressar compreensão, incentivar a confidên cia nutenção ou solução do problema (como avaliam, o que fazem,
(quando for o caso), demonstrar disposição para ajudar (se for o qual a motivação para mudança), elaborar alternativas de com­
caso), compartilhar alegria e realização do outro (nascimento do portamentos, propor alternativas de solução, escolher, imple­
filho, aprovação no vestibular, obte nção de emprego etc._) .__ mentar e avaliar cada alternativa ou combinar alternativas quan-
do for o caso.

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8. Expressar afeto e intimidade (namoro, sexo). Aproximar-se Habilidades Sociais básicas
e demonstrar afetividade ao outro por meio de contato visual, as no
Dentre as classes de Habilidades Sociais apresentad
sorriso, toque, fazer e responder perguntas pessoais, dar infor­ li­
mações livres, compartilhar acontecimentos de interesse do ou­ Quadro 2.1, algumas poderiam ser consideradas como Habi
s.
tro, cultivar o bom humor, partilhar de brincadeiras, manifestar dades Sociais básicas, já que estão presentes em várias classe
feiçoadas po to­
Portanto, elas deveriam ser aprendidas ou ape r r
gentileza, fazer convites, demonstrar interesse pelo bem-estar do
outro, lidar com relações íntimas e sexuais, estabelecer limites dos os participantes de um THS. Quais são essas habilidades?
quando necessário_. _ e­
As Habilidades Sociais básicas incluem observar e descr
nder per­
9. Coordenar grupo. Organizar a atividade, distribuir tarefas, in­ ver comportamentos, relatar interações, fazer e respo
centivar a participação de todos, controlar o tempo e o foco na ser
tarefa, dar feedback a todos, fazer perguntas, mediar interações, guntas, elogiar etc. O aperfeiçoamento dessas classes deve
prog rama ,
expor metas, elogiar, parafrasear, resumir, distribuir tarefas, co­ alvo de promoção logo nas sessões iniciais de um
ngên­
brar desempenhos e tarefas, explicar e pedir explicações, verifi­ juntamente com dar feedback, efetuar análise de conti
car compreensão sobre problemas. __ cias e demonstrar afeto positivo, pois, além de facili tar as
con­
10. Falar em público. Cumprimentar, distribuir o olh ar pela pla­ aquisições posteriores, contribuem para estru turar um
te, signi fi­
teia, usar tom de voz audível, modulando conforme o assun­ texto terapêutico de participação e apoio entre clien
to, fazer/responder perguntas, apontar conteúdo de materiais cantes e terapeuta.
audiovisuais (ler apenas o mínimo necessário), usar humor (se
for o caso), relatar e.'-'Periências pessoais (se for o caso), relatar
acontecimentos (incluir subclasses do item anterior), agradecer Habilidades Sociais: topograda e fundonaiidade
a atenção ao finalizar.
As Habilidades Sociais descritas no Quadro 2.1 são com­
ida­
Essas dez classes gerais e respectivas subclasses de Habi­ postas por elementos verbais (o que se fala), mas sua efetiv
de depende drasticamente da forma do desempenho (com o se
lidades Sodais são reconhecidas como relevantes ao longo do
lidades
ciclo vital. A proficiência esperada para uma classe pode variar fala). Assim, a análise dos deficits e recursos em Habi
pone ntes
dependendo da etapa de desenvolvimento em que a pessoa se Sociais do cliente deve contemplar também os Com
1 que caracterizam a for­
encontra, e algumas podem ser mais críticas ou relevantes para Não Verbais e Paralinguísticos (CNVP )
determinadas etapas. Por exemplo: pode-se supor melhor de­ ma ou topografia do desempenho e se referem a aspectos como
sempenho de um jovem para lidar com críticas do que de uma postura, expressão facial, contato visual, fluência no falar etc.
criança pequena. Ainda que diferenciados pelas peculiaridades Quando se trata de Habilidades Alterar a topog rafia
próprias de cada etapa do desenvolvimento, ao lidarem com Sociais, topografia e funçã o estão é fundamental sempre
críticas, ambos devem apresentar alguns dos principais com­
bastante relacionadas. Muitas vezes, que ela compromete a
portamentos dessa classe. Pode-se verificar que há habilidades funcionalidade do de-
pequenas alterações na forma do de- sempenho.
esperadas somente a partir da adolescência, relacionadas a na­
sempenho (expressão facial, postu-
moro e sexo, e outras que, embora possam ocorrer em qualquer
etapa, são acompanhadas de expectativas diferenciadas quanto
à proficiência e elaboração do desempenho (por exemplo, falar 1. Ao longo deste livro, a sigla CNVP será adotada sem diferenciar singular e
em público, coordenar grupos). plural.

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ra, gestos, tom de voz etc.) podem facilitar ou comprometer sua nessas pesquisas, cabem algumas considerações importantes
funcionalidade, ou seja, seus resultados em tarefas interpessoais para programas de THS:
(A. Del Prette & DeJ Prette, 2009). Portanto, a funcionalidade e • Os CNVP possuem funções de apoiar, enfatizar, comple­
a efetividade das Habilidades Sociais não podem ser considera­ mentar o significado da comunicação verbal; em alguns
das independentemente da topografia ou da forma dos desem­
casos, podem mesmo contradizê-la, por exemplo, quan­
penhos, ou seja, dos CNVP (A. Del Prette, & Del Prette, 2009).
do alguém diz que está bem, ao mesmo tempo em que
A importância e a diversidade dos CNVP no campo das faz o gesto do polegar para baixo ou apresenta a expres­
Habilidades Sociais encontram-se bastante detalliadas na lite­ são de tristeza.
ratura (A. Del Prette & Del Prette, 1999; Caballo, 2003; Z. Dei
Prette & Del Prette, 2009). A Figura 1.3 apresenta o conjunto • Geralmente as pessoas têm bom controle sobre o QUE fa­
dos principais itens de CNVP que devem ser objeto de atenção lam, porém, menos sobre COMO falam, especialmente com
em programas de THS. relação às extremidades motoras. Por exemplo: expressão
de tranquilidade no rosto enquanto tamborila com os de­
r Latencia J· -{ Intervalo de temp9 entre a fala de �ma pessoa e a resposta dos ou balança as pernas de maneira contínua.

H
º

_ da outra (nem mutto longo nem mutto curto).


. • Dada essa dificuldade de controle e por estarem associa­
( Duração Tempo que uma pessoa pennanece falando sem lnterrup�

------�J/A
/ dos a alterações fisiológicas típicas de estados emocionais,
Altura da voz (alta, média, baixa, sus
os CNVP são, muitas vezes, ,indicadores mais confiáveis
Volume
� de sentimentos (e por vezes de crenças) do que os conteú­
I COMPONEN!fS , � Quanüdade de palavras em relação ao tempo de fala. dos verbalizados pela fala.
PARALINGUISTICOS ,/l--==:::J �
� • Os CNVP devem ser avaliados, tal como as demais Habili­
,...______� i
. 1 Ritmo ,__,' Alternância de pausas e entonações da fala.
) \ dades Sociais, considerando-se os padrões culturalmente
Tonalidade j----4_ Qualidade do som da fala (aguda, grave, suave). � aprovados para cada situação ou tarefa interpessoal.
Êh Qualidade da dicção e modulação da fala.
J
• De um modo geral, os CNVP adequados situam-se a meio­
-termo entre a expressividade baixa e a exagerada, poden­
�-------.. do ser problemáticos: contato visual excessivo (encarado)
Olhar e contato visual, sorriso, gestos, expressão fadai, postura corporal,
I NÃO VERBAIS e mínimo, fala muito rápida ou muito lenta, excessiva ou
movimentos de cabeça, contato fisico (toque), dfstãncialproximidade.
·.
nenhuma gesticulação etc.
Figura 1.3. Portfólio de Componentes Não Verbais e Paralinguísticos.
• Os gestos podem assumir significados completamente di­
versos - e até opostos - em diferentes culturas.
Os itens da Figura 1.3 também devem ser avaliados pelo • Alguns padrões típicos de CNVP podem incluir diferen­
terapeuta e reunidos no Portfólio do Cliente. Alguns autores ças culturais de gênero: aceitáveis para mulheres, mas não
(Caballo, 2003) incluem entre os CNVP os indicadores fisio­
para homens ou vice-versa.
lógicos (rubor, tremores etc.) e a aparência física (vestimen­
ta, adereços, maquilagem etc.), uma vez que podem impac­ Nas interações face a face, o conteúdo verbal (o que se fala)
tar sobre a avaliação de Competência Social. Há uma extensa . está sempre ·associado aos componentes não verbais e paralin­
produção de conhecimentos sobre os CNVP, especialmente a i guísticos da comunicação (como se fala). Com o advento da co­
partir das pesquisas de Argyle (1967/1994; 1984). Com base· municação virtual por meio da escrita, o desafio é a comunicação

32 33
surpresa * ,,r �1!:�.?.
<
�......
de sentimentos. Mesmo uti­ Prette (2010) destacam, entre outras, as seguintes característi­
\ lizando a pontuação consa­ cas: 1) a flexibilidade da musculatura facial, refinando a expres­
} grada pela língua (exclama­ sividade facial e a discriminação dos estímulos provenientes da

. ... *
ções, interrogações, reticên­ expressividade do outro na interação social, 2) a sensibilidade

..
cias etc.), que permite a iden­ aos estímulos sociais e tendência à proximidade com outros da
tificação de um "subtextd' própria espécie (gregarismo) e 3) a suscetibilidade à seleção pe­
.,.
- ··.
. - · � · ou "leitura das entrelinhas" las consequências, ampliando as possibilidades de aprendiza­
,�
�-· � ,,
___/
f�-� de uma mensagem escrita, gem na relação com os outros.
\·-�-""··=·�o'>º
'

parece ser necessário dispor


* de indicadores "extras" da
A seleção ontogenética se refere às Habilidades Sociais
aprendidas ao longo da vida. Essa aprendizagem ocorre, em
emoção, por meio de símbo­ grande parte, por meio das condições "naturais" dispostas na
los gráficos. Por isso, são cada vez mais explorados os chamados família, escola, ambientes de trabalho e lazer etc., por meio
emoticons e outras ilustrações usadas como complementos do de três processos principais interdependentes: a modelação,
texto escrito visando transmitir emoções, intenções, pensamen­ a instrução e a consequenciação.
tos etc. Portanto, a questão da topografia ou forma também se
Em termos de seleção cultural,· é amplamente reconhecida
aplica às interações virtuais mediadas pela escrita.
a influência da cultura sobre as Habilidades Sociais. Cada cul­
tura estabelece padrões valorizados, tolerados ou reprovados de
�d,r>:' .1 r,:11cnd1z,tgtm lk HabH!dade-. ""::tô:1i� comportamentos sociais que são disseminados entre seus mem­
bros e reproduzidos ao longo do tempo. Considerando que uma
Grande parte das necessidades das pessoas é mediada por cultura nunca é monolítica, ou seja, que ela comporta diferentes
outros indivíduos e depende de interações entre eles. Essa é uma subculturas, certos comportamentos aceitos e esperados em al­
característica de qualquer comportamento social em um am­ guns subgrupos podem ser reprovados em outros e vice-versa.
biente comum (Skinner, 1953/1967), em que o comportamen­ Em síntese, como qualquer outro comportamento, as Ha­
to de uma pessoa pode ser um antecedente ou consequente ao bilidades Sociais (e também os demais requisitos da Compe­
comportamento do outro. Nesse sentido, as Habilidades Sociais tência Social, abordados no próximo capítulo) são aprendidas
se caracterizam também como comportamentos sociais. E como ao longo da vida por meio de processos formais ou informais
qualquer comportamento, as Habilidades Sociais foram e conti­ de interação com as demais pessoas e, portanto, influenciadas
nuam sendo a resultante de três processos de variação e seleção: pela cultura e contingências imediatas do ambiente. Quando o
o filogenético, o ontogenético e o cultural (Skinner, 1981/2007). ambiente natural não é favorável, podem ocorrer dificuldades e
A seleção filogenética refinou características anatômicas, falhas na aquisição e aperfeiçoamento de Habilidades Sociais,
fisiológicas e comportamentais favoráveis à aquisição e ao aper­ inclusive com problemas de comportamento concorrentes, cuja
feiçoamento de comportamentos sociais, entre os quais as Ha­ superação irá requerer intervenções educativas e/ou terapêuti­
bilidades Sociais, que se mostraram importantes na sobrevivên­ cas. Essas intervenções envolvem basicamente a reestruturação
cia da espécie (Trower, 1995). Tomando por base a análise de dos processos de aprendizagem antes referidos, em condições
Glenn (2004) para o comportamento verbal, Del Prette e Del mais favoráveis.

34 35
2.
COMPETtNC�SOC�L

Há"três modos gerais para conduzir as relações


interpessoais. Oprimeiro é considerar somente a si
mesmo, desconsiderando os outros... O segundo é sempre
colocar os outros antes de você... O terceiro é a regra de
ouro. .. considerar a si mesmo e também aos demais.
Joseph Wolpe

Conforme antes referido, o conceito de Competência Social


é entendido como central no campo das Habilidades Sociais.
Tal premissa é coerente com a definição desse conceito, consi­
derando os critérios de avaliação que dele decorrem e o conjun­
to de requisitos que estão na base de um desempenho social­
mente competente. Esses aspectos são abordados neste capítulo.

Definição de Competência Social


Grande parte dos estudiosos da área concorda que o con­
ceito de Competência Social tem grande importância para a
qualidade dos processos das relações interpessoais. Enquanto
conceito, o termo Competência Social aplica-se à avaliação do
desempenho e de seus resultados, portanto, sua definição deve
incluir, pelo menos, as caraterísticas especificadas a seguir.

Competência Social é um constructo avaliativo O do desempenho


de wn indivíduo (pensamentos, sentimentos e ações) em uma tarefa
interpessoal 6 que atende aos objetivos do indivíduo e às demandas
da situação e cultura, @ produzindo resultados positivos conforme
critérios instrumentais e éticos.
A definição apresentada destaca o caráter avaliativo da ao desempenho. Por isso, faz sentido considerar que um desem­
Competência Social aplicado ao desempenho (incluindo coe­ penho socialmente competente "implica coerência entre com­
rência entre comportamentos abertos e encobertos) e aos re­ pontamentos abertos (observáveis) e "encobertos" (privados) e,
sultados do desempenho em tarefas interpessoais, conforme ainda, em relação às,.regras do grupo no qual a pessoa se insere
objetivos do indivíduo e demandas da situação reconhecidas e com as quais ela concorda.
na cultura. Enquanto o conceito de Habilidades Sociais refere-se Orientado por uma abordagem de processamento de infor­
à descrição de componentes do desempenho em resposta à per­ mação, McFall (1982) inclui, entre os componentes "encober­
gunta "O que e como o participante da interação fez': o concei­ tos" das Habilidades Sociais, os processos de decodificação das
to de Competência Social refere-se não apenas à avali·ação da demandas do contexto (percepção, interpretação etc.), de sele­
qualidade desse desempenho, mas também à sua efetividade em ção e decisão sobre o que e como responder, bem como de pre­
termos de resultados, considerando as demandas da tarefa"inter­ visão de possíveis consequências. Esses e outros componentes
pessoal. Na perspectiva aqui adotada, inclui resposta às questões: encobertos que precedem e acompanham o desempenho social
• Como foi o desempenho? estão contemplados no conceito de automonitoria, considerado
• Quais os resultados do desempenho do indivíduo? um requisito indispensável para a Competência Social e tratado
com mais detalhamento no capítulo 2.
• Os resultados foram bons também para o interlocutor?
A coerência en -
• Poderão também beneficiar o grupo de ambos e até mes­
tre comportamentos Cumprindo
mo a comunidade? à risca!!
públicos e privados
Em resumo, a avaliação de Competência Social implica nem sempre é facil­
considerar a qualidade do desempenho e seus resultados ime­ mente encontrada na
diatos e de médio e longo prazo, não somente para o indivíduo, E sua
vida social. Ela cer- dieta?
mas também para o outro e o grupo social. Esses aspectos são tamente ocorre mais
abordados com mais detalhe a seguir. facilmente quando as
autorregras do indi­
víduo são coerentes
Competência-Social:'Lom}Jff1�ta1Htmtos,e·neobei:tos..e.
com as normas da
manifestos
comunidade na qual
O desempenho de uma pessoa em tarefas interpessoais ele está inserido. No
depende de seu repertório de Habilidades Sociais, porém, não entanto, a comunidade4 vefbal frequentemente consequencia
apenas. Na maior parte dessas tarefas, um desempenho social­ positivamente comportamentos abertos que não correspondem
mente competente requer a articulação entre várias Habilidades aos encobertos, tais como os comportamentos de deturpar ou
Sociais e, também, destas com componentes cognitivos e afe­ de exagerar fatos, omitir acontecimentos etc. Em programas de
tivos não diretamente observáveis, que incluem pensamentos, THS orientados por valores que beneficiam a ambos os interlo­
sentimentos, objetivos, padrões de realização, autoeficácia, au­ cutores, é importante estabelecer condições para a ocorrência e
torregras etc., ou seja, comportamentos encobertos associados fortalecimento da correspondência entre o dizer a si (pensar)

