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10 . ANÁLISE DE DISCURSO
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Apresentando a análise de discurso

Contexto intelectual
O crescimento extraordinariamente rápido d o interes se pela
10 análise de discurso, nos últimos anos, é tanto uma conseqüên cia,
ANÁLI SE DE DiSCURSO como uma manifestação da "virada lingüística" que ocorreu nas ar-
tes, humanidades e nas ciências sociais. A "virada lingüística'' foi
Rosalind Gil/ precipitada por críticas ao positivismo, pelo prodigioso impacto das
idéias estruturalistas e pós-estruturalistas, e p elos ataques pós-mo-
dernistas à epistemologia (Burman, 1990; Gil!, 1995; Parker, 1992;

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Potter, 1996a). As origens da análise de discurso a partir de críticas à
ciência social tradicional significam que ela possu i u ma base ep iste-
mológica bastante diversa de algumas outras metodologias. Isso é ~ts
lr Palavras-chave: orientação
- da ação; organização retórica; cons- vezes chamado de construcionismo social, construtivismo, ou sim-
trução; leitura cética; discurso; fala/texto como circunstancial; re- plesmente construcionismo. Não há uma defmição única concorde
1flexividade . desses termos, mas as características-chave destas p erspectivas são:
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1. A postura crítica com respeito ao conhecimento dado ,
Análise de disn1rso é o nome dado a uma variedade de diferen- · aceito sem discussão e um ceticismo com respeito à visão de
tes enfoques no estudo de textos, desenvolvida a partir de diferentes que nossas observações do mundo nos revelam , sem proble-
tradições teóricas e diversos tratamentos em difer entes disciplinas. mas, sua natureza autêntica.
Estritamente faland o, não existe uma única "análise de discurso",
2. O reconhecimento de que as maneiras como nós norm al-
mas muitos estilos diferentes de análise, e todos reivindicam o
mente compreendemos o mundo são histórica e cultural-
nome. O que estas p erspectivas partilham é uma rejeição da noção
mente específicas e relativas.
realista de que a lin guagem é simplesmente um meio neutro de re-
fletir, ou descrever o mundo, e uma convicção da importância cen- , 3. A convicção ele que o conhecimento é socialmente cons-
trai do discurso na construção da vida social. Este capítulo discutirá truído, isto é, que nossas maneiras atuais d e compreender o
um enfoque da anál ise de discurs.o que foi influente em campos tão mundo são determinadas não pela natureza do mundo em
diversos como a sociologia da ciência, os estudos da mfdia, estudos si mesmo, mas pelos processos sociais.
de tecnologia, psicologia social e análise de políticas. 4. O compromisso de explorar as mane ir as co m os conheci-
O capítulo é dividido em quatro grandes seções. Na primeira, mentos- a construção social de pessoas, fenô m enos ou pro-
discuto o contexto intelectual do desenvolvimento da análise de dis- blemas- estão ligados a ações/práticas (Burr, 1995 ).
curso, e apresento seus princípios centrais. Na segunda, d iscuto a Uma conclusão dessa posição epistemológica é que a análise de
prática da análise de discurso. A terceira seção é um estudo de caso discurso não pode ser usada para tratar os mesmos tipos de questõeS
d u uso desse enfoque para analisar um pequeno texto de um artigo ... como os enfoques tradicionais. Ela sugere, ao invés, noYas questões,
de jornal. Ele dá um a indicação do tipo de material gerado pela aná- ou maneiras, de reformular as antigas (ver aba ixo).
lise de discurso e ap resenta elementos de compreensão aos leitores,
p ara se fazer uma ;m álise ele discurso. Finalmente, este capítulo 57 variedades de análise de discurso
apresenta uma aval iação da análise ele discurso, enfatizando algu-
mas de suas vantagens e desvantagens. Os termos "discurso" e "análise de discurso" são mu ito discuti -
dos. Para afirmar que determinado enfoque é um d iscurso analítico,

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PESQUISA QUALITATIVA COM TEXTO, IMAGEM E SOM ~;~ l 0 . ANÁLISE 0 :. DISCURSO
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alguém deve n ecessariamente dizer algo mais; não é apenas uma' / Foucaul~ ( l977; 1981) é muito conhecido por caracterizar suas genea-
questão de definição, mas implica assumir uma posição dentro de logias da disciplina e sexualidade como análises d e discurso. Em
um conj unto de argumentos muito questionado - mas importante: contraste com a maioria da an álise d e discurso, este trabalho está in-
Embora existam provavelmente ao menos 57 variedades de análise teressado n ão nos detalhes d e textl;'i falados e escritos, mas em olhar
ele discurso, um modo de conseguir dar conta das diferenças entre. historicamente os d iscursos. \
elas é pensar em tradições teóricas amplas. Discutirei três delas.
Primeiro, há uma variedade de posições conhecidas como lingüís-·. Temas da análise de discurso
tica crítica, semiótica social ou crítica, estudos de linguagem (Fowler el. O enfoque que será elaborado .1qui se inspira em idéias de cacLl
al., 1979 ; Kress & Hodge, 1979; Hodge & Kress, 1988; Fairclough; ·· uma dessas três tradições delineadas acima, be m corno do campo
1989). Comparada a muitos tipos de análise de discurso, esta tradição· crescente da análise re tórica (ver Leach , cap . 12 n este volume; Bi l-
possui uma estreita associação com a disciplina da lingüística, mas seu',.. lig, 1987; 1988; 1991 ; ver Potter & Weth erell, 1987, para uma dis-
c_ompromisso mais claro é com a semióti~a ~ com ~ a~á~ise estrutura-;jj cussão mais completa das diferen tes influências sobre a análise de
hsta (ver Penn, cap.13 neste volume). A Ideia semwlogKa central det.!l discurso). Desenvolvido inicialmente em trabalhos da sociologia do
que o sentido de um termo provém não de alguma estrutura ineren.te~ conhecimento científico e da psicoiogia social, ele está agora produ-
da relação entre significante c significado, mas do sistema de oposiJ,r~ zindo análises dentro de um conj un to diverso de campos. e consti tu i
ções em que ele está inserido, coloca um desafio fundamental às dis- r um enfoque teoricamente coeren te com a análise de fala e textos .
cussões sobre "palavra-objeto" da linguagem, que era vista como um ~
processo de dar nome a algo. Esta questão foi desenvolvida em recen- ·: É proveitoso pensar a análise de d iscurso com o tendo quatro te-
te trabalho lingüístico crítico, que tem uma preocupação explícita ~ mas principais: uma preocupação com o discurso em si m esmo ; u ma
visão da linguagem como construtiva (criadora) e construída; um a ên-
com a relação entre linguagem e política. A tradição está bem repre-~r;
sentada nos estudos de mídia, particularmente na pesquisa sobre im-
prensa, e enfatizou - entre outras coisas - as maneiras como formas ,;J
t fase no discurso como uma form a de ação; e u ma convicção na orga-
nização retórica do discurso. Em pr imeiro lugar, então, ela toma o
próprio discurso como seu tópico. O termo "d iscurso" é empregado
lingüísticas específicas (tais como a anulação do sujeito, passivização ~
para se referir a todas as formas d t: fala e textos, seja qu an do ocorre
ou nominalização) podem ter efeitos dramáticos sobre a maneira :~
naturalmente nas conversações, como quando é apres entado como
como um acontecimento ou fenômeno é compreendido. ~
material de entrevistas, ou textos escritos de todo tipo . Os anal isas
. Uma segunda e ampla tradição _é a que _f~i influenciada p:la teo-: de discurso estão interessados n os textos em si mesm os, em vez de
n a elo ato da fala, etnometodolog1a e anahse da conversaçao (ver;t considerá-los como um meio de "chegar a" alguma realidade que é
Myers, cap . 11 neste volume; Garfinkel, 1967 ; Sacks et al., 1974; .. : pensada como existindo por detrás do discurso- seja ela social, p si-
Coultharcl e Montgomery, 1981; Heritage, 1984; Atkinson e Herita- ! · colóp;ica ou material. Este enfoque separa claramente analistas de
ge, 1984). Estas perspectivas acentuam a orientação funcional, ou a\ discurso de alguns outros cientistas sociais, cuj o inter esse na lingua-
orientaç:ío da ação, que o discurso possui. Em vez de olhar como as : gem é geralmente limitado a descobrir "o que realm ente aconte-
nar rações se relacionam com o mundo, elas se interessaram naquilo; ceu", ou qual é realmente a atitude de um indivíduo com respeito a
que estas narrações têm como objetivo conseguir, e perscnltam em (, X, Y ou z. Ao invés de ver o discurso como um caminho para outra
de talhe a organização da interação social. r realidade, os analisas de discurso estão interessados no conteúdo e
O terceiro conjunto de trabalho, que às vezes se identifica comci ;- na organização dos textos.
análise ele discurso, é o associado com o pós-estruturalismo. Pús-es- ' O segundo tema da análise de discurso é que a lin guagem é cons-
Lruluralismo rompeu com as visões realistas da linguagem e r~jeitou -:. trutiva. Potter & Wetherell (1987) mostrarn que a metáfor a "constru-
a noção do suj eito unificado coerente, que foi por longo tempo oco- '" ção" realça três facetas do enfo qu e. Primeiro , ela chama a atenção
ração da filosofia ocidental. Entre os pós-estruturalistas, Michel ~- para o fato de que o discurso é cons truído, ou manufaturado, a par-
-~ tir de recursos lingüísticos preexis ten tes :
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te" paritâquele contexto interpretativo particular. Ações ou funções


