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Sandrina Antunes
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A CULTURA NA NEGOCIAÇÃO
INTERNACIONAL
Modelos teóricos, dicas e táticas
Introdução
A cultura é muitas vezes percebida como um elemento
secundário na negociação. Contudo, o ambiente cultural em
que decorre uma negociação constitui uma dimensão menos
visível, porém não menos importante da mesma. Ao
negociarmos, cada um de nós transporta consigo padrões de
pensamento e de comportamento que interferem no modo
como avaliamos e gerimos o processo negocial. A aquisição
desses comportamentos ocorreu num determinado ambiente
social e cultural que importa conhecer para poder antecipar
decisões e moldar reações no decorrer de uma negociação.
Este processo de aprendizagem decorre ao longo da vida, e
pelo hábito da repetição, sedimenta uma predisposição do
corpo e da mente, que Pierre Bourdieu (2002) designaria de
habitus e que Geert Hofstede (1991) designaria de
programação mental. Posteriormente, é com base neste
princípio ordenador da aprendizagem em contextos culturais
diferenciados que Richard Lewis (2006) identificaria três
grandes tipos de culturas – culturas linear-ativas, culturas
multiativas e culturas reativas –, procedendo, assim, à
arrumação da complexidade das manifestações culturais na
simplicidade de um modelo teórico.
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A cultura na negociação
internacional: os modelos teóricos
Pierre Bourdieu e a orquestração silenciosa
do Habitus
O conceito de habitus tem uma longa história nas ciências
humanas. Palavra latina utilizada pela tradição escolástica, o
conceito de habitus traduz a noção grega hexis utilizada por
Aristóteles para designar características adquiridas do corpo
e da alma que orientam os nossos sentimentos e condicionam
o nosso comportamento. Posteriormente, no sec. XIII, o termo
foi traduzido para Latim como habitus por Tomás de Aquino.
Ao traduzir esta palavra para habitus, o termo adquiriu o
sentido de «disposição» para a acção, isto é, enquanto
«capacidade suspensa» entre a potência e a acção
propositada. Mais tarde, Émile Durkheim viria a recuperar o
conceito para designar um estado geral dos indivíduos, estado
interior e profundo, que orienta suas ações de forma durável.
Contudo, é no trabalho de Pierre Bourdieu que encontramos a
mais completa renovação sociológica do conceito delineado
para transcender a oposição entre objetividade e subjetividade.
Em Bourdieu, o conceito de habitus surgiu da necessidade
empírica de apreender as relações de afinidade entre o
comportamento dos agentes, as estruturas e os
condicionamentos sociais. O habitus é, portanto, uma noção
mediadora que ajuda a romper com a dualidade entre o
Habitus
indivíduo e a sociedade. Em suma, a noção de habitus traduz
o modo como a sociedade se torna depositada nas pessoas sob
Sistema de disposições a forma de disposições duráveis, ou capacidades treinadas e
duráveis e propensões estruturadas para pensar, sentir e agir perante
transponíveis que,
integrando todas as
constrangimentos e solicitações do seu meio social existente.
experiências duráveis Para Bourdieu, o habitus deverá ser entendido como um
e transponíveis,
funciona como uma
sistema de disposições duráveis e transponíveis que,
matriz de perceções, integrando todas as experiências passadas, funciona como uma
apreciações e ações. matriz de perceções, apreciações e ações e permite cumprir
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Grau de
Distância
individualismo
hierárquica
vs. coletivismo
Grau de
Grau de
masculinidade
incerteza
vs. feminilidade
A distância hierárquica
A distância hierárquica pode ser definida como a medida do
grau de aceitação por aqueles que têm menos poder nas
instituições e organizações de um país, de uma repartição
desigual do poder (Hofstede, 1991, p. 42). Por instituições,
Hofstede entende os elementos fundamentais de uma Distância hierárquica
sociedade, tais como a família, a escola e a comunidade; por
Medida do grau de
organizações entende os diferentes locais de trabalho. A aceitação por aqueles
distância hierárquica é medida a partir dos sistemas de valores que têm menos poder
daqueles que têm menos poder. Segundo este autor, os índices nas instituições e
de distância hierárquica informam-nos sobre as relações de organizações de um
país, de uma
dependência num determinado país. Quanto mais alto for o repartição desigual do
índice de distância hierárquica, mais os subalternos aceitam poder.