38 39
e o desempenho na interação com os demais por meio de pro­ acessadas em resposta à pergunta: Conseguiu(ram) al­
cedimentos específicos (A. Del Prette & Del Prette, 2001; Z. Del cançar o(s) objetivo(s) da tarefa interpessoal?
Prette & Del Prette, 2005a; 2010).
(b) Manutenção/melhora da autoestima. Refere-se a con­
sequências imediatas em termos de indicadores emo­
Critérios de avaliação da Competência Social cionais de satisfação pessoal com os resultados obtidos,
associados à aprovação do desempenho pela comuni­
Conforme Schlundt e McFall (1985, p. 23), a atribuição de dade verbal, ambos contribuindo para o fortalecimen­
Competência Social "envolve- um julgamento d�valor, por parte to e manutenção dos desempenhos e para a autoeficá­
de um observador, quanto à efetividade do desempenho do cia do participante da tarefa interpessoal. Essas con­
participante em uma tarefa es­ sequências podem ser aferidas em resposta a questões
O avaliador pode ser um pecífica': Efetividade significa como: A interação afetou de maneira neutra, negativa
observador externo e tam­ resultados desejáveis, deriva­
bém a própria pessoa ou positiva a autoestima e a satisfação dos que dela to­
em interação.
dos do desempenho do indiví­ maram parte?
duo em uma tarefa interpessoal.
(c) Manutenção/melhora da qualidade da relação. Refe­
Quais seriam esses resultados?
re-se a consequências menos imediatas, em médio ou
Desejáveis, para quem? Essas questões colocam a necessidade
longo prazo, sobre os interlocutores e a probabilidade
de critérios para avaliar os resultados indicadores de Compe­ de manterem ou melhorarem um relacionamento po­
tência Social.
sitivo - perguntas reflexivas auxiliam na avaliação,
Uma proposta de critérios para avaliar a funcionalidade do como, por exemplo: Ambos os participantes da interação
desempenho social foi apresentada por Linehan (1984) em re­ buscariam novas oportunidades de contato social? Um
lação à assertividade feminina. A autora defendeu três critérios dos participantes da interação evitaria contatos futuros?
para considerar um desempenho assertivo: atingir objetivos (d) Equilíbrio de poder entre os interlocutores. Recipro­
imediatos, manter ou melhorar a relação interpessoal e manter cidade positiva de trocas, seja de comportamentos, seja
ou melhorar a autoestima. Considerando a Competência Social de produtos concretos ou simbólicos: O desempenho dos
(enquanto constructo diferenciado do de Habilidades Sociais), participantes da interação contribuiu para o equilíbrio de
esses critérios foram incluídos entre os propostos por Del Prette trocas? Ou aumentou o desequilíbrio, beneficiando mais
(1982, p. 9), que adicionou, na época, o de "equilibrar reforça­ a um do que a outro ou em detrimento do outro?
dores ou, no mínimo, de assegurar direitos humanos básicos':
(e) Respeito/ampliação dos direitos humanos interpes­
O conjunto de critérios para avaliar a Competência Social (A. soais.Refere-se à consequência do desempenho em ter­
Del Prette & Del Prette, 2001; Z. Del Prette & Del Prette, 1999;
mos de direitos: O desempenho dos participantes contri­
2005a) tem sido assim detalhado:
buiu para manter ou ampliar direitos socialmente estabe­
(a) Consecução do objetivo. Refere-se às consequências lecidos, como, por exemplo, direito de ser ouvido e levado
específicas e imediatas da tarefa interpessoal para o(s) a sério, de expressar opinião, de discordar, de ser respeita­
indivíduo(s) que está(ão) sendo avaliado(s) e podem ser do em sua dignidade e integridade física ou moral?

40 41
Alguns desses critérios não são facilmente aplicados, mas Essas questões estão relacionadas à dimensão ética da Com­
podem ser avaliados em sua probabilidade de ocorrência com petência Social, que é contemplada nos critérios de avaliação
base na observação dos desempenhos e dos relatos. Os três pri­ antes referidos. Elas são analisadas com mais detalhe a seguir.
meiros (a, b, c) contemplam resultados imediatos e podem ser
observados pelos envolvidos e por avaliadores externos. Os três
últimos critérios contemplam resultados de médio e longo pra­ Dimensão ética e critério básico de Competência Social
zo para os envolvidos na tarefa interpessoal e, eventualmente, Alguns filósofos (como Kant, em Crítica da razão prática)
para o grupo social. São resultados não prontamente obser­ supunham uma lei moral intrínseca ao indivíduo, que regulava
váveis, mas que podem ser inferidos com base no relato e no suas ações. Independentemente dessa-possibilidade, os legisla­
conhecimento das normas e regras da cultura. dores e governos trataram de estabelecer normas e leis que, de
Enquanto os primeiros critérios podem ser de maior inte­ um lado, contingenciavam punitivamente comportamentos
resse para um dos indivíduos, os últimos necessariamente de­ "não desejáveis" e, por outro, tornaram tais comportamen­
vem beneficiar o interlocutor e/ou o grupo. Por isso, pode-se tos pouco atrativos, consideran_do seus riscos. Entretanto, tam­
afirmar que os critérios de Competência Social contemplam bém essas alternativas não foram suficientes para tornar as inte­
duas dimensões de resultados: uma instrumental, mais imedia­ rações sociais livres de desequilíbrio com perdas significativas
ta, que atende interesses individuais dos interlocutores, e uma para uma parte e ganhos para a outra.
ética, que pode ocorrer em médio e longo prazo atendendo A lei que enfatizava contingências punitivas foi denomina­
também interesses do grupo social (cf. A. Del Prette & Del Prette,
da de Lei de Talião. Na antiga Mesopotâmia, Hamurabi provi­
2001; Z. Del Prette & Del Prette, 1999; 2005a).
denciou que as regras previstas em vários casos comuns em que
É importante reconhecer que, para ser considerado social­ ele arbitrava fossem escritas em monólitos (grandes pedras) e
mente competente, o desempenho não precisa ser excepcional, colocadas em locais de visibilidade. Contudo, a reciprocidade
mas sim produzir resultados desejáveis, de acordo com os cri­ negativa dependia das posses e do prestígio, e sua aplicação pe­
térios de Competência Social. Como em muitas tarefas inter­ nalizava as classes desfavorecidas. Esse Código de Hamurabi foi
pessoais nem todos os critérios de Competência Social são al­ popularizado por "olho por olho, dente por dente". Grande par­
cançados simultaneamente, a atribuição de Competência Social te da legislação humana ainda se baseia nesse código e as práti­
a um desempenho pode ser maior ou menor, dependendo da cas educativas familiares e escolares também o utilizam, mesmo
quantidade e diversidade dos critérios atendidos. Essa relativi­ reconhecendo seu fracasso. Na análise do comportamento, essa
dade suscita várias questões: prática cultural, ainda em vigência, seria denominada de "ce­
Qual o critério essencial ou básico de um desempenho rimonial" ( Glenn, 2005), porque beneficia apenas quem tem o
para que seja considerado como socialmente competente? controle da situação.
O indivíduo que não atinge seus objetivos na tarefa inter­ Na análise dos códigos adotados em algumas culturas an­
pessoal poderia ser considerado socialmente competente? tigas, possivelmente em oposição à Lei de Talião, surgiu a cha­
. Se sim, por que um indivíduo com desempenho avaliado mada Lei Áurea. Essa lei aparece em várias culturas (judaica, ·
como socialmente competente não atingiria seu objetivo romana, chinesa, grega), com pequenas variações nos enuncia­
(critério a)? dos, mantendo, contudo, o mesmo significado. Essa proposição

43
42
ficou conhecida como Regra de Ouro. De maneira simplificada Os estudos no campo das Habilidades Sociais têm, em ge­
ela estabelece que o comportamento social de alguém seja orien­ ral, utilizado apenas a dimensão instrumental da Competência
tado por "fazer ao outro o que gostaria que este lhe fizesse': Tal Social, possivelmente porque os critérios para avaliá-la são mais
regra poderia funcionar como um estímulo discriminativo para f facilmente acessados. No entanto, em estudo sobre bullying na
duas ou mais pessoas em interação. Pode-se dizer ainda que, ao escola, Comodo (2016) demonstrou a possibilidade de inves­
iniciar a interação, o indivíduo que pretende se orientar por tal tigar indicadores de Competência Social em vítimas, testemu­
regra faz alguma estimativa do impacto de seu comportamento ; nhas e autores, produzindo resultados que, além de contempla­
sobre os demais, supondo trocas apropriadas que beneficiam rem valores de convivência na educação escolar, sugerem pro­
a todos. Seguir essa norma parece gerar alta probabilidade de cedimentos dentro de alguns dos critérios desse construto.
reciprocidade positiva na interação, porém não quando o bene­ Considerando os crjtérios ass.pciados-à dimensão éti@a�po­
ficiado se orienta por outra regra. A adoção da Regra de Ouro, de-se afirmar�que o desempenho socialmente competente supõe
nas práticas culturais, certamente poderia somar-se às chama­ a possibilidade de escolha entre cursos d�a1;ão. Essa escolha é
das contingências tecnológicas (Glenn, 2005), ou seja, aquelas• baseada na previsão de possíveis consequências, tanto para o in­
que são mantidas pela sua utilidade, em termos de resultados divJduo como para os demais, e tanto imediatas como de médio
que beneficiam o grupo; nesse caso, pelo menos em termos de e lpngo prazo. Essas escolhas requerem aütocontrole associado a
saúde e qualidade de vida do grupo social. um autogerenciamento ético (Skinner, 1972), no sentido de de­
O critério de reciprocidade implícito no conceito de Com-· cisões sobre cursos de ação futura e, portanto, uma análise de
petência Social exclui, portanto, comportamentos que produzem j
possíveis crontingências em vigor (cf. Dittrich, 2010). O autoge­
danos aos demais, enfatizando resultados de curto, médio e lon-: renciamento aqui referido e suas implicações éticas remetem ao
go prazo em termos de bem-estar para o interlocutor e o grupo · conceito de automonitoria, um dos reqtíisitos da Competência
social. Esse tipo de resultado caracteriza o que está aqui deno­ Social, detalhada no próximo capítulo.
minado de valores morais ou éticos de convivência, usualmente I A possibilidade de escolha a partir da análise de contingên­
referidos às noções de justiça, equidade, liberdade, solidariedade, cias contextuais da tarefa interpessoal contribui para responder
bem-estar etc. É com base.. na reGiprocidade positiva da Regra Áu­ às duas questões finais da seção anterior: como e por que um
rea.que.se pode.estabelecer o critério básico ou essencial para um indivíduo com um desempenho socialmente competente nos
desempenho ser considerado como socialmente competente. critérios b, e, d e e pode não atingir seus objetivos pessoais na
interação (critério a). Isso pode ocorrer pelo menos nos casos
Entende-se que, para um desempenho ser considerado socialmente em que:
competente, deve atender à Regra Áurea Fazer ao outro o que gostaria • A tarefa interpessoal envolve conflito entre os objetivos
que lhefizesse, ou, no mínimo, a regra de Nãofazer ao outro o que não dos participantes da interação, como um pedido feito de
gostaria que este lhe fizesse, evitando trocas negativas, maximizando forma competente que é recusado por alguém competente
a probabilidade de equilíbrio de trocas positivas entre os inter­
na habilidade de recusar. Por exemplo: Julia faz um pedi­
locutores e respeitando os direitos interpessoais. Isso significa que
a consecução de objetivos pessoais que implica danos ao outro não do à Marta e tem seu pedido recusado. Para Marta, que .
permite caracterizar um desempenho como socialmente competente. não pretendia atender ao pedido, o sucesso na tarefa im­
plica recusá-lo. Entre duas pessoas geralmente competen-

45
44
tes, a consecução de objetivos conflitantes pode variar em
ganhos e perdas que podem se alternar
função de contingências momentâneas. Porém, quando no tempo. É esse equilíbrio que amplia
os objetivos são complementares, como na interação entre a probabilidade de manutenção dos re­
um comprador e um vendedor de livro, a Competência lacionamentos, como, por exemplo, nas
Social de um pode beneficiar a ambos os interlocutores. trocas afetivas entre familiares, amigos,
• A consecução do objetivo não depende apenas do desem­ cônjuges, colegas de trabalho etc. Exem­

w
penho. P0r exemplo: um excelente desempenho em en­ plificando com a relação conjugal, o ma­
trevista de--emprego em contexto marcado pela recessão rido acompanha a companheira em uma
apresentação esportiva, quando preferia
econômica pode não resultãr na obtenção do emprego.
ficar em casa lendo ou descansando. Ele
• O indivíduo altera seu desempenho de modo a garantir faz isso retribuindo a gentileza dela, que o acompanhou em re­
os demais critérios em lugar de atingir o objetivo inicial,
união comemorativa na empresa onde trabalha.
como forma de minimizar danos e/ou maximizar resul­ Essas concessões caracterizam reciprocidade, no sentido
tados positivos de médio e/ou longo prazo. Por exemplo: antes referido, e requerem autocontrole para renunciar [a] ou
deixar de manifestar discordância a um interlocutor que postergar ganhos imedíatos, prornrando manter�m padrão
demonstra pouco controle emocional. deJ: rocas positivas em médio e longo prazo (Rachlin, 1974).
Em todos os exemplos, obter ou não oS' resultados preten­ Trata-se também da superação do egocentrismo, uma vez que
didos é,um critério objetivo,-mas não"-suficiente, pois deixa de nem sempre é possível manter a intermitência das trocas ao
lado a.análise das contingências da tarefa interpessoal (primeirolongo do tempo. Em& outras palavras, a�trocas r�ramente são
exemplo) e do contexto mais amplo (segundo exemplo), bem imediatas e ceder e mbenefícfo do outro ocorre, ao longo do
como os.resultados para o interlocutor em termos da dimensão tempo, com alternâncias de.custos e benefícios.
ética (último exemplo). Evidentemente, os relacionamentos saudáveis não são for­
mados apenas dessas "pequenas gentilezas", mas também do
exerdcio contínuo de comunicação empática e assertiva. Viven-
Competência Social e reciprocidade nas trocas ., ciar diferentes emoções, como ternura, alegria, gratidão, amor,
amizade etc., faz parte dos relacionamentos duradouros. Por
A adoção da centralidade da Competência Social na análise
outro lado, exercitar a comunicação assertiva constitui a base
dos desempenhos interpessoais requer duas considerações. A
para relações "autênticas", em médio e longo prazo. É ampla-
primeira refere-se à questão do equilíbrio de trocas entre os
mente reconhecido qúe as consequências imediatas da asserti­
interlocutores; a segunda está relacionada à possibilidade de : vidade podem envolver custo -para as pessoas em interação.
objetivos conflitantes em tarefas interpessoais.
Em síntese o equilíbrio de trocas é dinâmico, e não estático,
O descompasso momentâneo nas trocas reforçadoras entre ou seja, não se trata de uma contabilidade contínua e pontual,
os membros da díade ou do grupo não anula a importância do mas de uma avaliação geral e relativizada das trocas que ocor­
equih'brio quando se considera um tempo mais extenso de rela­ rem no tempo. Dependendo de circunstâncias, essa avaliação .
cionamento. Esse equilíbrio não é estático, mas dinâmico, com pode produzir três alternativas mais prováveis:

46 47
(A) Ambas as partes obtêm, simultânea ou alternadamente,i; disfunções orgânicas que poderiam comprometer o desempe-
quantidade similar de benefícios e c ustos. nho interpessoal e de dispor de um bom repertório variado de
eve ser considerados.
(B) Uma das par tes conseg ue maior quantidade de benefí-1 Habilidades Sociais , diversos fatores d �
cios do que a outra, que permanece com maiores custos.' Grosso modo, podem ser arrolados os segumtes:
(C) As duas partes obtêm pouca quantidade de benefícios e • Buscar, em uma tarefa interpessoal, resultados compatí-
maior de custos. veis com os crit érios de Competência Social, especialmen-
A alternativa (A) é certamente a mais desejável, porém, te aqueles associados à dimensão ética .
ocorre com menor frequência. Se a Regra de Ouro fosse apli- • Reconhecer os próprios recursos e limitações, bem como
cada (em lugar da Lei de Talião), provavelmente a alternativa as regras e normas do ambiente social.
(A) ocorreria com maior frequência. A alternativa (B) pode
• Discriminar onde, como, com quem e em que momento
levar ao término do relacionamento, menos provável quando
o desequilíbrio é temporário ou motivado por acontecimentos responder a determinadas demandas de interação.
inevitáveis , como doença prolongada de um dos membros da • Articular habilidades em desempenhos mais complexos ,
díade, perda de parentes, desemprego e tc. A alternat iva (C) pa­ monitorando "passo a passo" o próprio desempenho.
rece prognosticar uma sobrevida mínima do relacionamento, Esses itens apontam para outros requisitos da Competência
salvo exceções como, por exemplo, da pessoa que tem uma vida;
Social que reforçam sua diferenciação em relação ao conceito de
de renúncia e aceita isso como uma espécie de destino.
Habilidades Sociais . Assim, considerando os conceitos já apre­
As dimensões instrumental e ética podem ser conflitantes,,
sentados, pode- se propor um esquema didático das relações en­
especialmente em tarefas interpessoais que caracterizam de-;
tre a Competência Social e seus requisitos, com destaque para
mandas p ara habilidades assertivas. Em tais casos , desempe­
ais, mas incluindo os demais antes referidos.
nhos sociais menos elaborados (passividade, esquiva etc.) po­ as Habilidades Soci
a 2.1.
dem ocorrer, não devido a deficits de Habilidades Sociais , mas: Esse esquema é apresentado na Figur
em função da avaliação do indivíduo sobre as consequências.
negativas prováveis para o outro, imediatas ou de médio e longo e
prazo. Esse é o caso, já ex emplificado, da pessoa que omite sua N Valores de o
T
opinião contrária a um posicionamento de outra, por perceber M S
T E
que aquela está fragilizada emocionalmente e que isso poderia A p o
R E C
causar-lhe ainda mais desconforto naquele momento (aplicação R P � HABILIDADE Automonitoria
SOCIAIS T I

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da Regra de Ouro). E E I
Ê A
F S

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A S Conhecimento
o Autoconhecimento
Requisitos da Competênci a Social A
L
As Habilidades Sociais constituem condição necessária, mas
não suficiente para a Competência Social. Cabe então questionar: Figura 2.1. Ilustração esquemática dos requisitos da Competência Social.
Quais seriam essas outras condições? Para além das eventuais