Lingnagem e práticas lingüísticas oje1·ecem um depósito desiste-
mas de termos, formas de narrativas, metáforas e citações, do qual não devem ser pensadas em termos cognitivos, por exemplo, como
é possível 01ganizar um relato específico (Potter et al., 1990). relacionadas às intenções de alguém; muitas vezes elas podem ser glo-
bais ou ideológicas, e são melhor pensadas como práticas culturais, do
Em segundo lugar, a metáfora ilustra o fato de que a "monta- que como confinadas na cabeça de alguém. Os analistas de discurso
gem" de um conj unto implica em escolha, ou seleção, de um núme- argumentam que todo discurso é circunstancial.
ro d iferente de possibilidades . É possível descrever até mesmo o
mais simples do s fe nômenos em uma multiplicidade de maneiras. É importante notar que a noção de "con texto interpretativo'' não
Q u alquer descrição específica dependerá da orientação do locutor é fechada ou mecanicista. Ele é empregado n ão simplesmente para
ou escfÍtor (Potter & Wetherell, 1987; Potter et al., 1990). se referir aos amplos parâmetros de uma interação, tais como onde e
quando ela tem lugar, e a quem a pessoa está falando ou escrevendo,
Finalmente, a noção de construçã~ enfatiza o falo de que nós li- mas também para atingir características m ais sutis da interação, in-
d amos com o mundo em termos de construções, e não de uma ma- cluindo os tipos de ações que estão sendo r ealizadas, e as orientações
neira mais ou menos "direta", ou imediata; em u.m sentido verda- dos participantes. Como um analista de discu r so, a pessoa está en-
d eiramente real, diferentes tipos de textos constroem nosso mun- volvida simultaneamente em analis ar o discu rso e em analisar o con-
d o. O uso construtivo da linguagem é um aspecto da vida social
aceito sem discuss;lO . texto interpretativo.
Até mesmo a descrição sonora aparentem ente mais d ireta e neu-
A noção de cons trução marca, pois, claramente uma ruptura tra pode estar implicada em um conjunto completo de diferentes ati-
com os modelos d ~ linguagem tradicionais "realistas", onde a lin- vidades, dependendo do contexto interpretativo . Tomemos a seguin-
guagem é tomada como sendo um meio transparente- um caminho te frase: "Meu carro quebrou" . Isto soa com o uma frase diretamente
relativamente direLo para as crenças ou acontecimentos "reais", ou descritiva sobre um objeto mecânico. Seu sentido, contudo, pode mu-
uma reflexão sobre a maneira como as coisas realmente são. dar dramaticamente em diferentes contextos interpretativos:
A terceira caracLerística da análise de discurso que desejo realçar l. Quando dito para um amigo n a saída de uma reunião, isso
aqui é sua preocupa<;ão com a "orientação da ação", ou "orientação da pode ser um pedido implícito p ara uma carona.
função" do discurso . Isto é, os analistas de discurso vêem todo discur-
so como pTática sociaf. A linguagem, então, não é vista como um mero 2. Quando dito a uma pessoa que lhe vendeu o carro há apenas
epifen ômeno, mas co mo uma prática em si mesma.\ As pessoas em- alguns dias pode fazer parte de uma acusação ou repreensão.
pregam o discurso p ara fazeT cois-as - para acusar, para pedir descul- .. 3. Quando dito para um professor p ara cuja aula você está meia
pas, para se apresentar de uma maneira aceitável, etc. Realçar isto é ., hora atrasado, pode se constituir em u ma desculpa ou explicação.
sublinhar o fato d e que o discurso não ocorre em um vácuo social. ~'
E assim por diante. Uma maneira de testar nossa análise de dis-
Com o atares sociais . n ós estamos continuamente nos orientando pelo 4
curso é olhar para a maneira como os participantes envolvidos res-
contexto inte1pretativo e m que nos encontramos e construímos nosso -:~
discurso para nos aj ustarmos a esse contexto. Isso fica muito claro em ~
pondem, e isso pode oferecer pistas analíticas valiosas. Por exemplo,
contextos relativamen te formais, tais como hospitais e tribunais, mas ~
se o vendedor de carro responde dizendo : " Bem, ele estava sem prq-
é igualmente verdadeiro também para todos os outros contextos. "' blemas quando eu lho vendi", isso indica qu e a frase fo i ouvida como
Para tomar um exemplo concreto, alguém pode dar uma explicação ,, uma ;:~cm::Jção - mesmo que nenhuma acusação explícita tenha sido
diferente do que fez na noite anterior, dependendo do fato de que .:· feita. Mas o contexto interpretativo n ão varia simplesmente com res-
quem pergunta é su a mãe, seu chefe ou seu melhor amigo. Não se tra- : peito a com quem alguém fala: p od e-se falar com a mesm a pessoa- e
ta d e que alguém está sendo deliberadamente fingido em algum eles- i. até mesmo usar as mesmas p alavras - e gerar muitas interpretações
ses casos (ao m enos n ão necessariamente), mas simplesmente de que " diferentes. Pensemos na m aneira corno a pergunta "Você irá sair hoje
estaríamos dizendo o que parece ''certo", ou o qne "vem naturalmen- à noite? " pode ter múltiplos sign ificados quando feita por alguém a
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seu namorado/a. O ponto central aqui é que não existe nada "sim- Fazendo pe1guntas diferentes
ples", ou sem importância, com respeito à linguagem: fala e textos são :: A análise de discurso não é um enfoque que pode ser pego sira-
práticas sociais, e até mesmo afirmações que parecem extremamente ~·: plesmente da prateleira, como o subs tituto de uma forma mais tracli··
triviais, estão implicadas em vários tipos de atividades. Um dos objeti- t cional de análise- por exemplo, an i lise d e conteúdo ou análise esta-
vos da análise de discurso é identificar as funções, ou atividades, da t tística de dados de questionários. A decisão de usar análise de discur-
fala e dos textos, e explorar como eles são realizados. ~ so impõe uma mudança epistemológica radical. Como já indiquei, os
Isto me leva ao quarto ponto: a análise de discurso trata a fala e analistas de discurso não vêem os textos como veículos para descobrir
os textos como organizados retoricamente (Billig, 1987; 1991 ). Diferen·· alguma realidade pensada como jazendo além, ou debaixo da lingua-
temente da análise da conversação, a análise de discurso vê a vida so- gem. Ao invés disso, eles estão inte ressados no texto em si mesmo, c
cial com o sendo caracterizada por conflitos de vários tipos . Corno por isso fazem perguntas diferentes . Diante da transcrição de uma
tal, grande parte do discurso está implicada em estabelecer uma ver- discussão entre vegetarianos, por exemplo, o analista de discurso não
são do mundo diante de versões competitivas. Isto fica claro em al- procuraria descobrir ali por que as pessoas implicadas deixaram de
guns casos - políticos, por exemplo, estão claramente tentando levar comer carne e peixe, mas ao invés disso, estaria interessado em anali-
as pessoas a aderir a suas visões de mundo, e publicitários estão ten- sar como a decisão de se tornar vegetariano é ~e gitimada pelos por-
tando nos vender seus produtos, estilos de vida e sonhos - mas é ta-vozes, ou como eles respondem a críticas potenciais, ou como eles
também verdade para outros discursos. A ênfase na natureza retóri- formam uma auto-identidade positiva (Gill, 1996b). A possível lista de
ca dos textos dirige nossa atenção para as maneiras como todo dis- perguntas é interminável; mas, como se p ode ver, elas são bem dife-
curso é organizado a fim de se tornar persuasivo. rentes das convencionais perguntas sociocientíflcas .

