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IV - APÊNDICE 



Normas como Condição Necessária
para a Comunicação

Regras Implícitas

Conhecimento e Ética

Viso com este apêndice explicar o postulado da anterioridade dos axiomas


– a servirem como critério a ser aplicado – como condição necessária de toda
atividades intelectiva, afetiva e mesmo motriz. Durante séculos vivemos a
dissociação entre axiologia e gnoseologia, entre valores e conhecimento. Minha
tese é a afirmação da necessidade axiomática para o desdobramento
argumentativo-explicativo-interpelativo. A ética comunicativa é uma instância
regulativa a conferir a identidade de conhecimento: sentido, inferência, hipótese,
refutação, tese, qualidade dos argumentos etc. a partir da filosofia regressiva que
reflete sobre a gênese da premissa prima (axioma fundante ou princípio), na
recusa do argumento “auto-evidente” que resiste a compreender o processo
gerador do axioma fundante, importando-se apenas com as derivações
(inferências) após o posto (pressuposto) dos axiomas no início do trâmite
silogístico.
Os diferentes interesses de grupos segregadores – quando prevalecem –
condicionam os desvios sistemáticos da comunicação; porém, assim como uma lei
se instala precisamente onde há um desrespeito intersubjetivo de alguma ordem,
as regras constitutivas (estruturadas) e constituindo (estruturante) não seguem a
questão reativa do comportamento das pessoas (como nas leis formais), mas são
uma rede de pressupostos introjetados. Tais conteúdos introjetados são as
condições de combinação, associação, derivação lógica e demonstração retórica e,
como condição de possibilidade de consenso, de acordo de sentido, verdade e

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validade, expressam os aspectos ideativos pelos quais os signos sofrem
encadeamentos, significados e transformações (derivações apodícticas = lógica;
derivações hipotéticas = retórica).

Apel pergunta, no entanto, que não existe (…) correspondência entre a


comunidade real de interpretação, pressuposta pelos que argumentam numa situação
finita, e o ideal da comunidade ilimitada de interpretação, pois a primeira está sujeita à
limitação da consciência, aos interesses do gênero humano, divisão de nações, lutas de
classe, jogos lingüísticos e formas de vida. Neste horizonte, há um contraste entre o
ideal e a realidade da interpretação e deste contraste segue o princípio regulativo do
progresso prático que pode e deve estar enlaçado com o progresso da interpretação.
(COSTA-APEL, 2002: 65 e 66).

Afirmar algo que não se configura como conhecimento: seja pela


semântica, sintaxe ou pragmática é gerar tensão pela expectativa não cumprida e é
análogo a alguém que promete e não cumpre: a diferença é que a quebra da
expectativa normativa das pretensões argumentativas geram maiores conflitos:
pois implicam numa manipulação de visão de mundo e mesmo de exemplo anti-
social de maior gravidade. Husserl estudou as visadas, os modos pelos quais
determinados atos psíquicos (operatividade em jogo na articulação sígnica) como
algo estrutural, declarando sua universalidade. Ele está certo quanto a isso!
Porém, não incluiu as relações externas (extralingüísticas) em seu bojo
explicativo... apesar de postular que qualquer fenômeno – até mesmo os afetivos e
internos – podem ser descritos em seu processo. O que fica confuso é como é
possível aplicar o método fenomenológico (com a egologia = estudo das visadas
epistêmicas) dissociada das visadas intencionais-instrumentais (funcionais) e as
psico-afetivas. Se a dialética externo-interno é global, então é necessário
considerar – não unicamente mas incluindo o aspecto estrutural da significação –
o momento pragmático como fator constituinte da significação = processo de
significar. Se as reações lógico-categorias incidem para aspectos sensoriais-
cognitivos, podemo-los aplicar nos aspectos funcionais e afetivos também. A
diferença desta com aquela difere pela região externa a que o significado está
submetido: o evento intersubjetivo tem uma peculiaridade que os objetos naturais
não têm: as intenções e implicações como fatores a considerar com um conteúdo
singular a ser manifestado.
Sendo assim, se a dimensão natural pouco deve – exceção à instituição da

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língua como meio – a determinações sociais para uma explicação precisa e
sistemática (lógico-semântico) por um indivíduo com grande autonomia para
explicar o produto de suas visadas; já, a dimensão sócio-cultural e psico-afetiva
devem muito mais suas determinações de significado à dimensão sócio-
institucionais e culturais (pragmática) dependem muito mais a externalidade como
critérios para as visadas subjetivas do que no caso anterior, em que o objeto de
estudo é natural, que deve uma margem grande dependendo do indivíduo singular:
pois este detém as operações mentais comuns; e, por outro lado, o ambiente
externo (sócio-cultural) envolve outros aspectos (intencionais e instrumentais) no
trato intersubjetivo: sendo o processo significador altamente influenciado e
dependente das relações externas e suas implicações psicossociais.

(…). Ao usar a linguagem, estamos agindo em um contexto social, e nossos atos são
significativos e eficazes apenas na medida em que correspondem às determinações
dessas “formas de vida”, dessas práticas e instituições sociais. Em seu uso da
linguagem, os falantes seguem regras, não apenas lingüísticas stricto senso (isto é,
gramaticais, fonéticas, semânticas), mas sobretudo pragmáticas. (OLIVEIRA, 1996:
158).

Como a consciência humana é intencional, atingir metas é inerente ao ser


humano, (assim como em outros animais) dependemos duma apreciação quanto
ao o que fazer, como fazer, com quais meios e para quais fins. Todo este cálculo
finalístico e intencional (= funcional) pesa valores: ou seja, avalia as implicações
dos resultados e mesmo a possibilidade do resultado almejado perante os meios
empregados. Já que a linguagem debruça-se sobre a própria linguagem através
dela mesma, o pensamento debruça-se por si mesmo na linguagem instituída
(textos), na comparação entre os discursos (inter-textos), nas normas da língua
(intra-texto) e sobre o solo das formas de vida coletiva (contexto).

(…) o discurso humano recebe a capacidade de refletir sobre a linguagem mediante a


linguagem e, portanto, de <traduzir> e de <reconstruir a linguagem>, como também a
capacidade de fazer <ciência da linguagem> e <filosofia da linguagem>. (…) se pode
chegar a um acordo racional válido e intersubjetivamente constituído sobre o sentido
de tudo o que é humano, logo, sobre o sentido do agir (ética) e pensar (conhecimento)
humanos, e sobre o sentido e a validade de uma pretensão intersubjetiva à verdade.
(…) a necessidade de um acordo sobre o sentido dos significados lingüísticos

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expressam evidentemente uma e mesma reflexividade da razão humana e de tal modo
que a razão, com a ajuda da linguagem, tem que elaborar uma interpretação do mundo
e, com a ajuda da interpretação do mundo, construir um sistema semântico da
linguagem, o qual deve se estabelecer em um nível ético-comunicativo, ético-
discursivo, se quiser se constituir como sentido racional e intersubjetivamente válido.
(COSTA-APEL, 2002: 8).