49
48
Conforme o esquema, para um desempenho socialmente outras palavras, são as contingências do ambiente social que vão
competente em uma dada tarefa interpessoal o indivíduo preci­ determinar o que funciona ou não naquele ambiente (seleção
sa dispor de quatro requisitos: (a) um repertório de Habilidades por contingências).
Sociais pertinentes a essa tarefa; (b) compromisso com valore De modo bastante simplificado, a variabilidade compor­
de convivência compatíveis com a dimensão ética da Compe­ tamental refere-se à diversidade de alternativas de que o in­
tência Social; (c) automonitoria do desempenho na interaçã-0· divíduo dispõe para lidar com as situações. Entretanto, é um
(d) auto conhecimento de recursos e limitações associado ao..
equívoco pensar que as consequências positivas produzem a
conhecimento das normas e regras do ambiente social em que
estereotipia do comportamento. Estudos sobre variabilidade
se encontra.
(Hunziker & Moreno, 2000; Rangel, 201 O) mostram que não é
Defende-se que a promoção desses requisitos é important�
o reforçamento que produz a estereotipia, mas as característi­
em qualquer programa de Treinamento de Habilidades Sociais
cas das contingências em que este ocorre. Em outras palavras, a
que pretenda resultados coerentes com o conceito de Compe·
r.epetição (estereotipia) pode ser bem-sucedida se as contingên­
tência Social. Cada um desses requisitos é tratado brevemente e
em separado nas seções seguintes, mas todos devem ser promo· cias da situação ou tarefa interpessoal exigem-na (por exemplo,
vidos de forma integrada ao longo de um programa. responder um cumprimento, parabenizar um conhecido pelo
aniversário etc.). Ainda que a repetitividade seja bem-sucedida,
seus limites devem ser considerados, pois; em excesso, pode ser
Habilidades Sociais e variabilidade comportamental disfuncional e fazer parte de indicadores de transtornos como
a Síndrome de Asperger e Transtorno Obsessivo Compulsivo.
Em geral, em grande parte das atividades rotineiras, in­
cluindo as de natureza social, as pessoas tendem a repetir os Os casos de depressão e timidez, geralmente indicados para o
comportamentos bem-sucedidos. O mesmo pode não ocorrer THS, também requerem ênfase na variabilidade no repertório
para tarefas interpessoais novas e de maior complexidade. .Po­ de Habilidades Sociais.
de-se dizer que, nas tarefas "usuais': a variabilidade requerida t Pr:omover a variabilidade significa ajudar o cliente a apren­
mínima e possivelmente desnecessária, uma vez que um padrão der alternativas de Habilidades Sociais para atender às tarefas
estereotipado obtém os resultados esperados. interpessoais relevantes de sua vida. Essa variabilidade pode ser
Na interação com pessoas, também é possível que parte concebida entre e intraclasse, como mostra a Figura 2.2.

</�
das tarefas interpessoais seja relativamente automatizada (pe­

dir uma informação, responder a um cumprimento, atender a Diversidade de classes de
um chamado etc.). No entan­ habilidades sociais
Desempenhos sociais repe­ to, quando o padrão deixa de Variabilidade no ,
titivos e ritualísticos podem desempenho ,
funcionar, ou seja, de gerar as Diversidade de alternativas dentro
dificultar ou mesmo impedir consequências esperadas, ou de uma mesma classe de
µma interação bem-sucedi­ habilidades sociais
quando estamos diante de de­ J
da quando a situação requer
variabilidade. mandas novas, a variabilidade Figura 2.2. Variabilidade comportamental em programas de THS.
passa a ser fundamental. Em

50 51
C onforme ilustrado na Figura 2.2, a variabilidade p ode ser dificilmente ocorre se m exp osiçã o direta a situações e tarefas,
promovida tanto em termos da diversidade de classes de Habili- bem como às consequências de diferentes alternativas p ara lidar
dades Sociais no repertório do indivíduo (p or exemplo: asserti· com elas. Nesse caso, procedimentos instrucionais dificilmente
vas, empáticas, de trabalho etc.) como na diversida de de alterna- contemplam todas a s nuanças das c ontingências que sinalizam
tivas (subclasses, top ografias) para o desempenho de uma mes· alternativas p ertinentes de desemp enho.
ma classe (p or exemplo: as diferentes formas de dem onstrar afe- Exemplificand o: após vários desemp enhos bem-sucedidos
to ou assertividade). Em amb os os cas os é importante privilegi ar seguindo instruçõ es, o cliente se dep ara c om mudanças na de­
as que sã o deficitárias e críticas em suas tarefas i nterp ess oais. manda antecedente, as quais requerem desemp enhos que ele
tem dificuldade de discriminar. Suas alternativas são: (a) man-
ter o mesmo p a drão de desemp enho; (b) deixar de resp onder
Variabilidade é mais do que diversidade de alternativas: ela implica
aprendizagem prévia para discriminar contingências da tarefa, esco­ à situação fugind o ou se e squ ivand o de algum mo do. N esse
lher, testar e avaliar alternativas potencialmente efetivas para lidar e em outros cas o s, a instrução, isola damente, s em um treino
com as demandas das tarefas interpessoais. de discriminaçã o, p ode nã o surtir o s ef eito s desejado s e ou­
···-···-············-··· tro s procedimentos p oder iam ser mais ef etivos, tais como:
(a) ensaiar resp osta s vari adas em algumas situaçõ es e manter
A variabilidade na top ografi a p ode m ostrar.se fuacional padrã o rep etitivo em outras; (b) treinar a obser vação de c onse­
p ara determinadas demandas. P or outro lad o, em situa çõ es que quências ne gativa s obtida s p or a lguém (p ers onagem de fil­
se repetem, variações na top ografi a d o desempenho p odem ge­ me) que m antém resp o sta in alt erada (s em va ri a çã o) quando
rar m elhores resultad os. P or exempl o : p�quena s alteraçõ es no a situa çã o exige alteração .
tom da voz p odem caracterizar resp ostas funci onalmente di­
ferentes, alterando a efetividade do desemp enho. C onsidere as Em resumo, entende-se que, p ara ser efetivo, ,..um programa
p ossíveis diferenças entre esses dois p edidos: (a) Faz isso para de J'HS'lfoca d& na C omp et'ência Sociãl êleve promove r'â' varia­
mimf.. (Tom de.. ordem); (b) Eaz isso para mim? (Entonaçã o de bilidade, e não meramente o treino p adroniza do de classes de
p edido). Elas mostram diferenças entre ord enar e p edir, suge­ Habilidades Sociais. Essa variabilidade deve estar:t.vinculada à
rir e impor, p odendo ter diferentes impactos sobre a reação do análise..de contingência s ambientais e ao aprimoramento da
interlocutor. C ontud o, em algumas situações, nã o é suficiente discriminação e sensibilidade d o cliente a c ontingências do am
alterar ap enas a top ografi a; é imp ortante discrim inar as deman­ biente e da..oultura.
das da situaçã o e alterar a classe d e Habilidad es S ociais em cur­
s o ou prevista para lidar c om ela s.
A variabilida de é c ondição básica para o ajuste d o próprio Automonitoria
desempenho aos objetivos e demandas d e tarefas interpessoais Na Psicologia existem várias defi nições p ara o termo auto­
esp ecíficas, e também p ara a adaptaçã o a mudanças d e um
monitoria. Para D owd e Tierney (2005), p or exemplo, automo­
sistema s ocial para o utro. P or exemplo: a entrada na escola , a
nitoria significa "estar ciente do que está�fazend o". Essa noção e
participação no mundo adulto, o início em novo emprego etc.
implica lidar com contingências novas, desconhecidas ou ins­ outros elementos e stão presente s na definiçã o elab orada ante­
táveis. A aprendiza gem de discrimina çã o das c onti ngências riormente p elos autores.

52 53
Um exemplo bastante comum de automonitoramento
Automonitoria (ou automonitoramento) é uma habilidade meta­
cognitiva e comportamental pela qual a pessoa observa, descreve, in­
ocorre em unidades de saúde. O atendente, percebendo que
terpreta e regula seus pensamentos, sentimentos e comportamentos o cliente tem dificuldade de ouvi-lo, fala um pouco mais alto
em situações sociais. e observa o resultado. Se o cliente sinaliza que está ouvindo,
(A. Del Prette & Del Prette, 2001, p. 62) o atendente-mantém seu volume de voz; caso contrário, vai
ajustando e verificando o efeito, até constatar que o cliente de­
monstra ouvi-lo.
Com base nesse conceito e na literatura sobre automoní
A automonitoria pode ser aprendida inicialmente em situa­
toria, Dias, Casali, Del Prette e Del Prette (n.d.) especificam
os componentes compoi;.tamentais envolvidos no processo d ções mais fáceis e gradativamente mais difíceis. A auto-obser­
monitorar o próprio desempenho em tarefas interpessoais. Es vação constitui condição indispensável para isso e implica a ca­
análise resultou em uma lista de comportamentos (abertos e en· pacidade de relatar os próprios comportamentos, pensamentos
cobertos) que poderiam ser considerados como componente! e sentimentos. Essa capacidade está relacionada às bases iniciais
da automonitoria, dentre os quais se destacam: do autoconhecimento. Em certo sentido, pode-se conceber au­
• Reconhecer os próprios comportamentos privados (cren­ toconhecimento sem automonitoria, contudo, a automonitoria
ças, sentimentos, autoeficácia etc.) em uma situação dt inclui o autoconhecimento, na medida em que, durante uma
interação. interação em curso, para alterar o próprio comportamento em
direção mais efetiva, é preciso discriminar os próprios recursos
• Identificar possíveis alternativas de desempenho durant?
e as contingências ambientais associadas a diferentes alternati­
uma interação.
vas possíveis.
• Antever consequência�prováveis de diferentes alternati·
vas de resposta. Pais e professores de
crianças, desde tenra ida -
• Escolher desempenhos considerando as alternativas de de, solicitam relatos de
que dispõe e suas possíveis consequências. comportamentos e contin­
• Regular a topografia do desempenho em situação d1 gências como forma de ava­
interação. liarem se as crianças ainda
• Exercer-autocontrole no sentido de apresentar determina'. requerem maior supervisão.
dos desempenhos e.evitar outros, com base na avaliação Esse procedimento, mes-
das prováveis consequências. mo que não intencional, é 1 \:
condição para a aprendi-
zagem inicial de automo-
Em resumo, automonitorar o desempenho significa observar
os próprios comportamentos, inibir reações impulsivas, pre­ nitoria. A criança aprende que seus comportamentos produ­
ver os impactos de diferentes reações e alterar o desempenho zem consequências e que, se fossem outros, provavelmente as
durante a interação, de modo a contemplar os critérios de Compe­ consequências poderiam também ser diferentes. Por exemplo:·
tência Social. a criança retorna da casa do amigo e a mãe pergunta: "Quem

54 55
estava na casa do Arthur? Do que vocês brincaram? Paula a dei positivas somente em médio ou longo prazo. Um bom exem­
xou andar na bicicleta dela? Quando ela caiu O que você fez?" plo é a pessoa reagir agressivamente a uma provocação (res-
posta imediata e mais provável, mas com consequências geral­
mente indesejáveis) versus sair da situação, ou ainda, acalmar
A11to111011itoría e sensibilidade a co11tingê11cias
o outro e pedir que altere seu comportamento para resolverem
1 SENSIBILIDADE
A automonitoria é um juntos o problema.
1 PRESENTE
VARIABILIDADE Desde os primeiros meses de vida, os pais procuram ensi­
classedecomportamento im
AUTOMONITORIA

AUTOMATISMOS
portante para lidar com ta nar o autocontrole aos seus.filhos. Mesmo que não seja propria­
AUSENTE
ESTEREOTIPIA
refas interpessoais, especial, mente uma classe de habilidade social, o autocontrole'pode ser
mente as mais complexas. considerado""'uma condição básica para a aprendizagem de um
Sua ausência em algumas tarefas interpessoais pode fortalecer conjunto de HabiHdades Sociais, entre as quais ait assertividade,
estereotipias que comprometem o desempenho socialmentt a empatia, o manejo de críticas e a solução de problemas inter­
competente. Por outro lado, a automonitoria depende, em pri; pessoais. Algumas dificuldades de autõ"controle estãõãssocia­
meira instância, da sensibilidade às contingências do ambiente. das a comportamentos concorrentes, como a explosão de raiva,
ou seja, de discriminá-las e de reagir a elas. Isso ocorre por· o mentir compulsivo e o envolver'" se em intrigas.
que, mesmo que a pessoa disponha de um repertório elabora" Algumas vezes, a promoção da automonitoria reqlier um
do de alternativas prováveis de serem bem--sucedidas, são as treino _ de autocontrole. Estratégia-S para isso podem incluir
contingências do ambiente natural que irão selecionar as mais tarefas de.: (oa) identificar situac;iõ�s mais freqtlentes em que
funcionais para determinadas situações e contextos. Ac.ruto· ocorrem respostas "impNlsivas" e-as consequências verifica­
monitoria implica, portanto, sensibilidade e análise dastí:un­ das; (b) identificar situações em que exerceu o autoco.n..trole
tingências da ta'fefa�nterpessoal, bem como autocontrole para (mesmo qfil com dificuldade) e-'"as consequências (positivas e
inibir reaçoes impulsivas e escolher as melhoresãlternativas de negativas) veroificadas; (c) registrar- aeontecimentos e pessoas
desempenho, conforme referido a seguir. diante das quais ocorreu ou não ocorreu o autocontrole. Pode­
se também induir o t<I"eino de relaxar em situações que induzem
/wtomo11itorio e a11toco11trole reações emocionais "negativas", cultivar emoções "positivas"
em relação a determinadas pessoas etc.
A automonitoria envolve processos de regulaçãÕê de.:isão
que reqlierem autocontrole. Aplicando o conceito de autocon­ O treino de autocontrole deve ser iniciado com tarefas de
trole de Rachlin ("1974) ao desempenho socialmente""t;Ompe­ casa mais fáceis para o cliente e eventualmente com treino no
tente, pode-se dizer que o autocontrole consiste na inibição do contexto da sessão. Por exemplo: para começar, o terapeuta
desempenho de respostas impulsivas mais prováveis, porém, pode criar uma situação em que o cliente deve ouvir críticas
com consequências imediatas que comprometem a Competên· injustas e não dizer nada, ou deixar de emitir opinião sobre um
eia Social, ou ainda, recorrendo-se ao famoso "experimento do assunto de seu interesse em uma conversação. Nessas situa­
marshmallow" (Mischel, 1958), como a capacidade destolerar ções, pode-se também treinar a habilidade de ouvir atentiva­
atraso de gratificação, substituindo respostas que gerariam con­ mente, olhar, manter contato visual, esperando o interlocutor
sequências positivas imediatas por outras com conseqti�ncias

57
56
encerrar a fala para, somente então, fazer perguntas ou co Talvez a maior tragédia do mundo atual seja a baixa
mentários pertinentes. capacidade que temos, os seres humanos, de pre­
ver as consequências do que fazemos para além de
nosso futuro individual e imediato. O surgimen­
to das qualidades que chamamos genericamente
de consideração e respeito pelo outro depende
A automonitoria implica a escolha entre alternativas dt em grande medida da visibilidade que temos so­
desempenho. Por isso ela pode ser relacionada tanto à dimefr bre as consequências de nossos atos não apenas
são instrumental como à dimensão ética da Competência So­ para nós, mas para outras pessoas. Nessa medida,
cial. Em termos instrumentais, é relativamente simples enten: a análise de consequências pode ser, inclusive, um
recurso educativo.
der como a observação, a previsão de consequências imedia
tas para o indivíduo e a regulação do próprio comportamenti A Teoria Social-cognitiva (Bandura, 1986; 2008) também
contribuem para o indivíduo obter resultados desejáveis. ' utiliza o conceito de automonitoria. Nela, verifica-se uma ênfase
questão é mais complexa no caso da dimensão ética, uma vez em conceber o indivíduo como "agêncià: dotado de um autos­
que envolve escolhas baseadas na previsão de resultados d sistema de processos que exercem função autorneguladora sobre
médio e longo prazo para si, para o outro, para a relação e para seus pensamentos, sentimentos e comportamentos (Polydoro &
o grupo social. Azzi, 2008). A autorregulação é caracterizada por processos que
podem ser relacionados aos componentes da automonitoria. Em
Alguns estudos têm focalizaclo a relação entre o"rcampo dai
relação às ações morais, a autorregulação ativaria seletivamente
Habilidades Sociais e a dimensão ética da Competência"Sodal
mecanismos inibitórios de autocensura, restringindo condutas
sob as abordagens que mais têm contribuído na sua consoH· socialmente reprováveis, bem como mecanismos de desengaja­
dação: a.Análise.do Comportamento (Bolsoni-Silva & Carrara, mento moral que gerariam justificativas para a adesão a condu­
2010; Z. Del Prette & Del Prette, 2010; Gresham, 2009) e a Teo­ tas reprováveis pela cultura (Azzi, 2011; Bandura, 2008). Segun­
ria Social.Cognitiva de Bandura ( Oláz, Medrano, & Cabanillas, do Bandura (2008), qualquer pessoa está sujeita ao processo de
2011; Rios-Saldafta, Del Prette & Del Prette, 2002). desengajamento moral, que pode ser minimizado pelo desenvol­
Na abordagem da Análise do Comportamento, as escolhas vimento e compromisso com padrões éticos.
que uma pessoa faz e as decisões que toma - e que afetam as de:
mais - são referidas a um processo de autogerenciamento ético (lfonhecimentc e am:oconheci:T".2i:ito
(Skinner, 1972). Esse processo implica comportar-se com base
em consequências de médio e longo prazo que podem ser pre­ Para um desempenho socialmente competente é imprescin­
vistas. Requer, portanto, aprendizagem de estimar consequên­ dível dispor de conhecimentos (informações) sobre: (a) si mes­
cias como base para decisões coerentes com a dimensão ética da mo, (b) o outro, (c) o contexto em que as tarefas interpessoais
ocorrem. O primeiro pode ser referido como autoconhecimento..
Competência Social. Alguns desafios desse processo são pon­
Os outros dois constituem o que está sendo denominado aqui de
tuados por Dittrich (2010, p. 53):
conhecimento sobre o ambiente. Esses conhecimentos podem

