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Recebido em 19/05/2011
Aprovado em 19/06/2011 A multiplicidade dos aportes teóricos em Mediação deve-se à contribuição de
diferentes pensadores que, ao longo do tempo, têm agregado conhecimento a
essa prática e ampliado suas intervenções em quantidade e qualidade.
Como não faz restrição à profissão de origem, a Mediação pode enriquecer-
-se com olhares e contribuições advindos de distintos saberes – caráter trans-
* Em Interdisciplinaridad
disciplinar da Mediação*. Esse dinamismo dá à caixa de ferramentas um caráter
en Educación (1994, p. multidisciplinar e de perene construção. Aberta à atualização e a novos aportes
24), Ezequiem Ander-Egg – são inúmeras e constantes as ofertas nesse sentido –, a prática da Mediação
estabelece distinções
entre multidisciplinaridade, vem sendo enriquecida permanentemente**.
interdisciplinaridade e Dos inúmeros pilares teóricos passíveis de serem selecionados para compor a
transdisciplinaridade – uma
perspectiva epistemológica
base dessa prática, elegi: os norteadores éticos, o pensamento sistêmico, o pro-
que não somente entrecruza cesso de diálogo e os processos reflexivos. O solo onde esses quatro pilares estão
e interpenetra diferentes assentados é a linguagem – cenário no qual somos aculturados e para o qual
disciplinas como apaga os
limites entre elas, integrando- contribuímos com a nossa existência.
as em um único sistema. A linguagem como forma de expressão social é assim pensada pela filosofia
pragmática da linguagem*** e não deve ser examinada em abstrato, mas sim
** O compartilhamento de
conhecimento é premissa em relação ao contexto social e cultural que a constrói e utiliza. No campo da
para um mundo sistêmico no linguística e da comunicação, a análise de discursos**** tem como objetivo iden-
qual a articulação de saberes,
sua interdependência e
tificar a natureza dos textos oriundos de diferentes pontos de vista – ideológi-
complementaridade se co, contextual, social, político e cultural, dentre outros – e os considera como
evidenciam como benéficas construções sociais, e não individuais. Refletem não exclusivamente a visão de
quando consideradas. Essa
crença motiva a educação mundo de seu autor, mas também a época e a cultura em que estão imersos.
continuada preconizada pela Assim, os contextos emolduram os textos.
Mediação, como forma de
manter seus praticantes
Movida pela crença da coautoria como base de sustentação para toda e qual-
atualizados com relação a quer expressão de pensamento teórico – são sempre o produto de articulações
novos e constantes aportes.
feitas a partir do que foi lido ou deba- ral em português (do latim moralis
– usos e costumes; do grego éthicos
Pilares teóricos 69
tido anteriormente com interlocuto- da mediação de conflitos
res vários –, reafirmo que este texto é – doutrina do caráter). Para alguns, Tânia Almeida
um recorte feito pelo meu olhar, pelo moral e ética guardam semelhança.
sujeito social que sou, e estimulo os Para outros, distinção. Como moral, a
leitores a ampliarem essa base de sus- cultura ocidental entende o conjunto
tentação teórica. de valores e regras de ação propostos
Na minha dissertação de mestrado a indivíduos ou grupos por contextos
foram eleitas duas referências biblio- prescritivos, como a igreja, a família,
gráficas distintas de todas as demais as instituições de ensino, dentre ou-
para cada ferramenta que compõe o tros. Esses conjuntos são validados
conjunto relativo aos temas trabalha- como códigos morais, como princí-
dos – etapas do processo de Media- pios de conduta de um determinado
ção, procedimentos, aportes de co- contexto. Também denominamos
municação e de negociação. Mantive moral o nível de obediência demons-
esse formato com relação aos quatro trado pelo comportamento dos indi-
pilares teóricos aqui destacados. As víduos relativo a essas regras ou valo-
referências seguem comentadas para res. Para os que estabelecem distinção
possibilitar ao leitor a exploração das entre ética e moral, ética é gênero e
fontes a partir também da descrição moral, espécie. Ética diz respeito, em
sumarizada de cada obra. Há nessa primeira instância, à prática interati-
proposta um incentivo à busca de dis- va com o outro.