A prática da análise de discurso Transcr-ição


É muito mais fácil discutir os temas centrais da análise de dis- A não ser que se esteja analisando um texto de domínio público-
por exemplo, um artigo de jornal, um relatório de uma companhia
curso do que explicar corno concretamente fazer para analisar tex-
ou o registro de um debate parlam entar - a primeira exigência é
tos. Seria muito agradável se fosse possível' oferecer urna receita, ao
uma transcrição. Uma boa transcrição deve ser um registro tão deta-
estilo de manuais de cozinha, que os leitores pudessem acompa-
lhado quanto possível do discurs o a ser analisado. A transcrição não
nhar, metodicamente; mas isso é impossível. Em algum lugar entre pode sintetizar a fala, nem dev e ser "limpada", ou corrigida; ela
a "transcrição" e a "elaboração do material", a essência do que seja deve registrar a fala literalmente, com todas as características possí-
fazer uma a nálise de discurso parece escapar: sempre indefinível, veis da fala. A produção de uma transcrição consome uma enormi-
ela nunca pode ser captada por descrições de esquemas de codifi- dade de tempo. Mesmo que apenas as características de maior realce
cação, hipóteses e esquemas analíticos. Contudo, exatamente por- da fala sejam anotadas- tais como a ênfase e hesitação- o desenvol-
que as habilidades dos analis tas de discurso não se prestam a des- vimento da transcrição pode demorar até lO horas para cada hora
criçõ es de procedimentos, não há necessidade de elas serem deli- de material gravado. Os analistas da conversação, e alguns analista~
beradamente mistificadas e colocadas acima do alcance de todos, de discurso, afirmam que essas transcrições muito detalhadas são es~
com exceção dos entendidos. A análise de discurso é semelhante a senciais, se não se quiser perder as características centrais da fala .
muitas outras tarefas: os jornalistas, por exemplo, não são muito Um sistema de transcrição que an ote a entonação, a fala sobreposta,
treinados para identificar o que faz com que um acontecimento respirações, etc. - como o delineado por Gail Jefferson- pode che-
seja notícia, mas depois de um pequeno tempo de experiência seu gar a uma proporção de tempo de 20:1 (ver cap. 11 deste volume).
senso de "valor de notícia" se torna bem claro. Não há, na verdade, Contudo, como J onathan Potter mostra, a produção de uma trans-
substituto para aprender fazendo. crição não deve ser pensada como um tempo "perdido", antes que a
análise como tal comece:

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10. ANÁLISE DE DISCURSO

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Fazer análise de discurso implica questionar nossos próprios
Muitas vezes, algumas das intuições analíticas mais iluminadoras pressupostos e as maneiras como nós habitualmente damos sentido
apaTecem durante a tmnscrição, poTque é necessário um engaja-
às coisas. Implica um espírito de ceticismo, e o desenvolvimento de
mento profundo com o material para produzi1· uma boa transcri-
ção (l996b: 136). uma "mentalidade analítica" (Schenkein, 1978) que não desaparece
facilmente quando não se está sentado na frente de uma transcrição.
Por essa razão, é sempre útil produzir notas analíticas enquanto Devemos perguntar a qualquer passagem dada: "Por que eu estou
se está fazendo a transcrição. lendo isso dessa maneira?", "Que características do texto produzem
Uma das coisas que impressionam mais fortemente a muitos no- essa leitura?", "Como ele está organizado para se tornar persuasi-
vos apalistas de discurso quando eles olham para- ou melhor, têm vo?" e assim por diante. Na minha opinião, a análise de discurso de-
ele produzir- u ma transcrição, é a total confusão da fala. Aspectos da veria trazer consigo um alerta sobre a saúde, semelhante aos que são
fala que são tão familiares a ponto de nós muitas vezes literalmente colocados em comerciais de cigarros, porque fazer uma análise de
não os "ouvirmos", se tornam visíveis nas transcrições. Isso.implica discurw muda fundamentalmente as maneiras como nós experien-
múltiplos "remen dos" na fala, mudanças no andamento ou tópico, ciamos a linguagem e as relações sociais.
pausas, sobreposições, interrupções e emprego livre de frases tais
como "sabe". Na verdade, fazer análise de discurso faz com que a
Codificação
pessoa imagine o quanto nós habitualmente "editamos" a fala que
nós escutamos. A segunda coisa que chama a atenção é (aparente- À semelhança dos etnógrafos, os analistas de discurso têm de
mente de maneira contraditória) como a fala está em ordem. Repa- mergulhar no material estudado. Uma boa maneira de começar é
ros e mudanças n o andamento acontecem quando os locutores se simplesmente ler e reler as transcrições até que nos familiarizemos
orientam para o contexto interpretativo; sobreposições e interrup- com elas. Este processo é uma preliminar necessária para a codifica-
ções são devidas ao modo conversacional; e assim por diante (ver ç;'io. As categorias usadas para a codificação serão, obviamente, de-
Myers, cap. ll n es te volume). terminadas pelas questões de interesse. Às vezes elas irão parecer re-
lativamente simples: por exemplo, uma parte de minha análise das
O espí?"ito da leitura cética entrevistas com locutores de rádio implicava o exame das explica-
ções que eles davam para a ausência de m.ulheres trabalhandÓ no rá·
U ma vez feita a transcrição (ou obtidos os outros dados), a análi- di o (Gill, 1993 ). A coclitlcação inicial p ara isto implicou examinar as
se pode começar. O ponto inicial mais útil é a suspensão da crença transcrições e realçar, ou selecionar, tod as as ocasiões em que os lo-
naquilo que é tido co mo algo dado. Isto é semelhante à regra de pro- cutores se referiam às locutoras. Em outras ocasiões, a codificação
cedimento dos antropólogos de "tornar o familiar estranho". Tal pode ser muito mais difícil, e o fenômeno de interesse pode ficar cla-
prática implica em mudar a maneira como a linguagem é vista, a fim ro somente após alguma análise inicial. Potter e Wetherell ( 1987)
r~ ele enfocar a construção, organização e funções do discurso, em vez descrevem como em seu estudo sobre as explicações que os habitan-
de olhar para algo a trás, ou subjacente a ele. Como Potter & Wethe- tes brancos da Nova Zelândia davam sobre desigualdade racial, seu
rell mostraram, o treinamento acadêmico ensina as pessoas a ler tex- entendimento do que deveria ser codificado mudou repetidas vqcs,
tos buscando sua essência, mas isso é precisamente a maneira errada à medida que sua análise se tornava mais sofisticada. E, de fato, em
de nos aproximarm os da análise : meu próprio estudo sobre as explicações sobre a ausência de mulhe-
1·.
~...~ Se alguém lê um artigo, ou livro, o objetivo usual é pmduzir uma res DJ s, ficou claro que muitos outros aspectos do material de entre-
síntese simples, unitária, e ignorar a nuança, as contradições e as vista, além das referências diretas sobre mulheres locutoras, foram
á1·eas de imprecisão. O ana lista de discuTSo, contudo, está inteus- relevantes à análise: por exemplo, referências a "qualidades" que
sado no detalhe das passagens do discurso, embom }1-agmentadas e "todo bom DJ deve possuir" acabou mostrando conler uma quanli -
contm ditá'rias, e com o que é realmente dito ou escrito, não com al-
dade de pressupostos ocultos sobre gênero .
gum o idéia geml que parece ser jJretendida ( 1987: 168).

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Isto vem realçar um ponto importante sobre codificação: que, ' sivos para o qual os locutores tinh am de prestar atenção era o de se-
rem considerados como sexistas enquanto querendo ao mesmo tem-
em suas fases iniciais, ela deve ser feita da maneira mais abrangen-
po apr esentar razões "legítimas" pda ausência de mulheres. As trans-
te possível, de tal modo que todas as instâncias limítrofes possam
crições estão cheias de desaprovações (Hewitt & Stokes, l9í 5), tais
ser incluídas, em vez de serem deixadas fora. As pessoas usam vá-
como " Eu não sou sexista mas .. .'·, que precederam a apresentação
rias es tratégias para codificar, e cada pesquisador deve desenvol-
de considerações que poderiam ~er facilmente consideradas sexis-
ver a sua, mas essencialmente a codificação é uma maneira de or-
tas. Ficando com nosso exemplo ~obre vegetarianismo, podemos es-
ganizar as categorias de interesse. Por exemplo, se nós estamos
perar encontrar nossos locutores ve ge tarianos indicando uma varie-
intere ssados em examinar como as pessoas explicam sua decisão
dade de críticas potenciais - por exe mplo, sentimentalismo, "corre-
de se toniàrem vegetarianas, então uma maneira de começar a co-
dificar pode ser separar as transcrições em diferentes tipos de ex- ção política" e inconsistência .
plicações: algumas pessoas podem afirmar que elas pararam de Embora sugestões como as de \ Viddicombe sejam úteis para p en-
comer carne devido a razões de saúde, outros podem discutir sar a análise, no final das contas n ào há como escapar do fato de que a
ques tões li gadas ao bem-estar dos animais, e ainda outras podem análise de discurso é uma arte habilidosa, que pode ser difícil, e exige
possuir preocupações éticas sobre o uso dos recursos globais de ali- sempre muito trabalho. Como n otaram Wetherell & Potter ( 1988),
me nto e assim por diante. É importante notar que os indivíduos não é incomum trabalhar com u m esquema analítico por vários dias,
podem ser leva dos por diferentes explicações, ou combiná-las, e apenas para mudá-lo, ou descartá-lo, porque a evidência lingüística
que o inte resse do analista de discurso não é nas atitudes indivi- não se ajusta adequadamente. Diferentemente de ouLros estilos de
duais, mas na construção cultural do vegetarianismo. análise que suprimem a variabilidade, ou simplesmente encobrem si-
tuações que não se adaptam à his tória que está sendo contada, a análi-
Analisando o discuno se de discurso exige rigor, a üm d e produzir um sentido analítico dos
textos a partir de sua confusão fragmentada e contraditória.
Tendo completado a codificação inicial- e com as pilhas de foto-
Os analistas de d iscurso, ao mesmo tempo em que examinam a
cóp ias ou de folhas de r egistro em seu lugar- é tempo de começar a ·'- maneira como a linguagem é emp regada, devem também estar sen-
análise como tal. Pode ser útil pensar a análise como sendo construí- ·
síveis àquilo que n ão é dito - aos silêncios . Isso, por sua vez, ·exige
da em duas fases relacionadas. Primeiramente, há uma procura por uma consciência aprimorada das tendênci as e contextos sociais, po-
um padrão nos dados. Isto vai se mostrar na forma tanto da variabili-
líticos e culturais aos quais os tex to s se referem. Sem essa compreen-
dade (diferenças entre as narrações), quanto da consistência. Em se-
gundo lugar, há a preocupação com a função, com a criação de hipó- são contextuai mais ampla:
teses ten tativas sobre as funções de características específicas do dis- nós não seTe??WS capazes de ver a versão alternativa dos aconteci-
mentos, ou fenômenos que o discurso que estamos analisando pre-
curso, e de testá-las frente aos dados (Potter & Wetherell, 1987). É
tendeu contrariar; não conseguiremos percebeT a ausência (às ue-
claro que, colocadas as coisas dessa maneira, isso parece fácil, e são zes sistemática) de tijws particulares de explicações nos textos que
esquecidas de horas de frustração e aparentes impasses. Na prática, estamos estudando; e não conseguiremos reconhecer o significado
a identificação de padrões e funções do discurso é muitas vezes difí-
do silêncio (Gil!, 199 6b : 14 7).
cil e leva muito tempo .
Contudo, dizer que a famili ari dade com o contexto é vital, não é
Uma estratégia analítica útil, sugerida por Widdicombe ( 1993 ), é sugerir que esse contexto p ossa se r descrito com neutralidade e sem
a de considerar as maneiras como as coisas são ditas como sendo po- problemas. Quando um analista de discurso discute o co ntexto, ele
tenciais soluções de problemas. A tarefa do analista é identificar está também produzindo uma versão, construindo o contexto como
cada problema, e como o que é dito se constitui em uma solução. Em um objeto. Em outras palavras, a fa la dos analistas de discurso não é
meu estudo sobre a maneira como os locutores de rádio explicavam menos cons truíd a, circunstanciada e orientada à ação que qualquer
o pequeno número de mulheres no rádio, um dos problemas discur- outra. O que os analistas de di scurso fazem é produzir lein.iras de