(…), pressuposições elas próprias podem ser identificadas tornando claro, para quem
conteste as reconstruções que foram propostas inicialmente de maneira hipotética,
como ele se envolve em contradições performativas. Ao fazer isso, temos que apelar à
pré-compreensão intuitiva com a qual todo sujeito capaz de falar e agir entra em
argumentação. (HABERMAS, 1989: 112 e 113).

Meu programa de investigação sobre as condições de sentido (na relação


de suas partes constitutivas) é similar ao programa de Hilbert, pelo qual Rudolf
Carnap levou adiante sistematizando seu programa formal de normatizar seu
emprego nas ciências e na filosofia. A primeira citação é de autoria de D. Hilbert,
e a segunda, de R. Carnap.

a) um vocabulário, apresentando os símbolos usados no sistema;


b) regras de formação, determinando que cadeias de símbolos são aceitáveis como
fórmulas corretas, isto é, como fórmulas sintaticamente certas;
c) axiomas, que abranjam as fórmulas sistemáticas não provadas407;
d) regras de inferência, que determinam como a partir das fórmulas estabelecidas se
podem conseguir novas fórmulas. (OLIVEIRA, 1996: 79).

A primeira tentativa de Carnap de desenvolver uma teoria da semântica


fundamenta-se na concepção de que a significação de uma expressão lingüística é o
objeto, a qualidade, o acontecimento etc. a que ela se refere quando se trata de
formulação lingüísticas inferiores à frase e, quando se trata de uma frase, as condições

407 A diferença entre a proposta de Hilbert e a minha é que ele repete, reproduz a asserção
“axiomas não se provam”, o que equivale a dizer que podemos partir de qualquer um deles,
ou mesmo que tais não carecem de avaliação pois são “evidentes” ou “indemonstráveis”.
Avaliar os axiomas é tratá-los pelos resultados que obtemos da aplicação deles (os axiomas).
Aprofundarei tal tema dissertando sobre o auto-evidente e a indemonstrabilidade dos
axiomas quando tratar sobre a Filosofia Regressiva de Perelman e as considerações de
Habermas.

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sob as quais ela é verdadeira. Uma semântica se apresenta quando as regras sintáticas
são completadas por regras de designação, que especificam as coisas às quais as
expressões lingüísticas se relacionam e as regras de verdade que explicitam as
condições de verdade. É nesse contexto que Carnap desenvolve sua célebre distinção
entre intensão e extensão. Em primeiro lugar, essa distinção é vista à partir dos
predicados: a intensão de um predicado é sua significação, isto é, um conceito,
enquanto a extensão é a classe dos objetos subsumíveis sob esse conceito. Assim,
enquanto a pergunta a respeito da semelhança ou identidade da intenção de predicados
é uma pergunta lingüística, a mesma pergunta relativa à extensão, é uma pergunta
empírica. (…). Essa doutrina da distinção entre intensão e a extensão dos predicados é
aplicada por Carnap aos nomes próprios e às frases. Assim: a intensão de uma frase é
a proposição, a extensão seu valor de verdade; a intensão de um nome é seu conceito
individual, a extensão é o objeto por ele designado. (OLIVEIRA, 1996: 84).

Uma regra, uma norma lingüística, lógica e retórica são esquemas gerais –
já testados – que internalizamos por repetição e aprendizado, com o propósito de
fazermos o bom uso delas. Para tanto, faz-se mister uma adequação, uma
correspondência entre: entre letras e representantes (ortografia); entre gráfico e
pronúncia (ortopedia ou ortoépia); entre representante e o representando (nome e
coisa-objeto = taxonomia); entre gêneros e espécies (morfologia); entre
composição do morfema em unidades (morfologia) entre classes de palavras e sua
combinação (morfossintaxe); entre significado e combinação (regras de seleção
lexical); entre modo de expressão e significado (estilística); entre significado e
representado (semântica-ontologia); entre significado e contexto de situação
(pragmática); entre ou duas ou mais premissas e uma possível conclusão
(inferências: dedução e indução); entre discurso e demonstração (argumentos
para uma tese); entre recursos lingüísticos e convencimento quase-lógicos
[retórica e parcialmente a estilística (no tocante às figuras)]; entre significado e
efeitos (pragmática); entre significados e campos (critérios de agrupamento
paradigmático = campos semânticos); entre palavras e associações operativas
(campo de associações); entre significado e intenção (teleologia); entre critérios e
casos singulares a que foram aplicados (axiologia); entre ação (meios e fins) e
resultado (ética); etc. Este elenco exaustivo sintetiza minhas incursões temáticas
sobre tais relações que detêm – ainda que implicitamente – normas a serem
aplicadas para um uso responsável da comunicação.
A cada combinação, a cada associação, a cada inferência, a cada hipótese

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plausível, a cada problematização, a cada correção teórica é necessário um
domínio (ainda que intuitivo ou inconsciente) das relações entre representantes,
representações e representados somados aos significados associados a eles; todos
eles gerando significados (tanto pelo eixo sintagmático como pelo paradigmático),
a cada pesar de valores, a cada decisão está envolvido uma rede complexa –
porém sistêmica – de deveres operacionais!

Segundo M. Oliveira, na compreensão de Apel a tarefa da filosofia consiste em


explicitar as condições, por nós sempre pressupostas, da possibilidade e validade de
toda argumentação, de modo que “... a filosofia vai além da 'prova crítica' que o
racionalismo crítico propõe como substituição da fundamentação: ela pretende
reconstruir as condições necessárias de prova crítica enquanto argumentação” (Cf. M.
Oliveira, Reviravolta lingüístico-pragmática na filosofia contemporânea, São Paulo,
1996, p. 280); ora, Apel pretende mostrar que “a auto-reflexão realizada e uma
maneira lingüisticamente responsável – isto é, em enunciados performativos e
proposicionais implicitamente auto-referenciais – do pensamento e de sua pretensão à
verdade, representa o paradigma genuíno da racionalidade filosófica” (Cf. APEL,
Karl-Otto, Estudios éticos, Barcelona, 1986, p. 105-174) e mais, ele quer fazer valer o
método da auto-reflexão pragmático-transcendental, enquanto paradigma da
autofundamentação última (último, no sentido de que não se pode negar sem incorrer
em autocontradição performativa) filosófica, frente ao paradigma da demonstração
lógico-formal. Cf. APEL, Karl-Otto. Teoría de la verdade y ética del discurso,
Barcelona-Buenos Aires-México, 1991, p. 37 a 145. (COSTA-APEL, 2002: 102).