58 59
ser veiculados pela linguagem (relato, explicações, descriçõe�·. Autoconhecimento
formulação de hipóteses, conceitos e teorias) e/ou inferidos , O autoconhecimento"'Pode ser cone2ebido como a capaci­
partir da descrição das tarefas interpessoais, suas demandas i dade de observar/d�screver•os próprios comportamentos e de
seus contextos. explicáJos em termos de possíveis variáveis associadas (Skin­
ner, 1974). Esse autoc@nhecimento_.não)nclui apenas o que é
Conhecimento sobre o ambiente publicamente acessível aos demais, mas também o que é-priva­
do, encoberto, pouco ou nada acessível aos demais. É o caso de
Enquanto requisito da Competência Social, o termo "co­ crenças, @onhecimentos, sentimentos, expectativas, autorregras
nhecimento" está sendo tomado em seu sentido genérico de etc. que�na abordagem sociocognitivista de Bandura (1986;
acesso a informações sobre alguns aspectos relevantes do am­ 2008), fazem parte do "autossistemà' do indivídüo, entendido
biente social, tais como: demandas próprias da situação, ele­ enquanto agência.
mentos da subcultura, como regras e contingências, compor­ O autoconhecimento é um O autoconhecimento está re-
tamentos convergentes e divergentes das normas culturais etc. requisito importante para a !acionado à automonito­
Entende-se que a pliobabilidade de.conten;iplar os critér-iios da automonitoria enquanto pro­ ria, mas não se confunde
C@mpetência Social aumenta com o conhecimento wbre a1 cesso que ocorre durante um com ela.
guns aspectos do ambiente social que�ão r_ele-yant�s para um desempenho interpessoal. Por
desempenho bem-sucedido. Esse conhecimento, derivado de isso, esses dois processos podem ser promovidos de forma ar­
informações prévias ou de'"observação imediata e acurada, per­ ticulada. É--amplamente .reconhecido na.Psicologia que o au­
mite descrever, explicar e, emi:alguma medida, prever os com· toconhecimento tem origem social, mais particularmente nas
portamentos das pessoas. interações sociais. Ele vai sendo construído e ampliado à me­
O conhecimento relevante para um desempenho social­ dida que o individuo observa e.descre:ve seus compo.rtamentos,
mente competente pode..,ser resumido em pelos menos dois pensamentos e sentimentos, as condições em que ocorrem e
as consequências que geram. Ele inclui também�s informações
conjuntos de informações:
sobre recursos pessoais-(por exemplo, capacidade de autocontrole,
• Sobre a ê-ultura: as normas e regras que regulam e defi­ de observar, de se expressar etc.), externos
nem os comportamentos sociais esperados, valorizados, (por exemplo, percepção de apoio familiar,
aceitos ou reprovados para diferentes situações e tarefas da comunidade etc.)... e dificuldades pes­
interpessoais. soais (deficits, ansiedade, falha em discri­
• Sobre o(s) interlocutor(es): comportamentos sociais pro­ minação etc.).
váveis, objetivos, sentimentos, valores de convivência. Por que é tão importante o autoco­
Muitos..defiGits de Habilidades Sociais e falhas na Compe­ nhecimento na perspeotiva da Compe­
tência Social�podem ocorrer em função do desconhecimento tência Social? Pode-se afirmar que ele é
dos comportamentos tolerados, valorizados e,, reprovados, ou a base�para pr,evisão e controle dos pró�
seja, a pessoa não sabe o que deve fazer nem as possíveis conse­ O ª prios comportamentos em interações
IJtoC?� hecimento pode no mundo social. Quando o indivíduo
quências de diferentes alternativas de desempenho. faalitar escolhas

60 61
é capaz de descrever e explicar seus próprios comportamen­ Não obstante as diferenças entre os grupos e subculturas,
tos, em termos das contingências a eles associadas (Skinner, é importante reconhecer valores de convivência em associação
1974), estabelece condições para prevê-los e regulá-los. Esse c'om noções de direitos humanos, justiça, equidade, liberdade,
autoconhecimento pode facilitar a escolha de cursos de ação dignidade, compaixão etc. Esses valores de convivência estão
em uma interação social. Por isso, os programas de THS de­ implícitos na dimensão ética de Competência Social e, por isso,
vem prover condições para suprir gradualmente as falhas de incluídos em programas de THS.
autoconhecimento.

Ética e valores de convivência


Como já referido, o caráter avaliativo da Competência So­
Os conceitos de ética e de valores de convivência são com­ cial não se restringe a somente um dos polos da interação e nem
plexos e remetem necessariamente a diferentes abordagens fi­ somente a díades envolvidas em determinada tarefa social, pois
losóficas e psicológicas. Não é objetivo realizar aqui um apro­ inclui também o grupo social. A avaliação aplicada a um úni­
fundamento sobre os aspectos teóricos desses termos, mas to­ co indivíduo da int�ração limita o constructo da Competência
má-los em seu sentido restrito e relacioná-los aos critérios de Social a ganhos imediatos e somente .apara este indivíduo, em
Competência Social. termos de consecução dos objetivos e autoestima. Nesse sen­
Em qualquer sociedade, provavelmente sem exceção, os in­ tido limitado, desempenhos de coerção, sedução, engano etc.
divíduos são orientados quanto a normas e regras sobre padrões poderiam ser considerados socialmente competentes. Como já
de conduta tolerados, aprovados ou valorizados para diferentes visto, esses desempenhos não podem ser assim considerados,
situações e tarefas interpessoais. Uma das mais antigas prescri­ por não atenderem à dimensão ética da Competência Social.
ções de conduta valorizada até os dias atuais é a chamada Regra Essa compreensão limitada de Competência'Social, bem como
Áurea, já antes referida. o foco apenas em Habilidades Sociais poderiam estar na base
de dados contraditórios produzidos por estudos sobre relações
interpessoais problemáticas.
Os critérios de funcionalidade propostos por Linehan
(1984) já ampliavam o foco do indivíduo para os dois parti­
cipantes da interação: além de atingir objetivos imediatos e de
manter/melhorar a autoestima, o desempenho deveria contri­
buir.para manter ou melhorar a qualidade da relação, o que
incl.ui,necessariamente os dois polos da interação. Os demais
critérios propostos neste manual, especialmente os da dimen­
são ética, reforçam a perspectiva do outro e do grupo social. No
caso do bullying, a dimensão ética implica considerar também
os critérios de equilíbrio de poder e de respeito aos direitos in-·
terpessoais nas relações ( cf. Z. Del Prette & Del Prette, 1999;
A. Del Prette & Del Prette, 2001).

62 63
Pode-se, portanto, entender os valores de convivência como
to que fere essas garantias
resultados ou consequências de padrões comportamentais que
combinam o que é bom para a pessoa, para o outro e para a institucionais pode ser ob­
cultura (Dittrich & Abib, 2004). Nessas condições, programas jeto de ação jurídica. Con­
de THS têm sido incluídos entre as práticas culturais consagra­ siderando os critérios da
das como "bens da cultura': aplicadas ao comportamento social Competência Social, esse
(Carrara, Silva & Verdu, 2006). D
...
-e
princípio estende e amplia
a noção de direitos estabe­
g_
Quais são os valores de com'i\'ência perti11e11tes à Competên­ lecida na Declaração Uni­
cia Social? versal dos Direitos Humanos (da qual o Brasil é um dos signatá­
Essa questão é difícil de responder, especialmente em ter­ rios) para o contexto micro das relações interpessoais. Trata-se
mos normativos gerais, uma vez que cada agrupamento social de valores de convivência decorrentes do respeito à vida, à dig­
constrói valores específicos que norteiam determinados pa­ nidade, à livre-expressão, explicitamente presentes no discurso
drões de comportamentos sociais. Entende-se que, neste início e nas normas éticas da maioria das sociedades ocidentais.
do século XXI, ainda há muito o que se discutir sobre os valores O respeito e a adesão a direitos não podem, portanto, ser
de convivência - em particular aqueles relacionados à dimensão esquecidos ou negligenciados nas relações interpessoais. Po­
ética da Competência Social. Mesmo assim, a tarefa de identi­ de-se destacar entre eles:
ficar valores de convivência assumidos nos processos terapêu­ • Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e
ticos em geral - e nos programas de THS em particular - deve em direitos e devem ser tratadas e tratar aos demais com
fazer parte da atuação profissional socialmente relevante. espírito de fraternidade.
O princípio do equilíbrio de poder • Todos têm direito à liberdade de opinião e expressão.
coloca em foco o valor da reciprocidade • Todos têm direito à liberdade de pensamento, consciência
de trocas, com ênfase na premissa "ga­ e religião, podendo mudar de crenças e divulgá-las desde
nha-ganha'' entre as pessoas em intera­ que respeitados os mesmos direitos aos demais.
ção. Na perspectiva aqui apresentada, • Pessoas em desvantagem socioeconômica, física e/ou men­
entende-se que esse equilíbrio é dinâ­ tal, seja qual for a origem da desvantagem, devem ser am­
mico ao longo do tempo, incluindo de- paradas pela família e/ou pelo Estado, de modo a terem
fasagens pontuais e temporárias, porém, oportunidade para usufruir tanto quanto possível de uma
com saldo relativamente equitativo, em médio e longo prazo, de vida digna.
benefícios e custos entre as partes que interagem. Em resumo, os dois princípios gerais destacados - direi­
O princípio dos direitos humanos supõe garantias presentes tos humanos e equilíbrio de poder - trazem para o contexto
na constituição de um país, normatizando valores de dignidade, de programas de THS a perspectiva do interlocutor e do grupo
social, que não estão sob a intervenção direta. Tais princípios
igualdade, liberdade de expressão etc. Qualquer comportamen-
devem nortear, em primeiro lugar, a atuação do terapeuta ou

64
65
n
)ll
a; 3.
ISc
0-
ã�
TAREFAS INTERPESSOAIS E PRÁTICAS
O! CULTURAIS

)li Não considere nenhuma prática imutável. Mude
1
m e esteja pronto a mudar novamente. Não aceite
Dí verdades eternas. Experimente!
a·. B. F. Skinner
F<
s.
Habilidades Sociais�e Competência Social não são traços
intrínsecos ao indivíduo, mas conceitos que remetem, respec­
tivamente, a classes e subclasses de Habilidades Sociais e à ava­
liação do desempenho interpessoal segundo alguns critérios.
A avaliação é realizada por meio de observação e/ou descrição
dos desempenhos, considerando características do ambiente
imediato, da situação e da cultura. Tal desempenho deve ser,
portanto, contextualizado para uma descrição mais pertinente
e uma avaliação mais precisa. Essa contextualização remete a
outros conceitos importantes e relacionados entre si, destacan­
do-se aqui os de tarefa social, papéis sociais e práticas culturais.
Por outro lado, a contextualização do desempenho em tarefas e
papéis sociais é indispensável para identificar deficits relevantes
que deveriam nortear programas de intervenção.

O conceito de tarefa interpessoal


n Conforme McFall (1982), tarefa social é um segmento de
interação identificável em uma cultura em resposta à pergunta
sobre pessoas interagindo: O que eles/as estãofazendo? Toda inte­ No cotidiano, cada pessoa se depara com uma diversidade
ração social pode, portanto, ser entendida como uma sequência de tarefas interpessoais. Cada uma delas pode requerer dife.­
de trocas comportamentais, na qual os envolvidos desempenham rentes classes de Habilidades Sociais e diferentes combinações
uma ou mais tarefas sociais. dessas eelasses. Nesse sentido, a noção de tarefa interpessoal tem
O conceito de tarefa interpessoal adotado neste livro é se­ relação com a de Habilidades Sociais, mas não se confunde com
melhante ao de McFall (1982) para tarefa social. Entretanto, a ela. Uma tarefa interpessoal refere-se a uma sequência intera­
substituição do termo "social" por "interpessoal" se justifica tiva entre pessoas, identificável em uma situação e cultura em
porque a avaliação de Competência Social incide não apenas termos de começo, meio e fim. A noção de Habilidades Sociais é
sobre o desempenho de um dos interlocutores, mas sobre o das descritiva dos desempenhos, referindo-se aos comportamentos
duas ou mais pessoas em interação. de cada indivíduo que podem ser classific�dos como tais, con­
A noção de tarefa interpessoal facilita identificar as deman­ forme definido no capítulo 1.
das para a descrição do desempenho (se composto ou não por A noção de tarefa interpessoal é indispensável para a análise
Habilidades Sociais), bem como os resultados desse desem­ e identificação dos deficits e recursos do cliente em Habilidades
Sociais e nos demais requisitos da Competência Social. Os de­


penho (se caracterizam ou não Competência Social). McFall
(1982) considera que as tarefas sociais3 podem ser hierarqui­ ficits e recursos relevantes dependem das tarefas interpessoais
camente organizadas, ou relevantes do cotidiano do cliente, associadas aos papéis que

ta
1 este assume, e cujo exercício pode requerer Habilidades Sociais
seja, uma tarefa mais am­
pla pode ser decomposta específicas, conforme detalhado a seguir.
em tarefas menores. Por
exemplo: a tarefa de encon­
Habilidades Sociais e papéis sociais
trar um companheiro afeti­
vo pode ser dividida em As Habilidades Sociais descritas no Portfólio (capítulo 1)
unidades menores como: podem ser organizadas em função dos papéis sociais que as
fazer contatos iniciais, mar­ pessoas assumem ao longo da vida. Papéis sociais são cultural'
car eljcontros, ineentivar o mente determinados e envolvem padrões de �omportamentos
inte,resse do outro, aumentar a intimidade etc. No sentido inver­ esperados pelo grupo social (ou autoatribuídos) no exernício de
so, de composição de um�atividade, quando por exemplo um determinadas fünções em cmntextos e atividades específicas. AI-·
terapeuta pergunta-ao seu cliente...cmno foi a interação com o guns papéis sociais são complementares �por exemplo, esposo­
filho, essa pergunta faz..parte da tarefa interp�ssoal profissional -esposa, pai-filho, professor�aluno etc.) e, portanto, referem-se
do terapeuta de fazer sondagem em situação de atendimento. E a padrões de relacionamento entre os pares envolvidos.
essa sondagem pode ser um componente das tarefas interpes­
O desempenho competente em determinados papéis so­
soais de atendimento clínico.
ciais pode ser fundamental para a realização e o bem-estar dos
envolvidos nas tarefas interpessoais. Dificuldades ou busca de
aperfeiçoamento no exercício desses papéis implicam, geral­
3. Também referidas como tarefas interpessoais, conforme justificado. mente, identificar classes e subclasses de Habilidades Sociais

68 69
que os caracterizam ou que possam melhor qualificá-los. Na do; dar sugestões sobre assuntos de aula; pedir/empres­
maioria das sociedades, tanto nas relações entre países como tar material, organizar/participar de atividades extraclasse
nas interações entre grupos e indivíduos, as tarefas interpes­ (esportes, visitas a museu, teatro etc.).
soais são definidas nessa perspectiva. Considerando as pesquisas
e elaborações conceituais e empíricas já conduzidas em nosso • HS EducatiYãs· (prófessor.es). Planejar, estruturar e apre­
4
país pode-se arrolar um conjunto de Habilidades Sociais (HS) sentar atividade interativa (expor objetivos e metas para
pertinentes a diversos papéis: atividades, selecionar e disponibilizar materiais, expor
conteúdos); conduzir atividade interativa (expor, explicar
• HS· .Conjugais. Expressar sentimentos positivos e empa­
e avaliar de forma dialogada); avaliar atividade e desem­
tia (compreensão, sentimentos, desejos e opiniões positi­
penhos específicos (pedir e dar feedback, individualmente
vas, elogiar, agradecer); expressar assertividade (afirmar
preferências, sentimentos e opiniões, defender o respeito e à classe, aprovar, elogiar comportamentos, corrigir de
à própria individualidade, fazer pedidos, cobrar acordos, forma não punitiva, discordar, corrigir de forma constru­
pedir esclarecimento, discordar, pedir mudança de com­ tiva); cultivar afetividade e participação dos alunos, de­
portamento); manter autocontrole diante de situações· monstrar apoio, bom humor, atender a pedidos para con­
potencialmente estressantes (como críticas e chistes feitos versa em particular, incentivar e mediar a participação de
pelo cônjuge, estados emocionais alterados e problemas outros (pais, por exemplo) nas atividades com os alunos.
diversos); perceber alterações ou dificuldades emocionais • HS Profis·sionáis·; Envolve várias das classes anteriores,
do cônjuge, acalmá-lo e acalmar-se. mas também outras mais pontuais, tais como: expor planos
• HSI 1E"'ducativas·'�). Expressar carinho com os filhos, e política organizacional, organizar e conduzir reuniões,
observar e identificar sentimentos e comportamentos dos sugerir projetos, atribuir e cobrar tarefas, fazer entrevistas,
filhos, dialogar, apresentar e/ou sugerir atividades, estabe­ organizar e apresentar resultados, ouvir sugestões, lidar
lecer e liberar consequências, propor problemas e jogos, com queixas, orientar clientes, definir problema, orientar
encorajar, orientar tarefas escolares, incentivar leitura e colegas e funcionários, encaminhar solução de problemas,
reflexões, avaliar/questionar desempenho, mediar intera­ estabelecer e comunicar regras, atender/recusar pedidos.
ção dos filhos com outras pessoas, incentivar feedback e • HS de cuidaaores (de·idosos. de doentes),. Envolve várias
gentilezas do filho em relação a outros, discutir valores, das Habilidades Sociais educativas já referidas, mas tam­
normas e critérios de convivência, incentivar a autonomia, bém outras, de manejo de comportamentos socialmente
a reciprocidade e empatia dos filhos. inapropriados ou autolesivos, de resistência à medicação,
• H-S- Acadêmicas ( estudante')'. Prestar atenção à fala do de autocontrole de estresse, de apoio emocional etc.
professor; fazer e responder perguntas; ouvir opinião de Essa lista não esgota as possibilidades de papéis sociais que
colegas; expor opinião; pedir ajuda ao professor ou cole­ requerem Habilidades Sociais específicas. O repertório de Habi­
gas; atender pedido de colegas; coordenar grupo de estu- lidades Sociais pode ser avaliado com maior ou menor detalha­
mento, a depender do foco da queixa do cliente e dos objetivos·
4. O leitor interessado poderá encontrar publicações sobre cada um desses itens da intervenção. Estudos sobre Habilidades Sociais profissionais,
em sites de busca e, em particular, em www.rihs.ufscar.br por exemplo, podem inclusive requerer subdivisões de funções