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textos e contextos que estão garantidas por uma atenção cuidados~ 12. promover a independência das mulheres das parcerias
aos detalhes, e que emprestam coerência ao discurso em estudo. 13. com os homens, ao menos até que os homens tenham redefmido
seu papel
Estudo de caso: ''Morfe do Pai" 14. e identidade, de tal modo que eles se tornem mais parecidos com as
'li mulheres.
A fim de demonstrar os tipos de intuições produzidas pela análi- 2~
15. Este supremacismo feminino, em vez de ser feminismo,
se de discurso, irei ap resentar uma análise preliminar de uma curta ~{
passage m,extraída de um artigo de um jornal em .voga ("Morte do 'f 16. fundamentalmente despreza, desconfia e não gosta dos homens.
Pai" de 'Melanie Phillips, The Observer, 2 de novembro de 1997). O .~ 17. O supremacismo feminino colocou a própria idéia de
artigo, que encontr e i enquanto escrevia esse capítulo, é, de muitos it 18. paternidade em estado de sítio. Os homens em geral, e
modos, típico do tip o de "reflexões", que se encontram em jornais ~
19. os pais em particular, são cada vez mai s vistos como
britânicos dominicais . Relacionado com os debates sobre a . atitude lf
do governo Blair com respeito às mães solteiras, o artigo denUJl,çia ~ 20. supérfluos na vida familiar. Não existem mais papéis
violentamente os arquitetos de uma crise que aparentemente amea- ~! 21. centrais que somente os pais podem desempen har. Na verdade, ele
ça a sobrevivência da paternidade, dos homens em geral, e do pró- ~.; sustenta que
prio futuro da "fam ília tradicional". . - ~;. 22. a masculinidade é desnecessária, ou indesejável. Ele nos diz
A curta passagem que extraí pode ser analisada de muitas ma- "-· 23. que os homens são importantes como novos pais. Mas ele corta
neiras diferentes. M cu objetivo é examinar como a natureza da ame- 24. isso pela base ao reivindicar que a paternidade solitária é perfeita-
aça é discursivamen te construída e tornada persuasiva. Ao anali-
mente
sá-la, como veremos, quero tocar sobre outras questões, começando
com a maneira como Phillips constrói sua própria identidade, e indo 25. aceitável- e em alguns casos preferível.
à frente para explorar sua caracterização do alvo de seu ataque. O 26. A paternidade deve se tornar uma maternidade substituta, e
texto é o que segue : 27. os pais e mães devem se transformar em pais unissex.
1. Muitas mulheres qu erem trabalhar, e o fazem . Este não é um argu- 28. Mas a maioria dos homens e das mulheres não quer ser pais unissex.
mento 29. E a razão disso é porque há diferenças sexualmente
2. para forçar as mulheres a ficarem em casa. Nem é esLe um argumento 30. fundamentadas entre mães e pais. A maternidade é um
3. para "a dominação masculina". Este é um argumento para 31 . vínculo biológico, abastecido por hormônios e impulsos genéticos.
4. recon hecer a necessidade de um equilíbrio de responsabilidades. 32. A paternidade, por outro lado, é até certo ponto, uma
5. Este desejo de errad icar as diferenças sexuais e de gênero 33. construção social, mas fundada- crucialmente - em um fato bioló-
6. a fim de re-criar os homens, surge de um tipo de feminismo giCo.
7. que chegou até à Inglaterra procedente da América, para se tornar a
8. ortodoxia entre os p esquisadores da ciência social, Constm·indo a identidade da escritora
9. profiss ionais do setor público e a maioria dos grupos que gostam de Nas primeiras poucas linhas do trecho, Phillips lança o fund a-
palavrórios. mento para seu argumento, dizendo a seus leitores o que não é : ele
10. Este feminismo vc as mulheres apenas como vítimas da dominação não é um argumento para forçar as mulheres a fic ar em casa. Nem é
machista. um argumento para a "dominação do homem". Este é um moúmen-
ll. Ele defende o em p rego do poder do estado para
to retórico comum, que tem por objetivo proteger, ou "inocular" u m
argumento contra críticas, e oferece1· uma '"leitura preferida", indi-