Tais deveres são fruto de acordos sobre as normas aplicativas


(especificamente no plano do discurso). A filosofia da consciência (Kant e
Husserl), com todas suas contribuições genuínas, cede à uma abertura para se
integrar a outros momentos constitutivos duma semiose humana (natural e
cultural) da linguagem, dos signos enquanto mediadores e elementos
constituidores do pensar, sentir e agir.

(…) Seres humanos são diferentes, opostos entre si em diferentes dimensões. A razão
humana tem a ver com o que é comum, universal e, portanto, neste nível, com o que
possibilita a unidade de convivência na diferença. Desta forma, pode-se dizer que uma
sociedade é racional quando ela resolve seus conflitos a partir do reconhecimento de
regras comuns de validade universal. (COSTA-APEL, 2002: XV). Obs.: Apresentação
de Carlos R. V. Cirne-Limae Manfredo Araújo de Oliveira.

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(…) a reflexão crítica da idéia de filosofia transcendental, ao vincular o conceito de
razão com o conceito de linguagem, implica uma nova concepção de reflexão
transcendental, ou seja, implica compreender a reflexão transcendental identificada
não com a problemática da consciência como medium, mas com a problemática da
linguagem como tema e medium da reflexão transcendental; o que tem como
implicação fundamental que toda constituição racional de sentido intersubjetivo
humano tem como medium transcendental a comunidade de comunicação e sua
dimensão ético-comunicativa, ético-discursiva. (COSTA-APEL, 2002: 7).

Este autor ao explicar que a implicitação – o que acarreta a anterioridade


dos critérios aplicativos já engendrados nos estratos extra/intra (lingüísticos) –
antecede as derivações, corresponde respectivamente às regras de formação de
Carnap para um bom desempenho. O que é uma qualidade no desempenho? É a
regularidade com que aplicamos os critérios gerais a casos, sendo tais axiomas
deduzidos das relações intra e extra lingüísticos para que um consenso sobre
validade, sentido e verdade do campo representativo e o conteúdo representado
corresponda: ou seja, uma tradução simbólica da experiência icônica, indicial e
simbólica.

Nessa perspectiva, pode-se dizer, com Apel, que quando o falante efetivamente
argumenta para obter o reconhecimento de sua pretensão de poder, reconheceu,
também, implicitamente, através da intenção de convencimento de sua própria
argumentação, que o uso da linguagem abertamente estratégico é basicamente
<parasitário> em relação ao <uso orientado ao entendimento>, pois, ao argumentar,
colocou-se na posição de interlocutor em relação ao reconhecimento de pretensões de
validade, embora a questão da validade – por exemplo, da pretensão à verdade ou da
pretensão à correção normativa – esteja, neste caso, restringida pela superioridade
fática da posição de poder do falante. (COSTA-APEL, 2002: 273).

A situação ideal de linguagem é penhor de que podemos ligar a um consenso,


factualmente alcançado, a pretensão do verdadeiro consenso. Ao mesmo tempo, essa
antecipação é uma “medida crítica” na qual qualquer consenso atingido faticamente
pode ser posto à prova, ou seja, perguntar-se se ele contém um indicador suficiente da
verdadeira compreensão. (OLIVEIRA, 1996: 317).

Neste ínterim, filosofar é uma elaboração simbólica (pensar por conceitos)


nos outros signos e mesmo nos outros símbolos, daí a capacidade de debruçarmo-

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nos sobre os discursos para apreciá-los (aprendermos e corrigi-los) – a ambos
pautados num exercício normativo-aplicativo, geralmente de maneira implícita,
intuitiva. A assim chamada reflexão pragmático-transcendental:

(…) fundamenta a dimensão reflexiva da linguagem como instância normativa do


pensar e agir humanos e, também, a unidade da filosofia como unidade entre razão
teórica e prática, verdade e ética. Esta unidade entre razão teórica e prática tem como
uma de suas implicações fundamentais a tese de que a nossa pretensão intersubjetiva à
verdade não pode ser articulada sem a mediação do medium da linguagem, logo, sem a
mediação de uma razão ético-comunicativa, ético-discursiva e, por conseguinte, sem a
mediação de uma correção normativa. (COSTA-APEL, 2002: 13).

todo falante tem um conhecimento intuitivo das regras de seu falar, e o analista da
linguagem apenas explicita essas regras, que já foram internalizadas pelo próprio
processo de aprendizagem da língua. Como dirá Searle, quando descrevo a linguagem,
o que faço é tematizar aspectos de meu próprio domínio de uma capacidade dirigida
por regras… um saber reconstrutivo duma ação regrada. (OLIVEIRA, 1996: 166-167).

Se as intenções são resultados duma investigação das conseqüências


imputadas motivacionalmente ao agente em questão, então: são inferidas a partir
dos efeitos. Um propósito é um aspecto volitivo, sendo sua qualidade uma
apreciação axiomática (ética) da adequação entre meios e fins e seus respectivos
resultados: ao afirmarmos “é justo”, “é injusto”, pressupomos um conjunto de
normas operacionais = critérios e a serem aplicados. Qualquer aplicação indevida
gerará um desvio comunicativo e, como tal, implica nalguma forma de
exploração (ação instrumentalizada perante outro(s) sujeito(s).

(…) O problema filosófico fundamental daquilo que, desde os gregos, se chama razão
prática, razão ética e política, está na questão da fundamentação destas regras e
instituições que precisamente só podem ser ditas racionais se é possível fundamentar
seus princípios; numa palavra, a tarefa que cabe à filosofia consiste em fundamentar
princípios universais que possibilitem o encontro entre indivíduos, grupos e
instituições, mesmo estados nacionais, justificado por razões, por sentido e não pelo
arbítrio e pela força, ou seja, trata-se de fundamentar ética, justiça e direito tendo
como referência a humanidade como um todo. (COSTA-APEL, 2002: XV).Obs.:
Apresentação de Carlos R. V. Cirne-LimaeManfredo Araújo de Oliveira.

(…) como mostrar que podemos, com razão, esperar da história um progresso no

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acordo intersubjetivo se estamos dispostos a explicar quase-naturalisticamente, como
exige a crítica das ideologias, as causas sociais que obstaculizam tal acordo? (COSTA-
APEL, 2002: 105).

Afinal, o que são valores? É um quantum afetivo, apreciativo, de


determinada ação, conduta, regra, decisão e aplicação. É o resultado apreciativo
entre o sujeito que atua e os fins (funcionalidade = intenções e resultados
esperados pelos meios escolhidos). Só posso sancionar, reverenciar ou acusar um
valor, perante a relação entre este três fatores. É um valor relacional, no sentido de
estar envolvido numa rede de implicações comunicativo-pragmáticos. Nesse
aspecto, valor é um resultado de um cálculo entre ações e efeitos, entre decisões
em diversos níveis para a consecução de fins almejados. Este apreciar da conduta
humana – seja qual for a modalidade pela qual se expresse ou prepondere – é uma
afirmação da qualidade (do quanto é ou salutar ou indiferente ou pernicioso).
Comentei alhures sobre o mundo da vida: as formas de vida pré-reflexiva
que antecede a elaboração do vivido por estarem familiarizados e
compulsivamente reproduzindo o modo como aparece (interpretação geralmente
irrefletida do senso-comum) consciência como equivalente aos significados
cognitivo-sociais, quando na maioria são uma distorção.