70 71
Em uma análise mais refinada, a identificação dos tipos de
profissionais, como o de diretores, gerentes e funcionários de deficits de Habilidades Sociais permite escolher os procedimen­
diferentes atividades básicas. tos mais indicados para a intervenção. Nesse sentido, podem
Considerando os papéis sociais e respectivas Habilidades ser caracterizados três tipos de deficits (Gresham, 2009; Z. Del
Sociais neles requeridas, contextualizadas em tarefas interpes­ Prette & Del Prette, 2005a, 2005b) e respectivos procedimentos
soais específicas, pode-se efetuar uma análise mais pertinen� mais indicados:
dos possíveis deficits e recursos do cliente. E essa análise é iw • Reíiei,t:,si,·d�:�ãcfú'i'si'çã'o'. Ocorrem quando a habilidade não
dispensável para o estabelecimento de objetivos de intervençã, existe no repertório e precisa ser aprendida, requerendo,
socialmente relevantes. portanto, procedimentos de ensino (modelagem, ensaio
comportamental e também arranjo ambiental para que
seja valorizada no ambiente).
9ef�i,ts.de.I,l abi1idades,Sociais
• Def.i@iitis":"1lJ.'evd'esempenh'ó. Ocorrem quando a habilidade
Desde a mais tenra idade, a família se esforça para ensinar a está presente no repertório, mas é desempenhada com
criança a interagir com os demais. Nasiatarefas interpessoais com baixa frequência ou sem a discriminação adequada de
que se.deparam, as pessoas também aprendem e aperfeiçoam. situação, interlocutor ou ocasião de demanda. Esse caso
especialmente por instruções, modelos e consequências, novas, requer treino de discriminação das demandas e rearranjo
Habilidades Sociais e requisitos da Competência Social. No en­ de fatores motivacionais para que as tentativas obtenham
tanto, quando o ambiente não é favorável, podem ocorrer defi­ consequências positivas.
cits em habilidades sociais e aprendizagem de comportamentos • D.afü, oi,p,d•e"flWên'eia . É caracterizado por falhas na to­
concorrentes, que podem requerer atendimento profissional.
pografia e dificuldade no desempenho que compro­
O uso do Portfólio de Habilidades Sociais permite o deta­ metem sua efetividade, requerendo procedimentos como
lhamento das classes em subclasses de Habilidades Sociais, e feedback, modelação e instrução para o aperfeiçoamento
especialmente importante em programas de Treinamento de da habilidade.
Habilidades Sociais (THS), pois facilita identificar tanto os re­
cursos do cliente (o que ele tem) como seus deficits ou dificul­
dades em Habilidades Sociais e demais requisitos da Compe: Gompe4:ên<?ia1S:oeial•e•pr-átfoa,s0ctilturais
tência Social.
Cada pessoa nasce em um contexto cultural dado, com prá­
ticas culturais variadas, desde as formas de cuidar dos filhos
Em uma intervenção, a noção de deficit deve estar vinculada a tare­ até de se alimentar, de produzir recursos, de se divertir etc. As
fas interpessoais relevantes na vida do cliente. Uma pessoa pode ca­
recer de habilidades para conduzir reuniões formais, porém, se essa
práticas culrt:urais envolvem tarefas variadas e, em sua maioria,
tarefa não faz parte de suas atribuições frequentes, as habilidades tarefas interpessoais pertinentes aos papéis geralmente comple­
requeridas para ela não deveriam ser consideradas como deficitárias mentares assumidos pelos indivíduos. E-essas tarefas deman­
em seu repertório. dam habilidades também específicas, associadas a esses diferen·­
tes papéis. Em outras palavras, uma mesma pessoa pode estar

73
72
envolvida em tarefas interpessoais ligadas a papéis sobrepostOi Entende-se que as dimensões instrumental e ética, ineren­
que demandam Habilidades Sociais nem sempre sobrepostai tes aos critérios de Competência Social, apontam efetivamente
como, por exemplo, as parentais, educativas e conjugais. para novos padrões de relacionamento interpessoal (Del Prette
As práticas culturais são "transmitidas" aos membros e re & Del Prette, 2001). No entanto, também se reconhece que ain­
produzidas de geração a geração, até serem substituídas por ou­ da não é possível dimensionar o alcance e os efeitos da contri­
tras quando deixam de ser funcionais para a cultura ou par. buição do campo das Habilidades Sociais para a cultura, uma
grupos com maior poder que delas se beneficiam. Assim, ai vez que as intervenções ainda são razoavelmente restritas, care­
gumas práticas, mesmo não sendo benéficas, são mantidas p cendo de disseminação e de programas universais preventivos
muitas gerações. Uma forma de entender essa situação é dach (Elliott & Gresham, 2007; Dowd & Tierney, 2005). Entretanto,
por Glenn (2005), ao diferenciar os processos culturais tecn& as evidências de efetividade de programas de Habilidades So­
lógicos (baseados em contingências que produzem resultad<il ciais sobre a redução de agressividade e conflito e a ampliação
desejáveis para o grupo, favoráveis à sobrevivência e à qualidadf de relacionamentos mais harmoniosos (Goldstein, Sprafkin,
de vida) dos processos cerimoniais (mantidos por aqueles qut Gershaw & Klein, 1980) têm gerado propostas de projetos mais
detêm poder e autoridade, independentemente dos resultad". amplos de desenvolvimento socioemocional já implantados em
para os demais). outros países e, mais recentemente, começando a ser implanta­
Não obstante a possível conotação negativa do termo "tec· dos também no Brasil.
nológico': o que está sendo chamado de processos culturai! A potencialidade de programas de THS orientados por pa­
tecnológicos, reconhecidamente utópicos para a maioria dru drões éticos começa a ser reconhecida por vários estudiosos e
sociedades atuais, é coerente com a dimensão ética de compei pesquisadores. Carrara, Silva e Verdu (2006; 2009) situam os
tência social, quando se consideram programas de THS orien: programas de Habilidades Sociais entre as práticas compatíveis
tados por esse constructo, conduzidos em contextos coletivrn com uma perspectiva ética aplicada ao comportamento social e
como família, escola, setores específicos de oraganizações etc. benéfica à cultura.
Trata-se, em última instância, de promover cornportamentol
individuais e relações interpessoais que beneficiem não somen­
te o indivíduo, mas também o grupo, reconhecendo a necessá,
ria interdependência coletiva como base para o bem-estar, a pai
social e a qualidade de vida.
A influência da cultura sobre as Habilidades Sociais e
Competência Social já está implícita na definição desses doil
conceitos. No entanto, é também possível conceber que mu­
danças nos padrões de convivência em nichos sociais menoret
(relações familiares, de trabalho, educativas etc.), quando aJ.
cançam visibilidade quanto a seu impacto instrumental e ético,
poderiam, sob determinadas condições, se generalizar e even·
tualmente levar a mudanças em práticas culturais.

74 75
4.
PROGRAMAS E MÉTODO VIVENCIAL

É possível promover um nível de sensibilidade e


competência maior que o usual: isso pode fazer os
encontros e relações sociais mais agradáveis, efetivos
e criativos.
Michael Argyle

Além de sua importância potencial no delineamento de no­


vas práticas culturais, a necessidade de promover Habilidades
Sociais e Competência Social - seja por procedimentos educa­
tivos dos pais e da escola, seja por meio de programas de THS
( terapêuticos, preventivos e profissionais) - pode ser justificada
sob duas vertentes, ambas com base nas pesquisas da área. A
primeira refere-se aos correlatos positivos associados a um bom
repertório de Habilidades Sociais. A segunda, pela correlação
entre deficits de Habilidades Sociais e diferentes transtornos
ou problemas psicológicos, juntamente com os desfechos po­
sitivos desses programas. Essas duas vertentes são apresentadas
a seguir, ao lado de diferentes tipos de programas de THS em
formato grupal ou individual, além da diversidade de clientelas
neles atendida. Na segunda parte deste capítulo, são apresen­
tadas as bases conceituais do Método Vivencial e os diferentes
tipos de vivência.
Correlatos positivos do bom repertório de atual de saúde (Brasil, 2010) e, em particular, de saúde mental
Sob esse conceito, a avaliação do bem-estar é um ind:cr ador
Habilidades Sociais
importante a ser considerado (Abreu, Barlerta & Murta, 2015)
A produção científica do campo das Habilidades Sociais e vaí além de fatores como alimentação, moradia, acesso à
vem acumulando evidências de resultados positivos e desejá­ escola e segurança. Ele ta.r�];>ém deve incluir a qualidade da
veis associados a um bom repertório de Habilidades Sociais, al­ convivência social e seus correlatos, como os apresentados na
gumas destacando o papel protetor desse repertório para evitar Figura 4.1. Justifica-se, portanto, o investimento oa promoção
transtornos psicológicos e problemas de desenvolvimento. A de Habilidades Sociais e Competência Social da população e�
Figura 3.1 resume as principais condições positivas comumente geral como um coadjuvante de outras estratégias de promoção
encontradas nos estudos da área. de saúde, tal como vem sendo defendido em políticas gover­
namentais de vários países, em especial para a infância, a ado­
lescência e a velhice.

Sucesso e
reafização Problemas associados a deficits em Habilidades Sociais
profissional

Autoconfiança, Os deficits de Habilidades Sociais estão, em geral, asso­


Qualidade de vida otimismo, ciados a problemas e transtornos psicológicos específicos, tais
resiliência
como depressão, ansiedade, isolamento social, problemas de
comportamento, dificuldades de aprendizàgem, consumo de
substâncias psicoativas etc. (A. Del Prette & Del Prette, 2001;
REPERTÓRIO 2011; Caballo, 2003). Por isso, são reconhecidos como fatores
Menor ELABORADO DE Bom

""
vulnerabilidade a HABILIDADES relacionamento de risco para o funcionamento psicossocial.
transtornos afetivo e conjugal
SOCIAIS
Del Prette, Falcone e Murta (2013) verificaram que, nos
transtornos de personalidade, os sintomas registrados no
DSM-IV (APA, 2000) incluem referências diretas e indiretas a
Relacionamentos Rede de apoio padrões de deficits de Habilidades Sociais. Resumindo os re­
saudáveis na e amigos
familia sultados encontrados nessa análise identificou-se que: (a) nos
Resolução de transtornos do Grupo A (personalidade paranoide, esquizoide
problemas
interpessoais e esquizotípica) prevalecem os deficits em habilidades de au­
tocontrole da raiva e agressividade (somente nos paranoicos),
el!!Patia, conversação, expressão de afeto positivo e expressivi­
Figura 4.1. Correlatos de um repertório elaborado de Habilidades Sociais. dade em geral; (b) nos transtornos do Grupo B (personalidade
antissocial, limítrofe, histriônica e narcisista), o padrão inter­
A Figura 4.1 mostra que um bom repertório de Habilidades pessoal tipicamente não atende aos critérios da dimensão ética
da Competência Social (valorização e respeito aos outros), além
Sociais e de Competência Social se relaciona a vários indica­
de evidências da falta de emotividade autêntica e de deficits em
dores de bem-estar, coerentes com um conceito m_ais <implo e

78 79
Habilidades Socíais assertivas e empáticas; (c) nos transtornos A relevância dos objetivos de um programa de THS de­
do grupo C (personalidade dependente, de esquiva e obsessi­ pende, em última instância, do impacto que possam ter sobre
vo-compulsiva) prevalecem os deficits de assertividade e, em as relações interpessoais e a qualidade de vida do cliente. Um
cada um desses transtornos, associação com deficits mais diver­ programa de THS orientado para a Competência Social deve ir
sificados de Habilidades Sociais, incluindo de empatia, resolu­ além dos quatro primeiros objetivos abaixo (usualmente rela­
ção de problemas e expressividade emocional. cionados na literatura) e incluir os demais:
Os problemas de comportamento que concorrem com as • Ampliar a frequência e a proficiência de Habilidades So­
Habilidades Sociais estão associados a deficits de Habilidades ciais já aprendidas, mas deficitárias.
Sociais. Comportamentos como mutismo, alheamento, exigên­
cias agressivas, recusa de alimentos são, de forma intermi­ • Aprender Habilidades Sociais novas e significativas.
tente, consequenciados por meio de conselhos, exortações • Extinguir ou reduzir comportamentos concorrentes com
e mesmo advertências e punições. Esses procedimentos, na tais habilidades.
maioria das vezes, funcionam, fortalecendo tais comporta­ • Refinar a discriminação das tarefas interpessoais presen­
}
mentos concorrentes. tes no ambiente social.
• Ampliar a variabilidade de Habilidades Sociais.
Programas de Treinamento de Habilidades Sociais (THS)
• Desenvolver valores de convivência na perspectiva do res­
Qualquer programa de intervenção terapêutica ou educati­ peito aos direitos humanos nas interações com os demais.
va pode ser definido como o arranjo de condições estruturadas • Aprimorar a automonitoria e o autoconhecimento asso­
para a consecução de determinados objetivos previamente esta­ ciados ao desempenho social.
belecidos. Essa noção relaciona dois componentes indispensá­
veis a um programa: condições e objetivos. As "condições" refe­
rem-se ao conjunto de técnicas, procedimentos e recursos utili­ Aplicações e clientelas de programas de THS
zados; os "objetivos" são os resultados esperados e desejáveis até
o final do programa. Esses dois componentes estão também na Quando os processos de aprendizagem não ocorrem "na­
base da definição dos programas de Treinamento de Habilida­ turalmente': ou ocorrem para comportamentos problemáticos
des Sociais (THS) orientados para a Competência Social. concorrentes, surgem os deficits em Habilidades Sociais cuja
superação, quase sempre, requer atendimento especializado.
Esse atendimento usualmente é feito por meio de condições es­
Programa de Treinamento de Habilidades Sociais orien­ truturadas de aprendizagem denominadas "programas".
tado para a Competência Social é um conjunto de ativida­ Os programas de Treinamento de Habilidades Sociais (THS)
des planejadas que estrutura processos de aprendizagem, podem ser conduzidos em formato grupal ou individual.
mediados e conduzidos por um terapeuta ou facilitador, '
Eles podem ser caracterizados como preventivos, terapêuticos
visando não somente a aquisição e/ou aperfeiçoamento das
e profissionais e aplicados a diversas faixas etárias. No contexto
Habilidades Sociais, mas também dos demais requisitos da \
Competência Social.
educacional, destaca-se o THS preventivo, dirigido às crian-.
!� �����
� ��������������-- ças e adolescentes, visando a redução de problemas como in­
disciplina, agressividade, bullying, preconceito, drogadição etc.