*** A filosofia pragmática
tintas naturezas de leitura para enri- Segundo Danilo Marcondes da linguagem tem no inglês
quecer as articulações que mediado- (2007), poderíamos distinguir três John Langshaw Austin
(1911-1960) um dos
res possam fazer, quando pensarem dimensões do que entendemos como maiores representantes desta
teoricamente. ética: (i) uma de costumes e práticas, ideia. Austin foi o primeiro
não dissociada da realidade sociocul- formulador da teoria dos
atos da fala. Junto com
tural concreta; (ii) uma prescritiva Wittgenstein (1889-1951)
I. Norteadores Éticos ou normativa, contida, por exemplo, valorizou o uso concreto dos
termos e expressões em seus
nos códigos de ética profissionais, contextos habituais de fala
A ética – do grego ethos –, que sig- cristãos, kantianos etc, regidas por (ordinary language).
nifica o conjunto de costumes, há- preocupações temáticas específicas; **** Foucault (1926-1984)
(iii) e outra reflexiva ou filosófica – a dedicou-se, igualmente,
bitos e valores de uma determinada
à análise de discursos,
sociedade ou cultura, diz respeito à metaética, que examina e discute os privilegiando não o estudo
nossa experiência social cotidiana e fundamentos das práticas e os valores de um discurso já pronto,
mas sim a sua produção.
convida-nos à permanente reflexão que as sustentam, permitindo a análi- Seu método arqueológico de
sobre como agimos na interação com se crítica por seus praticantes, ou não análise envolve a escavação,
a restauração e a exposição
o outro. Assim, a liberdade huma- praticantes. de discursos com o objetivo
na ficaria restrita por valores éticos, Com a velocidade das mudanças, o de enxergá-los articulados
introduzindo uma das noções mais dinâmico avanço tecnológico e a con- com um determinado
momento histórico. Não
fundamentais da ética, a do dever sequente diversidade de valores de há em sua arqueologia a
para com o outro. Ética e Mediação referência que caracterizam esse mo- busca da origem ou de
significados secretos, e sim
são do campo da prática, motivo mento histórico, a sensação de crise a busca da compreensão das
maior da articulação aqui feita. ética emerge e nos (re)coloca em con- condições que possibilitaram
tato com a relatividade de valores e a emergência de um discurso
A tradução romana de ethos – mos,
em um certo momento
moris – deu origem à palavra mo- normas de conduta e em permanente histórico.
Agir de forma que a ação possa ser da dessa natureza ética, pelo fato de
considerada universal (válida tam- considerar resultados, não diz respei-
bém para o outro) é princípio pre- to ao oportunismo sem princípios,
sente na Mediação quando esta soli- mas sim à responsabilidade.
cita que mediandos se proponham, A Mediação pede aos mediandos
em dupla mão, soluções de benefício que avaliem seus atos e decisões pau-
mútuo, pautadas também nas neces- tados na ética da responsabilidade,
sidades e possibilidades de todos. As contrariando, por vezes, convicções
necessidades e possibilidades de to- culturais. Solicita que examinem as
dos podem ser identificadas quando consequências de seus atos para todos
há permissão interna para visitar a os direta e indiretamente envolvidos,
perspectiva do outro. assim como os meios que utilizam
Max Weber, um dos fundadores para obter o que desejam e suas fina-
das ciências sociais contemporâneas, lidades.
preocupado com a influência do pro- Ambas – ética da convicção e éti-
testantismo calvinista na formação da ca da responsabilidade – não obri-
sociedade e da cultura europeias, teve gatoriamente se excluem. Quando
como um dos temas centrais de sua as considerações das consequências,
análise social e política a questão dos pertinentes à segunda, e os compro-
limites da responsabilidade moral. missos com as convicções relativos
Weber formulou a célebre dis- à primeira entrarem em conflito em
tinção entre uma ética pautada na um processo de Mediação, a decisão
convicção e uma ética pautada na deverá ser conscientemente tomada
responsabilidade, oferecendo novos no sentido de qual dos dois nortea-
vieses para a análise das condutas in- dores deverá prevalecer.
terativas humanas.
A ética da convicção estaria assen-
tada no compromisso com valores II. Pensamento Sistêmico
associados a determinadas crenças,
religiosas ou não. Seria mais rígida e Thomas Kuhn (2006), ao investi-
dogmática e daria mais importância às gar o processo das descobertas e in-
intenções dos praticantes do que aos venções humanas, contribuiu tam-
resultados de seus atos. Vale ressaltar bém para dar destaque à ideia de
que, mesmo atendendo a essas carac- paradigma (do grego parádigma, mo-
terísticas, a prática advinda dessa na- delo, padrão): um sistema de crenças
tureza ética, pelo fato de desconsiderar que rege nossa visão de mundo, a in-
resultados, não diz respeito à irrespon- terpretação dos fatos, nossas ações e
sabilidade, mas sim à convicção. curiosidade.
A ética da responsabilidade estaria Paradigmas são construídos ao
assentada em atos cujas consequên- longo da existência a partir da micro-
cias, assim como a relação entre meios cultura familiar, do tempo, lugar, mo-
e fins, seriam avaliadas. Seria mais mento e contexto em que vivemos.
crítica, preocupada com a prática e Os paradigmas compartilhados cons-