Em função do que se faz essa análise? A tese de Austin: se a linguagem ordinária


é a primeira palavra, ela não é, contudo, a última palavra, o que significa explicitar a
“intenção crítica” da análise da linguagem. Isso vai levá-lo para além da postura aberta
por Wittgenstein. A linguagem do dia-a-dia não pode ser a última palavra, pois
manifesta inadequações e arbitrariedades: (…) assim, de modo nenhum se pode
considerar a linguagem ordinária algo sacrossanto e intocável. A linguagem é um meio
heurístico indispensável para nosso conhecimento da realidade: por essa razão é
necessário rigor e também muito empenho. (OLIVEIRA, 1996: 167 e 168).

Comentei neste livro sobre a comunicação ideológica como um modo


também de explicar um fenômeno pela mera descrição de seu processo sem
tematizar, sem problematizar suas implicações (pragmáticas). Neste sentido,
Wittgenstein, Hegel, Heidegger, Gadamer, positivistas, cientistas “políticos”,
“filósofos”, “protestantes” (que não protestam a ordem social além da
eclesiástica), “psicólogas”, “sociólogos”, como Durkheim (mas não como Weber
e Mauss)” passam incólume pelo conteúdo social das práticas e discursos. Tal

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problematização pragmática (incluindo as demais dimensões) é própria de pessoas
comprometidas com uma avaliação, correção e auto-correção do “dado”, que um
dia fora montado, e também, sistematicamente erigido para benefício de grupos
minoritários.

Enquanto para Austin a linguagem ordinária não pode ser a última palavra,
porque perpassada de inadequações e arbitrariedades, para Wittgenstein a linguagem
ordinária é perfeitamente em ordem. (OLIVEIRA, 1996: 167).

A filosofia da linguagem ordinária pode ser entendida como filosofia crítica na


medida na medida de sua preocupação em refletir sobre a possibilidade e a
legitimidade de certos usos lingüísticos e de sua investigação dos pressupostos que
esses usos lingüísticos envolvem. Mais radicalmente, pode ser entendida não apenas
como esforço de clarificação e interpretação da linguagem, mas, sobretudo, como
questionamento do sentido (…). (OLIVEIRA, 1996: 167 e 168).

Minha tese do desvio comunicativo como incomunicação implica num


critério ou individual ou grupal – mas nunca universal – de modo a não
reconhecermos como pertencentes à normativa geral da linguagem: a notarmos
que outros critérios são formas de burlar a possibilidade de sentido, validade e
verdade unânimes. É óbvio que a unanimidade não garante a aplicação de tais
critérios, mas é condição necessária – ainda que insuficiente. Mas por que
insuficiente? Porque posso endereçar um critério aplicativo a um caso singular
que implique nalguma inobservância das regras constitutivas da linguagem e,
portanto, um grupo inteiro pode estar equivocado na aplicação de determinada
regra a um caso singular e não se dar conta de seu desvio, pois para isso é
necessário uma filosofia regressiva explicitando as regras por e pelas implicações
delas em relações intra e extra lingüísticas: explicitando quais condições a serem
satifeitas como critérios de Comunicação (cooperativa).

Trata-se precisamente de mudança de postura que concerne não só a este ou


àquele objeto, mas como diz Husserl, é a totalidade da “fé no mundo”, a “tese geral”,
que deve ser inibida, ou seja, deve-se pôr entre parênteses a posição de ser com a
intenção de tematizar criticamente os elementos constitutivos de tudo o que existe
enquanto objeto de conhecimento humano. Assim a epoché, a mudança de atitude, que
é fruto daquilo que Husserl chama de redução fenomenológica na medida em que o até
então estritamente aceito como ser é objeto de uma pesquisa quanto a sua validade,

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implica, ao mesmo tempo, uma inibição e uma tematização: com ela se atinge o solo
do conhecimento absoluto da fundamentação última. (OLIVEIRA, 1996: 39 e 40).

(…) se não podemos falar de uma linguagem privada, ou seja, de um seguimento


privado de regras, então, para Apel, só podemos postular uma instância para controlar
o seguimento humano de regras, que é o jogo lingüístico ideal de comunicação, de
modo que todos que cumprem uma regra antecipam este jogo ideal de linguagem
como possibilidade real do jogo lingüístico ao qual encontram-se ligados.
Isto significa dizer que todos que cumprem uma regra pressupõem este jogo
lingüístico ideal como condição de possibilidade e validade de seu agir pensar,
enquanto agir e pensar com sentido, ou seja, quem pretende atuar ou pensar com
sentido antecipa implicitamente este jogo lingüístico e quem argumenta o antecipa
explicitamente. (OLIVEIRA, 1996: 85 e 86).

Na filosofia pragmático-transcendental de Apel, a comunidade de interpretação e


experimentação da filosofia peirceana, que é a comunidade dos cientistas, é substituída
pela comunidade ilimitada de comunicação e interação, ou seja “...a comunidade
ilimitada, que era na filosofia de Peirce uma comunidade de investigadores, se
transmuta na pragmática transcendental numa comunidade ideal de argumentantes,
que não só é um pressuposto pragmático do discurso teórico, preocupado com a
verdade dos enunciados, senão também do discurso prático, que se interroga pela
correção denormas de ação”. Cf. A.Cortina, Karl-Otto Apel. Verdad e responsabilidad
Barcelona-Buenos Aires-México, 1991, p.21. (COSTA-APEL, 2002: 64).

Mas qual a vantagem de promovermos – através da explicação ou


descrição processual – a passagem do implícito ao explícito? O conhecimento de
nossa operatividade geral (estrutural) e da operatividade com conteúdo, estabelece
critérios para reconhecermos como e porque organizamos os signos de modo a
promover conhecimento. Um exemplo de operatividade geral: os critérios
operativos: metafóricos e metonímicos que vimos no apêndice de semântica nos
campos associativos (tanto dos significantes como no dos significados). Um
exemplo de operatividade com conteúdo: os critérios de seleção lexical (regras de
projeção de Chomsky sobre quais termos podem combinar em sucessão na cadeia
significante = estrutura superficial) pelos quais as classes de palavras
(substantivos e adjetivos principalmente) guardam relações de pertinência ao
combiná-los: em suma, não é qualquer disposição que gera gramaticalidade, nem
qualquer combinação gera inteligibilidade, nem qualquer ordenação gera

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adequação predicativa.