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10. ÀNÁUSE út 015CUR50

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Estados Unidos". Aqui o argumen to "Estados Unidos" é invocado
canelo a maneira como o argumento deve ser interpretado. Implki- para marcar um receio antigo dos br itânicos contra a insidiosa ame-
ta nessas asserções está a idéia de que ela não é contra os direitos d~s ricanização, mas ele se refere também a preocupações mais recentes
mulheres, nem é ela contra o feminismo per se. Ela rejeita o extre~ sobre a disseminação da " correção política", e um tip o p artiwlar de
mismo daquel~s ~ue ?os ta riam de forçar as mulheres a perm~neceri,,, "feminismo vítima" (linhas 10-22), que é freqüent eme nte visto como
em c~sa, e ao mves disso se apresenta como moderada e racr~nal -{t
o acompanhando.
alguem que meramente apreser~ta um argumento <1 favor do recO-"fi;
nhecimento ela necessidade de um equilíbrio de responsabilidades". ) Um dos pontos básicos defendidos pela análise de discurso é que
. lll:
lll'. a descrição e a avaliação n ão são atividades separadas. Na maioria
A noção de "equilíbrio" desempenha aqui uma fi.mção re~óric(;l ~ dos discursos, são produzidas descrições que contêm avaliações. Um.
considerável. Colocado no centro de uma organização discursiva ~ exemplo claro disso está na linha 15. Aqui, feminismo é reformula-
que possui poucos (ou nenhum) sentidos negativos, e usado para ~ do como "supremacismo femin ino", uma frase que já vem "facil-
vender tudo, desde água engarrafada e cereais para café da manhã, ~ mente avaliada", repleta com res sonâncias de racism o e fascismo e
até religião e política, "equilíbrio" possui conotações de saúde, har- i de organizações sombrias, cujo objetivo é colocar um gru po de pes-
mo.~ia e, sobre.tudo,_ natural~d_ade._ Do ~e-sm_o modo que" comunida- if soas acima de outras. Não é identificado nenhum representante do
de , ele possur sentrdos positivos rrresrstivers, que podem ser mane- J~ supremacismo feminino no artigo, nem sequer é indicada alguma
j ados e retrabalhados em instâncias ele emprego específicas. Aqui a ~;; fonte de referência das idéias sup remacistas feminin as . Na verdade,
noção é ligada a "responsabilidades", uma palavra com ressonâncias ~· parte da força retórica do "suprem acismo feminino " é que ele evoca
particulares em discussões sobre paternidade solitária, um assunto ~: idéias de uma ameaça arrogame, totalizante, enquanto protege
muito emp regado por políticos e jornalistas, quando falam da irres- ti; Phillips da crítica ao negar qualquer possibilidade de crítica.
ponsabilidade das pessoas. A idéia de um equilíbrio de responsabili- i.
dades carrega, pois, um sentido de retidão moral, e, porque ela é 7;
vir tualmente normal, é muito difícil de refutar: quem poderia criti- *') Ortodoxia e pode1' de estado
car "um equilíbrio de responsabilidades"? O caso de Phillips é refor- ~~ Uma prática comum de atacar as idéias dos opositores é cha-
çado ainda mais pela sugestão de que aquilo que ela está demandan- i:. má-las de dogmas, ideologias ou ortodoxias. Nesse contexto, c~mtu­
do é unicamente um reconhecimento da necessidade de um equilí- $~ do, a noção de ortodoxia possui cono tações signif1cativas específicas ,
brio, implicando, como é o caso, a existência de uma necessidade .. sugerindo um conjunto de idéias que não podem ser questionadas,
preexistente verdadeira, ou natural (que nós devemos simplesmente >' mas devem ser aceitas e às quais se deve aderir sem p ensar. 1\lais uma
não mais negar). vez, os temores sobre a dissemina.;ão da "correção p olítica", com seu
conhecido policiamento do pensamento e d o comportamento, são
Os alvos do ataque: feminismo e ... o supremacismo feminino conjurados, com a noção de que e~ tas idéias, longe d e serem um pon-
to de vista de uma minoria, "se tornaram a ortodoxia entre os pesqui-
Como vimos, Phillips é cuidadosa ao construir seu argumento, sadores da ciência social, dos profls sionais do setor público e da maio-
co mo sendo um argumento que não é diretamente antifeminista. A ria dos grupos que gostam de pab.vrório" (linhas 7-9).
p assagem de abertura do extrato pode ser lida como urna maneira
d e re:pudiar uma identidade hostil à independência das mulheres . Dois dos três grupos identificados por Phillips são importantes
Nos termos de Widdicombe (1993), um dos problemas que ela pro- por serem considerados como !tKais centrais de campanlus para
cura evitar é o de ser considerada como atacando as mulheres. uma "curreção política" nos Estados Unidos, sendo ao mesmo tem-
Quando ela primeiramente elabora o alvo de sua crítica, torna-se po alvos familiares da imprensa o c direita- identificados como soci-
claro por que esse repúdio é necessário, pois seu alvo é precisamente alistas, ou liberais progressistas que viven1 p osicionados fora do
"um tipo de feminismo". Não é, contudo, todo o feminismo que ela mundo "real" dos negócios e d o m undo empresarial. O clímax da
cond ena, mas um tipo específico que "chegou à Inglaterra vindo dos lista tríplice, "os grupos que gostam de palavróri o" , é, retoricamente

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falando, particularm ente eficaz. Cunhado na década de 1980, parte ~. A natureza da ameaça aos homens é posteriormente elaborada
da força dessa categorização é sua própria falta de explicitação. Sem :~ nas linhas 17-25. Uma das características mais marcantes dessa passa-
referências claras, é uma categoria discursiva inteiramente flexível, ·#; gem é sua imprecisão. Chamei a atenção acima que a identidade de
que evoca imagens d e uma elite afluente, na maior parte das vezes ··· "supremacistas femininas" nunca ficou explícita; a mesma falta de ex-
empregada na educação, na mídia e nas "profissões de bem-estar", plicitação está presente na discussão de Phillips sobre a natureza da
ct~ja tagarelice dos j a ntares é, simultaneamente, ineficaz, mas se cons- ameaça colocada por esse grupo clandestino. Ela fala de "paternidade
titui na fala do establishment liberàl. sob estado de sítio", de 'homens e pais cada vez mais vistos como su-
pérfluos na vida familiar", e de masculinidade retratada como sendo
A ev_~c.ação das idéias supremacistas femininas, que já se torna-
"desnecessária e indesejável", mas ela não apresenta nenhum exem-
ram a oÚodoxia en tre um segmento importante- embora não origi-
plo, nem evidência alguma dessas afirmações. A força de seu argu-
nal - da população, contém um sentido poderoso de ameaça. Ela
mento permanece apenas na retórica. O significado poderoso da
constrói o supremacismo feminino como um projeto político, dis-
ameaça aos homens está contido no emprego de metáforas ele guena
tante apenas alguns momentos da tomada do "poder do estado",
("estado de sítio"), referências a movimentos supremacistas, e uma
com terríveis conseqüências para os pais e os homens em geral.
linguagem que cheira a um discurso fascista, com suas visões de al-
guns grupos como "desnecessários", "indesejáveis" e "supérfluos".
A natureza da ameaço: homens e patemidade sob estado de sítio
Não é o caso de que Phillips esteja deliberada ou conscientemente
Até aqui, analis ei como Phillips montou uma imagem retórica brandindo um discurso fascista - e como uma analista de discurso eu
.!- poderosa das pessoas que ela julga responsáveis por ameaçar a estou menos interessada em sua motivação interna do que no efeito
"morte do Pai" . Vol tar-me-ei agora para a maneira como ela carac- de suas construções- mas trata-se do fato que talvez este seja o recur-
teriza a natureza d a própria ameaça. A primeira alusão à ameaça so cultural mais poderoso acessível às democracias ocidentais para
está nas linhas 5-7: mn "desejo de erradicar diferenças sexuais e de produzir ameaça. O emprego de tal linguagem, para caracterizar
géner o a fim de recriar os homens". Essa é uma construção fascinan- crenças feministas, não é novo: a noção defeminazis circulou nos Esta-
te, pois ela inverte a ordem lógica da maioria das argumentações fe- dos Unidos por ao menos uma década, popularizada por comentado-
ministas. O argum ento de que os homens podem ter de mudar, a res de direita e humoristas vulgares como Howard Stern. Tal Lingua-
fim de se conseguir u ma igualdade de gênero, é um argumento que gem é t.ão poderosa em suas fantasias, que ela parece não necessitar
seria familiar à maio ria dos leitores reconhecidamente feministas. explicação ou justificação alguma. Na verdade, parte de sua força é
Phillips atribui, contudo, às supremacistas femininas outro projeto sua própria imprecisão. Como mostraram outros analistas de discur-
completamente n m·o - um projeto cujo "objetivo primeiro" é so (Drew & Holt, 1989; Edwards & Potter, 1992), quando ela é siste-
"re-criar os homens'· . Em vez do desafio para que certo comporta- maticamente apresentada, a imprecisão pode se constituir em uma
mento masculino se to rne um meio de se conseguir um objetivo so- defesa retórica importante, exatamente porque ela fornece uma bar-
cialmente desejável (igualdade de gênero), a re-criação dos homens reira a questionamentos imediatos e ao início de refutações. Ainda
é colocada como o fim em si mesma. A implicação é que esse projeto mais, se isso falha, e questionamentos são feitos , os locutores podem
nasceu de nada mais nobre que o ódio pelos homens. Isso fica claro negar o sentido específico atribuído a eles.
nas linhas 15-16: "Este supremacismo feminino, em vez de ser femi-
A eficácia ela passagem é também realçada pelo uso de formatos
nismo, funda mentalmente despreza, desconfia e não gosta dos ho-
reLúricus espedficos, tais como estruturas de contraste. Em um dis-
mens" . O uso de o utra lista tríplice (mostrada por estudos de falas curso político como esse, uma forma típica é o contraste retóri-
políticas como sendo um formato retórico altamente persuasivo, ca-realidade- quando a ação do oponente é comparada desfayora-
que se constitui em um atrativo específico para o público), combina- velmente com sua retórica, como no exemplo seguinte: "Eles dizem
do co m o uso da aliteração (em inglês: despises, distrusts and disli- que o serviço de saúde está seguro em suas mãos, mas eles cortaram
kes), enfatiza o impacto da afirmativa. seus gastos em. 40 milhões de rea is es te ano ." No nosso extrato, o