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O grau de incerteza
A última dimensão de análise sinalizada pelo modelo de
Hofstede diz respeito ao grau de controlo da incerteza que se
define pelo grau de inquietude que os habitantes de um país
sentem face a situações incertas ou desconhecidas. Este
parâmetro poderá ser entendido como uma inquietação de Grau de incerteza
espírito ou impaciência face ao desconhecido que se manifesta Grau de inquietude
pelo stress e a necessidade de previsibilidade. Esta que os habitantes de
manifestação poderá assemelhar-se a um estado de ansiedade um país sentem face a
que a generalidade de uma população sente face a uma situações incertas ou
desconhecidas.
situação inesperada. A incerteza não deve ser confundida com
o medo que se tem de um objeto bem definido: temos medo
de algo; a ansiedade não tem objeto. De igual modo, segundo
Hofstede, não se deve confundir controlo da incerteza e
controlo de risco: a incerteza está para o risco assim como está
ansiedade para o medo. O risco e o medo centram-se em algo
concreto: um objeto no caso do medo, um acontecimento no
caso do risco (Hofstede, 1991, p. 139) enquanto que a incerteza
e a ansiedade são ambos sentimentos difusos. A ansiedade,
como dissemos anteriormente, não tem objeto. A incerteza
não está ligada a nenhuma probabilidade; é a sensação de que
qualquer coisa, não se sabe o quê, possa ocorrer. Logo que a
incerteza se exprima em termos de risco, deixa de ser fonte de
ansiedade. Ela pode transformar-se numa fonte de medo, mas
pode também ser aceite como fazendo parte da rotina diária.
De acordo com a ordenação apresentada por Hofstede (ver
tabela 3.4), observamos que os países que acusam um maior
grau de incerteza são países provenientes do Sul da Europa
como é o caso da Grécia e de Portugal em claro contraste com
os países oriundos do Norte da Europa como é o caso da
Dinamarca, da Suécia, do Reino-Unido e da Irlanda. Países do
continente Europeu como sendo a Rússia, Ucrânia, Eslovénia,
Espanha e França apresentam níveis de incerteza igualmente
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Fonte: gráfico elaborado pela autora com base nos dados de Lewis (2006)
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Culturas Multiativas
Como foi referido anteriormente, culturas multiativas são
Culturas multiativas culturas que tendem a executar várias tarefas ao mesmo
tempo, de forma desordenada e não planeada. São
Culturas que tendem a
executar várias tarefas extrovertidas e flexíveis. Privilegiam a relação humana na
ao mesmo tempo, de negociação, mas recorrem frequentemente à emoção no
forma desordenada e momento da confrontação. Ao serem culturas tendencial-
não planeada. São mente desorganizadas, acabam por desenvolver uma grande
extrovertidas e
flexíveis. Privilegiam a capacidade de improvisação. A pontualidade não é uma
relação humana na característica destas culturas, embora sejam bons ouvintes e
negociação, mas estejam particularmente atentas à dimensão humana da
recorrem relação negocial. Estas culturas são tipicamente policrónicas,
frequentemente à
pelo que apreciam executar várias tarefas ao mesmo tempo,
emoção no momento
da confrontação. o que poderá contribuir para a irritação das culturas linear-
ativas. Os negociadores provenientes destas culturas são
faladores, impacientes, curiosos, extrovertidos, emotivos,
imprevisíveis, criativos e afáveis. São indivíduos que apreciam
o contacto pessoal e buscam nos seus conhecimentos a
influência que poderá contribuir para a resolução do diferendo.
São intuitivos e barulhentos e manifestam a sua emoção sem
qualquer pudor, mediante o recurso por vezes excessivo da
linguagem corporal. Nesta tipologia, encontramos países como
Itália (Sul de Itália), Portugal, Espanha, países da América do
Sul, países Árabes e Africanos.