Trata-se da reconstrução do saber intuitivo das regras que geram a própria


produção das expressões lingüísticas. Portanto, aqui o intérprete não olha mais para o
mundo valendo-se da expressão lingüística, mas procura penetrar na própria expressão
simbólica para descobrir as regras segundo as quais ela se originou. Objeto de
compreensão não é mais o conteúdo da expressão simbólica ou o que com ele é
significado por determinadas situações, mas a consciência de regras intuitiva que um
falante competente têm de sua língua (…). (OLIVEIRA, 1996: 326).

(…) porque sei como se fala determinada língua, tenho domínio de um “sistema de
regras” subjacente ao meu uso de elementos da língua em questão, Toda e qualquer
pessoa que domina uma língua tem um saber atemático, implícito, inconsciente dos
sistema de regras que constitui essa língua enquanto tal. (OLIVEIRA, 1996: 174).

O que eles propõem (…) é um conjunto de regras para a combinação dos significados
dos elementos lexicais individuais. Essas regras chamam-se REGRAS DE
PROJECÇÃO, a combinação é designada por AMÁLGAMA (…). As regras de
projecção são necessárias, pois é preciso determinar o que é que se pode amalgamar,
com quê e por que ordem. Isso será determinado pelo estatuto gramatical dos
elementos – o adjetivo combinar-se-á com o substantivo, o sintagma nominal com o
verbo, etc. (PALMER, 1979: 120 e 121).

Agora, comento um pouco sobre dois temas interdependentes na


Língüística que servirá como exemplo (caso) em que há critérios tanto para
combinarmos dois significantes no âmbito fonético, como também no âmbito
sintático-morfológico e semântico. Comentei a pouco que há regras ortográficas
que não inferem em contradições sintático-semântico: por exemplo, quando
combino ‘maçã delicioso’, em português, houve apenas uma inadequação na regra
de que o gênero “feminino” atribuído ao substantivo ‘maçã’ é contrariado pelo
adjetivo ‘delicioso’, pois este último – conforme a regra ortográfica-fonética,
deveria estar como ‘delicioso’, para corresponder ao gênero atribuído a esta fruta.
Porém, há línguas em que tais substantivos não são atribuídos gênero: pois é
incoerente atribuir gênero sexual num substantivo que não é suscetível –
biologicamente – do mesmo. Se falássemos duma planta ou animal com gois
gêneros distintos, aí sim tal regra de conformidade de gênero seria coerente.
Entretanto, tanto no primeiro caso como no segundo, não implicam em qualquer

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tipo de falácia ou destituição sintática, semântico ou pragmática! O grau de erro
do primeiro caso é menor do que em situações em que os substantivos possuem
gênero sexual: pois nesta situação, tal erro é arbitrário, convencional. No segundo
caso, quando afirmo em português ‘macaca-solitário’ (quando deveria ser
‘macaca-solitária’), o grau de erro é um pouco maior. Mas por quê? Porque neste
substantivo percebemos dois gêneros sexuais.. o grau de incoerência nessa
combinação de dois morfemas é maior: pois não é um convenção reconhecer em
palavras algo sensorialmente (fisiologicamente diferente)… ainda que o adjetivo –
noutras línguas – não seja uma necessidade corresponder ao substantivo: pois é
uma convenção que a classe de adjetivos (e portanto o âmbito morfológico)
receba o predicado de gênero sexual. Tudo isso que comentei neste segundo caso
é válido para o conceito de número (singular, plural). Nesse ínterim, no conceito
de gramaticalidade e agramaticalidade, noto que há graus de coerência e, com tal
aspecto, graus de inadequação (‘erros’).
Pois bem, o mesmo não ocorre no âmbito sintático-semântico-pragmático.
Por quê? Por que nestes âmbitos (ou níveis), as relações entre significados são
mais graves, menos arbitrários, menos acidentais: há relações essenciais –
necessárias – para toda e qualquer Língua que haja consenso de critérios das
regras que se baseiam num âmbito Comunicativo e que se for desrespeitado gerará
confusão na interpretração, ou mesmo impossibilidade de interpretação… ou
mesmo alguma destituição semântica (o que seria ainda pior). O estudo das co-
ocorrências revela (explicita) qual âmbito da linguagem e o porquê da
impossibilidade da mesma se quisermos ser compreendidos (e não apenas a
arbitrariedade da ortografia, ou da morfologia dos aspectos gênero e número).
Com a explicitação dos motivos de tal combinação ser rejeitada, estamos ciente de
qual o critério de tal restrição de seleção das palavras quando combinadas (em
sucessão direta) pela incompatibilidade entre dios léxicos: seja por aspectos
morfológicos, seja por aspectos semânticos/operacionais em que notamos que há
critérios objetivos (definidos, explícitos) para que combinamos dois léxicos
enquanto substantivo e verbo, advjetivo e verbo, adjetivo e substantivo e, num
âmbito ainda mais grave (de implicações mais essênciais ou necessárias) de
sujeito e predicados. Obs.: é aqui que comento sobre o equívoco predicativo
formulado por Marilena Chauí sobre os sofistas e filósofos na antigüidade.
É na impossibilidade de coerência semântica entre duas palavras que
implicam numa correção de premissas que se baseiam em tal incompatibilidade,

625
daí minha motivação do Apêndice Filsoofia Regressiva e Progressiva como uma
correção de formulações (premissas) baseadas em contradições semânticas… que
acarretam, nalgum momento, em contradições pragmáticas. A Gramática ordinária
está mais para ofertar convenções arbitrárias… exceto quando se preocupa com
vícios de linguagem. Quando disserto sobre o Apêndice Critérios Comunicativos,
desenvolvo, fundamento que a Gramática Filosófica deve ser ensinada ainda mais
nos currículos do Ensino Médio: pois é no domínio das falácias e vícios de
linguagem que o hábito da Incomunicação é sistematicamente ensinada. Vejamos
a citação do Lingüista inglês F. R. PALMER, exemplificando os motivos da
restrição lexical, equivalente às regras de formação de R. CARNAP:

Firth via a co-ocorrência como um dos níveis de significado. Outros lingüistas


tentaram integrá-la mais próximo dos outros níveis de análise lingüística, para
poderem, por exemplo, argumentar que é possível tratá-la a nível do léxico que, pelo
menos em teoria, está relacionado com a gramática de maneira bastante directa e
precisa.
Existe uma tentativa de tratamento da co-ocorrência DENTRO da gramática (ou
«sintaxe»), como distinta da fonologia ou da semântica. Ela surge no livro de
Chomsky Aspectos da Teoria da Sintaxe. Chomsky propõe um modelo de gramática
que, a partir de um dado conjunto de regras apropriadas, seja capaz de gerar todas as
frases gramaticais de uma língua e apenas essas. O que é relevante para a semântica é
o facto de Chomsky se ocupar das restrições à co-ocorrência de elementos numa frase,
de maneira a rejeitarmos The idea cut the tree (A ideia cortou a árvore), I drank the
bread (Bebi o pão), He frightened that he was coming (Ele assustou-se que ele viesse),
He elapsed the man (Ele desapareceu o homem). Torna-se claro em todos estes
exemplos que escolhemos elementos que de alguma maneira não se adaptam aos
verbos. Nos últimos exemplos trata-se claramente de uma irregularidade gramatical,
dado que frightened não pode preceder uma oração começada por that, enquanto
elapse é um verbo intransitivo, não admitindo portanto complemento directo. Em
relação aos outros dois exemplos trata-se porém de incompatibilidade entre os
elementos lexicais correspondentes a certos substantivos (como sujeitos ou
complementos) e certos verbos. Chomsky apercebe-se da diferença entre estes dois
tipos de incompatibilidade e, ao mesmo tempo, propõe-se tratá-los através de
processos semelhantes. Registra em ambos oscasos, como parte da especificação do
verbo (matriz), os contextos em que pode ocorrer. Assim, mostra que elapse não pode
ocorrer jutnto de um sintagma nominal que funcione como seu complemento directo e
que frightem não pode preceder uma oração começada por that (ou melhor, NÃO

626
prova que possam ocorrer nestes contextos, uma vez que a matrix registrará o que é
possível e não o que é impossível). Da mesma maneira, mostra que cut requer um
sujeito «concreto», e drink um complemento directo «líquido». A especificação é feita
em termos de componentes, sendo referido que o sujeito e o complemento directo
devem ter os componentes (concreto) e (líquido). Trata-se neste caso de RESTRIÇÕES
DE SELECÇÃO. Qualquer frase que não as observe será rejeitada e a gramática não a
produzirá. (PALMER, 1979: 115 e 116).

Tomar consciência duma operatividade geral e/ou com conteúdo aplicativo


particular (de partes menores em relação ao gênero, mas que não são singulares) é
o reconhecimento de que há regras definidas para aquilo que chamamos de
verdade. Já que representar é utilizar um significante que é diferente do fenômeno
representado e que está no lugar deste para simularmos a presença deles, seus
predicados (atuais e potenciais), levantar hipóteses, definições necessárias (as
essências de Husserl) e antecipar um evento natural, psíquico ou social (caráter
preditivo das ciências). O problema de argumentos falazes reside na eleição de
critérios incongruentes com a língua e o contexto de situação já reconhecidos por
outros = desvio, deturpação comunicativa. Quando isso ocorre não há a “ação de
tornar comum = comunicação”, mas a “ação de tornar incomum, na pretensão
apenas individual ou grupal”. Quais são os efeitos? A desconfiança para quem é
receptor e a destituição e transformação da intersubjetividade em meios (ação
estratégica). Assim como na Psicanálise nem sempre ocorre a transformação por
conhecer as causas dos sintomas– devido a fatores volitivos e identificatórios –
sendo na maioria dos casos um estímulo a mais proporcionado pela transferência;
na Ética comunicativa, além da necessidade doe conhecermos as operações e os
conteúdos em jogo, precisamos de introjeção de valores (fator motivacional), ou
seja, uma identificação que garanta a ação e a recusa dos meios destituidores:
racionalizações e práticas negadoras da natureza humana no campo intersubjetivo.

por meio da reflexão sobre o uso dos elementos lingüísticos dessa língua, é possível
tirar esse saber do anonimato e, em primeiro lugar, conhecer os fatos formulados nas
caracterizações lingüísticas. Tais caracterizações podem ter validade universal
precisamente na medida em que contêm regras. Conhecendo as regras, sei não só de
fatos presentes ou passados, mas tenho um “saber projetivo”, pois sei como serão fatos
futuros, pressupondo-se que essas regras sejam seguidas. (OLIVEIRA, 1996: 174).

Distinguo três tipos de saberes, no tocante às regras:

627
1) Saber projetivo: são as regras de projeção pelas quais as estruturas superficiais
derivam-se das estruturas profundas interiorizadas e, na maioria das vezes, não
estamos cientes dela: embora possamos pensar nelas, reconstituindo o caminho de
como formaram: reconstrução genética.
2) Saber corretivo: é uma segunda etapa de conscientização das regras implícitas:
para corrigir alguém é necessário explicitar os critérios pelos quais nos
baseamos... tanto quanto é necessário expormos em qual regra da lógica alguém
não aplicou para afirmarmos que é inválida, e explicitarmos os critérios pelos
quais legitimam chamarmos um argumento de falacioso: indicando, reconhecendo
ou qual, ou quais expedientes da linguagem figurada foi aplicado.
3) Saber auto-corretivo: é a terceira etapa da conscientização ética da
comunicação. É o reconhecimento de que incorremos em determinado desvio, em
dada deturpação discursiva (como na segunda etapa); porém, introjetando o valor
de dever, para corrigirmos nossa insuficiência comunicativa para o caráter de
pretensão de consenso universal (válido para qualquer um no mesmo caso ou
situação) e pretensão de consenso de sentido e compreensão (as associações
adequadas perante as regras da língua e o contexto de situação). Vale aqui a frase
do filósofo SÓCRATES: Conhecimento útil é aquele que nos torna melhores!

(…) Apel defende a tese de que a pretensão à verdade não pode ser colocada
explicitamente por nós, os seres humanos, sem que se exponha também, ao mesmo
tempo, implicitamente – no nível interno correspondente do discurso argumentativo –
uma pretensão de veracidade e de correção normativa, e de tal modo que, para ele, a
pretensão à verdade posta argumentativamente pressupõe sempre, por princípio,
normas morais inelimináveis (…). (COSTA-APEL, 2002: 262).

Ora, como posso melhorar? Aplicando o que aprendemos: os axiomas que


são critérios operativos: normas de construção discursiva. Impossível
melhorarmos quando praticamos sistematicamente as racionalizações e
destituições pelas falácias e dissimulações, substituindo as regras comunicativas
por critérios incomunicativos: gerando injustiça e instrumentalidade
intersubjetivas. A terapia lingüística preconizada por Wittgenstein e Austin ressoa
sobre a introjeção, a aplicação e a atitude condizente com aquilo que sabemos
ser daquela maneira: as regras explicitadas e os efeitos de seu uso e abuso.

628
Citei alhures o conceito psicanalítico de resistência psíquica: é uma
espécie de negação de alguma ordem: tanto da realidade externa, como da interna.

(…) enquanto o opositor (…) não quer ingressar no terreno do discurso argumentativo
(…) não se tem de fato nem sequer a possibilidade de começar a argumentar, a
situação seria inteiramente diferente se o opositor quisesse argumentar seriamente
(mesmo que fosse o cético radical) pois, neste caso, o opositor reconhece
performativamente, de maneira necessária, certas normas do discurso. (COSTA-
APEL, 2002: 271).