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10. A1'1ÁL\.,E DE DISCURSO
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Subjacente a esse discurso btá o pressuposto de que os homens
contraste é um pouco diferente: nas linhas 22-25, é feito um contras-
estão ameaçados não simplesmente por uma organização política
te entre o que diz o "supremacismo feminino" em algumas ocasiões,
normal, mas por um movimento que procura nada mais que subver-
e como isso é "cortado pela base" pelo que diz em outras; "Ele nos
ter a natureza. Os homens dev en1 ser re-criados, os pais têm de se
diz que os homens são importantes como novos pais. Mas ele corta
tornar mães: a própria nature za, como nós a conhecemos, está sob
isso pela base ao afirmar que a paternidade solitária é perfeitamente
ameaça por parte dessas pessoas. A idéia de que elas estão indo con-
aceitável- e, em alguns casos, preferível". Essa é uma forma alta-
tra a natureza se torna explícita apenas pelo fim do extrato (linhas
mente eficaz de ataque, porque ela sugere simultaneamente que as
28-33). Tendo constmído a na tureza da ameaça que confronta os
supremacistas femininas são inconsistentes e contraditórias, e que
homens, Phillips argumenta: " ~Ias a maioria dos homens e mulhe-
a té mesmo asserções aparentemente aceitáveis devem ser colocadas
res não quer ser pais unissex". Es te é um movimento retórico razoa-
sob suspeita. Uma agenda oculta de ódio contra os homens subjaz a
velmente comum, em que o locutor, ou escritor, afu·ma conhecer e
essas afirmativas inócuas de boas-vindas aos "novos pais".
articular os desejos de outra pessoa ou grupo . Ele é particularmente
eficaz, na verdade, em construções de crises ou ameaças, pois ele su-
Indo contra a natureza põe também que o grupo (nesse caso, os homens) estão em perigo
Na parte final desse estudo de caso vou retornar o olhar para as de não serem capazes de falar p or si mesmos : Aqui, contudo, Phillips
linhas 5-7 e para a afirmativa de Phillips de que esse "tipo de fen).i- vai adiante explicando por que os homens e mulheres não querem
nismo" tem como objetivo "recriar os homens". A noção de "re-cria- se tornar pais "unissex": "Isso t porque existem diferenças sexual-
ção" desempenha aqui uma função discursiva importante. A palavra mente fundamentadas entre m ães e pais" de n atureza biológica, ge-
sugere não simplesmente um desejo de mudar o homem, mas a vi- nética e hormonal. O que as "supremacistas femininas " querem é ir
são que os homens devem ser tratados como objetos ou máquinas, contra essa realidade natural. Desse modo, pois, o suposto ataque
que podem ser re-criados ou re-programados. Ela sugere um desejo das feministas à paternidade se constrói como um ataque contra a
de intervenção que é agressivo e invasivo, e que fundamentalmente própria natureza.
d esumaniza os homens. Uma leitura psicanalítica pode até mesmo Espero que esse breve estudo d e caso tenha fornecido alg·u!Da in-
sugerir que está simbolicamente implícita u.ma castração. Ao afirmar dicação do potencial da análise de discurso para analisar a lingua-
que as feministas procuram recriar os homens, Phillips as apresenta gem e as relações sociais. Em síntese, o estudo tentou mostrar que
como ásperas, duras e desumanas. A noção reforça também a impli- até mesmo uma curta passagem , extraída de um artigo de jornal, é
cação de tendências fascistas. No contexto da discussão do suprema- uma obra retórica complexa. Nesse caso, foi mostrado como um ar-
rismo, ela evoca imagens poderosas de eugenia nazista ou progTa- tigo aparentemente liberal, que afirmava explicitamente que não
mas de re-criação humana. era antifeminista, se mostra fortemente ideológico, construindo
Um novo discurso de experimentação genética e de tecnologias uma sociedade em que pais, home ns em geral, e na verdade a pró-
reprodutivas está também presente: a frase provoca implicitamente pria natureza, estão encurralados pelo feminis mo. O significado po-
temores populares sobre a variedade de tecnologias biomédicas, deroso de ameaça, gerado por essa passagem, mostrou que ele é o
desde a clonagem, até "bebês de proveta". Embora isso não esteja resultado de urna ampla varied;, de de diferentes estratégias e fo'r-
colocado explicitamente no artigo, os debates sobre engenharia ge- matos retóricos.
nética - e esp ecialmente sobre a introdução da eugenia "pela porta
dos fundos"- constitui um recurso discursivo chave, do qual Phillips A avaliação da análise de discurso: questões e comentários
faz uso. Posteriormente no extrato (linhas 26-27), a idéia de substi-
Nesta seção fmal, passarei à a\·aliação da análise de discurso, que
tuição é invocada, com a sugestão de que a re-engenharia tem como
será estruturada em termos d e p erguntas freqü entemente feitas. e
o~jetivo último transformar homens em mulheres (reforçando uma
vez mais a descrição do supremacismo feminino). suas respostas .

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.., ~( I O. ANÍ\l\St OE 0\SCURSO
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' novos e adequados testes para assegurar nlidade e fldedignidacie


