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Aula de História:

o professor-orador e a verdade histórico-didática

Prof. Dr. Marcello Paniz Giacomoni


Premissas:
- ensina-se história a partir de narrativas
- os professores fazem retórica
- os professores precisam fazer retórica
- o saber histórico ensinado na escola não é o
mesmo produzido na historiografia acadêmica
- parte do saber constituído na prática da escola
possui intrínseca relação com a retórica

Destas premissas surgem dois conceitos para


conversarmos: o professor-orador e a verdade
histórico-didática.
A verdade histórico-didática
Ou o que ensinam os professores de História...

Michel Certeau: o conhecimento historiográfico é fruto do entrecruzamento de três


elementos: um lugar social, práticas científicas e uma escrita.

Aquilo que os professores e professoras fazem nas escolas, apesar de diverso,


obedece à mesma regra: produz-se em lugares sociais (noosfera, escola e sala
de aula), possui práticas de validação (o saber historiográfico e os saberes da
experiência) e manifesta-se em narrativas.
A verdade histórico-didática
Os lugares sociais deste saber:

Não é o mesmo saber historiográfico da academia


→ processos de seleção cultural

Noosfera (Yves Chevallard)


estabelecem um currículo
Escola

Sala de Aula + professor segundo currículo


A verdade histórico didática
As práticas de validação deste saber:
saber de referência:
verdade e objetividade
fatos históricos e documentação
encadeamentos causais
narrativas
referenciais teóricos

saber da experiência:
vivências e intensidades elaboradas intelectualmente
potência de universalização e repetição
estilo
legitimação
A verdade histórico didática
Como é (são) sua(s) narrativa(s):
1) referenciada pela historiografia acadêmica, em práticas de validação;
2) planejada;
3) programabilidade;
4) limitada no tempo;
5) aprendizagens socialmente controladas;
6) opera em condições de incerteza;
7) possui sentidos atribuídos;
8) é híbrida, existindo uma interseção entre os conteúdos, modelos historiográficos e o
conhecimento curricular;
9) é retórica.
A Retórica...
“por retórica a capacidade de descobrir o que é adequado a cada
caso com o fim de persuadir” (Aristóteles. Retórica, I, 2 – 1355b)

“a retórica é a negociação da distância entre os sujeitos” (MEYER,


1998, p. 26-27)

Fruto de um delicado equilíbrio entre as provas do discurso:


“As provas de persuasão fornecidas pelo discurso são de três
espécies: umas que residem no caráter moral do orador [ethos];
outras, no modo como se dispõe o ouvinte [pathos]; e outras, no
próprio discurso, pelo que este demonstra ou parece demonstrar
[logos]”. (Aristóteles. Retórica, I, 2 – 1356a)
O Professor-orador

Não um orador como aquele que apenas fala (não que isso não seja
importante)… Mas um orador pois o professor sabe (ou deveria saber)
que se dirige a outrem, o seu auditório

Pensar o professor como um orador significa situar sua eficácia na


delicada intersecção das provas do discurso: o ethos, o pathos e o logos.

Essa intersecção forma o que considero o kairós da educação.


O professor-orador e o ethos

O ethos é o orador, a forma como ele constitui e trabalha sobre uma projeção
de si, dotada de autoridade, e a forma como essa imagem é apropriada pelo
auditório.

Um orador, seguindo a definição de Meyer (2007, p. 34), é “alguém que deve


ser capaz de responder às perguntas que suscitam debate e que são aquilo
sobre o que negociamos”.

Esta capacidade, que surge no próprio contexto de enunciação, na interação


com seu auditório, é sinônimo de credibilidade (as vezes ética) e confiança.
O professor-orador e o logos

O logos é o conhecimento histórico, ou a própria verdade


histórico-didática entendida de forma relacional com as outras
provas do discurso.

Opera com a noção de verdade, fruto do saber de referência


historiográfico.

Saberes da experiência como legitimadores das escolhas, da


coerência da narrativa, das problematizações controladas, em
suma, das “desleituras” produzidas pelo professor em relação ao
saber de referência.
O professor-orador e o pathos

O pathos significa reconhecer que o outro para quem o discurso se dirige (o


auditório) possui valores, crenças, significados e emoções, que devem ser
levados em conta, capturando o tênue momento entre onde estão os alunos
e o lugar para onde se quer conduzi-los.

As emoções e sentimentos tornam-se retóricos a partir de três ações: 1)


frente a qualquer processo discursivo, o auditório sempre formulará
perguntas; 2) essas perguntas e suas respostas (suas ou lançadas pelo
orador) dão vazão às emoções, das mais intensas às mais imperceptíveis; 3)
tanto as perguntas quanto as respostas, para possuírem uma justificação
mínima, devem ter aderência aos valores do auditório.
A retomada das premissas,
agora como conclusões:
- A retórica possui uma dupla dimensão: permite ver
o que os professores fazem, e por outro pode
auxiliá-los a fazer seu trabalho de forma cada vez
mais eficaz;
- A experiência do professor desenvolve uma “retórica espontânea”, que supre as
necessidades surgidas da cotidiana negociação de distâncias na sala de aula;
- Sem esta retórica, que leve em conta o orador, o discurso e o auditório, pouco se
produzem aprendizados na escola básica.
Provocação: como esse “estado das coisas” se
relaciona com a minha pesquisa, em diálogo com
as salas de aula ou a potência de salas de aula?

Painel Paulo Freire. CEFORTEPE - Centro de Formação, Tecnologia e Pesquisa Educacional Prof. "Milton de Almeida Santos", SME-Campinas.

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