Vejamos algumas pretensões pelas quais Apel formula a necessidade


destes três quesitos para a validade argumentativa da comunicação humana.

(…) para Apel, (…), três pretensões necessárias e universais à validade do discurso
humano podem ser formuladas, que são as seguintes;

a) A pretensão à verdade intersubjetivamente válida das proposições.

b) A pretensão à correção normativa intersubjetivamente válida nos atos de fala enquanto


atos sociais de comunicação.

c) A pretensão à veracidade ou à sinceridade das expressões de intenções subjetivas que


fazem apelo a um reconhecimento interpessoal. (COSTA-APEL, 2002: 316).

Mas para corrigir alguém, é necessário apresentar os motivos pelos quais


ou refutamos ou aderimos a uma versão explicativa. Meu projeto de Categorias e
Criteriologia responde por uma explicitação de regras generalíssimas que
compõem uma malha normativa uma rede de relações entre signos com
implicações éticas a cada adesão e desvio comunicativo.

(…) o próprio fato de opor-se a uma certa concepção da metafísica faz supor que se
preconiza outra concepção da metafísica, e que cumpriria explicitá-la, se é apenas
implícita. (PERELMAN, 1997: 131).

Convencionou-se chamar de metafísica uma teorização desmedida com


termos mais abstratos (sentido pejorativo-abusivo); e, a explicação das categorias
necessárias em toca organização (hierarquização e relações implicativas) ideativa:
classes, categorias, nomes, verbos, e os conceitos relacionados e interligados a
eles (sentido ético-aplicativo). Também é característica comum aos dos sentidos

629
de “metafísica” como: os fundamentos últimos e, infelizmente, auto-evidentes408.
Mas qual o significado de 'fundamento'? Algo que funda é algo que constrói, que
serve de apoio, que sustenta ou sugere uma dependência interna dos demais
elementos perante aquilo que se considera: relevante, fundamental, importante,
necessário, determinante e anterior.

O próprio Aristóteles nos diz que a filosofia primeira constitui o objeto da obra
que foi, antes de todas as outras qualificadas de metafísica, alguns séculos após a
morte de seu autor. Poderíamos chamar de filosofia primeira qualquer metafísica que
determina os primeiros princípios, os fundamentos do ser (ontologia), do
conhecimento (epistemologia) ou da ação (axiologia) e se empenha em provar que eles
constituem uma condição de qualquer problemática filosófica, que são princípios
absolutamente primeiros. (…). um princípio é primeiro quando vem antes de todos os
outros numa ordem temporal, lógica, epistemológica ou ontológica, mas insiste nesse
caráter apenas para determinar-lhe a primazia ou o primado axiológico. O que é
primeiro, fundamental, o que precede ou supõe todo o resto, é considerado principal,
primeiro na ordem de importância.
(…). Daí a importância, em toda metafísica desse gênero, do critério capital ou da
instância legítima, cuja determinação fornecerá a rocha sobre a qual se poderá
construir uma filosofia progressiva. (PERELMAN, 1997: 132 e 133).

Uma filosofia apenas progressiva não examina os pressupostos pelos quais


edifica sua construção teórica, o que torna incompleta (= unilateral = ideológica?),
pois um mecanismo de derivações só poder reordenar seus signos perante uma
premissa prima inquestionável, intocada, não tematizada e, portanto, não
problematizável. Qual os efeitos disso? É simples: a manutenção dos hábitos
práticos e discursivos, dos valores que o antecedem e os condicionam! Daí a
relevância ética da axiologia como um sistema de relações semióticas nos
seguintes âmbitos: os critérios de predicarmos atributos necessários (conceitos na
ontologia); os critérios operativos e as condições de verdade, sentido e validade
(correspondências sintático, semânticas e lógicas na epistemologia); e, a avaliação

408 É quanto a esta consideração milenar e irrefletida (ainda argumentarei para demonstrar
isso!) que Chaïm Perelman propõe como uma complementação das derivações silogísticas
(inferenciais) o exame, a avaliação do (lema) =premissa prima. A esta proposta ele
denomina de Filosofia Regressiva – em contraposição mas não contraditória com a pretensão
de verdade, sentido e validade – da Filosofia Progressiva.

630
das condutas ou práticas ou discursos pelos conseqüências (perlocutórias =
pragmática) e pelos efeitos (funcionais); ambas são relações de valores, metas,
causas, meios e efeitos (axiologia). Uma filosofia unicamente progressiva é
funcionária do status quo! Tanto pelo seu fechamento – reduzindo o filosofar à
predominância de operações lógicas, como também pela recusa de avaliar, de
considerar os axiomas, práticas e conceitos (os três são casos de valorações) como
objeto de estudo para a atividade judicativa = judicação 409. A falta de consenso no
acordo de sentido, verdade e validade é uma incomunicação, como vimos.

(…). Toda metafísica original constitui uma ameaça para as outras. Daí resulta uma
luta implacável de todas essas doutrinas, que são incapazes de encontrar uma
linguagem comum, um critério comum e em que cada qual, por sua própria existência,
constitui um desafio a todas aquelas ás quais se opõe (…).
Quando “uma filosofia aberta” se opõe à metafísica, não é da mesma maneira que uma
filosofia primeira em luta contra outra filosofia primeira, mas como uma metafísica
que toma o sentido inverso de toda filosofia primeira. Darei a esta filosofia o nome de
filosofia regressiva. Darei a esta filosofia o nome de filosofia regressiva. A análise das
características próprias de toda a filosofia primeira e a descrição da filosofia regressiva
nos farão compreender melhor esta última, e nos darão a oportunidade de especificar o
sentido ampliado que esse novo desenvolvimento permitirá conferir à palavra
“metafísica”, de forma que ela possa englobar, a um só tempo, as filosofias primeiras a
filosofia regressiva. (PERELMAN, 1997: 133 e 134).

As condições de possibilidade são acordos – não-arbitrários, em sua


maioria – de relações sígnicas que produzem significado. O que denominamos de
conhecimento é o produto do processo genético-aplicativo dos acordos de:
verdade, sentido e validade. Promover a passagem do intuitivo e vago, para o
definido ou explícito traz ganhos quanto à nossa conscientização dos critérios que
definem, que condicionam e regulam a composição discursiva com fins de
validade universal.
Mas o que é “condições de possibilidade”? É um conjunto de relações
sígnicas, é uma dependência da cadeia significante associada a determinados
significados: tal montagem é uma necessidade: gramatical e filosófica de relações
sígnicas em diversos níveis, pelos quais um discurso é o produto final de tais

409A manifestação de juízos de valor como apreciação daquilo que fazemos no e do mundo
(natural e cultural).

631
operações: regras de formação (base das relações sígnicas morféticas) e regras de
transformação (base para relações derivativas inter-premissas = inferências).