80 81
No contexto clínico, o THS terapêutico, em grupo ou indivi­
venção principal do atendimento terapêutico e (b) como in­
dualmente, aplica-se a diferentes problemas em todas as faixas
tervenção complementar a um atendimento em que o THS é
etárias. No âmbito profissional, o THS é indicado para atender
indicado. Na Tabela 4.1 são listados os principais problemas
desde a �ecessidade de preparação de jovens na transição para
e transtornos de cada grupo para os quais o THS é indicado.
o mercado de trabalho até, posteriormente, a melhora nas con­
dições interpessoais relacionadas à produtividade, à busca de
novas oportunidades e à saúde na aposentadoria. Tabela 4.1. Problemas e transtornos psicológicos para os
A promoção de Habilidades Sociais tem sido amplamente quais o THS é indicado como intervenção principal ou
utilizada no contexto escolar, na estimulação do desenvolvi­ complementar.
mento socioemocional, na prevenção de problemas de compor­
tamento, como coadjuvante do rendimento acadêmico e tam­ INTr--��1ç
bém como mecanismo de inclusão de crianças com deficiências ./ Timidez/isolamento social ./ Dificuldades de aprendizagem
sensoriais, motoras e mentais. Nesse contexto, geralmente com ./ Ansiedade social ./ TDAH e problemas de compor­
a participação dos pais e professores, os programas de THS po­ tamento
dem ser aplicados em pelo menos três níveis (Gresham, 2009) ./ Fobia social ./ Esquizofrenia e espectro das psi­
relacionados a diferentes graus de atenção psicossocial: coses
1 ./ DST e AIDS
• _ ,. ,, ersais: atendimentos destinados a todas as crian­ ./ Agressividade
ças de uma sala de aula ou à escola toda, independen­ v Delinquência / TEA (Autismo)
temente de problemas ou fatores de risco identificados. v Depressão unipolar ./ Deficiências sensoriais, mentais
• ,:fotiYos: atendimentos destinados a pequenos grupos e físicas
em situação de risco ou que não se beneficiaram de pro­ ·/ Problemas conjugais ./ Dependência química
gramas universais. ./ Depressão persistente
v· Problemas familiares
• �11dicados: atendimentos em formato individualizado des­
tinados a crianças com problemas, como na terapia, pre­ Os problemas e transtornos para os quais o THS é indicado
cedida por avaliação funcional detalhada da queixa e de­ como intervenção principal são aqueles que apresentam maior
mais comprometimentos associados. comprometimento nas relações interpessoais, associados a de­
Esse mesmo esquema pode ser utilizado com outros estra­ ficits de Habilidades Sociais e/ou a comportamentos concor­
tos populacionais como, por exemplo, jovens em conflito com a
·rentes. T<!i§..I!r.9l?le111as_ têm sido encaminhados a diferentes pro­
lei, idosos em comunidade especial, mulheres vítimas de maus­
-tratos etc. Os programas indicados se caracterizam como te­ fissionais da área de saúde, como psicoterapeutas, psiquiatras,
r;pêuticos e têm como base uma avaliação multimodal e fun­ psicopedagogos etc. Uma análise dos dois grupos de aplicação
cional que demanda mais tempo, incluindo necessariamente a do THS coloca em evidência o alcance desse tipo de interven­
participação dos pais e outros significantes. ção, além da importância da formação do psicólogo e de demais
Os programas de THS para problemas ou transtornos psi­ profissionais de saúde e educação nessa área.
cológicos podem ser planejados e conduzidos: (a) como inter-

82
83
Os problemas e transtornos para os quais o THS é indicado 2006). O embasamento
como uma intervenção complementar são aqueles em que os conceitua!, os objetivos
deficits de Habilidades Sociais constituem um dos fatores en­ e as técnicas do THS em
volvidos, sendo, portanto, incluído o THS em um atendimento grupo são aplicáveis ao
multimodal. Na maior parte desses transtornos, não se d1spõe atendimento individual.
de evidências conclusivas sobre o papel dos deficits em Habili­ A condução do progra­
dades Sociais (se constituem causa ou consequência do trans­ ma pode complementar
torno). Todavia, há evidência suficiente (Del Prette, Del Prette, o atendimento terapêuti­
Gresham & Vance, 2012; Monti, Kadden, Rohsenow, Cooney & co ou se constituir o com­
Abrams, 2005; Ramirez-Basco & Thase, 2003) de que um bom ponente principal desse
repertório de Habilidades Sociais funciona como fator protetor atendimento. Em ambos
do desenvolvimento saudável, da saúde mental e de respostas os casos, algumas adap­
mais favoráveis ao tratamento. tações nas estratégias- e procedimentos usuais nos programas
Entende-se que a formação profissional nessa área deve in­ grupais podem ser necessárias.
cluir a capacitação pelo menos nos seguintes quesitos: Com adultos, adolescentes e crianças, o programa de THS
• Compreensão sobre as bases conceituais do campo das é planejado a partir da avaliação inicial de deficits, comporta­
Habilidades Sociais. mentos concorrentes e recursos identificados pelo terapeuta em
• Uso de recursos, técnicas e procedimentos de avaliação associação com a queixa principal. No caso de crianças, geral­
nessa área. mente é definido em resposta à solicitação dos pais que apre­
sentam queixas específicas nessa área, baseadas em observações
• Experiência na condução de grupos de THS e/ou de pro­
próprias, de professores ou de outros significantes. Em muitos
gramas individuais de THS, com uso de recursos, técnicas
casos, os pais vêm com um diagnóstico do tipo "problemas de
. e procedimentos de intervenções terapêuticas.
relacionamento': "timidez': "agressividade"; na maioria das ve­
• Aplicação de instrumentos e materiais necessários para a zes estão corretos, porém, têm dificuldades de aceitar que eles
avaliação e interpretação dos resultados com eles obtidos. também são parte do problema.
Dada a amplitude de possibilidades de aplicação de progra­
mas de THS, essa formação deveria fazer parte dos currículos
de graduação em Psicologia e áreas afins. Infelizmente, ainda Sobre o Método Vivencial
são raros os cursos do país que a contemplam.
Uma análise dos manuais clássicos (por exemplo, Curran &
Monti, 1982; Dowd & Tierney, 2005; Elliott & Gresham, 2007;
Programas de Habilidades Sociais no atendimento Greene & Burleson, 2003; Hargie, Saunders & Dickson, 1994)
individual permite identificar procedimentos, recursos e técnicas comu­
mente utilizados nos programas de THS. Eles foram desenvol­
O THS vem sendo bastante utilizado em contexto de atendi­ vidos, em sua maioria, sob as abordagens comportamental, cog­
mento individual (cf., por exemplo, Hagar, Goldstein & Brooks, nitiva e cognitivo-comportamental.

84 85
É possível constatar uma diversidade de programas de THS Segue uma breve exposição sobre as vivências e o Método
com diferentes propostas de técnicas, com maior ou menor ên­ Vivencial, assim como seu uso na promoção dos requisitos da
fase em procedimentos instrucionais e focados em unidades Competência Social. Na sequência, são apresentadas as demais
maiores ou menores de Habilidades Sociais. De todo modo, a técnicas, estratégias e recursos associados a esse método.
chave para a efetividade de qualquer programa é estabelecer
condições para que o desempenho ocorra e seja alterado na
O oue é ,·ivência?
direção esperada e desejável. Uma alternativa que vem sendo
desenvolvida nas últimas décadas, com evidências de efetivida­ Há algum tempo o termo "vivência'' vem sendo utilizado
de, tem sido a do uso de vivências para promover Habilidades na Psicologia, quase sempre associado à prática, em oficinas ou
Sociais, bem como os demais requisitos da Competência Social. treinamento de recursos humanos. Com o sentido de algo vi­
O uso de vivências como base para programas de THS re­ vido, o uso do termo remonta à filosofia, mais especificamente
cebeu a denominação de Método Vivencial. A efetividade des­ a Dilthey (Amaral, 2004). Para esse filósofo, vivência está re­
se método pode ser verificada em vários estudos (A. Prette & lacionada à experiência plena e não fragmentada da realidade,
Del Prette, 2003b ; 2011; Z. Del Prette & Del Prette, 2010; podendo-se dizer que ela se confunde com a própria realidade,
Braz, & Del Prette, 2011; Del Prette, Del Prette & Barreto, 1999; situando-se como um ponto intermediário entre o geral e o in­
Rocha, 2009; Del Prette, Rocha & Del Prette, 2011; Kestenberg & dividual, o universal e o singular, o ideal e o real.
Falcone, 2011; Lopes, 2013; Lopes & Del Prette, 2011; Pereira, Na formulação inicial do conceito de vivência (A. Del
2010; Olaz, Medrano & Cabanillas, 2011; Pereira-Guizzo & Del Prette & Del Prette, 2001) nos programas de THS, categorias
\J
Prette, 2011; Vila & Del Prette, 2009). semelhantes às de Dilthey formaram os nexos principais da de­
O Método Vivencial refere-se à estruturação de um con­ finição do .irrmo. Também como Dilthey, o termo vivência foi
texto de aprendizagem no qual o terapeuta obtém acesso dire­ entendido _como algo vivido e que pode continuar sendo expe­
to ao desempenho do(s) participante(s), podendo auxiliá-lo(s) rimentado, em uma espécie de flashback não apenas cognitivo,
na aquisição de novas Habilidades Sociais sob a perspectiva da mas principalmente comportamental. Em outras palavras, é o
Competência Social. Assim o terapeuta pode estabelecer, com o que foi "vivenciado" pelo participante, ou seja, um retorno ex­
cliente, objetivos que vão além da redução de comportamentos periencial da situacão vivida.
)

concorrentes e aprendizagem de Habilidades Sociais variadas, de . ' -

Contudo, no sentido empregado por A. Del Prette e Del


modo a contemplar também a análise das consequências favorá­
Prette (2001), a vivência não se refere exclusivamente a uma
veis a ambos os participantes de uma díade ou membros de um
experiência passada, mas também a algo que poderá ocorrer.
grupo, bem como os demais requisitos da Competência Social.
Trata-se de uma experiência nova, passível de acontecer porque
reside na ordem previsível do cotidiano humano. Em ambas, os
O Método Vivencial pode ser definido como a estruturação de um
contexto experiencial de aprendizagem que, além de permitir o uso '- participantes vivenciam tarefas interpessoais próprias das situa­
de técnicas e procedimentos comuns à maioria dos programas de ções estruturadas no contexto da sessão.
THS, estabelece condições adicionais favoráveis para a promoção da A vivência é um momento de experimentar o geral/uni­
Competência Social. versal, o singular e o ideal. O geral/universal se reflete nas re-

87
86
gras comportamen­
tais que sinalizam urna empresa com cadeiras, - . - ---
contingências esta­ .- . As vivências análogas simu-
rnesa, mter1ocutores conhecidos . - . . .,

\
. . 1am s1tuaçoes cotldianas Jª
belecidas pela cul­ (colegas de trabalho) e desco- experimentadas ou possíveis
tura (ou culturas): nhecidos (clientes) etc. Pode-se de serem experimentadas pe-
"quando" você fizer alterar a situação inicial para I los participantes.
isso e "se" você fi­ criar novas demandas, avalian- ----- � -
zer assim. O singu­ do e treinando o(s) participante(s). Por exemplo: em urna tarefa
lar se refere exclu­ de entrevista de emprego, pode-se simular um chamado telefô­
sivamente à expe­ nico para o entrevistador e/ou a entrada do chefe do entrevista­
riência de cada um, dor na situação etc.
que é única, mas passível de diferentes interpretações. O ideal As vivências simbólicas po­
diz respeito aos comportamentos (observados em si e nos de­ dem incluir alegorias, fábulas As vivências simbólicas si­
mais) que são metas de um cliente ou de um grupo de parti­ e jogos. Algumas, apresenta­
mulam situações e tarefas,
cipantes. Pode ser o objetivo oµ o comportamento-alvo que o em geral lúdicas, que não
das adiante neste manual, são têm correspondência direta
cliente busca aprender ou desenvolver em compatibilidade com
simbólicas, como, por exem­ no cotidiano, mas que esta­
a subcultura grupal, e também com a avaliação do terapeuta.
plo, O jogo do silêncio (cf. capí­ belecem demandas para ha -
Considerando as atividades que são denominadas de vivências bilidades relevantes na vida
tulo 9). Por seu caráter lúdico,
em.programas de THS, esse termo foi definido com��--·-- social.
elas podem reduzir a ansieda­ ----'
de, facilitando o processo de
I
Vivência é O uma atividade estruturada [ ... ] @ que mobiliza senti­ aprendizagem de comportamentos sociais novos, requisita-
mentos, pensamentos e desempenhos dos participantes e � permite dos no cotidiano social.
ao terapeuta ou facilitador adotar procedimentos específicos para
atingir os objetivos do programa. Ao utilizar o Mé­
(A. Dei Prette & Del Prette, 2001, p. 106) todo Vivencial, o tera­
peuta cria condições
para urna participa­
Vivências análogas e simbólicas ção ativa do cliente.
A vivência favorece a
Conforme as atividades desenvolvidas pelo terapeuta, as vi­
constatação de que o
vências para programas de THS podem ser categorizadas, gros­
comportamento tem
so modo, em duas modalidades: análogas e simbólicas. Essa
classificação está relacionada às diferentes funções das vivên- efeito no ambiente e
cias em programas de THS. de que os resultados das interações dependem do indivíduo, da
díade e do grupo. Essa exposição aumenta a sensibilidade des
Nas vivências análogas o terapeuta estrutura a atividade
participantes a contingências razoavelmente similares às que
com elementos da realidade do cliente. Por exemplo: -�-sãla de
ocorrem no seu ambiente natural.
88
89
Os p�ogra.!Ilas q_u_e �c:lota!Il o Método Vivencial para a pro­ gredadas" sobre
moção de Habilidades Sociais e dos demais requisitoSda Com­ quem irá obser­
petência Social apresentam muitas vantagens, mas estas depen­ var e em quais
dem especialmente da atenção e observação do terapeuta para desempenhos
utilizá-las de forma efetiva. Dentre algumas vantagens que esse deverá prestar
ª º
método traz, uma é d� facilitar acesso do. terapeuta a_9s de­ atenção. Nessas
atribuições o te­
sempenhos dos participantes no "aqui-e-agorà' da sess_ão, em
programas de THS em grupo ou individual. Esse acesso permite rapeuta ou faci­
que o terapeuta: litador deve ga­
rantir o envol­
• Observe o desempenho do participante em tarefas in­ vimento e cooperação de determinados participantes e propi-
terpessoais nas sessões, identificando seus recursos e
ciar, ao longo das sessões, uma atenção distribuída de maneira
dificuldades.
mais equitativa possível para todos. J2��n.d��cl.o da necessida-_
· • Consequencie e forneça direções (prompts) para unidades de, o terapeuta pode alterar a cornpo_siç�� dos grupos trocando
menores do desempenho. um ou outro membro do GO p�a o GV, ou vice-ver�<!·
• Utilize modelos de desempenhos entre os participantes. Portanto, nas vivências, todos estão sendo treinados simul­
·• Forneçafeedback ao participante e, no caso de atendimen­ taneamente. Os participantes do GV apren.dem diretamente de.�
to grupal, faça a mediação de feedback dos demais ao co­ sempenhando Habilidades Sociais novas ou melhorando as
lega foco da vivência. já aprendidas. Os demais, do GO, aprendem por observação
• Identifique e analise a tríplice relação de contingência e aperfeiçoam as habilidades de descrever, avaliar e prover
( antecedente, comportamento e consequência) com os feedback a comportamentos observados.
participantes.
• Altere características da vivência durante sua ocorrência, Um programa não é uma mera sequência de vivências ou temas. As
vivências devem ser escolhidas e utilizadas de acordo com as neces­
facilitando ou criando novas demandas de desempenhos. sidades e objetivos estabelecidos para o grupo e para a sessão. Isso é
Çomo regra geral, o terapeuta deve considerar que vivências, feito comparando-se os objetivos do programa :inferidos do portfólio
principalmente as análogas, não são scripts de falas, mas-indica­ dos participantes com os definidos nas vivências e, então, selecio­
ções gerais de contextos interativos, cuja fala deve ser elaôorada nando-se as vivências que estruturam o contexto favorável ao alcance
pelo cliente dentro das possibilidades de seu repertório de com­ desses objetivos.
portamento. Salvo alguma instrução em particular, o participan­
te em treinamento organiza seu desempenho na própria situação. No capítulo 10 deste manual e em outros textos (A. Del
A vivência pode envolver todos os participantes ou subdivid_i-los Prette & Del Prette, 2001 e Z. Del Prette & Del Prette, 2005a)
ein dois grupos: <>s qu� estão em treinamento direto (GV ou Gru­ são disponibilizadas vivências simbólicas e análogas testadas
po de Vivência) e os que estão em treinamento indireto (GO ou em programas grupais de THS. Cada uma delas é especifica­
Grupo de Observação). Estes últimos são solicitados a observar da em termos de objetivos, material, procedimento, observa-
( GO ou Grupo de Observação), por vezes, com instruções "se- ções e variações.

91
90
5.
SOBRE A AVALIAÇÃO

Eu sou eu e minha circunstância...


Ortega y Gasset

A avaliação é a base para a caracterização do repertório de


Habilidades 'sociais da clientela e para a definição dos objetivos
e condições de intervenção. Nesse caso, podem ser destacadas
as seguintes etapas de avaliação:
• Inicial
• Continuada e de proçesso
• Finàl de resultados
• Follow-up ou i:l.companhamento
A importância de cada uma dessas avaliações e os procedi.:
mentos envolvidos são brevemente abordados a seguir. Dentre
elas, a de follow-up é a mais rara em nosso país.