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Culturas Reativas
As culturas reativas são culturas que raramente tomam a
iniciativa da ação ou discussão, preferindo ouvir e registar o Culturas reativas
posicionamento do outro, para depois reagir. São culturas que
privilegiam o silêncio e a escuta, concentrando-se primeiro Culturas que
naquilo que o outro diz. Negociadores oriundos destas culturas raramente tomam a
iniciativa da ação ou
são introvertidos e respeitadores da diferença. Possuem uma discussão, preferindo
visão holística da situação negocial, atendendo a aspetos ouvir e registar o
pessoais e materiais implicados no processo negocial. São posicionamento do
pessoas que cultivam a paciência, o respeito, evitando a outro, para depois
reagir. São culturas
confrontação direta. A sua linguagem corporal é discreta. São
que privilegiam o
organizados embora flexíveis, procurando manter o contacto silêncio e a escuta,
com o outro. Culturas reativas privilegiam a relação sobre o concentrando-se
compromisso. Comunicam sob a forma de monólogos, primeiro naquilo o que
intercalados por momentos de pausa e de silêncio. Planificam o outro diz.
Negociadores oriundos
com calma e com tempo. Evitam a confrontação direta e o destas culturas são
contacto face a face, o que poderá dificultar a relação negocial introvertidos e
entre culturas linear-ativas e multiativas. Estas culturas respeitadores da
esforçam-se por encontrar soluções de compromisso que diferença
possam atender aos seus interesses, sem nunca descurar a
questão da honra coletiva. Países como o Japão, China, Taiwan,
Singapura, Hong Kong e Finlândia são por excelência culturas
reativas (ver gráfico 3.2).
Gráfico 3.2: Culturas Reativas
Fonte: Gráfico elaborado pela autora com base nos dados de Lewis (2006)
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Conclusão
Neste capítulo, procurámos abordar a questão da importância
da comunicação intercultural em contexto negocial. Enquanto
condição objetiva e subjetiva da condição humana, o desafio
da multiculturalidade ajuda-nos a compreender a visão
particular e particularista do valor de qualquer compromisso
negocial. Nesse sentido, o reconhecimento da diversidade
cultural enquanto inevitabilidade da vivência e convivência
humana obrigará o negociador a adquirir competências socais
e culturais que o habilitarão a comunicar com eficácia em
contexto negocial. O propósito deste capítulo foi contribuir
para a identificação de referenciais teóricos que poderão ser
utilizados como um guião na preparação de uma negociação
internacional. Em suma, poderemos concluir que a compre-
ensão do fenómeno da interculturalidade ajudar-nos-á a
negociar melhor, por entre a diversidade dos olhares, para que
o diálogo e os ganhos mútuos possam prevalecer.
Perguntas de revisão
1. Qual a importância da comunicação intercultural na
negociação?
2. O que entende por habitus?
3. O que entende por programação mental?
4. Identifique cinco dicas e táticas para uma negociação
bem-sucedida.
5. O que entende por culturas linear-ativas, multi-ativas e
reativas? Exemplifique cada uma destas categorias de
culturas.
Bibliografia principal
Bourdieu, P. (1983). Sociologia (tradução de Paula Montero e Alicia Auzmendi). São
Paulo: Ática.
Bourdieu, P. (2002). Esboço de uma teoria da prática (tradução de Miguel Serras
Pereira). Oeiras: Celta.
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Bibliografia complementar
Dawson, R. (2011). Body Language: how to read people. In Secrets of Power Negoti-
ating: inside secrets from a Master negotiator (pp. 249-260). Pompton Plains:
Career Press.
Hall, E. T., & Hall, M. R. (1983). Understanding Cultural Differences: Germans, French,
and Americans. Yamouth, ME: Intercultural Press.
Saner, R. (2012). Cross-cultural factors in the Expert Negotiator (4th revised edition,
pp. 263-274), Leiden/Boston: Martinus Nijhoff Publishers.
Pease, A., & Pease, B. (2006). Linguagem Corporal. Lisboa: Editora Bizâncio.
Nota biográfica
Sandrina Antunes é Doutora em Ciência Política pela Universidade Libre de
Bruxelles (Bélgica). É actualmente Professora Auxiliar do Departamento de
Relações Internacionais e Administração Pública da Universidade do Minho
e Scientific Fellow na Universidade Libre de Bruxelas. Colaborou com o
Comité das Regiões (2000) e com a Assembleia das Regiões da Europa (2001)
em Bruxelas em 2000 e 2001. Foi consultora política do Governo da
Catalunha (2017). A sua investigação incide sobre processos de
descentralização na Europa, com especial destaque para a análise dos
movimentos regionalistas e nacionalistas na União Europeia. Leciona a
cadeira de Negociação Internacional na Universidade do Minho às
licenciaturas em Relações Internacionais e Ciência Política desde o ano de
2010.
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