Convém lembrar que a filosofia é, para Apel, fundamentalmente filosofia


transcendental, ou seja, “Deve-se insistir que a pragmática-transcendental de Apel é
'transcendental' porque representa uma busca sistemática das condições de
possibilidade da argumentação. Dito brevemente: é a afirmação de que estas
condições podem ser explicitadas – reconstruídas – por meio da 'reflexão
transcendental'”. Cf. R. Maliandi, o estudo introdutório Semiotica filosofica y ética
discursiva, em Karl-Otto Apel, Semiotica filosofica, editorial Amagestro, Buenos
Aires, 1994, p. 209.(COSTA-APEL, 2002: 136).

Se as relações constituintes (estruturadas numa língua e na fala) são


condições de possibilidade: sintático-semântico-pragmática – sendo a Retórica
posterior a estes momentos e consorte dessa intrincada rede de relações
dependentes – todos os desvios, todas as articulações que ferem qualquer uma
dessas condições gerarão a incomunicatividade410. Um desvio gramatical – que
pode chegar à agramaticalidade numa determinada língua – advém do uso que
fazemos das regras ou condições de possibilidade que a tornam gramatical em sua
língua específica, e não uma deficiência. Ex.: uma vez que compreendemos,
assimilamos o significado das operações matemáticas básicas: soma, subtração,
multiplicação e divisão, mais as relações dos números comuns em relações
crescentes e decrescentes: um bom uso será o respeito a cada passagem com suas
implicações oriundas dos números presentes e dos significados das operações
matemáticas expressas nos símbolos: +, –, x e : , qualquer burlar de significado
implicará numa relação diferente da sancionada: pela relação dos números entre si
combinados aos símbolos. Neste ínterim:

1) O significante matemático e seu significado associado é arbitrário: operações e


números.

410Se for um discurso e/ou prática de um grupo específico que distorce a comunicação – via
algum(ns) desrespeito(s) normativos: será comunicativo para este grupo, pois eles já
aceitaram tal modo de deturpação comum (a eles); mas será incomunicativo quanto ao
saber intuitivo: as regras ou condições de possibilidade de interpretação de todo quaisquer
enunciados.

632
2) Uma vez admitido tal arbítrio: as relações entre números e operações serão
necessárias, pois correspondem a uma determinada relação sígnica controlada
pelo significado dos termos componentes.
3) Qualquer erro será uma aplicação indevida, no tocante ao significado dos
termos em relação entre si.
4) A gramaticalidade também é análoga a este processo significador.
5) A verdade, sentido e validade de todo e qualquer signo (representante dotado
de significado) é homólogo aos outros dois, pois os símbolos são relações
adquiridas (culturais) com desdobramentos, derivações, transformações reguladas
pelos termos componentes: tanto quanto o são os componentes semânticos da
semântica = relações implicativas de componentes na montagem total da
comunicação.

Certamente, o saber intuitivo das regras que os sujeitos capazes de falar e agir têm que
empregar para de todo poderem participar de argumentações não é, de certo modo,
falível – mas, certamente, são falíveis nossa reconstrução desse saber pré-teórico e a
pretensão de universalidade que a ele associamos. (HABERMAS, 1989: 120).

De maneira análoga, qualquer interpretação diferente da que seria suposta


quando e nas condições de possibilidade – que são as normas introjetadas de
relações sígnicas – será índice, sinal de mau uso, de falta de responsabilidade
perante o código. Uma mensagem aproximadamente compatível só chega ao
consenso: se e somente se aplicarmos as condições normativas: de verdade,
sentido e validade, pois é condição necessária de garantia de comunicação = a
ação de tornar uma compreensão comum e, não apenas comum, mas uma
comunidade = unidade comum das regras constituídas (estruturadas). Uma
desvio comunicativo é produzido quando empregamos outros critérios; ou seja,
regras aplicativas estranhas ás regras constituídas (estruturadas), gerando assim
regras constituindo (estruturantes) incompatíveis enquanto derivação. A falta de
consenso é a aplicação não constituída (enquanto condições de possibilidade de
compreensão, interpretação e conhecimento), gerando uma contradição entre a
derivação e os critérios gerais aplicativos. Mais uma vez a anterioridade dos
axiomas em face das derivações é uma condição necessária e também
cronométrica: tanto a finalidade como as regras aplicativas na produção de

633
verdade, sentido e validade. A finalidade antecede a ação; as regras implícitas
antecedem a construção legítima = comunicação. Todo aquele que deseja
intimidar411 ou enganar revela uma coisa: que sabe, lá no fundo, que há normas e
que, devido à sua mesquinhez e exploração intersubjetiva, deve distanciar-se das
normas se quiser levar a cabo a consecução de seu objetivo estratégico-
instrumental, pois o seguir as regras comunicativas inviabiliza qualquer
instrumentalidade, pois a assim chamada Razão Instrumental412 é uma ação anti-
social no plano das ações e, como tal, encontra seu homólogo no plano do
discurso, pois este é o instrumento (linguagem verbal) da instrumentalidade
(abuso intersubjeticvo) estratégica.

(…) quem pretende persuadir (ou enganar) exitosamente a alguém, através de


procedimentos retóricos, tem que despertar no ouvinte a impressão de que deseja
convencê-lo através de argumentos. Ora, com base nestes pressupostos pode-se
perceber que: “… se o próprio sujeito dos atos da fala encobertamente estratégicos
deve simular um uso não estratégico da linguagem, então, reconhece já,
implicitamente, a primazia normativa da força ilocucionária da fala que se baseia em
pretensões de validade”, o que tem sérias implicações (…) (COSTA-APEL, 2002:
266).

(…) quando o falante efetivamente argumenta para obter o reconhecimento de sua


pretensão de poder, reconheceu, também, implicitamente, através da intenção do
convencimento de sua própria argumentação, que o uso da linguagem abertamente
estratégico é basicamente <parasitário> em relação ao <uso orientado ao
entendimento>, pois, ao argumentar, colocou-se na posição de interlocutor em relação
ao reconhecimento de pretensões de validade, embora a questão da validade – por
exemplo, da pretensão à verdade ou da pretensão à correção normativa – esteja, neste
caso, restringida pela superioridade fática da posição de poder do falante. (COSTA-
APEL, 2002: 273).

411(…) quem se coloca abertamente na posição do mero poder não necessita persuadir seus
adversários por meio da simulação de querer convencê-los através de argumentos.
Entretanto, se ele argumenta tentando convencê-los de que há boas razões para aceitar o que
é expressado em seus atos de fala (uma exigência, por exemplo), então, admitiu,
implicitamente, que reconheceu seus interlocutores em uma relação que não é meramente
de poder, mas, também, de convencimento através da argumentação. (COSTA-APEL, 2002:
273).
412 Termo técnico empregado sistematicamente pelo Sociólogo e Filósofo Herbert Marcuse.

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