Avaliação..ifütial:· por·que·e•o que avaliar


A avaliação inicial tem o objetivo de efetuar um diagnóstico
preciso das queixas do cliente e necessariamente inclui: (a) os
deficits nos requisitos de Competência Social; (b) os recursos de
que dispõe; (c) os comportamentos concorrentes e outros fato­
res relacionados a transtornos (por exemplo, ansiedade). Esses
aspectos devem ser avaliados em relação às tarefas interpessoais
cotidianas do cliente. O terapeu­ ocorre antes de iniciar a intervenção, e o portfólio do cliente
ta deve investigar ainda: presença pode ser bastante detalhado nesta etapa.
ou ausência de transtornos psi­
cológicos ou psiquiátricos, saúde Como avaliar
física, autoestima, autoeficácia,
CNVP, avaliação do cliente sobre A avaliação de Habilidades Sociais, tanto quanto possível,
seus relacionamentos e sua quali­ deve ser multimodal (Z. Del Prette & Del Prette, 2009; Del
dade de vida etc. Prette, Monjas & Caballo, 2006). Isso significa avaliar com dife­
Muitas vezes, o cliente busca rentes instrumentos e procedimentos (entrevistas, inventários,
ajuda para queixas que, aparentemente, não incluem dificul­ checklists, observação direta, role play etc.) e junto a diferentes
dades interpessoais. Ele pode se referir, por exemplo, à insô­ informantes: no caso de crianças, com familiares e professores;
nia, à indiferença de alguns colegas que o magoam e, também, no caso de adultos, com familiares.
fazer referências a acontecimentos favoráveis, mas "consegui­ A entrevista pode ser muito importante para identificar di­
dos com dificuldade". É importante investigar o que o cliente ficuldades interpessoais do cliente e a pertinência, ou não, de
faz (comportamentos) em relação a cada aspecto da queixa, um programa de THS para ele. Pode, igualmente, representar
história, frequência, duração e contingências associadas a ela. o primeiro contato do terapeuta com o cliente e ser posterior­
Além disso, o terapeuta deve pedir maior detalhamento das mente complementada com outros procedimentos e instru­
atividades que o cliente considera "agradáveis" e "desagradá­ mentos de avaliação. Algumas vezes, ela ocorre também após a
veis". Focando os deficits nos requisitos de Competência So­ aplicação de inventários, como forma de detalhar informações
cial, o terapeuta pode organizar as informações obtidas ou sobre dificuldades identificadas.
pedir novas que permitam caracterizar o repertório do cliente Segue um trecho de entrevista de sondagem com registro de
em termos de automonitoria, autoconhecimento, conheci­ falas do terapeuta (T) em conversa com o cliente ( C), acrescidas
mento do ambiente e valores. de anotações sobre CNVP de C, em que T procura obter infor­
Essas informações podem ser suficientes para o terapeuta mações sobre eventuais dificuldades em Habilidades Sociais do
identificar, em termos de Competência Social, os recursos e de­ cliente. Conquanto essas informações sejam preliminares, elas
ficits do cliente para lidar com comportamentos indesejáveis de sugerem indicadores de "problemas interpessoais': consideran­
outros e com seus comportamentos pouco aceitos pelos demais, do também as observações dos comportamentos do cliente du­
ou apresentados com alto custo de resposta. A organização des­ rante a entrevista inicial.
sas informações em um portfólio de cada cliente e/ou do grupo
é importante para a definição dos objetivos do programa, suas
características estruturais e procedimentos a implementar. No
atendimento individual, a avaliação inicial pode ser bem se­
melhante àquela recomendada para o THS grupal. Ela também

97
96
-...... instrumentos padronizados para isso, especialmente na modali­
C: Eu e minha mulher vivemos brigando... (evita contato visual). dade de inventários e questionários (cf. http://www.rihs.ufscar.br
T: Há quanto tempo isso vem acontecendo? e também Z. Del Prette & Del Prette, 2009).
C:Já tem uns seis ou sete meses (estala os dedos). Ultima­
mente, demoro para chegar em casa para evitar as brigas, mas não A avaliação por relatos deve ser complementada, sempre
adianta... que possível, por observação, que pode envolver: (a) desempe­
T: Quando você chega mais tarde, ela se queixa? nho de papéis (role playing estruturado e semiestruturado, bre­
C: Sim... Eu tento explicar, mas não consigo... (olha em direção à
porta). ve ou extenso); (b) filmagens no ambiente doméstico, em esco­
T: O que você diz? las, hospitais ou outros contextos; (c) registros realizados pelo
C: Peço para ela me ouvir. Ela fica quieta, mas aí não sei o que dizer terapeuta ou auxiliar no ambiente do cliente (mais comum no
(olha para T). caso de crianças na residência, escola e/ou instituição penal); e
T: [. ..]
C: O pior é que, no trabalho, um colega fica "zoando" comigo... (d) registros em fichas pelo cliente. A Tabela 5.1 resume os prin­
T: O que elefaz? cipais aspectos a serem avaliados e os recursos para efetuar essa
C: Fica fazendo graça... (cruza as mãos sobre as pernas). avaliação. Eles contemplam tanto os dados de relato como os de
T: De que jeito [...] Como que é ''essa graça" que ele faz? observação direta ou via situações estruturadas.
C: Fica me imitando e dando risada.
T: Você já conversou com ele sobre isso? (balança a cabeça em sinal
negativo) Tabela 5.1. Requisitos de Competência Social a serem
C: Bem que tentei... Ele falou: "Pode falar, cara,fala..." avaliados e procedimentos relacionados.
T:E... ? ASPECTOS A SEREM
C: Eu disse: "Deixa pra lá"... Puxa, agora estou me dando conta de COMO AVALIAR
AVALIADOS
que nos dois casos fiquei furioso e não disse nada ...
T: Teve alguma situação em que você falou? Habilidades Sociais: amplitu­ Inventários de autorrelato e re­

--
C: Acho que... Eu tentei, eu tentei... de e variabilidade do repertó­ lato por significantes que per-
rio, bem como habilidades de­ mitam um levantamento amplo,
ficitárias do cliente para lidar o qual possa, depois, ser deta­
com tarefas interpessoais rele­ lhado por meio de entrevistas;
A partir da entrevista inicial, o terapeuta pode recorrer a vantes em contextos de família, situações estruturadas ou se­
instrumentos padronizados visando caracterizar os tipos de trabalho, lazer etc. e comporta­ miestruturadas de role playing;
deficits em Habilidades Sociais, sua possível generalização mentos concorrentes. observação direta em situação
para diferentes ambientes, os comportamentos concorrentes e natural.
os demais requisitos de Competência Social. Automonitoria e análise de Entrevistas e role play com obser-
A avaliação por meio de entrevistas e inventários com ou­ contingência: capacidade de vação e análise de desempenho
tros informantes (pais, professores e colegas) é mais comum no efetuar análise das contingên - em sessão.
caso de crianças, que podem apresentar dificuldade em autoava­ cias associadas ao próprio com -
liação. No entanto, mesmo no caso de adultos (amigo, cônjuge, portamento (antecedentes ou
filhos etc.), a avaliação por outros pode, algumas vezes, ser im­ demandas, consequências) e ao
portante para uma definição mais precisa dos deficits e recursos comportamento dos demais.
do cliente. Já se dispõe, no Brasil, de uma quantidade razoável de

98 99
ASPECTOS A SER.EM buscar indicadores da generalização das Habilidades Sociais
COMO AVALIAR
AVALIADOS novas para o ambiente extrassessão, seja por meio dos relatos
Conhecimento do ambiente: Entrevista e sessões iniciais com do cliente, seja de informantes (pais ou responsáveis, no caso
capacidade de identificar nor­ uso de roteiro ou checklist. de crianças). Quanto às condições do programa, é importan­
mas, valores e regras da cul- te registrar alteração ou manutenção do planejamento inicial e
tura para a convivência em eventos facilitadores ou dificultadores identificados. Registrar
diferentes contextos e tarefas também novos recursos e procedimentos, como, por exemplo,
interpessoais.
-- -- uso de sessões individuais para um ou mais clientes, alterações
Autoconhecimento: capaci- Inventários de autorrelato e no portfólio e tarefas de casa adicionais.
dade de identificar as próprias entrevistas cotejadas com ava­ Para realizar a avaliação de processo, o terapeuta deve man­
habilidades (deficits e recur- liação por outros, observação ter um registro das informações relevantes ao final de cada
sos), crenças, sentimentos, au- direta e relatos de desempenho sessão, ·em que conste, por exemplo, aquisições e dificuldades
torregras,
-- autoeficácia
- - - etc.
--- do participante. - notadas, motivação etc. Essas informações podem ser comple­
Valores de convivência� o que o Entrevistas com questões para mentadas por dados ou observações do terapeuta sobre assidui­
cliente valoriza como desejável identificar valores e autorregr.as, dade, colaboração nos procedimentos, relatos espontâneos, ou
e correto no seu desempenho como, por exemplo, análise de seja, comportamentos próprios de uma "aliança terapêutica" e
interpessoal e no de outras pes- situações interpessoais; obser­ "bem-estar subjetivo':
soas; o que é considerado inde- vações sobre o desempenho do
sejável
---e incorreto. �- -
cliente no grupo.
Avaliação continuada
Com base nas informações e indicadores da avaliação ini­ Quando a avaliação inicial é baseada em autorrelato, tanto
cial, o terapeuta pode organizar o portfólio do cliente, que per­ os recursos quanto os deficits ou dificuldades podem ser su­
mite identificar os objetivos relevantes para a intervenção e mo­ perestimados ou subestimados. Nesse caso, em programas vi­
nitorar suas aquisições e melhoras ao longo do programa. venciais, logo nas primeiras sessões os participantes começam
a relatar aquisições ou dificuldades anteriormente não mencio­
nadas. Podem ocorrer também aquisições "naturais" por meio
Avaliação de processo da observação do desempenho de colegas. Daí a importância da
1

avaliação continuada ao longo do programa.


A avaliação de processo deve ocorrer durante todo o aten­
dimento, seja no formato grupal ou individual, e incluir infor­ A avaliação continuada faz parte de qualquer intervenção e
mações detalhadas sobre o desempenho do cliente nas tarefas também dos programas de THS. Ela é realizada por: (a) obser­
de casa e em cada sessão. Assim, é importante dispor de infor­ vação direta e registros feitos pelo terapeuta na ficha das sessões;
mações sobre seu engajamento, suas melhoras parciais e dificul­ (b) avaliações específicas de outros participantes, no caso do
dades apresentadas. THS em grupo; (c) registros sobre relatos do cliente, principal­
mente das TIC; (d) registro de avaliação de professores, enfer­
Em relação às aquisições do cliente, além da observação di­
meiros, assistentes sociais e funcionários quando a intervenção
reta dos desempenhos nas sessões, a avaliação de processo deve
ocorre em escola, hospital, instituição penal etc Essa avaliação

100 101
6.
SOBRE TÉCNICAS, PROCEDII'v1ENTOS
E RECURSOS ASSOCIADOS A
VIVÊNCIAS

A Psicologia não pode dizer às pessoas como devem


viver suas vidas. Entretanto, pode proporcionar
os meios para efetuarem sua mudança pessoal e a
mudança social.
Albert Bandura

O contexto vivencial estabelece uma razoável quantidade


de demandas para desempenhos que precisam ser aprimora­
dos, bem como para desempenhos que podem ser utilizados
como modelos ou ilustrações de alternativas. Essa� condições
possibilitam promover a variabilidade em Habilidades Sociais e
demais requisitos da Competência Social, em associação com o
uso de procedimentos, técrucas e recursos de intervenção. De­
pendendo do repertório e das necessidades dos participantes,
o programa pode incluir módulos específicos para a redução
de ansiooade e a intervenção sobre crenças e comportamentos
encobertos identificados como disfuncionais para interações
bem-sucedidas.
Considerando as práticas efetivas no Treinamento de Habili­
dades Sociais com ênfase na Competência Social, neste capítulo
são apresentadas orientações específicas para o uso de técnicas,
recursos e demais procedimentos que podem ser associados às
vivências. Pode-se utilizar, nos programas de THS, técnicas que crianças; pode-se pedir que a criança vá verbalizando o que o
incluam exercícios instrucionais, exposição dialogada, ensaio personagem está fazendo como forma de apoio ao desempenho.
comportamental e tarefas interpessoais de casa. O procedimen­ Modelação encoberta. Terapeuta e cliente criam modelo ima­
to pode incluir ainda o uso de feedback, reforçamento, modela­ ginário; terapeuta solicita que cliente "visualize" o desempenho
gem, análise de contingências das interações e modelação (real de modelo, descreva seus comportamentos e os resultados obti­
ou simbólica). São destacados alguns cuidados e possibilidades dos. Fazer uso quando o cliente tiver dificuldade na aprendiza­
(como e quando usar) para essas diferentes estratégias multimí­ gem por modelagem ou quando mostrar recursos imaginativos
dia, destinadas ou não para programas de THS. que sugiram essa alternativa como efetiva e viável.
Desempenho de papéis (role
play). O role playing ou jogo
Principais técnica� e r-,rc·cé:�Jirt1e11t3·;
de papéis é uma técnica que
A seguir são detalhados as principais técnicas, procedimen­ envolve simular interações em
tos e recursos que podem ser utilizados em programas grupais ou tarefas interpessoais relevan­
individuais de THS. Em cada um deles, há uma breve descrição, tes para o cliente, podendo
seguida de orientação sobre como e quando podem ser utilizados. incluir a reversão de papéis,
quando o cliente assume o
Feedback Descrição verbal do desempenho do participante,
papel do interlocutor. Fazer
logo após sua ocorrência. Fazer e mediar seu uso ao longo
uso quando o cliente encon­
de todo o programa, com ênfase no feedback positivo dos
trar dificuldade em relatar
desempenhos ocorridos em sessão, inclusive para a melhoria
comportamentos do interlo­
nos relatos.
cutor, compreender o contex­
Reforçamento e modelagerri. Consequenciação e/ou media­ to interativo e discriminar desempenhos e contingências.
ção de consequências para aproximações sucessivas ao com­ Ensaio comportamental (Belzai·íoral Rehearsal). Arranjo de
portamento-alvo. Realizar nas sessões e de forma contingente contexto interativo (estruturado ou minimamente estruturado,
a aquisições e melhoras no desempenho do cliente em direção podendo envolver outros participantes) para o desempenho do
aos objetivos. cliente em ensaios a serem progressivamente aperfeiçoados. Es­
Modelação. Solicitação de observação e reprodução de desem­ truturar em sessão a partir dos relatos de Tarefa Interpessoal de
penhos específicos seguida por feedback e/ou nova reprodução. Casa e de outros relatos de dificuldade em tarefas específicas
Utilizar principalmente no caso de dificuldade por meio de que podem ser comuns à maioria dos participantes.
modelagem: pedir a um ou mais participantes para observar o Tarefas Interpessoais de Casa (TIC) 5 • Atribuição de desempe­
desempenho de outro e depois para reproduzi-lo. nhos interativos com enunciado claro e sintético para que os
Modelação simbólica. Solicitação de observação e reprodução participantes realizem fora da sessão. Atribuir ao final de cada
de desempenho de modelos simbólicos, como personagens de
histórias, bonecos, fantoches etc. Fazer uso quando observar di­
ficuldade na aprendizagem via modelagem, especialmente com 5. A sigla TIC está sendo usada sem variar singular e plural.

106 107
sessão e pedir relato/análise no início da sessão subsequente Detalhando algumas técnicas e procedimentos
(procedimento detalhado adiante).
Algumas das técnicas e procedimentos descritos no capí­
Reestruturação cognitiva. Questionamento verbal e solicita­ tulo 6, importantes em programas de THS e usualmente pouco
ções de análise de crenças disfuncionais, como as catastróficas,
enfatizadas nos manuais técnicos, são apresentadas com mais
generalizantes, autodepreciativas etc. Adotar para o caso de rela­
detalhe a seguir.
tos de crenças ou regras que evidenciem esquiva ou fuga de desem­
penho necessário e oposto a comportamentos concorrentes.
Resolução de problemas. Indução de processo metacognitivo Sobre as Tarefas Interpessoais de Casa
para compreensão e solução de problemas por meio das eta­
pas: (1) definição do problema, (2) levantamento de alternati­ Os programas vivenciais
vas, (3) avaliação de cada alternativa, (4) escolha de uma delas, também possibilitam o uso
(5) implementação da alternativa escolhida e (6) avaliação dos TAREFA INTERPESSOAL DE CASA de Tarefas Interpessoais de
resultados da alternativa. Pode ser usada quando o cliente pre­
Data: _J__}__
Casa (TICs) desde a primeira
cisa resolver um problema e tem dificuldade de analisar e iden­
tificar possibilidades de solução; aplicar individualmente ou em
1 sessão, salvo condições espe­
cíficas ·que venham dificultá­
processo de decisão de grupo. Conversar com uma pessoa
I desconhecida por pouco tempo \ -las. O tipo de tarefa atribuí­
Análise de contingências. Solicitações para identificação de re­
da depende dos recursos dos
lações entre o comportamento (observado ou relatado) e seus
.._/
I participantes e deve atender a
antecedentes e consequentes. Conduzir mais intensivamente
nas sessões iniciais e gradualmente incentivar manifestações es­ vários objetivos, além daqueles usualmente associados a essa
pontâneas e análises cada vez mais refinadas. técnica. Algumas tarefas podem propiciar informações relevan­
Exposição dialogada Exposição didática sobre situações, de­ tes para ajustar o programa às necessidades do grupo (A. Del
mandas, normas da cultura, análise de contingências e outros Prette & Del Prette, 2005a).
aspectos importantes para a Competência Social, podendo ser Em termos gerais, os objetivos das TIC incluem experiência
associada a outros procedimentos e recursos. Usar em qualquer fora da sessão (realizar a tarefa) e dentro da.sessão (expor, ana­
momento da sessão, mas em menor proporção que os demais lisar, avaliar a própria tarefa realizada e participar da análise das
procedimentos, priorizando o desempenho do(s) cliente(s). tarefas relatadas por colegas em programas grupais). Espera-se
Exercícios instrucionais. Tarefas lápis-papel para análises, apli­ que essas condições sejam favoráveis para:
cação de conceitos, exemplificação, elaboração de respostas,
• Generalizar Habilidades Sociais novas, aprendidas em ses­
ilustrações etc. Aplicar em articulação com exposições dialoga­
são, para outros ambientes e interlocutores.
das em sessão e/ou como tarefa extrassessão.
Uso de recursos multimídia Uso de textos, filmes, mensa­ • Exercitar componentes da automonitoria, tais como: obser­
gens, música e outros que ilustram desempenhos socialmente var, descrever, analisar contingências no contexto natural.
competentes ou não competentes e suas consequências. Utilizar • Experimentar as contingências do ambiente, melhorando
principalmente para ilustrar desempenhos visando análise e re­ a sensibilidade a elas.
flexão para modelação e apoio em exposição dialogada.