Ela produz generalização empírica ampla? ·;'!_~
J ona than Potter (1996b) afn·ma que os analistas de discurso podem
·.~
A resposta cuna é não: por exemplo, ela não procw·a discuti.!<,. fazer uso de quatro ponderações para avaliar a fidedignidade e va-
questões tais como por que algumas pessoas escolhem se tornar pais.. .;.; lidade das análises:
solteiros . A análise de discurso não procura identificar processos :· l. Análise de casos desviantes: isto é, o exame de casos qu e parecem
-~'
universais e, na verdade, os analistas de discurso criticam a noção de ir contra o padrão identificado . Isto pode servir para descon-
que tais generalizações são possíveis, argumentando que o discurs~ firmar o padrão identificado, ou pode ajudar a acrescentar
é sempre circunstancial- construído a partir de recursos interpreta- maior sofisticação à análise.
tivos particulares, e tendo em mira contextos específicos.
2. Os entendimentos dos jJarticipantes: como já assinalei antenor-
rnente, uma das maneiras de conferir se nossa an{tlise se sus-
É ela representativa ? tenta é examinar como os participantes responderam. Isto é
Há ocasiões em que os analistas de discurso podem querer apre- mais importante, é claro, em regis tras de interação, mas mes-
sentar reivindicações de representatividade para suas análises. Por mo no caso de artigos de jornal, cartas e respostas, isso pode
exemplo, se cu tivesse feito a necessária pesquisa empírica, poderia oferecer testes úteis.
querer afirmar que o argumento de Phillips é representativo dos tipos 3. Coerência: trabalho analítico do discurso, como a análise da
de d iscursos que se encontram na literatura dos movimentos atuais . . conversação, está cada vez mais se aproveitando de intuições
dos homens ingleses (que, julgando pelo material acessível nos seus de trabalhos anteriores. Por exemplo, o conhecimento sobre a
websites, parecem defender que as mulheres conseguiram domínio efetividade de listas tríplices, estruturas de contraste, fo rmula-
na sociedade, e estão vitimizando os homens de diferentes modos). ções de casos extremos e assim por diante, se desenvolveu a
partir de intuições de estudos anteriores. Como afn·ma Potter
Falando de man e ira geral, contudo, os analistas de discurso es-
(l996b), há uma convicção de que cada novo estudo apresenta
tão menos interessados no tema da representatividade do que no
uma avaliação sobre a adequação de estudos anteriores. Estes
conteúdo, organização e fu nções dos textos. Embora os analistas de
novos estudos emprestam coerência, captando algo sobre o
discurs o não rejeitem de modo algum a quantificação (e na verdade
discurso que pode ser desenvolvido , enquanto outros prova-
ques tionem a idéia de uma distinção nítida qualidade-quantidade),
um pré-requisito p ara contar as instâncias de uma categoria particu- velmente são ignorados.
br é uma explicação detalhada de como decidir se alguma coisa é, 4. As avaliações dos leitores: a maneira mais importante, talvez,
ou não, uma instância do relevante fenômeno. Isto normalmente para controlar a validade do analista, é a apresentação dos ma-
mostra-se ser mais in teressante e complexo do que tentativas apa- teriais que estão sendo analisados, a ftm de permitir aos leito·
rentemente diretas de quantificação. res fazer sua própria avaliação e, se eles quiserem, apresentar
interpretações alternativas. Onde os editores acadêmicos per-
Produz ela dados que s ·;,a fidedignos e válidos? mitem, os analistas de discurso apresentam tr anscriçôes cem·
pletas aos leitores. Quando isso não é possível, passagens ex·
Os analistas d e ui.s curso têm sido extremamente críticos ares- tensas serão sempre apresentadas. Nesse sentido, a análise de
peito dos muitos m étodos exis tentes para assegurar fidedignidade discu rso é mais aberta que quase todas as outras práticas de
e \'alidade. Na psicologia, por exemplo, muita pesquisa experi- pesquisa, que invariavelmente apresentam os dados "pré-teo-
me ntal e quali tati va d epe nde da supressão da variabilidade, ou da rizados" ou, corno na pesquisa etnográfica, nos pedem para fa-
marginal ização das in stâncias que não se ajustam à históri a que es- zer observações e interpretações baseados na confiança.
tá sendo contada pelo pesquisador (ver Potter & Wetherell, 1987).
Os próprios analistas ele discurso estão empenhados em produzir

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Os analistas de discurso, como quaisquer outros pesquisadores, , Passos na análise de discurso


afirmam que "a validade não é uma mercadoria que pode ser com-
p rada com técnicas ... Ao contrário, validade é como a integridade, o 1. Formule suas questões iniciais de pesquisa.
caráter e a qualidade, que deve ser avaliada em relação a objetivos e 2. Escolha os textos a serem an:.tlisados .
circunstâncias" (Brinberg & McGrath,1985: 13). Os pesquisadores
3. Transcreva os textos em detalhe. Alguns textos, ta is como mate-
estão iniciando a difícil tarefa de construir um enfoque para a valida- rial de arquivo, artigos de jornal, ou registras parlamentares, não .
de, que não se apóie na retórica ou na norma da objetividade para
necessitam de transcrição.
sua justificação (ver Henwood, 1999, para uma discussao ).
4. Faça uma leitura cética e inter rogue o tex to . I
1

Qual é então o status de uma análise? 5. Codifique, tão inclusivamente quanto p ossível. Talvez você quei-
ra revisar suas questões de p esquisa, à me d ida que surgirem cri-
U ma a nálise de discurso é uma leitura cuidadosa, próxima, que térios no texto.
caminha entre o texto e o contexto, para examinar o conteúdo, or-
ganização e funções do discurso. Os analistas de discurso tendem a 6. Analise, a) examinando regulari d ade e variab ilidade nos dad os ,
ser pessoas muito humildes que não gostam de afirmações bombás- e b) criando hipóteses tentativas.
ticas, e nunca irão argumentar que sua maneira é a única man~ira de 7. Teste a fidedignidade e a validade através de: a) análise de casos
ler um texto. Em uma análise final, a análise de discurso é uma inter- desviantes; b) compreensão dos participantes (quando apropria-
jJretação, fundamentada em uma ai-gum~ntação detalhada e uma da): e c) análise da coerência.
atenção cuidadosa ao material que está sendo estudado.
8. Descreva minuciosamente.

E que dizer da reflexividade?


No ta: Sou extremamente grata a Bruna Seu por seus comentários valio-
Os críticos da análise de discurso gostam de um esporte que é sos sobre este capítulo.
uma variante da tradicional competitividade acadêmica: o esporte
implica em atacar o analista com um triunfante "Há! Te peguei!", e
dizen d o que se toda linguagem é construtiva, então a linguagem dos ~
>ii Referências bibliográficas
analistas de discurso também o é, e que, conseqüentemente, suas ?':.

análises são meras construções . Os analistas de discurso estão bem ASHMORE, M. ( 1989). The Rejlexive Thesis: Wrighting Sociology ofScimti-
conscie ntes disso: na verdade, fomos nós que o dissemos a nossos fic Knowledge. Chicago, IL: University of Chicago Press.
cr íticos! Mas isso não acaba de modo algum com a questão da análise ATKINSON, J.M. & HERITAGE, J. (1984). Structuw of Social Action:
do d iscurs o. De fato, ela serve unicamente para realçar o fato inegável Studies in Conve?'Sation Analysis . Cambridge: Cambridge UniYersity
de que a linguagem é construída e construtiva. Não há nada simples so- Press.
bre linguagem! Alguns analistas de discurso se tornaram particular-
BILLIG, M. (1987). Arguing a.nd Thinking: a Rhetorical Approach to Soc'ial
mente interessados nesse ponto reflexivo, e começaram a fazer expe-
Psychology. Cambridge: Cambri dge University Press.
riências com diferentes maneiras de escrever, que fogem da autoridade
trad icional, desencarnada, monológica dos textos acadêmicos tradi- - (1988). Methodology and Scholarship in Understanding Ideological
cionais, e são mais divertidos e exploratórios (ver Ashmore, 1989; Explanation. ln: C. ANTAKI (ed.). Analysing Eve?)'day ExjJlanation: a
Woolgar, 1988; Gill, 1995; 1998; Potter, 1996b; Myersetal., 1995). Casebook ofMethods. London: Sage.
- (1991). Ideology and Opinions: Studies in Rhetorical Psychology . Cam-
bridge: Cambridge University Press.

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'"""~
r ....... P~~~UISA. ~~ALI~A. r:v~ CC~M. TExr?: !MA?E~ ES.OM . .. . . . . ... .. ~':"t, l 0 . ANÁLISE DE DISCURSO

~~----~

BRINBERG, D. & M CGRATH,J. (1985). Validity and the Research Pro- TODD, B. NERLICH et al. (eds. ). Mixing Methorls in Psychology. Lon-
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