108 109
• Atentar para a avaliação efeedback do facilitador e do gru­ cada participante, ou a mesma tarefa a pequenos grupos que
po sobre as tentativas realizadas e também proverfeedback compartilham dificuldades semelhantes.
aos demais.
• Avaliar se as aquisições estão sendo suficientes para lidar
---------...
Eu puxe i conversa ' ,,,,..---- '
com a garota nova
Eu bem que / -........._
com as demandas interativas de seu cotidiano. do prédio. Teve , Esqu eci de '
j
) qu eria, mas
coisas iguais e ) faze r, mas me
não tive
• Descrever contingências identificadas nas tarefas relata­ \ outras difere ntes do
oportunidade .
lembro de uma
-.......gue apr endi aqui .•� - �ez•.,
das pelos demais participantes, em termos de consequên­ -'---..
, --- Eu fiz, mas "\. _
cias versus custo de realizá-las.
No quadro, são apresentadas algumas sugestões de tarefas
interpessoais genéricas de casa. No entanto, a lista de cada gru­
po deve ser feita de acordo com as necessidades identificadas no
portfólio e convertidas em objetivos do cliente. Supondo, por
exemplo, que alguns participantes manifestem dificuldades de
autocontrole, o facilitador pode atribuir tarefas em que o auto­
controle é condição presente a ser exercitada. Examinando o Em geral os clientes, tanto no atendimento em grupo como
Quadro de TIC, o leitor identificará pelo menos duas tarefas no individual, gostam de realizar as tarefas de casa, contudo,
relacionadas ao autocontrole. eventualmente podem ocorrer falhas nessa atividade. As justifi­
cativas mais comuns são: (a) falta de oportunidade; (b) esqueci­
EXEMPLOS DE TAREFAS INTERPESSOAIS DE CASA mento; (c) autoavaliação de incapacidade para os desempenhos
./ Conversar com desconhecido em ambiente público sem risco (far- requeridos; ( d) lembrança de atividades feitas muito antes da
mácia, padaria, shopping) . solicitação da tarefa, tal como mostra a ilustração acima. Os
./ Não responder a uma pergunta feita por um amigo. itens a e b são os mais frequentes e podem, salvo rara exceção,
./ Elogiar adereço ou roupa de um colega. ser entendidos como comportamentos de esquiva ou mesmo de
./ Pedir um favor não abusivo a um colega.
./ Abraçar um familiar ou amigo.
dificuldade real de realização.
./ Solicitar mudança de assunto em uma conversa. Além de atentar à necessidade de ajustar a complexidade da
./ Recusar um pedido. tarefa ao repertório do cliente, alguns procedimentos são úteis
./ Deixar de responder pergunta inconveniente. para evitar essas justificativas e aumentar a probabilidade de
./ Sair de uma situação semelhante à que costuma perder o controle.
realização da tarefa. O primeiro procedimento é pospor o relato
da tarefa não realizada para a semana seguinte, realizando então
Na fase inicial do programa, são solicitadas as mesmas ta­ duas tarefas nesse intervalo de tempo. O segundo procedimen­
refas - denominadas de genéricas - para todos os participan­ to relacionado ao esquecimento consiste em instruir os partici­
tes. O uso de tarefas genéricas facilita o nivelamento do reper­ pantes, já na primeira sessão do programa, a utilizar recursos
tório do grupo e a correção de discrepâncias. Nas sessões sub­ mnemônicos (lembretes). Esclarecer que deve ser um estímulo
sequentes, o terapeuta passa a atribuir tarefas personalizadas, presente nas situações em que a tarefa pode ser realizad� e pe­
ou seja, diferenciadas, de modo a atender às necessidades de dir exemplos de mnemônicos que os participantes costumam

llO lll
utilizar. Em relação à falta de oportunidade, o terapeuta pode contêm trechos potencialmente educativos que podem ser edi­
pedir para os participantes observarem atentamente os contex­ tados e utilizados.
tos em que as chances provavelmente ocorrem, orientando-os a
criarem oportunidades por meio de perguntas ou comentários.
Recursos não devem ser confundidos com técnicas: são apoios que
dependem da habilidade do terapeuta ou facilitador para utilizá­
Sobre o uso de recursos multimídia -los de modo a contribuírem na motivação e aprendizagem dos
participantes.
Os recursos multimídia
são produtos de literatura
(livros, estórias, contos, qua­ Sobre as atividades instrucion�is
drinhos etc.), vídeos educa­
tivos, filmes, jogos e ilustra- As atividades instrucionais constituem um complemento
em programas vivenciais. Elas devem ser usadas com modera­
ções diversas. Nos últimos tempos, eles vêm sendo seleciona­
ção, mas podem ocorrer em vários momentos de um programa
dos, planejados e utilizados como apoio a processos educativos
deTHS.
e terapêuticos com crianças e com adultos. Alguns estudos
As atividades instrucionais constituem um complemento
ilustram, embora não esgotem tais recursos (Casagrande, Del
em programas vivenciais. Elas devem ser usadas com moderà­
Prette & Dei Prette, 2013; Comodo, Del Prette, Del Prette & ção, mas podem ocorrer em vários momentos de um programa
Manolio, 2011; Z. Del Prette & Del Prette, 2005b; Del Prette, deTHS e sob os diferentes procedimentos.
Domeniconi, Amaro, Laurenti, Benitez & Del Prette, 2012; Dias, Um procedimento previsto e utilizado de forma breve é o
Del Prette & Del Prette [n.d.]; Lopes, & Del Prette, 2011; da Exposição Dialogada (ED). Nele, o terapeuta pode produzir
2013; Rocha, Oliveira & Gonçalves, 2016). pequenos textos para leitura e discussão entre os participantes,
A escolha dos recursos multimídia deve ser objeto de expor brevemente conteúdos apoiados em recursos visuais, ou
atenção por parte do terapeuta, considerando os objetivos ainda combinar esses procedimentos. Na vivência Praticando o
feedback (capítulo 10) é apresentado um texto de apoio e um
para os quais serão utilizados. De modo geral, recursos mul­
conjunto de slides em power point para apoiar essa atividade.
timídia podem trazer informação relevante sobre as regras e Algumas recomendações importantes para uso de ED:
valores do contexto social, bem como ilustrações que servem • Usar o diálogo com o grupo, atento para que todos
de modelo simbólico de Habilidades Sociais, especialmente participem.
com crianças. • Evitar prolongar-se em exposição. O tempo máximo deve
Os vídeos, filmes e outros materiais multimídia constituem se restringir a cerca de 20 minutos ou menos, a depender
da clientela.
excelentes recursos a inserir nos programas deTHS. Filmes co­
merciais geralmente não apresentam pretensões didáticas, mas • Evitar contrapor-se a crenças dos participantes, aguardando
momento propício para esclarecimento, quando for o caso.

112 113
Outro procedimento instrucional é o uso de exercic10s
com base em textos de descrição de interações, para a aná­
lise e desempenho individual ou em pequenos grupos. Esse
procedimento deve estar associado à exposição ao grupo, com
feedback imediato do terapeuta e dos demais participantes.
Como exemplo, no capítulo 10, podem ser encontrados exer­
cícios para a compreensão e exercício da assertividade e da
empatia. Esses recursos são pertinentes ao atendimento indivi­
dual ou de grupo.

114
Outro procedimento instrucional é o uso de exercic10s
com base em textos de descrição de interações, para a aná­
lise e desempenho individual ou em pequenos grupos. Esse
procedimento deve estar associado à exposição ao grupo, com 7.
feedback imediato do terapeuta e dos demais participantes.
Como exemplo, no capítulo 10, podem ser encontrados exer­ COMO PROMOVER OS REQUISITOS
cícios para a compreensão e exercício da assertividade e da
empatia. Esses recursos são pertinentes ao atendimento indivi­
DA COMPETÊNCIA SOCIAL
dual ou de grupo.
Quando a gente pensa que sabe todas as respostas,
vem a vida e muda todas as perguntas.
Provérbio escandinavo

Neste capítulo são apresentadas orientações específicas


para a promoção de cada um dos requisitos da Competência
Social, com ênfase nas possibilidades relacionadas às vivências,
tarefas de casa e atividades instrucionais. Em cada uma delas es­
pera-se também que o terapeuta utilize, de forma pertinente, os
recursos multimídia e as técnicas de reforçamento, modelagem,
modelação, feedback, reestruturação cognitiva etc., conforme
apresentado no capítulo 6.

Variabilidade de Habilidades Sociais


O uso de vivências constitui condição especialmente pro­
pícia para promover a variabilidade. Nessa situação, tanto no
atendimento em grupo como no individualizado, o cliente entra
em contato com as contingências da tarefa interpessoal sob a
mediação do terapeuta. Ele é solicitado a descrever seus com­
portamentos e a identificar antecedentes e consequentes. As
situações de vivências são oportunas para a aprendizagem· de
variabilidade comportamental, mesmo quando a vivência não
foi planejada para promovê-la. Os exemplos de procedimentos

114
do terapeuta a seguir são válidos para intervenções de grupo, • Expor alternativas para dar continuidade à interação e as
contudo, adequam-se também ao formato individual: prováveis consequências de cada uma.
• Solicitar ao participante que retorne à situação prévia da • Relatar o que decidiu que fará em seguida.
vivência e apresente desempenho diferente do anterior. Também aos participantes do Grupo de Observação (GO),
• Instruir os interlocutores ( também membros do GV) a ao final ou em determinado momento de uma vivência, podem
reagirem diferencialmente conforme a qualidade da alter­ ser solicitadas análises semelhantes. Trata-se de um arranjo de
nativa apresentada pelo participante. condições para que os membros do GO se mantenham aten­
• Indicar membros do GO para dar feedback positivo a de­ tos, observando e, dessa forma, aumentando a probabilidade
sempenhos mais prováveis de resultar em consequências de aprender por modelação. De igual modo, é possível e viável
favoráveis diante das demandas da situação vivencial. pedir a análise de contingências de interações observadas ime­
A exposição direta do cliente às condições e efeitos do seu diatamente antes na vivência.
desempenho diretamente na sessão ou relatado nas tarefas de Em um atendimento, por exemplo, uma das participantes
casa pode, ainda, ampliar a sensibilidade às contingências. Isso tinha por padrão falar de doenças sempre que encontrava al­
ocorre devido ao treino de observação e de análise de contin­ guma "deixà' para isso, o que a tornava pouc:o interessante para
gências, o que favorece: seu interlocutor. Nesse caso, discutiu-se com a cliente e demais
• Testar variações da mesma habilidade e as consequências membros do grupo estratégias que as pessoas utilizam para
associadas a diferenças de desempenho e de contingên­ obter atenção, o que inclui comportamentos de queixas sobre
cias, mesmo as mais sutis. doenças. Os membros do grupo afirmaram que esta é uma for­
• Discriminar adaptações necessárias no desempenho da ma de obter atenção, mas por pouco tempo, pois produz afasta­
tarefa diante de diferentes demandas e contextos, como, mento e evitação dos demais. Na sequência, o terapeuta estru­
por exemplo, familiar, de trabalho, de estudo, de lazer etc. turou um role playing instruindo um dos membros do grupo na
interação para falar sobre doença e a participante para, logo que
possível, mudar o assunto da conversa. Com alguma dificuldade
Automonitoria e análise de contingências
inicial, a cliente conseguiu, em nova sequência, mudar o assun­
Ao conduzir uma vivência, o terapeuta tem muitas opor­ to, recebendo aprovação dos demais. O terapeuta lhe atribuiu,
tunidades de estabelecer ocasião para a aprendizagem da auto­ como TIC (Tarefa Interpessoal de Casa), listar diferentes temas
monitoria. Um meio simples é interromper um desempenho na para conversar e mudar de assunto quando alguém falasse sobre
vivência e pedir para o participante: doenças ou remédios. Essa prática foi bem-sucedida e a cliente
• Descrever seu comportamento até o momento. começou a relatar episódios de conversação mais interessantes,
• Descrever o contexto e os comportamentos do interlocu­ observados também em sessão.
tor (verbais e não verbais). Em outro exemplo, com pré-escolares, Dias e Del Prette
• Avaliar se seus comportamentos alteraram ou não o curso (2015) relatam condições e aquisições de um grupo que passou
da interação no sentido pretendido. por intervenção especificamente voltada para a promoção de

116 117
automonitoria, com o uso de recursos lúdicos que ilustravam • Exercitar autoavaliação do participante do GV sobre seu
interações. A criança era solicitada a identificar quais ilustra­ desempenho.
ções representavam sua forma usual de se comportar e a prever • Prover consequências (elogio e feedback positivo) às aqui­
consequências para diferentes comportamentos sociais, o que sições dos participantes.
era complementado com treino em situações estruturadas de Nesse sentido, os efeitos prováveis de determinadas alterna­
demandas para a prática da automonitoria. tivas de desempenho no ambiente natural do cliente são testados
Adotar novo comportamento implica, geralmente, auto­ no contexto da sessão. Isso ocorre quando os participantes ava­
controle da impulsividade para responder da maneira habitual, liam ou são solicitados a avaliar o desempenho do colega em trei­
dispor de alternativas variadas e observar os efeitos. Para muitas namento, o que possibilita ampliar o conhecimento de todos so­
pessoas a dificuldade maior é exatamente essa "quebra de este­ bre os valores e normas do ambiente. Esses exercícios, juntamen­
reotipià' que deve, então, ser objeto de atenção do terapeuta. te com os de relato das Tarefas Interpessoais de Casa, constituem,
portanto, condições propícias para melhorar o conhecimento do
cliente sobre padrões de comportamentos esperados, tolerados
Conhecimento do a mbiente social
ou reprovados pelo ambiente social e a subcultura do grupo.
Programas de THS em formato grupal podem ser conside­
rados um microcosmo do ambiente social, porque trazem, para Na análise das tarefas de casa, pode-se proceder à identificação de
o contexto da sessão, as regras e normas de seus ambientes, o regras e normas sociais que estariam na base dos desempenhos re­
latados pelos participantes; a aceitação das normas pode implicar o
que é essencial na avaliação, aquisição e generalização de suas aperfeiçoamento do desempenho, mas a rejeição pode levar à análise
Habilidades Sociais. da importância do enfrentamento por meio de desempenhos alter­
Nas vivências, os participantes ( GV) reproduzem, de forma nativos, porém respeitando os critérios de Competência Social.
análoga ou simbólica, regras e normas do ambiente em que vi­
vem. Os participantes do GV, em suas análises efeedbacks, tam­ A aquisição de conhecimento pelo cliente requer acesso a
bém refletem as regras e normas da subcultura grupal. Cabe ao informações sobre os desempenhos aprovados, reprovados ou
terapeuta, portanto, potencializar essas condições. Algumas al­ tolerados diante de diferentes demandas da situação e da cultu­
ternativas são sugeridas: ra. Essas informações devem ser cotejadas com os critérios ins­
• Efetuar ou solicitar análises sobre a relação entre as con­ trumentais e éticos da Competência Social. Para isso, o terapeu­
tingências explícitas ou implícitas na vivência e os desem­ ta pode conduzir e mediar atividades instrucionais, tais como:
penhos dos participantes do GV. • Reflexão sobre as tarefas e relações interpessoais no con­
• Solicitar previsão de efeitos prováveis no ambiente natural texto histórico-cultural dos participantes.
para os desempenhos dos participantes do GV. ( Olga, se • Análise das interações vivenciadas na sessão, ou trazidas
você fizer dessa forma na conversa com a mãe, como acha por meio de relato, considerando os padrões de convivên­
que ela irá reagir? E vocês do grupo, o que acham?) cia existentes e os critérios de Competência Social. ·
• Solicitar identificação de demandas para os comporta­ • Reconhecimento de direitos socialmente estabelecidos e
mentos do GV. (Em quais situações da vida de Olga ela situações de violação de direitos, considerando o processo
poderia agir dessa maneira?) histórico de conquista de direitos interpessoais.

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As Tarefas Interpessoais de Casa constituem condição im­ As atividades de análise e reflexão (exercícios instrucionais
portante para ampliação de tais conhecimentos. Tarefas que com textos escritos, exposição dialogada, leituras etc.) também
envolvem demandas de habilidades assertivas, empáticas, de podem ser orientadas para a promoção de valores de convivên­
abordagem afetivo-sexual, reivindicação de reajuste de salá­ cia.Trata-se, nesse caso, de ampliar a competência dos partici­
rio, colaboração em campanhas de solidariedade, contato com pantes para analisar, estimar ou prever consequências de dife­
autoridade etc. são exemplos de contextos que criam condição rentes opções de desempenho, além de inferir condições favorá­
para essas análises. veis e desfavoráveis à convivência saudável no ambiente.
A dimensão ética da Competência Social inclui, sempre que
possível, a atenção a ambos os polos da interação, seja ela diá­
Valores de convivência
dica, entre grupos ou mesmo entre estratos maiores. Nos dois
O desenvolvimento e a aprendizagem de valores devem ser primeiros casos, trata-se do indivíduo (participante da interven­
promovidos desde a mais tenra idade. Nesse sentido, a atuação ção) e do grupo em que está inserido, ou � seu grupo em relação
dos pais e demais educadores é fundamental. Algumas expe­ a outro grupo. Essa proposta é coerente com o princípio "ganha­
riências educativas na escola vêm se mostrando promissoras -ganhà: referente ao respeito aos direitos interpessoais, e com a
nessa direção (por exemplo, Borges & Marturano, 2012). Regra Áurea, ambos na base da Competência Social. Quanto às
questões relacionadas aos estratos amplos, como, por exemplo,
Quando os valores de convivência de uma pessoa são in­
filiações a diferentes religiões, times de futebol, partidos políti­
compatíveis com a noção de Competência Social, torna-se im­
cos etc., o princípio norteador é o do respeito às diferenças.
portante promovê-los em programas de THS, mesmo conside­
rando que o escopo de um programa pode ser insuficiente para Em síntese, a valorização de padrões de convivência sau­
alterá-los de forma significativa. No caso desses programas, o dáveis, compatíveis com desempenhos socialmente .competen­
Método Vivencial é recomendado porque facilita deslocar o foco tes, deveria constituir uma meta presente ao longo de todo o
de atenção: do indivíduo para o grupo e o contexto social. Por programa. Para isso, é fundamental que, sempre que surja a
exemplo: a _ vivência Valores nas interações sociais (capítulo 10) oportunidade, o terapeut-:1 direcione a atenção do grupo para
usa uma metáfora para ilustrar valores relevantes para as intera­ a identificação e análise dos critérios de Competência Social
ções-sociais e levar os participantes a refletir sobre as implicações pertinentes à dimensão ética, provendo inclusive model_o de
de interações sociais responsáveis. Adicionalmente, a vivência A atuação eticamente compromissada.
história de Joana6 permite discutir como, inadvertidamente, as
pessoas se deixam envolver por ideias preconcebidas mais do Autoconhecimento
que por uma análise objetiva dos comportamentos e contingên­
cias. Nela fica evidente o viés negativo ou preconceituoso sobre O contexto vivencial é uma condição especialmente favo­
as demais pessoas que se comportam de maneira diferente e rável para o autoconhecimento. O terapeuta pode maximizar
como isso afeta a qualidade das relações interpessoais. essa possibilidade:
• Salientando a relação entre o desempenho do participante
6. Há uma versão dessa vivência para crianças e jovens denominada Vamos co­ e as contingências imediatas da vivência (as demandas ou
nhecer Pedrinho. antecedentes e as consequências).

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